Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 30 de março de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (13) ACCIOLY NETO - MEU FORRÓ (2001)

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 23 de março de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (12) CARBONO 2015

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 16 de março de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (11) - NORIEL VILELA

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 09 de março de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (10) WALDICK SORIANO

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 01 de março de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (9)

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 22 de fevereiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (8)

 

 

 

Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 15 de fevereiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (7) - MARIA ALCINA

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 08 de fevereiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (6)


 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 02 de fevereiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (5)

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 25 de janeiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (4)

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 18 de janeiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (3)

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 11 de janeiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS? (2)



Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 05 de janeiro de 2018

VAMOS FALAR DE DISCOS?


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 29 de dezembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: BOB NELSON

 

 

 

Bob Nelson (1918-2009)

 

Bob Nelson foi, sem sombra de dúvidas, uma das figuras mais emblemáticas da música popular brasileira. Ator e cantor, o artista caracterizava-se por um repertório country e uma vestimenta que fazia jus ao repertório. Para quem não sabe, Bob Nelson foi o grande ídolo de toda uma geração de quando inciou a sua carreira (inclusive do nosso Rei Roberto Carlos). Batizado como Nelson Roberto Perez, Bob iniciou a carreira artística cantando na Rádio Educadora de Campinas (SP), chegando a acompanhar Carmen Miranda em 1939, quando ela por lá se apresentou. Ainda no interior paulista inicia a carreira imitando o americano Gene Autry, fazendo sucesso imediato com a versão para “Ó Suzana” feita por ele. Por conta desta versão começou a ganhar diversos prêmios e a vencer concursos de calouros, até chegar na Rádio Tupi de São Paulo.

Um fato curioso neste período é o cheque recebido de Assis Chateaubriand, dono da Rádio Tupi, para comprar um traje completo de vaqueiro e se apresentar ao comandante, chefe das tropas americanas no Atlântico Sul naqueles anos de guerra, o General Douglas Mac Arthur. Ao sair do interior para a capital paulista, Nelson Roberto troca o nome Nelson Perez por Bob Nelson, uma jogada de sorte, uma vez que, na onda da guerra, e do esforço oficial pró-americanos, acaba conquistando significativos espaços.

Vendo que oportunidades melhores poderiam estar na então Capital Federal parte em direção ao Rio de Janeiro para tentar a sorte grande como artista. Era no Rio que estavam as grande oportunidades artísticas da época e com este desejo de ser artista, para outro lugar o pretenso ator e cantor não poderia seguir. Sem poder viver exclusivamente de sua arte, Bob que paralelamente ao sonho de ser cantor havia se diplomado pela Escola de Comércio de Campinas, ao chegar na cidade maravilhosa vai ser representante das extintas indústrias de Meias Ethel. Ao mesmo tempo que iniciava a sua carreira artística como cantor nos cassinos cariocas, cantava também em rádios, bailes e orquestras. No entanto, a “sorte grande” que tanto almejava não havia marcado encontro com ele na década de 1930. No entanto a década de 1940 chegaria acompanhada por sua consagração artística.

Em 1943 ganhou um prêmio na Rádio Cultura de São Paulo por sua interpretação de “Oh, Susana” (veja vídeo no final da postagem). Daí em diante as portas se abrem para o “Vaqueiro Alegre” (nome pelo qual ficou conhecido) e tem a oportunidade de gravar os filmes “Segura esta mulher” e “Este mundo é um pandeiro“. Levado pelo ator Ziembinsky, apresenta-se no Cassino Atlântico, cantando também no Cassino da Urca, Cassino Icaraí e no Clube Quitandinha. Pelas mãos de Haroldo Barbosa é indicado neste período para ser contratado pela Rádio Nacional, onde fez grande sucesso permanecendo por 29 anos. Em 1944, gravou seu primeiro disco pela RCA Victor, onde interpretou a canção “Oh! Suzana” e a valsa “Vaqueiro alegre“, de Kanter, em versão de Bob Nelson e Vitor Simon. No ano seguinte grava o foxtrote “Okey Jones” e a marcha “Minha linda Salomé“, de Denis Brean e Vitor Simon. Em 1946, gravou outro grande sucesso de sua carreira, a marcha “O boi Barnabé“, sua e de Vitor Simon.

Ainda na década de 1940, mais precisamente em 1949, fez temporada na Rádio Jornal do Comércio no Recife, acompanhado do Conjunto Regional da mesma rádio do qual faziam parte Sivuca, Jackson do Pandeiro e Luperce Miranda. Sem dúvida alguma, assim como Pedro Raimundo e Luiz Gonzaga, Bob Nelson destacou-se por suas vestimentas e pela inovação naquilo que produziam, pois foi o primeiro artista a fazer a fusão entre o caipira brasileiro e o country americano. Em 1996, teve lançado pelo selo Revivendo o CD “Vaqueiro alegre”, coletânea de seus sucessos. É válido um registro curioso a respeito do início de sua carreira: na época em que tentava a sorte grane chegou a atuar ao lado do então desconhecido sanfoneiro Luiz Gonzaga, que também viria a se consagrar como um dos mais representativos artistas nacionais anos depois.

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 22 de dezembro de 2017

DUZÃO MORTIMER - ENTREVISTA EXCLUSIVA

 

 Cantor, compositor e instrumentista, o mineiro volta ao nosso espaço para mais um bate-papo exclusivo

Tal qual um alquimista, Duzão Mortimer sabe dosar tudo aquilo que constitui a sua sonoridade como é possível observar nos mais distintos projetos musicais aos quais vem se dedicando ao longo das últimas três décadas. Seja em projetos coletivos ou em carreira solo, Duzão traz como marca maior naquilo que apresenta um certo q de hibridismo que não o faz divagar aleatoriamente sem saber onde vai chegar. Pelo contrário, é nesse despretensioso contexto que le vagueia firme nos gêneros que a música brasileira tem por melhor como vem sendo possível perceber aqui mesmo em nosso espaço onde o artista mineiro já esteve presente em algumas matérias, dentre as quais a pauta “EQUILÍBRIO E ENERGIA REGEM A MÚSICA DO HOMEM DE LABORATÓRIO”, matéria publicada recentemente e que apresenta o seu mais novo projeto fonográfico. Hoje, Duzão volta ao nosso espaço para mais esta entrevista exclusiva. Excelente leitura!!

Se analisarmos a sua discografia veremos que os intervalos existente em seus primeiros projetos são longos. Agora em carreira solo houve um encurtamento nestes intervalos. Sem as amarras inerentes tão presentes nas decisões coletivas a inspiração, no seu caso, flui melhor?

DM – Olha, Bruno, a questão é do tempo para dedicar-me à música. Eu sou professor universitário desde 1983. Me aposentei em 2016 mas mantenho a posição de professor de pós-graduação na Faculdade de Educação da UFMG. Tenho, portanto, alunos de mestrado e doutorado e projetos de pesquisa. No entanto, estou com mais tempo para dedicar à música, sendo daí que vem a maior velocidade nos projetos.

Em sua opinião o que difere este mais recente trabalho do seu projeto anterior?

DM – O trabalho anterior, ‘Trip Lunar”, era mais intimista, com arranjos mais variados e uma sonoridade bem mineira. Mesmo as canções mais pra cima tinham uma certa complexidade. Praticamente toda as letras são do Marcelo Dolabela, que foi e continua sendo o principal letrista das minhas canções. Não havia um tema que predominasse, ainda que grande parte das letras falassem em amor. Assim, ora abordava-se as desventuras de uma Trip Lunar, em que amantes se separam em viagens a Buenos Aires ou Tel Aviv, ora nos corações meninos que são guardados como pássaros que ainda não sabem voar. No “Homem de Laboratório”, ao contrário, predomina uma veia mais pop, com rock, funk, reggae, blues, baião e samba, ainda que os arranjos continuem a ser sofisticados. A essa simplicidade nas músicas soma-se a maior presença minha enquanto letrista, também com mensagens mais diretas e menos sofisticadas, muitas relacionadas a problemas ambientais. Veja, por exemplo, Buraco de Ozônio. Fala diretamente dos possíveis efeitos do buraco na camada de ozônio e do efeito estufa, ainda que com uma clara licença poética. A única sofisticação, que pode passar despercebida ao ouvinte, é a coleção de substâncias químicas que já foram responsáveis por graves acidentes químicos – como o isocianato de metila, que foi responsável pelo Desastre de Bhopal, na Índia, o maior acidente industrial químico ocorrido até hoje. Na madrugada de 3 de dezembro de 1984, 500 mil pessoas foram expostas às 40 toneladas de gases tóxicos – o principal deles é justamente o isocianato de metila – que vazaram da fábrica de pesticidas da empresa norte-americana Union Carbide. A principal causa desse desastre foi a negligência com a segurança. No primeiro momento morreram 3.000 pessoas, mas esse número pode ter chegado a 10 mil, devido a doenças relacionadas à inalação do gás. Da mesma forma, o Césio 137 é o isótopo radioativo responsável pelo Desastre de Goiânia, em 1987, e o mais perigoso isótopo disperso no Desastre de Chernobyl, ocorrido em 1986. Assim, “Buraco de Ozônio” sintetiza uma importante mensagem do disco, que diz respeito aos produtos da Ciência e da Tecnologia que escapam diretamente ao nosso controle e ameaçam o meio ambiente e a nossa existência no Planeta.

 

O que você destacaria como marca maior deste disco?

DM – Esta é a marca que destaca-se também em outras canções, por exemplo, o “Novo Homem”, poema de Carlos Drummond de Andrade que musiquei. Aí não são as ameaças químicas que importam, mas a ameaça genética. O ser humano está no limiar de criar uma nova espécie, um super-homem de laboratório, que derrotará as doenças e viverá muito mais. Ele “ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavaleiro em noventa idiomas, chegará a Marte em seu cavalinho, de ir a toda parte mesmo sem caminho”. Mas esse super-homem é também o algoz da espécie humana, pois acabara com o Homo Sapiens. Ou o manterá para satisfazer seus desejos e caprichos, aprofundando a dominação do homem, agora pelo super-homem. Essa é a mensagem que busca passar no disco, sobre o nosso futuro. Acho que é hora de acordarmos para isso, questionarmos o que a Ciência e a Tecnologia têm produzido. Como, apesar dos benefícios inquestionáveis que vêm trazendo à vida de cada um e cada uma, ainda ameaçam a nossa existência sob duas formas distintas: uma é a destruição ambiental, a outra é a destruição genética. Afora essas duas canções que sintetizam a mensagem mais global do disco, há outras igualmente fortes, que questionam problemas mais locais, do Brasil, por exemplo, a violência em que vive o homem e a mulher da cidade grande, com medo tanto do bandido quanto da polícia. “A minha paranoia é a minha solidão”, diz “Luzes da Cidade”, que ao final propõe que se “apague as luzes da cidade, talvez a paranoia se dissolva em confusão, talvez essa penumbra reacenda uma paixão” pois “a luz há de brilhar na estrela e no luar”. Um disco com essas mensagens não poderia ser feito encima de temas musicais intimistas, mineiros. Ele tinha que conter uma veia mais pop, mais agressiva.

Por falar em marca, é muito perceptível tanto no “Trip lunar” quanto em “Homem de laboratório” o contexto agregador nos quais eles foram constituídos. Um exemplo disso é “Vidas secas”, canção de autoria do Ivan Mortimer e presente em seu mais recente álbum. Como esse contexto é desenvolvido? É algo natural que vai amadurecendo no decorrer do projeto ou ele já existe ainda quando a coisa está no campo das ideias?

DM – O Ivan é meu filho e sempre me acompanhou, desde que retornei às cenas musicais em 2014, e mesmo antes, quando tentamos relançar “O Grande AH!…” com uma formação mais familiar. Natural que eu busque também divulgar suas músicas e isso só tende a aumentar à medida em que penso nos projetos futuros. No “Trip Lunar” ele comparecia tocando guitarra e baixo e cantando uma das canções, “Quem Inventou?”. Esse projeto foi o primeiro disco solo que fiz, depois de muitos anos sem produzir nada para o público. Natural que eu agregasse várias pessoas. Assim, havia a participação de vários cantores e músicos, como o Ladston do Nascimento, a Leopoldina, a Simone Wajnmsan, o José Luis Braga, o Marcos Pimenta, o Chico Amaral, o Elio Silva, a Daniela Rennó. Houve também a influência dos meus filhos na escolha de uma nova geração de músicos mineiros, como Alexandre Andrés, João Machala, Ygor Rajão, Henrique Staino, Rafael Pimenta, Joana Queiroz, Pedro “Trigo” Santana. Havia também arranjadores muito especiais dessa nova geração, como o Rafael Martini e João Antunes, e outros da minha geração, como Pedro Licínio. O disco foi produzido e dirigido musicalmente com muito carinho e dedicação pelo Thiakov, também da nova geração. Agora, no “Homem de Laboratório” eu coloquei mais a minha marca, pois canto todas as canções, algumas com vocais de Leopoldina, duas dividindo o lead vocal com Marcos Pimenta, um eterno parceiro e amigo, e uma com Juliana Perdigão, um nome emergente na música mineira. A exceção fica justamente para “Vidas Secas”, cantada pelo Ivan Mortimer. Em “Trip Lunar”, a minha presença como cantor estava diluída, e a banda de base era mais caseira, com os meus dois filhos, Lucas e Ivan, o filho de Marcos Pimenta, Rafael Pimenta, e Leo Lima, um parceiro de longa data, desde os tempos de “O Grande AH!…” No “Homem de Laboratório” eu toquei com uma banda de base que já me acompanhava em shows desde 2015, constituída pelo Vinícius Mendes, que assinou também os arranjos de sopro e teclados e a direção musical, o Gabriel Bruce, na bateria e alguns arranjos rítmicos, o Willian Rosa, no baixo, e o Ivan Mortimer, na guitarra. Portanto, há mais pega nesta banda, mais entrosamento, o que condiz com o astral do disco, mas pra cima. Evidentemente que diferentes músicos contribuíram com os arranjos, mas a sua presença no disco é mais diluída, colaborando com arranjos que já estão estruturados pela banda de base.

Quanto ao título “Homem de laboratório” pode subtender-se que se trata de uma sutil alusão à sua vida enquanto docente de química?

DM – Essa é uma leitura possível, um segundo sentido que propositalmente escapa na leitura. Mas o principal motivo é o poema do Drummond que musiquei, “Novo Homem”, que fala de um homem feito em laboratório, que ao final, acabou com o homem, bem feito. Agora, o que não tira a importância dessas canções para projetos que estamos desenvolvendo para o ano de 2018, e que falarei mais adiante.

Em tempos onde o dinamismo e a urgência predominam, você vem (a partir do seu próprio tempo) apresentar um disco concebido em quase um ano e meio. como se dá essa relação com o tempo?

DM – Eu tenho 62 anos, e isso faz toda a diferença. Não há pressa quando se atinge essa idade. O importante é deixar as coisas decantarem, amadurecerem, esfriarem para ouvir novamente. Além disso, eu mantenho outras atividades na minha vida de professor universitário. Mas o principal motivo é justamente dar tempo ao tempo para que a coisas se acomodem bem, para que fiquem próximas ao que realmente queremos. Um disco feito em pouco tempo não permite isso. Você põe o ponto final nas músicas muito rapidamente.

Por falar neste contexto como se dá o seu processo de composição?

DM – Eu, atualmente, componho basicamente por duas vias: uma é pura inspiração e as músicas vem de primeira, completas, e aí vou trabalhar com letras e adaptá-las ao formato da música. Outra via é o trabalho árduo encima de temas que surgem. Eu trabalho profundamente esses temas, vou remoendo-os mesmo, até que encontro uma saída e a música se completa. Quase sempre uso o instrumento para compor, seja o violão e a guitarra, seja o piano. Já fiz muitas músicas em conjunto com o Marcelo Dolabela, buscando nas suas letras a sonoridade adequada para compor uma canção ou compondo a letra na medida da música, mas já faz tempo que não uso essa alternativa.

Como se deu a escolha do repertório? (uma vez que o disco mostra-se abrangente e coerente ao se tratar dos gêneros apresentados)

DM – O repertório vem naturalmente quando pensamos na estrutura de cada disco. No “Trip Lunar” havia essa coisa da mineiridade e da doçura, e isso predominou na escolha do repertório. No “Homem de Laboratório”, a pega mais pop foi fundamental e isso também predominou na escolha do repertório. Portanto, cada disco tem sua estrutura pensada antes mesmo de escolher o repertório e isso determina essa escolha, pois fica fácil buscar, entre as minhas canções, aquelas que têm a cara que definimos para o disco.

Ao longo dessas quase três décadas de carreira, você apresenta uma extensa produção acadêmica em detrimento à sua trajetória enquanto músico. Hoje talvez você se encontre em uma situação mais confortável para dedicar-se ao hobby. Como tem sido hoje a resolução desse binômio?

DM – Eu me considero um “músico de laboratório”, ou seja, não consigo pensar na minha vida atual sem a música e sem o trabalho da universidade. Quando comecei na Universidade, em 1983, estávamos a todo vapor com “O Grande AH!…”. Em 1988 fizemos o primeiro disco, e 1989 foi um ano de muitos shows, estava a todo o vapor. Mas em 1990 eu comecei a fazer doutorado, algo que era fundamental para ter uma carreira na Universidade. E aí percebi que não dava para conciliar as coisas, que a carreira universitária demandava muito. Assim, fizemos mais um disco, Mariantivel, em 1997, mas esse já foi um projeto feito sem muito tempo. Abandonei a carreira de músico naturalmente, eu queria desenvolver minha profissão de professor universitário e ela exigia dedicação exclusiva. Agora, em 2013, quando decidi fazer o disco solo, “Trip Lunar”, era como um teste para o meu futuro. Eu queria voltar para a carreira de músico, cantor e compositor e um disco era a melhor solução para marcar um reinício. Em 2014 o disco ficou pronto e partimos para o lançamento. Eu, ao mesmo tempo, pedi minha aposentadoria em 2016 e agora estou com mais tempo para dedicar à essa velha/nova carreira. Só que não tem sido fácil, as coisas mudaram muito, mas eu continuo teimando em fazer música e em lançar novos projetos. Aí surgiu “Homem de Laboratório”, que começou a ser feito em 2016 e está aí, na praça. Já tenho um novo projeto no forno, mas em 2018 vou me dedicar a divulgar o “Homem de Laboratório”.

Como estão a questão da divulgação deste novo projeto para 2018?

DM – Pois é, como eu falei, a vida de músico continua difícil. Aí, temos que pensar em alternativas para conseguir divulgar o trabalho e nos firmar no cenário musical. Esse novo disco é justamente a fusão entre o Duzão químico e o Duzão músico – é nesse filão que eu pretendo atuar. Fazer projetos de aulas-shows nas escolas públicas, para turmas de adolescentes, discutindo os temas de ciência e tecnologia que povoam o “Homem de Laboratório” e que procurei sintetizar nesta entrevista: a destruição do meio ambiente e os resultados da revolução genética que podem aniquilar o Homo Sapiens. Eu recupero também algumas canções didático-científicas que estavam, por exemplo, no disco “1989” de “O Grande AH!….”. “A Terceira de Newton” é uma estória bem humorada dos três dias na vida de Newton que antecederam a formulação da sua Terceira Lei. Assim, essa aula-show, que será feita unicamente por mim, terá vários elementos de ciência e de música e os alunos serão convidados a elaborar algo nesta fronteira. Depois de fazermos aulas-shows em algumas escolas de um bairro que tem um Centro Cultural, faremos um show neste Centro, agora com toda a banda, para mostrar o “Homem de Laboratório” para uma plateia mais ampla, mas que tem por base os adolescentes que participaram das aulas–shows. Esse é o principal projeto pra 2018 e com ele pretendo começar a romper essa diferença geracional que separa a minha música do adolescente.


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 14 de dezembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: JORGE GOULART

 

Hoje retomo a carreira de um artista que além de grande intérprete, foi uma das figuras mais importantes da música popular brasileira, por sua militância em divulgá-la no exterior e por seu incentivo aos compositores e sambistas das classes mais populares, que dificilmente conseguiam espaço na mídia para divulgarem seus sambas. No entanto até chegar a este patamar o artista penou um bocado como foi mostrado ao longo da semana passada. Sua maré de azar só conseguiu mudar para melhor após a década de a partir de sua atuação no filme “Segura esta mulher“, de Watson Macedo contracenando com Grande Otelo, Aracy de Almeida, Emilinha Borba, Bob Nelson e outros.

A partir de 1948 ingressou na gravadora Star e lançou os sambas “Alfredo“, de Buci Moreira e Haroldo torres e “Caso perdido“, de Henrique de Almeida e Geraldo Gomes. Após gravar mais alguns 78 RPM’s pela pequena gravadora é contratado pela Continental, onde grava sambas como “Miss Mangueira“, de Antônio Almeida e Wilson Batista; “São Paulo“, de Haroldo Barbosa e Garoto; “No fim da estrada“, de Wilson Batista e Nóbrega de Macedo. Gravou também as marchas dos clubes de futebol do América, do Madureira e do Bonsucesso, todas de Lamartine Babo. Sem contar a marcha “Balzaqueana“, de Nássara e Wilson Batista, gravada com acompanhamento de Severino Araújo e sua orquestra Tabajara. Essa canção foi uma das mais cantadas do carnaval de 1950. Com o sucesso deste disco, foi convidado para trabalhar no cast da Rádio Nacional, lá permanecendo por 15 anos. No entanto a consagração dentro da música popular ainda estaria por vir na década seguinte. Sem contar a relação que viria a ter com outro expressivo nome da MPB da época.

Em 1951, lançou a marcha “Sereia de Copacabana“, um grande sucesso no carnaval; e no ano seguinte iniciou relacionamento afetivo com a cantora Nora Ney, recém-separada. A oficialização da relação viria a ocorrer três décadas depois, quando em 1982 casaram-se oficialmente. Dentre as façanhas artísticas de Jorge está o fato de ter sido um dos primeiros a interpretar em shows na noite do Rio de Janeiro o samba-canção “Vingança“, de Lupicínio Rodrigues (não o gravou por motivos contratuais pois era contratado da gravadora Continental e Lupicínio Rodrigues, artista exclusivo da concorrente RCA Victor). Canções de destaque entre suas gravações são o samba-canção “Mané Fogueteiro“, de João de Barro e o samba “Cais do porto“, de Capiba, considerado um das obras-primas do compositor pernambucano. Na sua discografia destaque para o LP “Brasil em ritmo de samba”, onde interpreta algumas canções pra ufanistas de grande sucesso nacional, tais quais “Brasil moreno“, de Ary Barroso e Luiz Peixoto, “Canta Brasil“, de David Nasser e Alcyr Pires Vermelho, “Isso aqui o que é?” e “Aquarela do Brasil“, de Ary Barroso.

Um destaque em sua biografia musical é a aproximação com os sambistas dos morros cariocas na década de 1950. Enquanto a maioria pessoas tratavam tais músicos com certa indiferença, Jorge Goulart buscou fazer o contrário, aproximando-se de nomes como Zé Kéti, Candeia, Silas de Oliveira e Elton Medeiros. Essa aproximação rendeu-lhe o grande sucesso “A voz o morro“, de Zé Kéti gravado em 1955 com acompanhamento de Radamés Gnattali e sua orquestra. Vale o registro de que ainda na década de 1950 o cantor foi agraciado com o troféu Microfone de Ouro instituído pela revista Radiolândia. Sucesso absoluto ao longo da década inteira.

Para encerrar a abordagem acerca desse saudoso nome de nossa música deixo aqui mais duas canções do seu repertório. A primeira trata-se de “O céu virá depois”, composição de Sérgio Malta, que concorreu ao festival “As dez mais lindas canções de amor”, promovido pela extinta TV Rio em 1960. Jorge Goulart a lançou em disco no LP oficial do certame, editado pela Copacabana.

 

A segunda trata-se de “Ser mãe”, canção com melodia de Silvino Neto, aproveitando poema clássico de outro Neto, o Coelho. Saiu pela Mocambo também em 78 rpm, com o número 15425-B, matriz R-1370 em 1962.

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 08 de dezembro de 2017

EQUILÍBRIO E ENERGIA REGEM A MÚSICA DO HOMEM DE LABORATÓRIO

 

 Após regressar de uma trip lunar, Mortimer imerge nas peculiaridades sonoras do Brasil

 

As ligações químicas entre dois átomos se estabelecem quando a força de união entre eles é suficiente para dar origem a um agregado estável (ao menos é o que diz alguns teóricos a respeito de tema). Pelo que parece, a música também faz-se capaz de criar um contexto semelhante. Nela, o “agregado estável” transfigura-se em distintos contextos. Uma parceria (mesmo que bissexta), a química presente na junção de diferentes sonoridades, ou até mesmo na constituição e confecção de instrumentos musicais. Um dos exemplos mais conhecidos da relação entre a qualidade do som e a química são os famosos violinos Stradivarius. O seu som inimitável parece estar ligado ao tratamento químico da madeira e sobretudo às características do verniz utilizado no acabamento. Tudo isso aparentemente explica que a química é capaz associar-se a música para nos trazer verdadeiras situações onde prevalecem agradáveis sensações de sinestesias. Talvez, por todo o seu embasamento acadêmico, Duzão se dê conta desta intrínseca relação existente e use do seu know-how para poder, equilibradamente, dar vazão a sua arte. Entremeado neste contexto o multifacetado Duzão Mortimer firma-se com relevante destaque no cenário artístico mineiro. Após o lançamento do seu primeiro álbum solo em 2014 agora o cantor, compositor, acadêmico e instrumentista volta ao mercado fonográfico com “Homem de laboratório”, projeto que destaca-se por algumas características que vem pontuando a sua trajetória discográfica desde o lançamento do primeiro álbum ao qual participou e que no próximo ano completa três décadas.

Duzão Mortimer deu início a sua vida artística na década de 1980 de modo paralelo a sua carreira acadêmica em Minas Gerais. Bacharel e licenciado em Química desde 1980, o professor Eduardo Fleury Mortimer possui mais de setenta artigos publicados e ultrapassa a marca dos 140 trabalhos em eventos das mais diversas áreas de conhecimento. Envolto a vida acadêmica, fez da América do Norte e do Continente Europeu a oportunidade que faltava para também agregar elementos das respectivas culturas à sua sonoridade. Como dito, Duzão foi capaz de apreender um ritmo próprio em sua carreira, criando um modo particular de conduzi-la. Talvez por isso a sua discografia seja composta por apenas quatro títulos em quase três décadas de carreira: um LP lançado em 1988, um CD em 1997 com O Grande Ah!, grupo que contava com a presença do professor universitário e músico Marcos Pimenta (figura recorrente na carreira de Mortimer), seu primeiro disco solo lançado em meados de 2014 intitulado “Trip Lunar” e agora este, “Homem de laboratório”. O disco tem início reiterando a questão ambiental a partir de “Buraco de ozônio”, faixa que reforça a necessidade da conscientização humana. Para dar ênfase a proposta do disco, o compositor traz na canção elementos que embasam o porquê podemos ser considerados pejorativamente “homens de laboratório”. “Luzes da cidade” retrata, em forma de canção, a máxima de que “À noite todos os gatos são pardos”. O amor e seus nuances chegam em “Céu de vagabundo”… Diferente da clássica “Adeus América”, Duzão em “Buda de neve” despede-se da América não para voltar ao Brasil, mas para ir ao encontro da cultura oriental. A poesia mineira faz presente a partir do poema “O novo homem”, de autoria de Drummond e musicado por Mortimer. Além das faixas “Buda de neve”, “Fórmulas mágicas” e “Pânico” (todas instrumentais), o disco ainda apresenta o samba “Uma nódoa, um nada um não”, o rock “Papéis”, o forró “Vidas secas” e o reggae “Nada de narda” celebrando os gêneros musicais reafirmando a ideia inicial desta matéria: as ligações, as conjunções (neste caso, a sonora).

Gravado no Estúdio Mortimer (localizado na capital mineira) entre março de 2016 e maio de 2017, “Homem de laborarório” foi produzido por Duzão sob co-produção do seu filho Lucas Mortimer e Vinícius Mendes. Na base da tecitura sonora do projeto além de Duzão Mortimer (violão, guitarra e voz), nomes como Vinícius Mendes (teclado, flauta, sax tenor, alto e soprano), Gabriel Bruce (bateria), Willian Rosa (baixo), Ivan Mortimer (guitarra e voz). O disco ainda conta com os convidados Rafael Pimenta, PC Guimarães, Bruno Oliveira e Igor Neves em “Uma nódoa, um nada, um não”, João Machala e William Alves (sopros em “Síndrome da China”, “Luzes da Cidade” e “Nada de Narda”), Isaque Macedo, Wagner Souza, Marx Marreiro, Bill Lucas, Marcílio Rosa e as vozes de Juliana Perdigão (em “O Novo Homem”), Leopoldina (em “Buraco de Ozônio”, “Céu de Vagabundo” e “Síndrome da China”) e Marcos Pimenta (em “Nada de Narda” e “Uma nódoa, um nada, um não”).

Longe de ser conceitual, “Homem de laboratório” busca apresentar características que regem a sonoridade do cantor, instrumentista e intérprete. Mesmo sendo um projeto híbrido, o disco não permite-se ao desencontro, pois a fusão de elementos rítmicos trazem ao resultado final uma coerência aparentemente inimaginável. Aliás, a sonoridade dos projetos apresentados por Mortimer é algo de merecido destaque uma vez que passa longe de todo e qualquer estigma existente, marca esta que segue o passo do álbum anterior. Outra destacável característica é a ênfase à sua verve autoral, ora solo ou a partir de distintas parcerias, Duzão despretensiosamente foge do lugar-comum. Se a química é a ciência que estuda a constituição da matéria pouco importa… para este homem de laboratório a música faz-se mais relevante, pois através de uma combinação harmoniosa e expressiva de sons mostra-se capaz de nos conduzir de um modo que fugimos das regras convencionais. Sem contar que na arte (assim como na natureza) nada se perde e tudo se transforma como preconizou Lavoisier. Música é isto: é biológico, quântico, composição, substância… e só alguém com profundo conhecimento a respeito, um homem verdadeiramente de laboratório, é capaz de enxergar plenamente.


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 30 de novembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: ZECA PAGODINHO

 

 

 

 Zeca Pagodinho

Dentro do samba contemporâneo Jessé Gomes da Silva Filho talvez seja o nome mais expressivo de sua geração (pelo menos em termos de popularidade). Cantor e compositor, Jessé nasceu em Irajá onde desde pequeno passou a frequentar rodas de samba influenciado por sua família. Sua incursão pelo universo do samba se deu nas mas distintas freguesias cariocas, mas antes de dedicar-se totalmente à carreira artística chegou a ter diversas funções. Já foi feirante, office-boy e anotador de jogo de bicho, mas nenhuma dessas atividades o afastaram de suas duas grandes paixões: a música e a cerveja. O pontapé inicial em sua carreira artística pode-se dizer que se deu a partir de rodas de samba existentes nos bairros de Irajá e Del Castilho, subúrbio do Rio de Janeiro. Adolescente, começou a participar das rodas de samba e partido-alto do subúrbio, sendo integrante do bloco carnavalesco Bohemio de Irajá, e foi nesse período que ganhou o apelido de “Pagodinho”, por frequentar os pagodes na casa de Tia Doca, em Madureira.

Além disso, era assíduo frequentador das rodas de samba do Bloco Cacique de Ramos, onde começou a ser admirado pelos seus versos e por sua capacidade de improvisar. Por essa época, conheceu Arlindo Cruz, futuro parceiro em grandes sucessos. Dessas incursões pelo samba suburbano carioca seu nome e voz, aos poucos, foi ganhando a devida e merecida projeção principalmente após ter o irrestrito apoio à carreira artística de Beth Carvalho. Beth, que conheceu Zeca em uma dessas rodas de sambas no Cacique de Ramos em 1981, convidou-o para participar de seu disco “Suor no rosto”, de 1983, no qual cantaram em dueto “Camarão que dorme a onda leva”, de autora do próprio Zeca, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço.

Apesar de ter dado o primeiro passo no contexto fonográfico, ainda faltava algum tempo para o seu primeiro registro fonográfico. Antes de lançar o seu primeiro disco solo chegou a participar em 1985, pela RGE da coletânea “Raça brasileira”, juntamente com Jovelina Pérola Negra, Mauro Diniz, Pedrinho da Flor e Elaine Machado. Este disco foi um sucesso de vendas e execução nas rádios e ajudou a propagar o nome de Zeca e colaborou para a mesma gravadora apostar as fichas no nome de Zeca. O primeiro disco solo, “Zeca Pagodinho”, de 1986, vendeu 800 mil cópias, e veio acompanhado por vários sucessos como “SPC” (parceria com Arlindo Cruz), “Brincadeira tem hora” (c/ Beto Sem Braço) e “Judia de mim”, em parceria com Wilson Moreira.

Por muitos admiradores do samba, este primeiro LP de Pagodinho é considerado uma obra-prima do partido-alto, mas sua maior consagração ainda estaria por vir. Compositor já bastante conceituado no meio samba, tendo músicas de sua autoria gravadas por alguns dos nomes mais representativos do gênero, Zeca ao longo dos anos de 1980 anda chegou a lançar os LPs “Jeito moleque”, do disco “Bate outra vez”, em homenagem a Cartola, no qual interpretou “Minha”; lançou o disco “Boêmio feliz” e, em 1990, lança o LP “Mania de gente”. Foi uma década em que apesar do estrondoso sucesso do seu primeiro LP a carreira de Jessé ainda estaria por ganhar uma projeção e aceitação popular ainda maior nas décadas seguintes como hoje é possível observar e atestar dentre tantos projetos e sucessos acumulados ao longo das décadas de 1990, 2000 e 2010 a exemplo dos projetos lançados pela MTV Brasil (tradicional reduto do pop-rock). Na MTV, Zeca foi o primeiro artista de samba a gravar um especial de TV, CD e DVD na emissora. E tem mais: O Acústico MTV, gravado no Rio, foi um de seus discos mais vendidos, rendendo inclusive uma segunda edição em 2006 (a primeira da história da MTV Brasil).

Deixo agora para os amigos fubânicos a canção “Vacilão“, de autoria dos compositores Adílson Cristo e José Roberto:

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 23 de novembro de 2017

MOSTRA INTERNACIONAL DE MÚSICA DE OLINDA - MIMO

 

 

 

A cada nova edição, o Festival mostra-se mais imprescindível tanto para a o calendário cultural da cidade quanto por aqueles ávidos por boa música

Na cidade que é um dos símbolos maiores do carnaval em nosso país há quem passe o ano inteiro esperando um outro festejo que vem desde 2004 (com exceção apenas de um ano nesse ínterim) ornamentando a cidade a partir dos mais belos adjetivos culturais existentes. Quando surgiu em 2004, a Mostra Internacional de Música de Olinda chegou não apenas como uma nova proposta de entretenimento, mas como algo para além dos púlpitos onde artistas do Brasil e do mundo apresentavam-se. Arregaçando as mangas e partindo para a concretização desse aparente utopia estava lá Lú Araújo, pessoa intimamente ligada à música desde a infância, onde teve a oportunidade de crescer no contexto musical a partir do contato com grandes ídolos da música popular a partir da loja de discos do seu pai. A identificação foi tão grande com a música que anos depois Lú abriria a sua própria loja de discos, destacando-se mais uma vez pelo modo visionário de enxergar as coisas, pois foi responsável pela primeira loja do Brasil só para independentes, a In-dependente. Tudo isso confluiu e muito para o conceito desse festival que nasceu com apenas 4 concertos e chegou a ter mais de 40 ao longo de sua trajetória.

Vi num carnaval uma pessoa jogando uma garrafa de cerveja na porta da Igreja da Sé. Aquilo me fez pensar que Olinda merecia ser conhecida em outro momento, com outro espírito. A primeira Mimo teve só cinco concertos. Mas o primeiro teve duas mil pessoas na plateia. Não é um festival mofado, não tem o pé no antigo. Fico feliz de ver na plateia crianças, tatuados, rastafáris.“, comenta Lú que já pensa nas edições do ano que vem sempre buscando manter uma característica inerente ao festival desde a sua primeira edição: a fusão do erudito com o popular.

2017 começou com o festival aportando em janeiro na terceira mais populosa do Reino Unido, Glasgow, a maior cidade da Escócia. Ainda no primeiro semestre do ano permaneceu em terras europeias, dessa vez na cidade de Amaranto, onde ocorreu a primeira edição do festival em terras portuguesas buscando manter os mesmos moldes das edições realizadas no Brasil. Depois de ter edições realizadas em cidades como Recife e João Pessoa, o MIMO mantém em seu calendário no Brasil as cidades mineiras de Tiradentes e Ouro Preto, no Rio de Janeiro, além da capital, a cidade litorânea de Paraty e, em sua última parada, a cidade que deu origem ao evento. Na edição portuguesa nomes como Hamilton de Holanda, Richard Bona, Anne Paceo e Herbie Hancock; no Brasil artistas de relevância nacional e internacional fizeram parte da grade de programação do evento este ano a exemplo de Didier Lockwood, Baby do Brasil, 3ma, Laura Perrudin entre outros atrativos que sacramentam o Festival MIMO como algo imprescindível para o calendário cultural nacional.

Plural, o MIMO faz-se valer de tal adjetivo a partir dos mais variados prismas, seja na abrangência de sua programação, seja na diversidade do seu público assim como também nos objetivos buscados desde a primeira edição do evento. Em tempos polaridades aguçadas nos mais variados sentidos, só a música para apresentar uma proposta agregadora, fazendo-nos acreditar que a língua da música apazígua e nos traz o alento necessário para encararmos dias e situações hostis. Só provas concretas como estas nos conduz à certeza de que “Sem música a vida seria um erro” como bem observou o filósofo e crítico cultural Friedrich Nietzche. Valeu MIMO! Valeu Lú Araújo por arregaçar as mangas e sair do campo do devaneio, do abstrato para levar ao mundo não apenas um sonho a ser realizado, mas evento que gera receita e renda para dezenas de pessoas envolvidas


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 17 de novembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: JORGE GOULART

Hoje quero relembrar um dos grandes nomes da música popular brasileira que começou a carreira nos anos de 1940, mas que se destacou a partir dos anos de 1950. Carioca, Jorge Goulart, tem por nome de batismo Jorge Neves Bastos e foi o primogênito dos quatro filhos do casal Iberê Bastos e Arlete Neves Bastos. O seu interesse pela música surgiu desde cedo, ainda criança, quando começou a participar de serestas no bairro carioca do Méier. Nessa época gostava muito de cantar os grandes sucessos dos cantores em maior evidência nas rádios: Vicente Celestino, Francisco Alves, Orlando Silva, o seu preferido, e Carlos Galhardo. Aos 17 anos, ficou conhecendo os compositores Benedito Lacerda, Custódio Mesquita e Orestes Barbosa, apresentados por seu pai, no antigo Café Nice.

No entanto esse encontro não facilitou a sua vida enquanto pretenso artista, pois a sua carreira começou não nas rádios onde tais compositores e artistas tinham livre acesso, mas como crooner em 1943 apresentando-se em casas noturnas da então capital federal. O nome artístico de Jorge Goulart surgiu por orientação da radialista Heloísa Helena, que tirou o sobrenome de um produto muito popular na época, o “elixir de inhame Goulart”. Por ser ainda menor de idade, era comum os músicos o esconderem quando surgiam os fiscais em busca de irregulares nos dancings por onde se apresentavam. Na época, costumava cantar principalmente composições de Custódio Mesquita, pois para divulgar suas músicas, Custódio o pagava Cr$ 10,00 por dia. Essa estratégia não era novidade, muitos autores da época usavam desses e outros recursos para ter suas composições no gosto popular.

Vem dessa época dois marcos em sua carreira. O primeiro acontecimento é que é desse período as suas primeiras participações nos programas radiofônicos. Sua primeira incursão pelas ondas sonoras do rádio aconteceu na programação noturna da Rádio Tupi por intermédio do cantor João Petra de Barros. Neste mesma emissora chegou a ter um programa semanal de aproximadamente 15 minutos, antes do encerramento das transmissões da rádio. Além disso o seu primeiro sucesso vem deste mesmo período: “Xangô”, de Ary Barroso e Fernando Lobo. A canção com orquestração de Guerra-Peixe, que interpretou no programa de Ary e que lhe valeu um contrato exclusivo com a Rádio Tupi. Segundo o próprio cantor costumava dizer: “esta música lançou-me definitivamente no rádio brasileiro”.

Em 1945, por influência de Custódio Mesquita que na ocasião era diretor da Victor, lançou seu primeiro disco cantando a valsa “A Volta” e o samba “Paciência, Coração”, as duas de Benedito Lacerda e Aldo Cabral, com acompanhamento de Benedito Lacerda e seu regional. Em 14 de março de 1945, estava escalado para gravar, por escolha do seu autor Custódio Mesquita, o samba-canção “Saia do caminho”. Na véspera da gravação o compositor faleceu subitamente e a música, para infelicidade do então jovem iniciante, acabou sendo lançada por Aracy de Almeida. Apesar de gravar excelentes compositores, seus 78RPM não aconteciam fato que acabou fazendo com que a gravadora Victor o dispensasse. Sua maré de azar nesta segunda metade da década de 1940 parecia não ter fim, pois após participar do show organizado por Chianca Garcia, ‘Um Milhão de Mulheres’, em turnê por Porto Alegre, o empresário Chianca Garcia acabou indo à falência e teve que demitir todo o elenco do espetáculo ainda na capital gaúcha. Para conseguir o dinheiro para pegar o vapor de volta ao Rio de Janeiro o cantor teve de permanecer um tempo cantando em casas noturnas.

Deixo aqui para os amigos a canção “Mundo de zinco”, composição de Antônio Nássara e Wilson Batista em registro de 1952. Mundo de zinco


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 09 de novembro de 2017

ISOLDA

Isolda

 

A cantora e compositora hoje em questão traz em seu gene a música. Com bisavô e avó maternos maestros e compositores, não é difícil afirmar que esta condição acabou por influenciar tanto a ela quanto ao irmão a enveredar para a música e tornarem-se responsáveis por diversas canções que caíram no gosto popular em especial na década de 1970 a partir da voz de um dos maiores nomes da música popular brasileira: Roberto Carlos. Intérprete para projeção nacional melhor não haveria de existir. Vem desde essa época registros de canções como “Jogo de damas”, “Elas por elas”, “Amigos, amigos”, “Um jeito estúpido de te amar”, “Como é possível”, “De coração pra coração”, “Quando vi você passar”, “Pelo avesso” e “Outra vez” (canção que consagrou em definitivo a compositora). Estas oito canções gravadas pelo Rei acaba por colocar Isolda, sem sombra de dúvidas, entre os compositores mais gravados por Roberto Carlos apo longo de toda a sua carreira e, se avaliarmos por gênero, deduzo ser a compositora mais gravada pelo autor de “Detalhes“, tanto que é conhecida como “a compositora do Rei”.

No entanto é preciso enfatizar que diversos são os outros intérpretes de suas letras e canções, dentre eles o irmão Milton Carlos que gravou diversas canções da dupla, Wando, Os incríveis entre tantos. Só “Outra vez” ganhou versões de Maria Bethânia (que a gravou no álbum “Diamante verdadeiro”, de 1999), Gal Costa (que a registrou no álbum “De tantos amores”, de 2002), Roberta Miranda (1990), Emílio Santiago (“O canto crescente de Emílio Santiago”, 1979), Altemar Dutra (1979), Agnaldo Timóteo e Wanderley Cardoso (ambos gravaram em 1998), Nelson Gonçalves (1980), Cauby Peixoto (1979), Sérgio Reis (2001), Simone (1979) e etc.

Como já dito, sua família era extremamente musical, e isso acabou por despertar o interesse pelas artes de modo geral tanto na compositora quanto no irmão. E foi a partir de brincadeiras com o irmão que se deu a sua aproximação da música. Com Milton Carlos a futura compositora começava a fazer músicas e histórias para teatrinhos de boneca. Queria ser jornalista mas, ainda na adolescência, começou a participar, juntamente com o irmão, de festivais de música pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Com uma voz andrógena, porém belíssima, o irmão conseguiu a oportunidade de gravar o primeiro LP e para isso resolveu solicitar canções junto à irmã.

Neste álbum de estreia de Milton Carlos estão presentes da lavra de Isolda as faixas “Desta vez te perdi“, “Tudo parou“, “Eu vou caminhar” e “Um presente para ela“. Exitosamente passou a receber pedidos de músicas de outros cantores e cantoras. Só em 1972 teve cinco músicas gravadas por importantes nomes da música: Os Incríveis, Nilton César, Nalva Aguiar, Antônio Marcos e Silvinha. Em 1973, conheceu o primeiro grande sucesso quando Roberto Carlos ouviu, através do amigo comum Eduardo Araújo, a música “Amigos, amigos”, parceria de Isolda com Milton Carlos e resolveu gravá-la.

Seu maior sucesso, “Outra vez“, foi gravada pela primeira vez em 1977 (mas composta um ano antes, no mesmo ano da morte prematura do irmão em um acidente automobilístico). Esta foi a primeira canção onde Isolda fez sozinha letra e música. Há quem afirme que a canção tenha sido composta em homenagem ao irmão, no entanto em diversas entrevistas concedidas ela disse que fez inspirada em antigos amores relembrados após um encontro com algumas amigas. Reza a lenda que Isolda gravou esta canção acompanhada ao violão por Sérgio Sá de modo bastante despretensioso em uma fita onde já constavam outras composições em parceria com o já saudoso irmão. Na fita, era a única canção composta só por Isolda. Quase ela não mandava ao Roberto a canção que se tornaria o seu maior sucesso como compositora. Ainda bem que mudou de ideia!

Deixo aos amigos leitores o seu maior sucesso no registro mais conhecido: Outra vez, na voz do cantor e compositor Roberto Carlos: Outra vez – Roberto Carlos.

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 02 de novembro de 2017

NELSON CAVAQUINHO

Um dos maiores sambistas da história da música popular brasileira tem histórias das mais diversas a serem registradas. Nelson Antonio da Silva nasceu na Rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1911. Aos 20 anos casa-se obrigado com Alice Ferreira Neves, sua primeira companheira, com quem teve quatro filhos. Para garantir o sustento, o pai, Brás Antônio da Silva, falsificou a identidade e filho Nelson para 21 anos e arrumou para ele ser cavalariano da Polícia Militar. Mas, como policial, Nelson continuaria a ser ótimo boêmio.

Há diversos e divertidos relatos a respeito de sua passagem pela Polícia Militar. Dizem, por exemplo, que em uma noite de farra na Mangueira, onde fazia a ronda, Nelson perdeu o próprio cavalo. Ao voltar ao quartel, o cavalo estava lá comendo sua ração. Desse modo indisciplinado, era impossível seguir carreira militar, o que acabou o afastando da pretensa carreira, oportunizando-o dedicar-se à boemia de modo mais intenso. No entanto para viver essa condição era preciso recursos (inexistentes devido a sua saída da polícia). A alternativa era vender seus sambas para obter alguns recursos. O que as pessoas não sabiam era que Nelson era capaz de vender a mesma composição para diversos parceiros na maior cara dura como relataria por exemplo, o parceiro Milton Amaral. Segundo ele, quando foi a editora para assinar o contrato, constatou que já era o 16º autor da mesma música. Nelson já havia vendido o samba no mínimo 14 vezes. Impossível não ser descoberto com tamanha cara de pau. É por essa razão que Cartola nunca quis fazer uma música com Nelson apesar de serem extremamente ligados. Cartola tinha medo de não saber quantos parceiros viria a ter depois do samba pronto.

Há outros fatos interessantes envolvendo Nelson e a bebida. Boêmio inveterado, Nelson tinha por hábito passar dias e dias sem dar notícias em farras, como ninguém sabia o paradeiro dele e os meios de comunicação na década de 1940 ainda estavam engatinhando, certa vez, depois de passar três dias fora de casa, ao voltar descobriu que sua mãe havia morrido e já tinha sido enterrada. Vale salientar que estes dias em que se dedicava à bebida também eram regados com muita música e parcerias que renderam ao músico além da ingestão das mais distintas bebidas alcoólicas, a inspiração para que o músico carioca produzisse. Uma outra passagem na biografia do compositor carioca envolvendo bebida, se deu quando o artista recebeu um cachê por uma de suas apresentações. Ao chegar no bar após a sua apresentação madrugada adentro, o proprietário do bar sabendo que se atendesse a Nelson não teria hora pra fechar o estabelecimento foi logo dizendo: “- Nelson, infelizmente eu já estou fechando daqui a pouquinho”. Sabendo que não encontraria mais lugar nenhum para comprar seu “combustível”, o autor de clássicos da MPB fez a seguinte proposta: “Por quanto você me vende duas garrafas de aguardente, quatro cadeiras, uma mesa e uma grade de cerveja?”. Após a negociação o cantor e compositor acabou fechando negócio ficando na frente do estabelecimento por todo o resto da madrugada e início da manhã. No outro dia, quando o dono do bar voltou para abrir o estabelecimento, lá estava Nelson e seus amigo de copo firmes e forte. Pelo o que se ver, a relação do artista e a bebida rendeu, além de grandes canções que caíram no gosto popular e tornaram-se clássicas a partir de distintas gravações, histórias engraçadas.

Agora, para os amigos, a canção “Juízo final”, clássico do repertório do Nelson e da música popular brasileira. A canção é de autoria da dupla Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito: Juízo Final:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 19 de outubro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: AMELINHA

 

Hoje quero trazer para esta coluna o nome de Amélia Cláudia Garcia Collares Bucaretchi, que ficou popularmente conhecida como Amelinha, artista que surgiu a partir dos anos de 1970 na leva dos grandes nomes que surgiram na música brasileira a partir daquela década oriundos do Nordeste.

Intérprete, já registrou os mais distintos gêneros musicais existentes no país tais quais Xotes, baiões, forrós peneirados, galopes e arrasta-pés a partir de projetos fonográficos diversos a exemplo do CD “Só Forró“, lançado em 1993 pela Polygram (um projeto em homenagem ao forró a partir de alguns dos mais representativos nomes que engrandeceram o gênero país afora como João do Vale e Luiz Gonzaga).

Além deste projeto a sua biografia (discograficamente falando) é composta por discos como “Flor da paisagem”, seu álbum de estreia lançado em 1977 e que traz um repertório essencialmente nordestino a partir de canções como “Santo e Demônio” (Fagner/Ricardo Bezerra), “Depender” (Fagner/Abel Silva), “Cintura Fina” (Luis Gonzaga/Zé Dantas), “Flor da Paisagem” (Robertinho de Recife/Fausto Nilo), “Senhora Dona” (Brandão/ Petrúcio Maia), “Agonia” (Fagner) entre outras.

Em 1979 lançou “Frevo mulher“, um disco que traz o primeiro registro da canção “Dia Branco” (de autoria do cantores e compositores Geraldo Azevedo e Renato Rocha), “Frevo Mulher” (canção de autoria de Zé Ramalho e que viria a se tornar um clássico do repertório de ambos) e “Galope rasante” (outra canção da lavra do cantor e compositor paraibano). Seus dois LP’s seguintes, “Porta secreta” e “Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor” trouxeram mais canções que caíram no gosto popular, além de registro de autores como Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Djavan, Vital Farias, Gonzaguinha, Moraes Moreira, Novelli, Cacaso entre outros.

São desses álbuns faixas como Gemedeira (Robertinho de Recife/Capinan), “Periga ser” (Fausto Nilo/Robertinho de Recife), Foi Deus que fez você (Luis Ramalho), Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor (Otacílio Batista/Zé Ramalho), Amar quem eu já amei (João do Vale/Libório), Água de lua (Djavan) entre outras.

Para quem não sabe a cantora é cearense e radicou-se no Sudeste no início da vida adulta objetivando estudar comunicação. Pode-se afirmar que a música entrou em sua vida de modo bastante despretensioso. Suas primeiras incursões na música ocorreram de forma bastante amadora, participando de shows do conterrâneo Raimundo Fagner. A partir destas apresentações surgiram algumas oportunidades para aparecer em programas de televisão. Em 1975 viajou com Vinicius de Moraes e Toquinho onde participou de diversas apresentações da dupla. Essa convivência inspirou Vinicius de Moraes que compôs para ela “Ah! quem me dera“. Como dito, a sua notabilidade nacionalmente falando veio na mesma época que toda uma leva de artistas nordestinos chamados genericamente de “Pessoal do Ceará”, entre os quais estavam seus conterrâneos Raimundo Fagner, Ednardo e Belchior.

Dentre suas façanhas profissionais está o disco de ouro conquistado com o disco “Frevo mulher“, a sua participação no Festival MPB 80, da Rede Globo, classificando em 2º lugar a música “Foi Deus quem fez você“. Devido ao sucesso desta música, vendeu mais de um milhão de cópias do compacto homônimo, e foi a primeira música a alcançar o primeiro lugar entre as mais executadas tanto nas faixas de FM quanto de AM naquele ano. Outro feito da cantora: teve um dos seus LP’s por 30 semanas entre os 50 LPs mais vendidos do país, entre outras façanhas.

Para matar a saudade desta intérprete deixo aos amigos a canção “Dia Branco”, presente no álbum “Frevo mulher” e a canção “Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor”. A primeira é uma faixa composta por Geraldo Azevedo e Renato Rocha:

 

A segunda canção é uma das canções mais marcantes da carreira da cearense e como dito é de autoria de Zé Ramalho e Otacílio Batista:

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 12 de outubro de 2017

ENTREVISTA COM ZÉ RENATO

 

Com 40 anos de carreira, o músico capixaba faz uma retrospectiva biográfica a partir de sua trajetória enquanto integrante de vários projetos musicais, assim como também instrumentista, compositor e intérprete em diversos projetos solo.

De passagem pela capital pernambucana, onde apresentou-se em duas ocasiões em Casa Forte, o cantor, instrumentista e compositor Zé Renato recebeu-nos para um descontraído bate-papo onde relembrou histórias suas ligadas ao período que antecedeu o início de sua trajetória musical, a sua participação nos grupo “Cantares”, projetos fonográficos (solos, em duo e projetos coletivos) e sua participação no grupo que o projetou nacionalmente: o Boca Livre.

Nesta informal conversa é possível também tomar conhecimento de algumas curiosidades acerca do autor de “Bicicleta” como sua breve passagem pelo teatro e a importância do show “Milagres do peixe”, do Milton Nascimento, em sua trajetória musical.

Além disso, falamos sobre projetos futuros, lançamentos fonográficos agendados para breve, sua relação com o público pernambucano entre outras coisas.

Papo agradabilíssimo.

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 05 de outubro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: LÔ BORGES

O nome que hoje trago para nosso espaço é um dos mais representativos da música popular brasileira a partir dos anos de 1970, pois ao lado de nomes como Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Túlio Mourão, Milton Nascimento, Ronaldo Bastos, Márcio Borges, Tavinho Moura, Fernando Brant e tantos outros foi responsável por um dos movimentos mais expressivos da história da MPB: o Clube da Esquina.

 

 

Tal movimento nasceu a partir das frequentes reuniões no apartamento do senhor Salomão Borges, em Belo Horizonte. Lá era comum a reunião alguns daqueles que se tornariam expressivos nomes de nossa música encontrarem seus filhos Marilton e Márcio para fazer música e falar sobre cinema. Esses encontros tornaram-se fundamentais para a iniciação deste movimento que chamaria a atenção do país inteiro após um dos participantes vencer o Festival de Música Popular Brasileira e ao ter uma de suas composições, “Canção do sal“, gravada pela então novata Elis Regina ainda na década de 1960.

Enquanto toda essa efervescência musical ocorria Lô Borges curtia a adolescência nas ruas de Santa Teresa ao lado do também futuro cantor e compositor Beto Guedes (amizade que começou ainda na infância por intermédio de uma patinete) e fazia as suas primeiras incursões pela música com o conjunto musical formado ao lado dos irmãos, os “Beavers”, integrado, também, pelo inseparável amigo. É válido o registro de que sua família está intrinsecamente ligada às artes, pois dos seus 11 irmãos muitos envolveram-se com música, como é o caso de Márcio Borges, seu parceiro constante, e Telo Borges, autor, junto com o irmão Márcio, de “Vento de maio“, música que foi gravada por Elis Regina. Telo, por exemplo, já traz em sua biografia alguns projetos fonográficos.

Tal movimento foi batizado de Clube da Esquina, devido ao hábito deles reunirem-se na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, para trocar ideias musicais. A partir desses encontros (tanto na esquina quanto em seu apartamento), Lô Borges começou a se aventurar no universo da composição e corajosamente apresentou algumas dessas canções a Bituca, que era o apelido de Milton Nascimento.

Milton Nascimento apaixonava-se cada vez mais a cada nova canção apresentada e desse encontro surgiu um dos discos de maior visibilidade de Milton: “Clube da Esquina“, lançado em 1972 e que, dentre as 21 faixas presentes, tem oito assinadas por Lô. Sua participação foi fundamental nesse disco, ajudando a caracterizar a sonoridade do Clube da Esquina ao lado dos amigos. Na contracapa, seu nome aparece em destaque ao lado do nome de Milton Nascimento.

No ano seguinte, lança pela EMI-Odeon seu primeiro disco solo. O LP, que ficou conhecido como o ”Disco do tênis”, contou com a participação de Beto Guedes e Flávio Venturini, mas não atingiu o sucesso de sua primeira incursão fonográfica.

Sua discografia ainda conta com álbuns como “Via Láctea” (1979), “Os Borges” (1980), “Sonho real” (1984), “Meu filme” (1996), “Horizonte vertical” (2011), entre outros. Nas últimas décadas tem se aproximado de novos compositores mineiros como é o caso de Samuel Rosa, parceiro em canções como “Dois Rios” e “Lampejo“. Essas parcerias eternizaram-se em CD e DVD em 2016 quando chegou às lojas de todo o país o projeto “Samuel Rosa & Lô Borges: Ao Vivo no Cine Theatro Brasil“. Parceiro de nomes como Caetano Veloso, Ronaldo Bastos, Chico Amaral, seus irmãos entre outros; suas canções foram gravadas por nomes como Nana Caymmi, Simone, Gal Costa e Elis Regina que, além de gravar de sua autoria “Trem Azul“, também deu este título ao seu último show. Essa turnê gerou o álbum duplo homônimo, gravado ao vivo e lançado, em 1982, pela Som Livre.

Deixo agora para os amigos leitores duas canções da lavra do Lô Borges. A primeira trata-se de “Sonho real“, canção de autoria da dupla Lô e Ronaldo Bastos e que foi lançada em 1984 em álbum homônimo:

 

A segunda canção trata-se de “Quem sabe isso quer dizer amor“, canção dos irmãos Lô e Márcio Borges. Esse registro que aqui se encontra foi feito no álbum “Um dia e meio“, de 2003:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 28 de setembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: RENATO BRAZ

 

Renato Braz é uma das gratas surpresas surgidas na música popular brasileira a partir dos anos de 1990. Seu primeiro disco chegou ao mercado em 1996, mas o início de sua carreira se deu tocando bateria e cantando em bares e casas noturnas de São Paulo, além de participar de diversos festivais de música por todo o país. O seu modo discreto de conduzir a carreira acabou por fazê-lo um artista muito bem conceituado, no entanto sem o destaque merecidoapesar de belíssimos trabalhos lançados ao longo dessas últimas duas décadas de estrada. Com discos pautados na qualidade sonora e uma seleta escolha de repertório, Renato (ao lado de Mônica Salmaso, Zeca Baleiro, Pedro Mariano, Chico César e alguns outros poucos que agora não me recordo), vem se destacando como um dos mais expressivos nomes da geração surgida na MPB ao longo dos anos de 1990.

Seu primeiro disco, como dito lançado em 1996, trouxe como título o seu nome e apresenta um repertório que fugia da linha mercadológica fonográfica vigente a partir de um repertório que conta com faixas como “Anabela” (Mário Gil e Paulo César Pinheiro), “Bambayuque” (Zeca Baleiro), “Retirantes” (Dorival Caymmi), “Estrela da terra” (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), “7×7” (Guinga e Aldir Blanc), “Pagã” (Chico César), “Passarinheiro” (Jean Garfunkel e Pratinha) e “Meu drama” (Silas de Oliveira e Joaquim Ilarindo), entre outras. Apesar de ser um estreante, este disco contou com a participação dos músicos Sizão Machado, Mário Gil, Laércio de Freitas, da também iniciante Mônica Salmaso e do conceituado e exigente Dori Caymmi, que participou da faixa “O porto”. Por este disco, em 1997, o CD “Renato Braz” foi indicado para o Prêmio Sharp, na categoria Revelação.

Desde então o artista hoje em questão vem galgando espaços significativos dentro da música popular brasileira contemporânea de qualidade a partir de projetos como o CD “História antiga”, que lançado em 1998 contém em seu repertório músicas de autores como Dori Caymmi, Paulo César Pinheiro, Tom Jobim, Vinicius de Moraes Zé Dantas, Edu Lobo, Chico Buarque, entre outros. Novamente o disco contou com a participação de Dori Caymmi no violão e nos arranjos. Essa amizade com o Dori acabou os aproximando ao ponto do cantor, instrumentista e compositor radicado nos EUA esteja quase sempre presente nos projetos fonográficos do músico e cantor paulista.

Sua discografia conta ainda com projetos como “Outro quilombo” (que ratifica a seleta escolha de repertório a partir de nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sueli Costa entre outros). Por conta do CD “Outro quilombo”, foi contemplado com o o Prêmio Visa/Edição Vocal, em 2002, o que lhe rendeu a gravação, nesse mesmo ano, do CD “Quixote”, no qual registrou as músicas como “Disparada” (Geraldo Vandré e Téo de Barros) e “Canto das três raças” (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), entre outras; o CD “Por toda a minha vida – As canções de Jean e Paulo Garfunkel”; “Papo de passarim”, disco gravado ao vivo no Teatro Fecap (SP) em parceria com Zé Renato; projeto lançado em 2012; ao lado do músico Nailor Proveta o disco “Silêncio – Um tributo a João Gilberto” (2014). Em 2015 lançou “Saudade” (projeto voltado para o mercado americano onde constam algumas regravações ao lado do nomes como Paul Winter,Dixon Van Winkle, Dori Caymmi, Ivan Lins e The Dmitri Pokrovsky Ensemble) e “Canela” (projeto ao lado do Quarteto Maogani). Atualmente vem divulgando “Mar Aberto” (2016), projeto lançado ao lado do amigo Mário Gil.

Deixo agora para os amigos leitores duas canções presentes na discografia do intérprete: a primeira vem a ser a canção “Não vim pra ficar“, música de autoria da dupla Paulo César Pinheiro e Wilson das Neves que encontra-se presente no disco “Quixote.

 

A segunda canção vem a ser O amor, poema de Maiakowski adaptado por Ney Costa Santos e Caetano Veloso. Esta canção encontra-se no terceiro disco do artista intitulado “História Antiga”, lançado em 1998:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 21 de setembro de 2017

CRISTIANE QUINTAS, COM 20 ANOS DE CARREIRA, É PÉROLA AOS POUCOS
 

 

Artista pernambucana radicada no Canadá já há algum tempo, Cristiane usa a saudade como combustível para a sua arte

É inegável a relevância da música pernambucana no cenário músico-cultural do nosso país. Pernambuco presenteou o Brasil como nomes representativos nos mais variados estilos musicais existentes: Capiba eNelson Ferreira (como representantes máximos do gênero-identidade do Estado, que é o frevo) Luiz Gonzaga, Marinês e Dominguinhos (xotes, baiões e xaxados), Reginaldo Rossi (no gênero denominado brega), Fernando Lobo (relevante compositor brasileiro e pai do não menos importanteEdu Lobo), Moacir Santos (que como diria Vinícius de Moraes: “Não és um só, é tantos como o Brasil de todos os santos”), o músico Walter Wanderley; Geraldo Azevedo, Naná Vasconcelose Alceu Valença como exponentes da geração pós bossa-nova e tropicalismo, assim também Chico Science como exponencial da música produzida em nosso estado a partir dos anos de 1990 e que por conseguinte voltaria os holofotes para trabalhos de nomes como Lenine, Lula Queiroga, Silvério Pessoa, Siba, Mestre Ambrósio, Cascabulho, entre outros nomes que a partir do movimento denominado Mangue Beat.

Com o advento da tecnologia nesta nova era digital e a reviravolta no mercado fonográfico dos anos 2000 em diante, a música pernambucana foi somando forças à sua tradição, buscando aglutinar diversos e distintos gêneros e influências a partir de mais um sem fim de de artistas que brotam a cada oportunidade surgida e reverberam a sua arte nos quatro cantos do planeta como é o caso de nomes como a SpokFrevo Orquestra, a Orquestra Contemporânea de Olinda entre outros nomes que reafirmam, em tempos onde aquilo que se vende por cultura é de qualidade duvidosa, a importância pernambucana no cenário musical nacional.

É neste novo contexto que surge um novo nome neste incessante cenário musical, trata-se da cantora, instrumentista, escritora, crítica literária e compositora Cristiane Quintas. Inquietamente criativa (assim como a música produzida em Pernambuco), a designer Quintas além de atuar nas artes plásticas, traz em sua bagagem a sua chancela em diversas produções literárias infantis ao longo dos últimos anos. Como exemplo desta afirmação há o livro “Cantando com os animais”, que chegou ao mercado editorial pelas mãos da Editora Bagaço em outubro de 2005 na Bienal do Livro. Este disco merece destaque levando em consideração que foi ele que oportunizou a cantora e compositora a gravação do seu primeiro CD. Sendo complemento do projeto literário, o disco traz a partir de temas infantis toda a criatividade musical e interpretativa da artista em questão.

O sucesso foi tamanho que a primeira edição desta produção literária esgotou-se em apenas dois meses e foi adotado em algumas escolas do Recife como paradidático. No entanto acho válido o seguinte comentário: apesar da artista já contar com 26 títulos em sua bagagem e trazer como proposta profissional a finalidade de iniciação musical para pequenos, foi na música onde ela primeiro se destacou. Tanto é verdade que sua produção bibliográfica traz como uma das principais marcas essa indissociável relação entre a ludicidade, música e o contexto literário. Um trabalho que destaca a música como elemento facilitador para a formação de pequenos leitores. Para atender a esta proposta, dentre outros títulos, a escritora e pedagoga traz em sua bagagem”A fuga da bailarina”, “O galo sapateador”, “A centopeia”, “Os mundos de Tita e Bete”, “Era uma vez nosso mundo”, entre outros.

Além desse contexto literário, Cristiane traz em sua biografia profissional outro momento de merecido destaque: embasada em temas que permeiam o universo infantil, buscou somar forças à poesia e inspiração do compositor Xico Bizerra e junto fizeram o projeto “Ser tão criança” (onde é possível ser encontrado no site www.passadisco.com.br). Compositor que abrange os mais distintos gêneros existentes na música brasileira, Xico até então não possuía experiências maiores no nicho infantil, mas respaldado na experiência litero-pedagógica de Quintas foram capazes de gerar um dos mais belos e singelos título da exitosa série Forroboxote (primeiro dedicado às crianças) do compositor cearense. É um disco que conta com a participação de nomes de destaque da música pernambucana a exemplo de Geraldo Maia e Nena Queiroga e abrange os mais distintos gêneros da cultura nacional como xotes, cocos, sambas de latada entre outros a partir de temas referentes a natureza, fenômenos naturais, a fauna entre outros presentes nas doze faixas do disco.

Desse modo, o talento abrangente de Cristiane Quintas reafirma que Pernambuco é, antes de tudo, um estado marcado por uma diversidade cultural singular, e que apesar de todas as dificuldades existentes, busca manter sua cena viva a partir de toda a efervescência que lhe é tão peculiar. Neste cenário, nomes como o de Quintas destacam-se por reafirmarem um compromisso maior com a criatividade, a sensibilidade e a qualidade naquilo que compõe, fazendo com que o público futuro, baseado em boas letras e melodias, acabe por tomá-lo como referência positiva diante de tanta coisa que destoa daquela definição que muitos tem do termo música a partir de letras e canções muito bem elaboradas e executadas em combate a degradação da cultura como um todo. E esse compromisso a recifense vem assumindo desde que deu início a sua trajetória artística ainda nos anos de 1990 quando sob direção do parceiro musical Paulo Carvalho, estreou como cantora no espetáculo “O começo de tudo”, onde apresentou um repertório pautado em nomes como Chiquinha Gonzaga, Nelson Cavaquinho eGuilherme de Brito.

Ao longo de duas décadas de carreira, a multifacetada artista fez incursões por projetos como “Quinta de cantoria” no teatro do parque, ao lado de Publius Figueiredo, Edmilson eAntonio Lisboa, Maria da paz e muitos outros; esteve presente, em 2005, na abertura do show do violonista Yamandú Costa no saudoso Projeto Seis e meia e selou parcerias como nomes como o do já citado Paulo Carvalho, Bia Marinho, Zeh Rocha e Alberto de Oliveira. É por essas e outras que afirmo de modo convicto aquilo que trouxe como título desta pauta: Cristiane Quintas é pérola aos poucos, e pode ter certeza: É um grande privilégio tomar conhecimento de trabalhos como o que ela desenvolve.

Para audição dos amigos uma das canções da parceria musical existente entre Cristiane e Paulo Carvalho intitulada “Tem mais um folião“:

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 14 de setembro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: WILSON DAS NEVES

Recentemente tive a oportunidade de trazer aqui mesmo para esta coluna o nome do consagrado instrumentista, compositor e cantor Wilson das Neves. Como foco da primeira abordagem trouxe o início da carreira de Das Neves e compreendi em parte o porquê de um refrão que ele traz consigo como marca registrada: “Ô sorte!”. De fato o instrumentista teve bastante sorte no início de sua carreira artística ao cruzar com nomes precisos e fundamentais para o seu desenvolvimento artístico. Não foi à toa que cerca de seis anos de dar início a sua carreira profissional, Wilson já estava acompanhando alguns dos mais destacáveis nomes da música popular brasileira daquela época. Pautada sempre a partir do samba, de grandes parceiros e execuções que trazem consigo um toque bem característico do artista que hoje vem colhendo os frutos de uma exitosa carreira construída ao longo dos últimos sessenta anos.

Retomando a abordagem biográfica, nos anos seguintes Wilson das Neves diversificou tornando-se também intérprete. Em sua discografia, a estreia se deu em 1996, no álbum “O Som Sagrado de Wilson das Neves“, lançado pela CID com participações de Paulo César Pinheiro e Chico Buarque, agraciado à época com o Prêmio Sharp. De lá pra cá já gravou discos como “Brasão de Orfeu” (2004), “Samba de Gringo 2” (2006) e “Pra Gente Fazer Mais Um Samba” (2010); ingressou na Orquestra Imperial; atuou em filmes e documentários tais quais “Noel – Poeta da Vila“, “O Filho do Futebol” e “Alfavela” (sem contar o documentário “O Samba é Meu Dom”,sobre sua vida e obra feito por Cristiano Abud). Em mais de cinquenta anos de carreira como baterista acompanhou mais de 600 artistas, entre os quais Carlos Lyra, João Bosco, Bethânia, Gal, Emílio Santiago, Nelson Gonçalves, Caetano Veloso, hico Buarque, Elizete Cardoso, Beth Carvalho, Roberto Carlos, Elis Regina, Gilberto Gil, Alcione, Tom Jobim e Miucha, entre vários artistas da MPB além de internacionais como Michel Legrand, Sarah Vaughan, Toots Thielemans e Sean Lennon.

 

 

Hoje, aos oitenta anos, o artista vem apresentando o seu novo álbum intitulado “Se me chamar, ô sorte”, lançado em 2013 e que tem entre seus produtores Paulo César Pinheiro. De repertório autoral, o disco contou com faixas como “Samba pra João” (c/ Chico Buarque), “Trato” (c/ Paulo César Pinheiro), “Limites” (c/ Toninho Nascimento), “O dono da razão” (c/ Toninho Geraes), “Se me chamar, ô sorte” (c/ Cláudio Jorge), em que dividiu os vocais com Cláudio Jorge, entre outras. O disco ainda conta com a participação especial da cantora Áurea Martins na faixa “Ao nosso amor maior” (Wilson das Neves e Luiz Carlos da Vila). Além desse disco, em comemoração as oito décadas de vida de Wilson foi lançada também pela editora Multifoco o livro “Ô Sorte! Memórias de Um Imperador” uma breve biografia do grande músico de autoria de Guilherme Almeida. Com este disco conquistou os prêmios de melhor Canção, pela música “Samba pra João” e de melhor álbum de samba pelo disco na 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Um dos momentos mais belos da Cerimônia de Abertura das Olimpíadas 2016, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, aconteceu justamente com a participação de Wilson.

Tocando samba em um pequeno instrumento musical de couro, que imitava uma caixinha de fósforos, Das Neves mostrou aos quatro cantos do mundo a força do samba brasileiro enquanto o passista-mirim Thawan Lucas da Trindade sambava ao seu lado. “Foi um momento de reverência à verdadeira história da música popular brasileira. Hoje, é aquele papo: muitos nem sabem quem foi Donga, João da Baiana, Wilson Batista… A gente cuida muito dos de fora e esquece os nossos. Santo de casa não faz milagre. Como sou um dos mais antigos, acho que a ideia ali foi “vamos lembrar, vamos ensinar”. Se a música é o nosso CPF, como Das Neves costuma dizer, sem dúvida alguma o músico octogenário é a nossa Receita Federal.

Encerrando a abordagem ao nomes deste já saudoso mestre deixo aqui para os amigos leitores a canção “O samba é meu dom”, uma parceria de Das Neves com Paulo César Pinheiro:

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 31 de agosto de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: WILSON DAS NEVES

Wilson das Neves

Falar dos grande representantes do samba ainda em atividade e esquecer o nome do cantor , instrumentista e compositor carioca Wilson das Neves é cometer uma das mais graves heresias existentes no universo musical brasileiro, Das Neves, como é conhecido no meio artístico começou a sua carreira como baterista na orquestra de Permínio Gonçalves na década de 1950 aos 21 anos de idade. Entre 1957 e 1968, Wilson acompanhou a pianista Carolina Cardoso de Menezes, foi membro do Conjunto de Ubirajara Silva, e estreou como “músico de estúdio” na Copacabana Discos; e se integrou em conjuntos como o de Steve Bernard e o de Ed Lincoln.

Ainda nestes primeiros anos como instrumentista firmou-se no meio musical e apesar do pouco tempo de carreira começou a acompanhar alguns dos maiores nomes da música brasileira desde então. No início tocou com nomes como o flautista Copinha, o pianista Eumir Deodato no conjunto Os Catedráticos, e com Eumir e Durval Ferreira no grupo Os Gatos. Em 1964 funda o grupo Os Ipanemas, com o qual chegou a gravar apenas um LP o qual continha canções que posteriormente viria a se tornar clássicos da música popular brasileira tais quais “Garota de Ipanema” e “Berimbau”.

Integrante das orquestras da TV Globo e da TV Tupi de São Paulo, em 1965 participou tocando bateria em todas as faixas do antológico disco “Coisas”, do mastro e compositor pernambucano Moacir Santos. Ainda na década de 1960 gravou com Elza Soares, o disco “Elza Soares – Baterista: Wilson das Neves”, formou seu próprio conjunto, registrou o LP “Juventude 2000”, gravou o disco e “Som Quente É o das Neves” com arranjos de Erlon Chaves (responsável também pelos arranjos do LP “Samba Tropi – Até aí morreu Neves”).

Na década de 1970 acompanhou grandes nomes da MPB como Roberto Carlos, Francis Hime, Taiguara, Elis Regina, Egberto Gismonti, Wilson Simonal, Elizeth Cardoso, Sérgio Sampaio, João Donato, Jorge Ben e Nara Leão em discos como “Lugar Comum”, “Meu Primeiro Amor” e “África Brasil”. Foi ainda nos anos de 1970, no LP “O Som Quente É o das Neves”, que Wilson das Neves estreou como cantor e compositor. Essa faceta do instrumentista evidencia-se de modo mais evidente a partir do samba, onde compôs canções com nomes como Nei Lopes, Moacyr Luz, Claudio Jorge, Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro entre outros.

É bem provável que esse seu lado tenha sido substanciado não apenas pela experiência de dividir o palco com nomes como João Nogueira, Beth Carvalho, Cartola, Nelson Cavaquinho, Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila entre outros, mas também por sua paixão pela escola de samba Império Serrano, onde tocava tamborim como ritmista. É de sua autoria (em parceria com Paulo César Pinheiro) a canção “O samba é meu dom”, uma belíssima música que traz em sua letra a citação de mais de vinte nomes de sambistas que contribuíram de modo significativo para a trazer o samba ao patamar ao nível em que hoje ele se encontra.

Trazer o nome de Das Neves a esta coluna é buscar dar as flores em vida a este nome que é uma das representações máximas do samba brasileiro. Sua linhagem é única, como tem sido percebível a cada novo projeto ao qual se deixa envolver, a cada novo álbum lançado ou a cada apresentação que costuma fazer empunhando suas baquetas. Uma das grandes vantagens de escrever uma coluna como esta é ter a oportunidade de não apenas trazer grandes nomes da MPB, mas falar de quem se admira como é o caso deste artista singular. Ô sorte!

Deixo aqui a sua parceria com o cantor e compositor Chico Buarque chamada “Grande Hotel”, neste registro de 1996 o cantor, compositor e instrumentista tem nos vocais a companhia de Chico Buarque, artista com quem fez parcerias nos palcos por cerca de 30 anos:

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 18 de agosto de 2017

COMEÇA POR PINTAR TUA ALDEIA - BRÁULIO DE CASTRO

 

Dando início à série de reportagens em comemoração aos 75 anos do cantor e compositor pernambucano Bráulio de Castro, aniversariando nesta data, 18 de agosto, hoje destacaremos a intrínseca relação entre a sua obra e o seu torrão natal

Nada mais adequada do que a citação do russo Leon Tolstoi para batizar esta matéria. Quando o escritor eternizou a frase “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” não imaginava que anos depois, de modo inconsciente, alguns levariam a sério tal afirmação em um país tropical a milhares de quilômetros distância do autor. Da poesia à música, muitos nomes vem ao longo dos anos enaltecendo a beleza natural de canto a canto do nosso país. De um lado, fala-se da fauna em canções como “Urubu“, “Passaredo“, “O rouxinol“, “As baleias” a partir de inspirações pontuais de compositores que ganharam notoriedade nacional; do outro nossa flora é enaltecida a partir de registros como “Sabor colorido“, do cantor e compositor pernambucano Geraldo Azevedo entre tantas outras que registram em verso e prosa toda a diversidade que é peculiar ao nosso país. Soma-se a este contexto personagens como o índio (a exemplo de “Cara de índio” e “Um índio“), a preocupação com a preservação do meio ambiente (“Xote ecológico“) e enaltação do mesmo (“Festa da natureza“). Somas-se a este contexto, não podemos deixar de citar nomes dos saudosos Dorival Caymmi (que fala com uma propriedade singular do mar, do chão e das peculiaridades da Bahia como poucos) e Luiz Gonzaga (que ao lado de seus notáveis parceiros foi capaz de retratar o Nordeste como um lugar unidimensional). E é neste Nordeste provinciano e de vasta riqueza natural, onde cada um dos seus recantos inspiram versos e melodias, que outros nomes buscam retratar a verdadeira identidade de uma região singular, onde o Sertão surge como espaço privilegiado, muitas vezes tomado como “o lugar em que reside a nossa autentica nacionalidade” como bem definiu Maria César Boaventura.

Foi nessa privilegiada região que nasceu Bráulio de Castro, cantor e compositor que chega hoje aos 75 anos de vida (onde cerca de seis décadas desta vem sendo dedicada à música). Filho de bom Jardim, cidade do agreste pernambucano localizada a pouco mais de 100 quilômetros da capital, o cantor e compositor cresceu entre a capital e esta cidade berço natal de grandes musicistas e que por isso chegou a ser batizada também como “a terra da música”. Na infância e juventude teve a oportunidade de conviver com nomes como o do maestro Levino Ferreira (nome que se destacou como um dos maiores compositores do estado a partir de valsas, maracatus, peças folclóricas e religiosas, e principalmente frevos). Autor de significativo destaque no gênero frevo-de-rua, Levino teve uma intrínseca relação com o avô de Bráulio de Castro, o escultor e músico Admário Gomes de Castro presidente fundador em 22 de outubro de 1932 do Grêmio Litero Musical Bonjardinense. Soma-se a estes, outros músicos a exemplo de Airton Barbosa (Fundador do Quinteto Vila Lobos), Mestre Teté, Dinamérico Sedícias, Dimas Sedícias, Maestro Correia de Crasto, José Pessoa Sedícias (o Zé Bague) que corrroboraram não apenas para despertar o interesse do menino Bráulio como também, anos mais tarde, serviram de inspiração para algumas das canções que compôs relacionadas a cidade que lhe deu a régua e o compasso da composição. Vale o registro também de uma bucólica beleza e de um cotidiano que já não é mais possível observar nas cidades interioranas, mas que vive nas reminiscências do compositor inspirando-o para traduzir e eternizar em versos e canções muito daquilo que lhe constitui.

Com 51 canções dedicadas ao seu torrão, Bráulio de Castro é, sem sombra de dúvidas, o compositor que mais enalteceu sua terra natal. Não há compositor que dentro de sua obra já tenha dedicado 52 canções ao seu berço natal (se existe, desconheço). De modo despretensioso, o bonjardinense registra, com olhar clínico e lírico os casarões em estilo europeu, as Igrejas, a Pedra do Navio (que ilustrou a capa do primeiro álbum em homenagem a cidade), entre outras paisagens e personagens que eternizaram-se a partir da voz do próprio compositor assim como também do auxílio luxuoso de nomes como o de Fátima de Castro, Maciel Melo, Caju e Castanha, Genival Lacerda, Walmir Chagas, Expedito Baracho, Ivan Ferraz, Dominguinhos, Petrúcio Amorim, Sagrama, Djalma Pires, Coral Batutas de Bom Jardim entre outros nomes de relevante expressão do cenário musical que contribuíram com talento e sensibilidade para eternizar, sem sombra de dúvidas, o município mais enaltecido em verso e prosa do Estado de Pernambuco a partir de três excelentes álbuns lançados: “Meu Bom Jardim” (lançado ainda na década de 1990), “Bom Jardim – Terra da música e das flores de ouro” e “Minha terra” (lançados ao longo da última década juntamente com os livros “No Tempo da Pândega e do Deboche” e “Arrancaram os olhinhos do cavalo e outras estórias eplopéticas“. Vale o registro que o autor e compositor ainda tem em sua bibliografia o livro “Vamos lá Dentro – No Tempo da Bacia d’Água“, pela Editora Bagaço, que traz como tema histórias presenciadas e ouvidas sobre a vida boêmia e notívaga da capital pernambucana a partir da avenida Rio Branco, famoso reduto onde mulheres, em décadas passadas, se prostituíam.

Merecedor de reconhecimento por parte do Guinness World Records como o autor musical que mais enaltece a sua terra a partir de registros fonográficos, o compositor pernambucano vem sendo capaz de traduzir em arte peculiaridades extraídas de uma memória privilegiada e lembranças de uma época que hoje só existe no imaginário popular de sua região a partir de personagens como Dona Santa Parteira, Mestre Faustino, Beatriz dos espelhos, Dotô Mota, Zé Bague, Benedito e o seu terno, Marly Mota, Viana, Cabo Velho, Mestre Noventa, Zé Gomim, entre outros. Há também o registros da típica rotina interiorana onde Bom Jardim, longe dos holofotes tão comum aos grandes centros urbanos, ganha destaque na música popular brasileira a partir dos mais distintos gêneros existentes em nosso cancioneiro. Essa gama de ritmos impressiona não apenas por sua diversidade, mas por enaltecer uma cidade coadjuvante mas que aos olhos de um filho apaixonado passa a protagonizar valsas, frevos, forró ou qualquer outro gênero. Se muitos falam (mesmo que de modo pontual) do sertão, do litoral, Rio de janeiro, Bahia, Salvador e afins; No entanto, só um foi capaz, sem maiores pretensões, de eternizar uma cidade com tamanha cumplicidade, sensibilidade e lirismo. Com sete décadas e meia de vida e uma memória privilegiada, não é de se espantar que Bráulio de Castro, ilustre filho de Bom Jardim, ainda contribua (e muito) na confecção desse genuíno e sonoro cartão-postal.

A música que destaco hoje é “Eu nasci aqui“, baião de autoria de Bráulio de Castro e presente no álbum “Minha terra”. Como intérprete o próprio aniversariante:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 10 de agosto de 2017

ZÉ RENATO - ENTREVISTA EXCLUSIVA - PARTE 2

O entrevistado com este colunista – Hoje o músico capixaba retoma a retrospectiva biográfica e musical

Dando continuidade ao agradabilíssimo bate-papo já iniciado aqui mesmo em nosso espaço, hoje fechamos a abordagem à carreira deste artista que ao longo de 2017 completa quatro décadas de uma carreira dinâmica, que vem se renovando e substanciando-se a partir dos mais distintos projetos como, de certo modo, já foi mostrado na primeira parte de nossa conversa. Hoje, em nosso bate-papo o cantor, instrumentista e compositor relembra seus projetos duos (e nos diz o porquê de intervalos significativos entre eles), os projetos coletivos dos quais faz parte, a possibilidade da releitura de algum disco de sua carreira, as faixas que fazem parte de sua extra-discografia, o novo projeto fonográfico ao qual está fazendo parte ao lado do Edu Lobo, Dori Caymmi entre outros assuntos que podem ser conferido logo abaixo. Uma excelente leitura para todos!

Esse box vai sair sob produção do Marcelo Fróes novamente?

ZR – Isso… exatamente.

O pontapé inicial para os seus projetos em duo se deu com o Cláudio Nucci em 1984. Daí 16 anos depois você vem com “Memorial” (com Wagner Tiso) e, dez anos depois, “Papo de Passarim” (com Renato Braz). Você que se ver envolto em tantos projetos musicais e fonográficos por que intervalos tão longos em projetos registros de projetos neste formato?

ZR – É porque na verdade eu não me programo assim para essas coisas, vão acontecendo… são encontros, coisas que… as vezes uma viagem encontro uma pessoa… no caso do Renato eu não me lembro exatamente em que circunstância foi, mas nos encontramos e a gente tem muita identificação musical, as referências musicais dele são muito parecidas com as minhas e tal… e isso acabou gerando o trabalho. Quer dizer… como tem outras coisas que podem acontecer… tem músicas, por exemplo com… parcerias com… muita coisa com a Joyce (já fizemos inclusive um espetáculo juntos…), pode isso, quem sabe no futuro virar um trabalho… Nesse caso seria autoral…. com o Pedro Luís também… parceiro que a gente tem já muita coisa juntos. Tudo são projetos que pro futuro podem acontecer. Tem nada marcado, nada definido, mas são coisas que já foram conversadas. A gente vai reunindo assim um trabalho significativo que dá vontade de fazer… então isso pode ser que aconteça.

Nestes 40 anos você sempre se fez um artista atuante também em projetos coletivos como a Banda Zil, ZR Trio, Ponto de Encontro, Navegantes e mais recentemente o Dobrando a carioca. Quais são as facilidades e dificuldades em participar de projetos como estes?

ZR – Banda Zil vai sair agora, vai sair um DVD que foi gravado e que tá pra sair. Vai sair esse ano… tá no momento lá de finalização e de detalhes finais… Olha, eu já tenho essa escola do Boca Livre né? Como tenho já um tempo (bastante) que trabalho com.. desde o Cantares (que também era um grupo antes do Boca Livre). Então eu tenho já essa… essa… aprendi essa dinâmica de trabalhar com grupo. Então pra mim não é uma coisa difícil. Eu consigo me adaptar… Tem grupos que você tem que saber ouvir os outros, nem sempre a sua opinião prevalece… e eu acho que essa é uma coisa de… é um aprendizado de vida, acaba sendo…você conviver com as pessoas e saber que você não é infalível, que suas ideias não são sempre geniais e que possa… e nem é questão de ser ideias boas ou não, as vezes, as suas ideias por melhores que sejam não se adaptam àquele contexto. Então é isso… isso aí a gente vai aprendendo.

São dezenas de discos ao longo desses 40 anos de carreira. Em épocas de releituras como a que vivemos (um exemplo é o Alceu com a turnê “Vivo Revivo”) que disco em sua discografia você acha que mereceria uma releitura?

ZR – Olha… por que não? Não sei, rapaz… é uma ideia… quem sabe? Acho que tem aí muita coisa que… Agora, por exemplo, vai ser lançado… agora dia 08 de agosto, a gente vai lançar nas plataformas digitais, o “Cabô”, que é um disco meu de sambas com parcerias com várias pessoas. Esse disco estava fora de circuito há muito tempo e a gente vai lançar ele nas plataformas digitais e inclusive junto com isso um vídeo que foi feito na época, um vídeo clipe da música “Cabô”, onde participam várias pessoas. Tudo isso vai acontecer agora dia 08 de agosto, tá marcado.

Em comemoração a estes 40 anos foi lançado recentemente, sob produção do Marcelo Fróes, o Box Zé Renato. Um projeto que traz seus dois primeiros discos e gravações raras. Dentre estes raros registros qual ou quais você destacaria e por qual razão?

ZR – O momento com o Tom é bem especial porque… imagina… foi marcante na minha vida ter a oportunidade de estar junto com ele. Eu não era íntimo dele, mas tivemos ali alguns encontros que foram marcantes.

Hoje você trouxe à Recife um show cujo parceria teve início à época do Projeto Vitrine (quando você ainda estava iniciando a carreira). Nestes 40 anos de amizade e parceria pelos palcos da vida já não deveria ter dado origem a algum registro?

ZR – É… Tudo isso que eu te falei, tudo pode acontecer… Agora a gente tava um tempo afastado… O Toninho mora em Belo Horizonte e tal… esse disco sobre o Luizinho Eça foi meio que uma oportunidade que a gente tá tendo meio que de se reencontrar… Quem sabe pode acontecer.

O disco conta também com a participação do Edu… Tem como você falar um pouquinho desse seu mais recente projeto?

ZR – Do Edu e do Dori Caymmi… Olha, é um disco interessante porque ele mostra o lado compositor do Luizinho Eça que pouca gente conhecia. O Luizinho era muito conhecido como maestro, arranjador, pianista do Tamba Trio. Esse lado compositor inclusive ele não tinha muitas composições, então esse disco é importante também por isso: porque mostra esse lado compositor.

Eu não sei se chegou ao seu conhecimento que nesse mesmo período há um pianista carioca lançando um projeto também em homenagem ao Luiz Eça…

ZR – Eu sei… legal porque o Luizinho é um cara muito importante na vida de muita gente. Eu tive a oportunidade de conviver um pouco com ele também e era uma pessoa que tinha personalidade, era um cara muito alegre que estimulava muito as pessoas, os compositores, músicos novos… ele tinha prazer de estar com gente em volta. Então… um músico importantíssimo, mestre de muita gente, professor mesmo… acho que esse disco é muito oportuno porque reúne pessoas que… o conceito do disco, o nome “Em casa”, que é essa história que acontecia na casa dele de reunir pessoas.

Esse ano só tem esse projeto do box para sair ou tem mais algum?

ZR – Não… Saiu o “Dobrando a carioca” que é aquele projeto que lançamos do ano passado que a gente tá fazendo shows esse ano ainda. Fizemos agora uma série de shows aí e… o Boca Livre continua na estrada, agora, inclusive, esta semana vou estar em Belém… Enfim… Eu não sei…

O “Papo de Passarim” com o Renato Braz…

ZR – Com o Renato Braz a gente vai tá essa semana a outra em Barreirinhas (MA) em um festival eu vou estar em Barreirinhas com o Renato depois de muito tempo também que a gente não se apresenta, a gente pega aquelas músicas todas aprender tudo de novo, relembrar porque eu não toco aquilo há muito tempo, mas vai ser legal… Então é assim, é isso aí que você tá vendo, a minha vida é muito diversificada, a minha vida profissional.

Você tem uma relação de muita cumplicidade com Recife. Geralmente todos os projetos seus chegam à capital pernambucana. O que o público pernambucano pode esperar do Zé Renato?

ZR – Muitos passam por aqui é…

… O projeto infantil, o tributo ao Chico…

ZR – Isso, exatamente.

O próprio “Papo de Passarim” vocês fizeram à época na Casa de Seu Jorge…

ZR – Fizemos? Acho que não… A casa de Seu Jorge eu fiz sozinho. “Papo de passarim” fizemos aqui? Não me lembro, não… pode ser que tenhamos feito, mas eu não lembro… Não sei se foi no Parque, talvez…

O Parque está fechado há uma eternidade…

ZR – Então eu não me lembro… acho que não viemos com o “Papo de passarim”. Eu sei que a gente foi à Natal, mas não sei se fizemos Recife. Eu não lembro…

O que o público pode ainda esperar de Zé Renato para breve?

ZR – Olha, tem tudo isso.. é aquela coisa que te falo. Um projeto, uma coisa que eu realmente ando pensando e tentando ver se realizo é um disco autoral porque tem muitas músicas, tenho composto com muita gente, como eu te falei: Joyce, Paulo César Pinheiro, João Cavalcanti, parceiros assim… são muitas canções…

Tem alguma coisa com Zé Manoel? Porque eu vi, através do Youtube, vocês apresentando-se juntos em São Paulo certa vez.

ZR – É fizemos São Paulo. Tem até uma música que está com ele… Zé eu sou fã dele, acho o trabalho dele muito legal. Tem lá uma canção com ele… então… a gente tem um projeto que eu fiz o ano passado que chama-se Bebedouro, que é o nome possivelmente do próximo disco, entendeu? É um disco de canções minhas com algumas pessoas, um disco que me mostra também como instrumentista que é uma coisa que também que por mais que o violão esteja presente em vários trabalhos, mas as pessoas nem sempre sabem que eu toco violão, que eu tenho esse lado instrumentista que pra mim é muito importante, a base de tudo pra mim.

O “Dobrando a carioca” tem essa ênfase nos instrumentos não é?

ZR – Tem, tem… são quatro violonistas.

* * *

Antes de encerrar gostaria de deixar aos amigos leitores o samba “Nega Dina”, de autoria do saudoso Zé Ketti e gravada por Zé em 1995 no disco em que prestou homenagem ao compositor de “Opinião”:

 

Serviço:

9º Lençóis Jazz e Blues Festival 2017 – Circuito Barreirinhas – MA
Show “Papo de Passarim” (Com Renato Braz)
Data – 12 de agosto
Local – Av. Beira Rio
Horário – 21:15hs
Classificação Indicativa – Livre
Evento gratuito


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 03 de agosto de 2017

ZÉ RENATO - ENTREVISTA EXCLUSIVA - PARTE 1

Zé Renato com este colunista – Com 40 anos de carreira, o músico capixaba faz uma retrospectiva biográfica

enquanto integrante de vários projetos musicais, assim como em diversos projetos solo

 

De passagem pela capital pernambucana, onde apresentou-se em duas ocasiões em Casa Forte, o cantor, instrumentista e compositor Zé Renato recebeu-nos para um descontraído bate-papo onde, em pouco mais de 30 minutos, relembrou histórias suas ligadas ao período que antecedeu o início de sua trajetória musical, a sua participação nos grupo “Cantares”, projetos fonográficos (solos, em duo e projetos coletivos) e sua participação no grupo que o projetou nacionalmente: o Boca Livre. Nesta informal conversa é possível também tomar conhecimento de algumas curiosidades acerca do autor de “Bicicleta” como sua breve passagem pelo teatro e a importância do show “Milagres do peixe”, do Milton Nascimento, em sua trajetória musical. Além disso, falamos sobre projetos futuros, lançamentos fonográficos agendados para breve, sua relação com o público pernambucano entre outras coisas. Papo agradabilíssimo que você confere em duas partes! Boa leitura!

Para começarmos gostaríamos de abordar um pouco da época que antecede o inicio de sua carreira musical. Qual é a lembrança mais remota que você tem da música ainda no Espírito Santo?

Zé Renato – Eu não cheguei a morar lá no Espírito Santo. Eu só nasci, mas fui criado no Rio de Janeiro… então todas as minhas influências foram a partir de minha vivência no Rio. Meu pai era jornalista, circulava muito no meio da música e por conta disso eu sempre tive a música muito presente dentro de casa. Ele era amigo do Silvio Caldas, o Silvio Caldas ía cantar na minha casa, eu assisti a vários shows do Silvio Caldas… A partir daí eu ganhei um violão (eu tinha por volta dos treze anos mais ou menos… talvez menos um pouco…). Daí com o violão comecei a aprender, entendeu? Aprendi um pouco assim e comecei a participar de festivais nos colégios

É verdade que antes dessa sua introdução na música você atuou na peça “A Perda Irreparável” dirigida por Ziembinski?

ZR – Ah, sim! É… foi uma participação muito rápida assim, muito discreta porque o meu pai trabalhava no Copacabana Palace e precisaram lá de… tinha um personagem que era uma criança que entrava no meio lá do negócio, aí eu fiz mas ficou ali. Estava mais interessado em tomar sorvete que tinha lá no Copacabana do que na peça.

E a questão do instrumento em si? Como foi que o violão entrou em sua vida?

ZR – O violão eu ganhei, comecei a aprender, mas nunca me adaptei ao estilo formal porque eu sempre saquei, comecei a descobrir a relação dos acordes, tirar música sozinho e tal. Então minha base teórica é muito pouca, eu até cheguei a estudar, tenho uma base; mas eu não utilizo isso no dia-a-dia, então eu sempre fui muito intuitivo. O primeiro caminho foram os festivais de colégio.

Dentro dessa ordem cronológica tem um show que foi marcante para você que foi o “Milagre dos peixes”?

ZR – Isso. Aí eu já tocava, já tinha um grupo, mas inda tocava em colégios (festivais de colégio) naquela fase de está estudando pra fazer vestibular e essas coisas todas, mas a música já estava ficando cada vez mais presente na minha vida e foi um período em que eu…

… Foi com esse show o seu primeiro contato com a sonoridade mineira?

ZR – Sim.

Ela acabou influenciando muito, de certo modo, no início de sua carreira?

ZR – Foi. Foi uma das maiores influências como compositor, como cantor, tudo né?

Vem desse show o seu primeiro contato com o Juca Filho (visualmente falando) não é?

ZR – Eu vi o Juca nesse show, não nos conhecíamos ainda, mas lembro de ter visto ele… tava lá… aí um tempo depois a gente se conheceu. Eu o conheci através de um amigo que estudava comigo no pré-vestibular que era músico e me apresentou ao Juca, daí a gente já começou a fazer música, eu já comecei a desenhar uma história que acabou se tornando o Cantares em primeiro lugar que foi o grupo que foi assim o primeiro trabalho, o primeiro grupo que eu participei já indo para uma história em direção ao profissionalismo… o Cantares durou aí dois, três anos… aí já apareceu o Boca Livre.

Que foi a partir de uma apresentação do Cantares na Urca? Foi quando surgiu o convite do Maurício para aquilo que viria a ser o grupo não é?

ZR – Do David… o David era o organizador desses shows que chamava-se “Quem sabe, sobe”; era uma série de shows que aconteceram na Urca e tal… Aí abrimos para o Hermeto Pascoal e aí começamos a ensaiar. Existia o Cantares, mas aí a partir do momento que começamos a ensaiar com o Boca Livre e as coisas começaram a acontecer não deu pra conciliar as duas coisas e aí me dediquei mais ao Boca Livre e as coisas começou assim a se desenhar mais profissionalmente. E aí foi uma coisa! Edu Lobo (que aí nos viu, nos conheceu e chamou para gravar o disco dele) e aí fomos fazer o Projeto Pixinguinha com ele. Já voltamos do projeto Pixinguinha e já gravamos o nosso primeiro disco… e aí a coisa foi muito rápida.

Esse primeiro disco de vocês é um marco ainda hoje na discografia brasileira pelo repertório e acima de tudo por receptividade junto ao grande público. Como você acha que ele alcançou tão rapidamente esse patamar mesmo sendo produzido de modo independente? Você acha que houve algum fator que contribuiu pra isso ou foi sorte mesmo?

ZR – Tem tudo isso junto, um pouco de cada coisa. Tinha naquele momento ainda um espaço nas rádios que hoje não existe mais… existia naquele momento ainda uma possibilidade de divulgar, de se programar músicas como a que a gente fazia. Apesar de que a nossa história naquele momento não era visto pelas pessoas de gravadora como uma coisa, digamos, de acesso comercial; mas a gente… é… isso ainda existia um espaço na rádio para acontecer o que aconteceu. Tanto que a gente não tinha, não era um grupo que tinha dinheiro para pagar jabá ou coisa parecida.

Agora mesmo neste contexto independente havia essa abertura?

ZR – Pois é! Tinha ainda… acho que foi um dos últimos momentos onde a rádio tinha uma certa abertura para programar esse tipo de música. A partir daí, depois, rapidamente foi se transformando e hoje o espaço é quase nenhum.

Por que o formato de vocês à época era mais comum na década de 1940, 1950 com o Bando da Lua, os Anjos do inferno… De repente vocês voltam nos de 1970 com um formato semelhante…

ZR – Até o surgimento do Boca Livre o que estava mais em mais evidência era o MPB-4 quanto a vocal masculino. Apesar que são duas concepções completamente diferentes, a gente tem as coisas dos violões que estão juntos, os arranjos, coisa que no MPB-4 é mais os vocais… é outra maneira, outro tipo de arranjo e tal… Mas o Boca Livre vinha com uma coisa, uma proposta que misturava a influência mineira (bastante), essa sonoridade de violões e tal… Isso não foi, não era muito… tanto que a opção por independente… a gente tentou gravadora. Tivemos reuniões com gravadoras e nenhuma das pessoas ligadas às gravadoras que a gente tinha entrado em contato na época enxergou a gente como um produto ou uma coisa que pudesse dar certo comercialmente falando.

Eu vi acho que até em um blog teu que essas gravadoras de início queriam moldar vocês a uma espécie de Bee Gees brasileiros…

ZR – Isso… um deles falou isso: Que a gente devia ser os Bee Gees brasileiro, mudar o repertório… quis falar isso: que a gente cantava bem, mas a concepção tinha que ser outra.

Ainda bem que vocês não seguiram a sugestão…

ZR – Pois é… Acabou que eles fizeram… quer dizer, acabou a gente teve o nosso sucesso foi muito rápido! A partir do momento que fizemos shows e tal, e a música começou a tomar um público, os shows começaram a ter muita gente, e aí as rádios viram que… foi uma coisa muito… um negócio que aconteceu aí… já entrou em trilha de novela… Quando entrou em trilha de novela na verdade a música já era sucesso.

Tem umas quatro músicas que caíram no gosto popular mesmo não é?

ZR – Foi… Eu lembro de fazer, por exemplo, o Ponta de areia, que foi uma das que a gente gravou no Fantástico e a pedido do público eles repetiram no domingo seguinte, quer dizer, foi um negócio até então inédito no programa. Então muita coisa foi acontecendo assim muito rápido, Os shows foram tendo um público muito grande, e tanto que chegou um momento que a gente já não tava mais… fizemos o segundo disco independente, mas aí já não tava mais conseguindo administrar a carreira desse modo. O independente hoje é diferente, já a muito tempo que o independente virou uma outra história, você tem várias alternativas de distribuição, de divulgação e naquela época não. A gente ainda tinha que cuidar das coisas: O LP que não chegou não sei aonde… tudo a gente cuidava praticamente. Tinha outras pessoas junto, mas a gente participava muito desse processo, então isso foi desgastando a gente também, tanto que a gente desistiu e fomos para uma gravadora.

Em 1982 você dá início a sua carreira solo com o disco “A fonte da vida” disco onde constam dez canções suas com distintos parceiros. Analisando a discografia do Boca que antecede esse projeto, em três discos há sete canções de sua autoria (Inclusive uma delas dá nome a um dos LP’s do grupo que é “Bicicleta”). Esse contexto que fez você chegar a esse primeiro disco solo surgiu por que já não dava mais para represar esse seu lado autoral ou por outras circunstâncias?

ZR – É mais ou menos isso, quer dizer… o Boca Livre por se tratar de um grupo vocal, um grupo que tem uma maneira de conceito onde nem todas as músicas por mais bonitas e músicas que a gente achamos ótimas, mas que quando a gente começa a tocar nem sempre elas rendem um arranjo que seja satisfatório pra todo mundo, pro grupo. Então, assim, essa maneira de lhe dar com o grupo também eu fui aprendendo e vendo que nem tudo… o grupo era incapaz de absorver todas as ideias de todo mundo. Por isso é que eu não abri mão de (foi uma coisa também bacana no grupo) conviver com isso, de ter cada… cada um de nós desenvolver projetos exatamente para não ficar ali estrangulando o trabalho do grupo e isso é uma coisa que rola até hoje. Eu mesmo faço parte do grupo, mas faço vários projetos paralelos.

Sua carreira solo é marcada por alguns discos em homenagem a grandes nomes de nossa música a exemplo de Silvio Caldas, Noel, Chico e Zé Keti. Tem mais alguma ainda em vista que você pretende prestar homenagem?

ZR – Olha, vai sair… vai sair uma caixa… Tava prevista para esse ano, não sei com essa confusão toda, mas já tava praticamente organizada pra sair uma caixa de disco reunindo aí discos meus como… alguns como intérprete só né? Do Zé Ketti, do Sílvio Caldas… E um desses cd’s que vai tá incluindo nessa caixa é um show que foi gravado ao vivo, no Rio de Janeiro, que eu fiz sobre o repertório do Orlando Silva. Foi gravado de uma maneira despretensiosa, mas aí fomos ouvir e achamos que como registro vale a pena ser incluído, ser feito. Aí quando essa caixa sair esse cd vai está incluso, sobre o repertório do Orlando Silva.

Já cogitou a possibilidade de uma homenagem ao Milton, artista o qual você se declara fã?

ZR – Eu vivo gravando coisas dele, mas um disco dedicado especialmente por enquanto pelo menos não; mas quem sabe né?

Você tem Anima em parceria com ele não é?

ZR – É… “Anima”… “Anima” e “Ponto de encontro”…

Para que não perca-se o hábito de uma canção a cada postagem segue “Coração de papel”, de autoria do Sérgio Reis e aqui lindamente interpretada pelo cantor e compositor capixaba:

 

Serviço:

Show Boca Livre – Turnê Amizade
Data – 03 e 04 de agosto
Local – Teatro Margarida Schivasappa (Belém/PA)
Horário – 21:00hs
Classificação Indicativa – Livre
Valor do Ingresso – R$ 60,00 (Inteira) / R$ 30,00 (Meia)

9º Lençóis Jazz e Blues Festival 2017 – Circuito Barreirinhas – MA
Show “Papo de passarim” (Com Renato Braz)
Data – 12 de agosto
Local – Av. Beira Rio
Horário – 21:15hs
Classificação Indicativa – Livre
Valor do Ingresso – Evento gratu

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 27 de julho de 2017

QUEM FOI INALDO VILARIN?

 

Autor de canções como “Eu e o meu coração” (gravada por nomes como João Gilberto e Maysa) e o hino do pior time do mundo,

Inaldo Vilarin é mais um na triste estatística de um país sem memória

Sendo ela a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado, tornando-se possível retransmiti-las às novas gerações, a definição prática e teórica do termo memória parece não condizer com a realidade brasileira. Apesar de existir distintas definições para o termo, nenhuma se encaixa na realidade de boa parte das políticas voltadas para a culturais existentes em nosso país. Antes de mais nada é preciso levar em consideração a existência de dois tipos distintos de memória: a individual e uma outra denominada de coletiva, no entanto, faz-se desnecessário estender-se profundamente na abordagem das duas. A primeira é aquela guardada por um indivíduo onde consta as suas próprias vivências e experiências acumuladas ao longo da vida; já a segunda é aquela formada pelos fatos e aspectos julgados de modo relevantes e que são guardados como memória oficial da sociedade mais ampla.

Está neste segundo panorama o X da questão, uma vez que pelo visto, o irrefutável e infeliz contexto a qual nossa memória cultural está condenada há décadas. O que mais entristece é o fato de que não se vislumbra um melhor contexto a breve a curto ou longo prazo. O que acaba sendo algo extremamente prejudicial, pois o processo de construção cultural brasileiro é inegavelmente um dos mais miscigenados e ricos do planeta. Negar a existência de um legado cultural é ferir a identidade de toda uma nação, o que inegavelmente acaba por se tornar um crime de lesa pátria, uma vez que em tempos de troca no mundo globalizado no qual vivemos acaba por fazer dessa falta de compromisso algo incomensuravelmente triste. Vale lembrar aos nossos responsáveis maiores (nossos governantes), que a identidade de uma nação está diretamente ligada à cultura de seu povo.

O cenário cultural pernambucano infelizmente é condizente com a mesma realidade nacional apesar da vasta história relacionada as distintas artes existentes no Estado. Quer um exemplo simples? Basta chegar a um grupo de jovens e questioná-los, por exemplo, quem foi Hermilo Borba Filho e Valdemar de Oliveira (ícones do teatro pernambucano) ou nomes como Tia Amélia ou Jaime Griz, nomes associados à música produzida no Estado. Não será de impressionar se daqui a algum tempo nomes como Nelson Ferreira e Capiba tornarem-se meros desconhecidos para a nova geração. Outro nome renegado a este condenável contexto é o do compositor Inaldo Vilarin Querino.

Nascido em Limoeiro (cidade localizada a pouco menos de 80 km da capital pernambucana), Inaldo ainda na infância foi percussionista da banda de música de sua cidade natal, comandada então, pelo compositor Levino Ferreira. Por volta dos 14 anos de idade, já então na capital pernambucana, iniciou-se no violão, fundando ao lado de outros rapazes da época, como Luiz Bandeira, Djalma Torres, Ernani Reis, os conjuntos Os Garotos da Melodia e os Garotos da Lua) (vem dessa época sua aproximação com João Gilberto, quando este em substituição ao vocalista e compositor Jonas Silva, foi crooner do conjunto vocal). Ao longo da década de 1940 entrou para o cast da Rádio Clube de Pernambuco, onde fundou o conjunto Ases do Ritmo, com o qual popularizou seu estilo de intérprete e sua música. A partir daí teve composições nos mais distintos gêneros como é o caso do samba “Não quero bolero” e da guarânia “Saudade” (ambas com Genival Macedo); o choro “Temperado”; o bolero “Só resta saudade” (em parceria com o Maestro Duda). Dentre os parceiros existentes, destaque para Aldemar Paiva e Bráulio de Castro que com o músico compôs primeiramente “O samba está na rua”, seguida por “Meninice”, o samba “Maria Luisa” (gravada por Cyro Monteiro), “Amanhã é outro dia”, “Perdi” e “Eu gosto assim” (música deixada por Vilarin e terminada por Bráulio).

Dessa parceria vieram outras afinidades musicais e pessoais, aproximando ainda mais o casal Fátima e Bráulio de Castro do autor do hino do Íbis Sport Club, time que ganhou popularidade com o epíteto de “pior time do mundo”. É válido o registro de que Vilarin também é considerado por muitos (com sua música tipicamente urbana e harmonias sofisticadas) como um dos principais precursores do movimento musical brasileiro mais conceituado ao redor do planeta: a Bossa Nova devido a composição de “Eu e o meu coração” (feita em parceria com Antônio Botelho) e gravada por Dóris Monteiro em 1955 sob o arranjo do ainda desconhecido Tom Jobim.

Tal canção além de dar disco de ouro para a intérprete (marco registrado em reportagem da revista “A cigarra” em 1956) acabou o credenciando de modo relevante entres os autores da época justamente por trazer em sua estrutura harmônica aquilo que pouco tempo depois ganharia o nome de Bossa Nova. Na história da Bossa Nova, Johnny Alf é citado como o precursor do movimento, com a gravação em 1953 da música “Rapaz de Bem” sendo citado posteriormente como canção do gênero a música “Foi a Noite”, de Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça. Muitos esquecem que lá, em 1955, estava Inaldo Vilarin. Esse feito o fez ser gravado tanto por cantores locais quanto outros de expressão nacional (entre eles nomes como Maysa, Luiz Bandeira, João Gilberto e a cantora Elza Soares que, em 1957, gravou “Convite ao Samba”).

Falecido em 1992, Inaldo Vilarin tem um rico acervo onde constam ainda muitas canções inéditas que, cedida pela viúva do compositor, estão hoje em posse deste casal amigo que busca junto aos órgãos competentes a viabilização e a reparação, em parte, desse crasso erro tão comum àqueles que contribuíram de algum modo para formar a nossa identidade cultural. Obstante a falta de patrocínio por parte do seu estado natal para participar em 1967 do Fórum de Música em Nova York representando o Brasil ao lado de nomes como Tom Jobim, Roberto Menescal, Vinicius de Moraes, Baden Powell e Capiba. Agora o mesmo torrão insiste em rejeitar um projeto baseado no legado do compositor sob o argumento que Inaldo Vilarin é compositor de samba e o gênero não faz parte da cultura pernambucana. O que acaba engendrando aquilo que grande parte da mídia e dos poderes públicos pernambucanos divulgam: Pernambuco é apenas a terra do frevo, e Recife a sua capital.

Desse modo, na incessante luta para transpor aquilo que o professor norte-americano John Rawls classificaria como véu da ignorância (pois de fato existe uma espécie de barreira contra o uso de interesses parciais na determinação dos princípios da justiça), Bráulio e Fátima de Castro lutam para que o nome de Inaldo não amargue o limbo do esquecimento. No entanto, para modificar essa triste realidade, faz-se necessário mais que o compromisso com a história da música pernambucana como tem atestado o casal, uma vez soma-se inúmeras tentativas para viabilizar um projeto fonográfico afim de prestar uma justa homenagem a este relevante autor em forma de disco. A ideia é registrar um tributo onde constará canções inéditas e regravações a partir das vozes de cantores da nova geração assim como também cantores contemporâneos do homenageado a exemplo de Expedito Baracho (que falecido recentemente não teve tempo de participar desta pretensa homenagem).

No entanto, para que este e tantos outros projetos a favor da história cultural do nosso país possa vir a existir, faz-se necessário suplantar os entraves burocráticos existentes que, somados à própria falta de compromisso, acaba por negar às novas gerações a possibilidade de conhecimento de nomes que deixaram as suas respectivas contribuições para a nossa cultura, que já conta com um retrospecto desvantajoso nos últimos anos (basta levarmos em consideração que sob o pretexto de contenção de despesas, o Ministério da Cultura terá este ano um orçamento menor em relação a 2014). Desse modo acaba-se tornando-se “fácil” usar das mais distintas e absurdas alegações o sonho de apresentar nomes como o de Vilarin para as novas gerações.

Para que se mude esse contexto, faz-se necessário uma reestruturação para além do burocrático. É preciso uma mudança que abarque a intelectualidade daqueles que respondem pela cultura. É preciso que, em detrimento a interesses pessoais, seja deixado de lado a prática meramente panis et circenses em pró de um compromisso maior com aqueles que de fato contribuíram de modo relevante com a sua cultura. A discrição tão em voga enquanto Vilarin esteve vivo não pode tornar-se sinônimo de esquecimento. É preciso, acima de tudo, valorização e reconhecimento, práticas pouco comuns com quem faz cultura em um país que por vezes chega a dar margem para questionamentos como este que batiza esta matéria.

Para audição dos amigos deixo aqui “Eu e meu coração”, na voz da cantora, instrumentista, compositora e educadora musical Fátima de Castro:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 20 de julho de 2017

COMANDANDO O BLOCO, BEATRIZ RABELLO DEBUTA EM GRÁCIL PROJETO FONOGRÁFICO



 

De nobre linhagem, a intérprete estreia em disco onde dá voz a grandes nomes da música brasileira e conta com a participação de um dos ícones da MPB

Nos vicinais caminhos que a música popular brasileira tem a nos oferecer, é preciso estar atento para que possamos observar alguns nuances, pois nas mais distintas esquinas sonoras existentes, muitas vezes estão algumas gratas surpresas que só aqueles ouvidos mais sensíveis e atentos são capazes de alcançar. Quando tal contexto é possível, chegamos a acreditar que tal canto chega como um verdadeiro alento para uma música que ultimamente tem tido como vitrine a verdadeira desconstrução poética e sonora de um legado construído ao longo de anos a partir de alguns dos mais representativos nomes da música popular brasileira tais quais Noel Rosa, Pixinguinha, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Cartola e tantos outros que a curta memória do povo brasileiro insiste em empurrá-los à vala do esquecimento.

Estes novos talentos geralmente buscam fugir dos parâmetros daquilo que é convencionalmente divulgado pelos grandes meios de comunicação como música de qualidade, fazendo dos seus respectivos trabalhos uma espécie de oásis em meio a um hostil deserto sonoro, chegam adornados por características que acabam por torná-los verdadeiros heróis da resistência. Resistência esta que alimenta a esperança daqueles que acreditam que, em se tratando de qualidade musical, o pulso ainda pulsa dentro da MPB. E isso é perceptível dentro dos mais variados gêneros existentes dentro do nosso cancioneiro, e é neste contexto que se destaca o nome que hoje chega ao nosso espaço trazendo consigo a imensa responsabilidade de fazer parte de uma das clãs mais musicais existentes no país, o que por conseguinte acaba gerando uma expectativa muito grande em torno deste debute fonográfico da artista, que ao seguir a tradição familiar não fez por menos e apresenta aos amantes da boa música um trabalho pautado na qualidade inerente aos seus parentes que tanto vem engrandecendo a nossa MPB ao longo das últimas cinco décadas.

Filha do cantor, instrumentista e compositor Paulinho da Viola e neta do violonista César Faria, um dos fundadores do antológico conjunto Época de Ouro ao lado do saudoso Jacob do Bandolim; a cantora e atriz Beatriz Rabello traz ainda em sua formação genealógica o parentesco com o violonista Raphael Rabello, a cavaquinista Luciana Rabello e a cantora Amélia Rabello, de quem é sobrinha. A união de genes como estes não poderia resultar em algo diferente daquilo que resultou o “Bloco do amor”, álbum que consiste nos gêneros que permeiam toda a sua formação musical tais quais o choro, o samba e a bossa nova. Inspirado no Carnaval, “Bloco do amor” traz consigo de modo muito evidente toda a alegria existente em uma das mais importantes manifestações da cultura popular do Brasil, assim como também a riqueza poética presente no samba e evidenciado de modo muito pessoal por Beatriz a partir de releituras e de canções inéditas ao longo das treze faixas que constituem o disco.

“O cidadão mais importante deste país” como bem definiu o grande Nelson Sargento e toda a alegria inerente ao carnaval perpetua-se na tradição familiar a partir de composições do próprio Paulinho (que assina três faixas, sendo duas compostas exclusivamente para o disco: a canção que batiza o disco (“Bloco da solidão”) e “Só o tempo”) e a faixa “Solidão” (parceria com Maria Vasco, primeira porta-estandarte da Banda de Ipanema)). A faixa “Solidão” trata de cadenciado samba que, como o próprio título sugere, trata de um tema recorrente no gênero. Já no samba “Bloco da solidão”, a protagonista não procura mais fingir alegria em efêmeros e furtivos amores carnavalescos pois ela já tem motivos para seguir o bloco do amor. A faixa “Só o tempo” (canção também registrada pelo autor no álbum “A toda hora rola uma estória”) a intérprete aborda o amor em duo com o pai.

Deste mesmo álbum lançado por Paulinho da Viola em 1982, Beatriz pincelou a canção “Nós, os foliões” composta por Sidney Miller. Dentre as canções presentes no disco ainda há releituras clássicos do nosso cancioneiro como é o caso de “Sonho de Carnaval” (Chico Buarque), “Enredo do Meu Samba” (Dona Ivone Lara e Jorge Aragão), “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas” (Carlos Lyra e Vinícius De Moraes). Dentre as demais faixas, há um antigo samba de bloco intitulado “Terremoto” e que foi composto por Zorba Devagar, sambista histórico, da turma de Botafogo. Sem esquecer o samba de vanguarda, Beatriz busca a perfeita medida entre as tradições da música popular brasileira e compositores da nova geração da MPB a partir de faixas como “Sexta -feira de carnaval” (Douglas Germano e Everaldo Efe Silva), “Desistir jamais” (André da Mata), “Onde for o nosso amor” (João Callado e Moyses Marques), “Mourão que não cai” (Douglas Germano) e, uma canção de Roque Ferreira em parceria com Pedro Amorim chamada “Nem eu, nem você”. Como percebe-se o futuro, o presente e o passado fundem-se no coerente repertório que compõe este debute fonográfico.

Com aquilo que há de melhor em música correndo em suas veias, a intérprete carioca apesar de estar debutando em disco agora já traz em seu currículo a participação em diversos musicais voltados para o teatro como a peça “Sassaricando – E o Rio inventou a marchinha”, de Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral, onde atua desde 2009, soma-se a esta experiência a sua participação como backing vocal no DVD “Paulinho da Viola – Acústico MTV” e o fato de estudar música desde os seis anos a partir de aulas de piano. Delineado desde 2009 de modo bastante aguerrido pela artista, “Bloco da solidão” chega ao mercado fonográfico expondo uma artista madura, onde sua verve artística é apenas um detalhe em meio a tantas adjetivos positivos que circundam a cantora. Na tessitura do álbum, a artista soube, de modo uníssono, unir peculiaridades de cada fonte na qual vem bebendo desde que resolveu enveredar para o contexto artístico e assim registrou treze cartões postais que retratam o samba, o carnaval e acima de tudo um Rio de Janeiro atemporal, onde de modo eventual novos e promissores talentos como a Beatriz Rabello nos fazem escandir em alto e bom som: Salve a boa música popular brasileira!

Agora para conhecimento do público leitor deixo aqui uma das faixas presentes no disco. A faixa em questão é “Enredo do meu samba”, música composta por Jorge Aragão e Dona Ivone Lara:


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 13 de julho de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: ROBERTO CARLOS

 

Roberto Carlos é sem sombra de dúvidas o nome mais expressivo da música popular brasileira ainda em atividade. Prestes a completar 76 anos, destes quase sessenta dedicados à carreira fonográfica, Roberto recebeu a alcunha de Rei merecidamente quando nos anos de 1960 encabeçou um movimento musical que revelou um misto de ingenuidade com romantismo. Este movimento chamado Jovem Guarda também foi responsável pela ascensão de nomes como Wanderléa, o parceiro-irmão Erasmo Carlos, Jerry Adriani, Ronnie Von, Goldens Boys, Renato e Sseus Blue Caps, e tantos outros que ao longo dos últimos cinquenta anos extrapolaram o modismo do gênero e mantém-se na ativa embalando não apenas pessoas daquela época, mas toda uma gama de novos fãs que foram surgindo com o passar dos anos.

Roberto (ou o Rei como muitos se referem), manteve-se na “crista da onda” à época da Jovem Guarda, e ainda hoje mantém-se como um dos mais destacáveis nomes de nossa música, com cachês que beiram, segundos sites de fofoca, a 6 milhões em datas específicas. Dentre tantas abordagens que podem existir em torno do Rei, hoje não procurarei trazer dados biográficos, mas informações um pouco inusitada para as abordagens padrões. Não lembro de ter encontrado, ao longo de minha pesquisa, não cheguei a encontrar nenhuma abordagem acerca dos números que circundam a carreira do Roberto Carlos, e por atinar para este fato, resolvi fazer isso. Estou ciente que é bem provável que já haja, mas fica aqui registrada esse desejo de também trazer os principais dados numéricos da carreira deste cantor que quando gostava de ouvir e imitar Bob Nelson por ser fã declarado do cantor. Sua admiração pelo saudoso cantor e ator paulista era tanta que chegou a gravar, ao lado de Erasmo, uma música sua.

Roberto ao longo das quase seis décadas de carreira já vendeu mais de 100 milhões de cópias, colocando-o entre os artistas de maior expressividade comercialmente falando de todo o mundo. Para se ter uma ideia, ele é o artista brasileiro que mais vendeu discos ao redor do mundo e, na América Latina, o Rei Roberto Carlos vendeu mais discos que os Beatles. O engraçado é que o seu primeiro LP (“Louco por você”) é um dos discos mais disputados no Brasil por colecionadores, pois foram impressas apenas 500 cópias. Deste álbum (antes Roberto havia lançado um 78 RPM) até os dias atuais o cantor e compositor capixaba já lançou mais de 100 títulos entre LP’s, compactos e CD’s. Dentre suas gravações constam registros em diversos idiomas, dentre eles italiano, francês, espanhol e inglês. Em números, segundo o site Midiorama, foram 12 canções em inglês, 61 em italiano, 4 em francês, 244 em espanhol e mais de 400 em português.

Outros números curiosos se dão a partir do seu tradicional especial de fim de ano, que já foram exibidos em mais de 20 países. Entre eles, Albânia e Finlândia em mais de 40 anos de exibição na Rede Globo. A popularidade de Roberto Carlos e seus amigos rompeu as fronteiras da música e da TV e chegou aos cinemas entre 1968 e 1971, quando Roberto gravou três filmes de grande popularidade: Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa, Roberto Carlos em Ritmo de Aventura e Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora. Recentemente, mais números entraram para as estatísticas do Rei. O jornal O Globo noticiou que o empresário de Roberto, Dodi Sirena, está pleiteando a entrada do cantor no Guinness como o artista com maior número de hits em rádios (cem músicas) e o que está há mais tempo em uma mesma gravadora (54 anos com CBS / Sony).

Deixo agora uma canção de sua grande fase como intérprete e compositor. “A janela“, composição sua em parceria com Erasmo Carlos foi registrada pelo cantor em 1972:


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 06 de julho de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB - ABIGAIL MAIA - 2

Como costumo dizer: em um país sem memória como o nosso, qualquer iniciativa em pró da lembrança daqueles que de um modo ou de outro contribuíram para a cultura brasileira é válido, por mínimo que seja o esforço. Por tal razão hoje vou lá nas mais remotas memórias da indústria fonográfica nacional para relembrar o nome da gaúcha Abigail Maia. Atriz de teatro e cantora brasileira, Abigail é um dos primeiros nomes do qual se tem notícia em se tratando de registros fonográficos femininos no Brasil. Filha de dois famosos atores de teatro de revista, nada mais natural do que houvesse uma propensão para a arte por parte da pequena Abigail, que vivia envolta a este universo artístico. Tanto que anos mais tarde seria responsável por fundar uma companhia teatral com o autor, diretor, produtor e roteirista de teatro e cinema Oduvaldo Viana, pai de Vianinha, aquele que anos mais tarde também viria a seguir o ofício paterno.

Seu pai era português e resolveu transferir-se para o Rio de Janeiro, onde pretendia dedicar-se ao comércio, mas acabou seguindo a carreira no teatro, no qual estreou em 1866. Trabalhando no Teatro Recreio conheceu a atriz Balbina, na época viúva e mãe de dois filhos. Pouco tempo depois resolveram casar, e dessa união nasceram dois filhos: Magnus e Abigail. Precoce e com forte tendência às artes, Abigail aos cinco anos de idade já cantava acompanhada por seu pai à guitarra portuguesa ou por seu irmão ao violão. Essa experiência a fez tomar gosto pela coisa mesmo contra a vontade dos pais, situação que acabou aceitando até o falecimento do pai, quando passou a viajar com a mãe. Sua estreia nos palcos se deu em Porto Alegre, aos 15 anos de idade, substituindo uma jovem atriz no “vaudeville” “Maridos na corda bamba”, espetáculo para o qual sua mãe era contratada como primeira atriz.

Ainda muito jovem desiludiu-se com a carreira de atriz e resolveu abandoná-la sem a intenção de voltar atrás quanto a esta decisão. Não pretendia retornar ao palco, mas em 1903, foi convidada para fazer o papel de uma menina-moça, a princesa Açucena na peça “A fada de coral”, na Companhia Silva Pinto, em que a mãe trabalhava. Mesmo a contragosto, aceitou. Nesta época conhece aquele que viria a ser o seu marido, Joaquim da Silva Braga, com quem se casou aos 17 anos incompletos. O marido falece precocemente, fazendo com que a situação financeira de Abigail se agravasse, uma vez que já tinha uma filha, e essa condição acaba fazendo com que ela aderisse definitivamente a carreira artística ingressando na Companhia Luso-Brasileira atuando a princípio em revistas.

Sua estreia em teatro de revista se deu na peça “Flor de junho”, do paulista José Pisa, com a qual excursionou por vários estados. Acredito que a sua aproximação da música se deu a partir de 1909, quando casou-se com o maestro e compositor Luís Moreira. Ao lado do marido e do empresário Alfredo Miranda viajou para Portugal onde atuou no Teatro Sá Bandeira na cidade do Porto. Suas atuações em terras lusitanas se deu a partir de espetáculos onde apresentava operetas vienenses. Segundo o crítico Brício de Abreu, Abigail Maia chegou a interpretar toda o repertório de operetas vienenses existentes na época.Vale registrar que, ainda em terras portuguesas, a atriz (e agora cantora) ingressou na companhia de José Ricardo, mas devido ao falecimento da mãe, retorna ao Brasil. De volta ao seu país, dá início também a carreira de cantora, chegando a fazer alguns registros fonográficos como será possível tomar conhecimento em breve quando retomo a abordagem do nome de Abigail.

Deixo para audição a faixa “Flor de maracujá“, composição de Marcello Tupynambá e Amadeu Amaral que ganhou registro no ano de 1931:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 29 de junho de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB - ABIGAIL MAIA

 

Recentemente trouxe para esta coluna o nome de Abigail Maia abordando um pouco do início de sua biografia, trazendo ao conhecimento dos amigos leitores as dificuldades que a fizeram decidir pela carreira artística, sua passagem por terras portuguesas, além do seu casamento com o maestro Luís Moreira, responsável, de certo modo, por sua inserção na música, quando ainda morava em Portugal. Após seu retorno ao Brasil entra para a companhia de José Loureiro, da qual seu marido era maestro e pouco tempo depois, na cidade de Santos, conhece o humorista João Foca, com quem resolve formar um trio: ela cantava, Luís Moreira tocava piano e João Foca fazia conferências divertidas. Com esta formação percorre São Paulo e depois todo o interior do estado. Nesta época, a imprensa paulista passou a cognominá-la a Rainha da Canção Brasileira. De volta ao Rio de Janeiro em 1915, apresentaram-se durante um mês no Cinema Pathé, na Avenida Rio Branco. No entanto, a fatalidade mais uma vez cruza o caminho de Abigail, levando consigo João Foca. Em sua carreira como atriz atuou, além das companhias já citadas na abordagem anterior, na Companhia de Cristiano de Souza, no Trianon; no Teatro Recreio, onde fez “Bocaccio” e outras operetas; foi contratada por nomes como Pascoal Segreto para atuar no Teatro São Pedro, chegando a atuar ao lado de Vicente Celestino, com música de Chiquinha Gonzaga. Após o falecimento do segundo marido, em 1921 casa-se com Oduvaldo Viana e junto com ele organiza a própria companhia e tem a oportunidade de excursionar por Buenos Aires e Montevidéu com boa acolhida do público. Abigail ainda atuou como radioatriz no radioteatro da Rádio Nacional atestando a sua versalidade artística.

Sua escassa discografia é composta por apenas dez canções gravadas entre os anos as décadas de 1910 e 1930. O seu primeiro registro é datado de 1913, onde fez a gravação de uma adaptação da canção “Rolinha” feita por Luis Moreira com Olimpio Duarte. Ainda em 1913 fez mais um registros: “Mulata pernóstica” (outra adaptação de Luis Moreira), sendo que neste mesmo ano sai pela Phoenix 160 o seu primeiro 78RPM com gravações suas de ambos os lados (na verdade trata-se da junção dos dois registros anteriores). Depois, só viria a gravar novamente em 1916, quando registrou as canções “Chico, Mané, Nicolau“, “Súplica”, “O cambuco e o balaio” e “Faceira” e novamente procurou dar um intervalo na carreira para dedicar-se a outras atividades para além do canto. Esse intervalo estendeu-se até o ano de 1929, quando no mês dezembro chegou às melhores casas do ramo o 78RPM Odeon 10.510 com as faixas “Sarará” (Eduardo Souto) e “Meu príncipe encantado” (de autoria de Armando Ângelo e Guilherme de Almeida).

Seus últimos registros fonográficos foram lançados em fevereiro 1931: foram as canções “Sorriso de Mulher” (Marcelo Tupinambá e Oduvaldo Viana Filho) e “Flor De Maracujá” (Amadeu Amaral e Marcelo Tupinambá). É por essas e outras que reafirmo a importância da memória de nossa cultura, coisa tão em desuso em nosso país. Precisamos nos conscientizar que preservar a história de nossa cultura é sem sombra de dúvida preservar também a nossa identidade. É por artistas como Abigail Maia e tantos outros que busco manter viva essa chama da lembrança aqui em nosso espaço apesar de ter plena consciência de que estou indo de encontro a toda a lógica existente e confesso que baseada em não sei o quê. Lutemos por nossa cultura sempre.

Para deleite daqueles que acompanham a nossa coluna, deixo aqui uma canção de autoria desconhecida, mas que ganhou da artista o seu registro em 1915. Trata-se de um coco baiano intitulado de “O cumbuco e o balaio“:


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 22 de junho de 2017

ASA BRANCA 70 ANOS

Em homenagem aos setenta anos dessa canção que é , sem dúvida alguma, o hino do Nordeste, hoje trago sete versões em diferentes idiomas de uma das canções mais gravadas da música popular brasileira.

Francês:

 

Chinês:

 

 

Alemão:

 

 

Senegal:

 

 

 

하얀 날개(Asa Branca) Hayan Nalgae (White Wings)

 

Inglês:

 

 

Português:

 

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 15 de junho de 2017

GUTO GOFFI E UM BANDO PRA LÁ DE MUSICAL

Baterista do Barão Vermelho apresenta álbum que traz inédita de Plínio Araújo,

baterista e um dos fundadores da Orquestra Tabajara

Surgido nos Estados Unidos no final dos anos de 1940, mas consolidado mundialmente a partir dos anos de 1950, o Rock é um dos gêneros que melhor representa gerações desde o seu surgimento, pois acabou tornando-se um gênero universal por transcender o contexto musical. Inovador, o estilo propagou-se, a partir da influência americana, nos quatro cantos do planeta , onde distintos produtos da indústria cultural daquele país foi incutindo na cabeça de muitos o novo ritmo. Essa influência se deu para além da indústria fonográfica (em particular a partir do cinema). Filmes que retratavam a juventude da época como Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955), do diretor Nicholas Ray, Sementes da Violência (Blackboard jungle, 1955), O Selvagem (The wild one, 1953) e No Balanço das Horas (Rock Around the Clock, 1956), influenciaram toda uma geração ao redor do planeta, pois retratavam a juventude da época, que gostava de música mais barulhenta do que a que seus pais ouviam, tinham seus conflitos, suas dúvidas com relação ao mundo e precisavam de auto-afirmação que acabou refletindo-se, dentre outras coisas, no vestir (calça jeans, camiseta branca, jaqueta de couro).

Nessa época há relatos que onde o filme era exibido , os jovens pulavam nas poltronas, berravam adoidado, rasgavam cortinas, ousando inclusive levantar as saias das garotas tudo devido ao “ritmo selvagem”. Dessa época, as figuras emblemáticas que merecem destaque na sétima arte são Marlon Brando e James Dean. Já na música, nomes como Bill Haley and His Comets e The Platters, que lançaram, respectivamente, músicas como Rock Around the Clock (considerado o marco inicial do rock and roll) e Only You. No Brasil, tal “epidemia” não foi diferente. Jornais como a Folha da Noite de 2/10/56 chegou a publicar: “Mas é essa musica que, dançada pelos interpretes do filme, causa conflitos no seio de jovens mal formados pela educação modernizada, dando assunto aos estudiosos de problemas psicológicos“.

Tempos depois, também impactados pelo gênero após assistirem a um show da banda Queen em São Paulo, os jovens Flávio Augusto e Maurício Carvalho cogitaram a possibilidade de criar uma banda de rock. Com Guto na bateria e Maurício no teclado estava formado o embrião de daquela que viria a ser uma das maiores e mais populares bandas do gênero no Brasil: Barão Vermelho. Batizada pela dupla em homenagem aviador alemão Manfred von Richthofen, principal inimigo dos Aliados na Primeira Guerra, a dupla logo viria a se unir a Dé (André Palmeira Cunha), baixo, e Frejat (Roberto Frejat), guitarra. Sem vocalista, a banda a princípio teve como cantor o jovem Léo Guanabara (que viria a ser conhecido como Léo Jaime) que, devido ao timbre da voz, acabou não sendo aprovado pela banda, oportunizando Cazuza (Agenor de Miranda Araújo Neto) a assumir o posto vago por indicação do próprio Léo Jaime.

Com essa formação o Barão Vermelho ganhou projeção nacional já no primeiro álbum a partir de canções como “Todo amor que houver nessa vida” e “Down em mim“. Em seguida, vieram diversos hits, dentre eles canções como “Bete Balanço” (trilha sonora do filme homônimo), “Pro dia nascer feliz“, “Maior abandonado“, “Puro Êxtase“, “Por você” entre outras. Ao longo desses anos de formação, a banda teve relativas pausas para que seus integrantes dessem vazão a projetos pessoais. No primeiro momento, em 2012, Guto Goffi lançou “Alimentar“; Agora apresenta o seu segundo álbum solo, gravado por dois anos no estúdio Cabeça de Lâmpada e cujo título “Bem”, facilmente nos remete aquilo que a música proporciona a partir de uma gama de ritmos existentes nas mais distintas regiões do nosso país assim como outras influências que permeiam o universo musical do grupo.

Com nove faixas da lavra de Guto Goffi (ora solo, ora em parceria com nomes como Claudio Perpetuo e Raul de Barros Jr.), o disco abre com “Tudo de bem“, canção de cunho reflexivo. Melodicamente interessante a canção flerta com sonoridades distintas, fato que acaba deixando claro já na primeira faixa aquilo ao que se propõe o disco: expressar o amor pela música sem render-se a fronteiras ou gêneros. Essa proposta está bem audível nas faixas seguintes a exemplo de “Bom que seja assim” e “Maracatu de Caxangá” (única faixa do disco que não leva a assinatura de Guto; foi composta por Plínio Araújo, baterista e um dos fundadores da Orquestra Tabajara e que faleceu em 2015). Ambas flertam com o universo musical nordestino a partir de instrumentos típicos da região como a rabeca e ritmos como o maracatu (que faz-se presente também na faixa “Grão da Vida“). O disco conta ainda com”Baobá“, que que nos remete a uma viagem sonora que nos remete da sonoridade paraense ao legado deixado por Reginaldo Rossi. Homenagem são duas: “Porque os sinos tocam” (homenagem ao filho André) e “Lei de Neide” (homenagem à irmã); e para fechar o disco vem “Estrela Solitária“, “Flores Raras” e “Renascida“.

Acompanhado por Markus Britto (baixo e vocal), Elir “Hombre” Filho (responsável pela guitarra), Bruno Mendes (vocais) e César Brunet (percussão); Guto Goffi se dá ao direito de reinventar-se e renovar os seus votos de amor à sua arte ao reunir-se com este bando. Mesmo com o seu nome indelevelmente marcado na história da música popular brasileira como músico, cantor, compositor e integrante de uma das mais emblemáticas bandas nacionais, Goffi mostra que ainda há muito o que apresentar ao seu público. E sem deixar-se acomodar, registra a rica tradição percussiva brasileira em “Bem“, um disco que facilmente pode ser considerado parâmetro para a música contemporânea se levarmos em consideração seus flertes com os mais distintos gêneros presentes ao longo das faixas existentes.

Tal qual alquimista, o band leader injeta um gênero aqui, põe uma dosagem maior de outro ali e assim vai formulando a sua identidade para além do grupo onde estamos habituado a vê-lo. Quem acredita ver a pulsante bateria do músico a favor do gênero que o consagrou, irá frustar-se; mas em compensação irá ganhar a certeza que as delimitações (fronteiras criadas apenas pela nossa mente como bem diz o provérbio chinês) não é um termo que faz parte do seu vocabulário. Muito pelo contrário, pelo o que se vê dar-se a entender que a sua arte enxerga o com os olhos de uma criança que almeja um promissor futuro pela frente. E quando renova-se a esperança a partir de uma conjuntura dessa não há substantivo mais adequado do que este que batiza o álbum: Bem.

Para audição dos amigos leitores a faixa “Tudo de bem“, de autoria do próprio Guto como já dito:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 08 de junho de 2017

BELEZA, VOZ, VIOLÕES E TALENTO - ALICE PASSOS



 

Em seu primeiro disco, a cantora e instrumentista carioca Alice Passos apresenta uma verdadeira antologia ao violão brasileiro

Ninguém sabe ao certo a sua origem, mas o que se tem certeza é que após a sua introdução na música brasileira, o violão passou a ser um dos mais relevantes instrumentos desde então. No Brasil, o primeiro instrumento musical de cordas que se tem notícias há quem afirme que foi a viola de dez cordas – ou cinco cordas duplas – trazida pelos jesuítas portugueses, que a utilizavam durante a catequese dos índios a partir do século XVII em São Paulo. Tempos depois, no século XIX, já com as definitivas seis cordas e o advento do choro (que nascido no Rio de Janeiro ganhou forte expressão nacional tornando-se um símbolo da cultura brasileira e um dos mais originais estilo de música instrumental existente a partir de então), o violão popularizou-se significadamente. Por falar em choro, é válido o registro que tal gênero surgiu aglutinando outros tantos advindos da Europa a exemplo da polca, da valsa, do schottisches, da quadrilha, entre outros.

Dessa mescla e estilo de tocar consolidou-se o choro, um dos primeiros gêneros musicais genuinamente brasileiro ao lado do lundu, da modinha e do maxixe e que foi de fundamental importância para a popularização do violão a partir de nomes como Garoto, Quincas Laranjeiras, Eduardo das Neves, Dilermando Reis, João Pernambuco, Tute, Laurindo de Almeida, Catulo da Paixão Cearense, Donga, o maestro Heitor Villa-Lobos entre outros, que de um modo ou de outro contribuíram ao longo de todos estes anos para desdobrar o instrumento abarcando os mais distintos gêneros e subgêneros dentro da música popular brasileira ao longo das últimas décadas tais quais a bossa nova com o inconfundível e arrebatador violão de João Gilberto, os afro-sambas com Baden Powell e toda malemolência baiana e praiana presentes nas músicas e instrumento de Caymmi.

Tal retrospecto é válido para que possamos abarcar a nova geração de instrumentistas brasileiros e todas as influências que os constituem como é o caso da carioca Alice Passos, um promissor nome da música que apesar da pouca idade é respeitada como uma veterana no meio do samba e do choro nos principais redutos dos gêneros de sua cidade, em especial a Lapa, local historicamente cultural da cidade e local propenso ao desenvolvimento de sua paixão pela música. Filha da compositora e instrumentista maranhense Ignez Perdigão, Alice cresceu envolta ao canto, o cavaquinho, a flauta e o violão. E dentre estes instrumentos que permearam a sua infância abraçou em particular dois: a flauta e o violão, fazendo deste último seu principal companheiro neste álbum de estreia.

Nos palcos substanciou o seu talento para além da teoria acadêmica, visto que Alice Passos é formada em arranjo musical pela UniRio assim como também dá aulas de música já há alguns anos, e por conta disto já encontra-se muito bem substanciada teoricamente. Estas experiências empíricas, práticas e experimentais alicerçaram o seu primeiro álbum intitulado “Voz e violões”, disco que conta com treze faixas e a participação de um verdadeiro dream team do violão brasileiro. Dentre as canções que compõem o disco, há uma mescla entre inéditas e releituras como é o caso “Toque de amor” (João Lyra e Zé Rocha) lançada por Elba Ramalho no álbum “Do jeito que a gente gosta”; “Sem palavras” (Francis Hime e Thiago Amud), originalmente lançada em 2013 no álbum “Eterna alegria” por Alcione e “Mestre”, uma parceria de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, registrada pelo autor em 2014 no álbum “Setenta anos”, disco alusivo as sete décadas de vida do Dori.

Por falar em Pinheiro, seu nome é recorrente dentre os autores presentes no disco. Das treze faixas, assina sete. Além da já citada, apresenta também “Lembrança viva” (em parceria com Julião Pinheiro), “Piraiaguará” (com Mário Gil), “Assombros” e “Samba de Mestre“, a primeira em parceria com João Camarero, já a segunda com Maurício Carrilho. O disco ainda conta com “Aparição” (Miguel Rabello e Roberto Didio), “Preta Bá” (Pedro Messina e Chico Alves), “Nem cais, nem barco” (Guinga e Aldir Blanc), “Sertão do vale” (Zé Paulo Becker e Mauro Aguiar) e a inédita “Quadrança” (Sergio Santos e Paulinho Pinheiro).

Lançado pela Fina Flor (nome também sugestivo para os violonistas que a acompanham neste debute fonográfico) e sob produção de Maurício Carrilho, “Voz e violões” traz como marca maior o modo antológico como a jovem e promissora artista apresenta, a partir do violão, a rica sonoridade existente em nosso país priorizando um seleto repertório que nos remete a confins e rincões desse Brasil de dimensões continentais. O curioso é que ela não deixou-se acomodar pela sonoridade cosmopolita que rege o seu cotidiano, e tal qual uma escafandrista, buscou imergir na vastidão sonora que compõe a nossa música. Longe de ser um álbum comercial, “Voz e violões” é antes de tudo um cartão postal sonoro do Brasil, onde busca enaltecer em pouco mais de 45 minutos nossas riquezas naturais, tradições folclóricas, o amor entre outros temas. Nele viajamos do toque da capoeira ao maracatu; do tradicional samba às mais densas harmonias existentes na música urbana e que no disco faz-se tão bem registradas pela altivez do canto de Alice, adornado pelos precisos arranjos presentes em um disco virtuoso, confeccionado de modo singular e alicerçado em premissas nada aceitáveis para um mercado fonográfico cada dia mais supérfluo como o atual.

Trabalhos como este remete-nos a um texto escrito por Nazareno de Brito na contracapa do disco “Abismo de rosas”, do Dilermando Reis, e que diz o seguinte: “O violão, em sua simplicidade, mesmo quando o pinho tosco se cobre de vernizes e arabescos em madrepérola e pedrarias, parece ter sido criado para a linguagem sonora e sincera dos simples (…)”. Imbuído de verdade e simplicidade, “Voz e violões” nos leva a uma profunda imersão na tradição do violão brasileiro, levando-nos a crer que aquilo que tão bem nos foi apresentado por nomes como Helena de Magalhães Castro, Rosinha de Valença e Helene Meireles atemporalizou-se e hoje perpetua-se a partir de trabalhos como este que reitera a necessidade de voltarmo-nos atenciosamente a atenção para uma nova, promissora e talentosa geração, de onde destaca-se este jovem e auspicioso nome. Se Dori Caymmi, Guinga, João Camarero, João Lyra, Julião Pinheiro, Mario Gil, Maurício Carrilho, Miguel Rabello, Pedro Messina, Sergio Santos, Theo de Barros, Thiago Amud e Zé Paulo Becker deram os seus respectivos avais não há como ir de encontro a este consenso. Uma chancela como esta acaba por atestar a importância de Alice Passos para a música popular brasileira daqui para frente.

Para o público leitor a faixa “Mestre”, composta pela dupla Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro e já citada anteriormente aqui no texto:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 01 de junho de 2017

FERNANDA CUNHA - ENTREVISTA EXCLUSIVA

 

Comemorando os noventa anos de um dos mais representativos nomes da música popular brasileira, a cantora apresenta um álbum que já se faz atemporal por seu conteúdo

Abordando pela segunda vez a obra de um de um dos mais representativos nomes do nosso cancioneiro, a cantora e compositora Fernanda Cunha mais uma vez foge do convencional ao imergir na obra do nosso eterno maestro soberano. Há dez anos atrás, quando se era comemorado as oito décadas de vida de Tom Jobim, Fernanda trouxe ao mercado fonográfico o álbum “Zíngaro”, um projeto feito ao lado do instrumentista Zé Carlos abordando apenas canções do homenageado em parceria com Chico Buarque.

Neste primeiro momento a cantora registra clássicos como “Eu te amo”, “Anos Dourados”, “Sabiá”, “Retrato em branco e preto”, entre outras. Agora, uma década depois, a artista busca manter-se a partir de um viés diferente e em novo tributo apresenta canções composta apenas pelo homenageado. “Jobim 90”, acaba-se destacando-se de tantos álbuns lançados ao saudoso Tom Jobim por trazer consigo um repertório que mescla clássicos como “Fotografia”, “Samba do avião” e “Águas de março” com canções de menor expressividade popular como é o caso da faixa “Two Kites” como foi apresentado aqui mesmo em nosso espaço recentemente a partir da matéria “EM TOM PRECISO, FERNANDA CUNHA DÁ VOZ À OBRA DO MAESTRO SOBERANO”. Hoje a cantora e compositora retorna ao nosso espaço para este bate-papo exclusivo onde fala, dentre outras coisas, da excelente receptividade desse tributo tanto pela crítica quanto pelo público, da carreira internacional e de como pretende cair na estrada com este novo projeto. Excelente leitura!

Fernanda, é sempre motivo de grande honra ter a possibilidade de conversar com você. Hoje a lisonja é maior ainda ao poder abordar além do seu nome, o de um dos ícones de nosso cancioneiro, que é o Tom Jobim. Ao homenageá-lo, em duas oportunidades, você buscou seguir vieses que fogem do convencional. Como surgiram as ideias de, em um primeiro momento, abordar apenas parcerias de Tom e Chico; e agora, apenas canções de sua autoria?

Fernanda Cunha – A ideia de abordar as parcerias de Tom Jobim em 2007 veio de um conterrâneo de Juiz de Fora. Mas era um projeto que eu tinha para o futuro, mas que acabei decidindo fazer na época dos 80 anos do Tom em duo de violão e voz com o Zé Carlos. Agora nos 90 anos, eu queria também seguir um critério que não fosse na base de “as musicas que eu gosto mais”. Até porque eu gosto de tudo do Tom. “Angela” eu já tinha cantado num festival de jazz do Canadá em 2007 , e ao mexer nesse roteiro de 2007 vi que tinha ali muita coisa que era só letra e musica do Tom. E como “Two kites” também é, me dei conta que o critério poderia ser esse. Tom era um letrista excepcional e este lado dele não é muito comentado. Fala-se sempre do compositor, do pianista, do cantor, do maestro, mas pouco se fala no Tom letrista.

Dentre as escolhidas para compor “Jobim 90” houve algum parâmetro específico para a seleção do repertório?

FC – Então, o critério foi letra e musica do Tom. Escolhi as que eu achava que podia contribuir com meu canto, com minha interpretação. E também fazer um equilíbrio das musicas de maior sucesso e das que não foram muito gravadas e executadas.

O processo de gravação de “Jobim 90” ocorreu de modo bem rápido não foi? Você poderia nos contar como se deu a concepção do álbum?

FC – Sim, fizemos as gravações em 2 dias ao vivo no estúdio. E depois mais 2 dias pra mixar e 2 pra masterizar. O disco ficou pronto pra ir pra fábrica em 1 semana praticamente. Eu escolhi as musicas e dividi os arranjos entre Zé Carlos, Camilla e Jorjão Carvalho. Eu sabia o que eu podia esperar de cada um dos arranjadores. O Zé ficou com 4, Camilla com 2 e Jorjão com 2. Eu tinha um arranjo pronto do meu querido e saudoso amigo Helvius Vilela para “vivo sonhando”. E o meu guitarrista e amigo Canadense Reg Schwager ficou encarregado de fazer o arranjo de “Two kites”. O Helbe Machado gravou conosco o Cd inteiro com exceção de “Two kites” que a bateria foi gravada pelo baterista paulistano Edson Ghilardi. Nós todos temos uma relação de amizade acima de tudo, então trabalhar com amigos torna o trabalho mais prazeroso e mais rápido.

Sua relação com a música do Tom parece existir há muito tempo (até pelo contexto ao qual você foi criada). Qual é a lembrança mais remota do Tom Jobim em sua vida? Você chegou a ter oportunidade de conhecer o Tom?

FC – Não me lembro de ter conhecido o Tom, porque acho que só o vi uma vez quando eu era bem pequenininha. Sueli Costa, minha tia, me corrigiu outro dia porque dei uma entrevista dizendo que minha mãe dizia que eu cantava “Águas de março” com 3 anos. E a Sueli disse que foi com 2 anos! E que contaram isso pro Tom na época e ele não acreditou. Então, de fato não lembro desse episódio, mas me lembro de ter visto, depois de adulta, o Tom muitas vezes na rua andando pelo Leblon, sentado na cobal tomando sua bebidinha, ou na antiga churrascaria Plataforma. O Tom era um homem simples, sem essa frescura de hoje em dia em que o artista não anda na rua, ou entra em espações fechados com óculos escuros (como se não fossem ser reconhecidos). Essa simplicidade do Tom está muito evidente nas letras e nas músicas. Minha mãe gravou “Eu te amo” com o Tom no piano em 81, que foi o que a projetou na época.

Em 1981 sua mãe também fez o registro de uma canção de autoria apenas do Tom Jobim intitulada “Espelho das águas”. Você cogitou a possibilidade de registrar também esta canção?

FC – Foi em 1983 no LP que ela gravou pela som livre. Não cogitei gravar não. Acho aquela gravação maravilhosa, já ouvi duas gravações dessa música e sinceramente não acho que nada tenha sido mais bonito do que aquela gravação da minha mãe com arranjo do Dori Caymmi. “Eu te amo” eu gravei no disco em duo com o Zé Carlos porque eram as parcerias de Tom e Chico e não dava pra fugir. Acho o resultado “honesto” mas longe do que foi a gravação original. Tem coisa que me marca tanto que eu não me sinto a vontade pra mexer não. “Querida” por exemplo, que também é letra e música do Tom, eu adoro. Mas como é que se grava “Querida” depois do registro da Miúcha? A música é a cara da Miúcha, eu não saberia regravar! Aliás a Miúcha tem muito isso, é uma característica dela. Me pediram pra cantar “Pela luz dos olhos teus” no prêmio Vinicius de Moraes, e eu disse: “Pode ser outra? Essa é da Miúcha” …rs Não estou querendo dizer que as gravações são definitivas e “intocáveis”, eu já gravei coisa que a Elis cantou, que a Gal cantou, que a Leny cantou, etc. Mas as vezes uma determinada gravação é definitiva em mim, e neste caso não faz sentido.

Você vem há anos excursionando ao redor do planeta em países como Malásia, EUA, Portugal, Canadá entre tantos outros. Nestas apresentações Tom Jobim provavelmente é um dos nomes que não deve faltar não é? O que mais o público gosta de ouvir em sua voz?

FC – “Dindi”.

Em ano de comemoração, “Jobim 90” tem sido destaque e vem sendo muito bem recebido tanto pelo público quanto crítica especializada. Em contrapartida, os espaços para a boa música popular brasileira estão cada vez mais escassos. Como lhe dar com esse tipo de paradoxo, uma vez que sua carreira é marcada por uma discografia irrepreensível e justamente por isso restringe-se a poucos espaços?

FC – Pois é, essa é uma conta que não fecha. Infelizmente…

Ao reverenciar em discos nomes como Tom Jobim, Chico Buarque, Sueli Costa e Johnny Alf (e em show nomes como o do saudoso Sinval Silva); você tem ciência de que, de algum modo, está fazendo a sua parte na perpetuação da MPB de qualidade. No entanto, uma andorinha só não faz verão… em sua opinião o que falta dentro contexto cultural para o Brasil desvencilhar-se do velho estigma de um país sem memória?

FC – De produtores bem intencionados e comprometidos em promover a boa música acima de tudo. Tenho consciência da importância do meu trabalho, se eu não tivesse, já teria “jogado a toalha”. Sei que tem um público que consome este tipo de música (sempre terá), mas é claro que seria importantíssimo que as novas gerações soubessem quem foi Johnny Alf (um gênio da musica brasileira), quem é Sueli Costa (que está celebrando 50 anos de carreira com musicas gravadas por grandes intérpretes da musica vocal e instrumental), que pudéssemos resgatar o cancioneiro do Sinval Silva, e que que o Tom Jobim jamais seja esquecido porque ele foi e será sempre o nosso maestro soberaníssimo. Não há outro Tom Jobim na música Brasileira, sua música é atemporal. É perfeita. E quanto ao Chico, também dispensa qualquer elogio de minha parte posto que é um dos maiores letristas e compositores do país. Uma pena que este país agora se vire contra ele por posições políticas. Está tudo muito esquisito. Como você diz, uma andorinha não faz verão, mas eu sou um andorinha bem persistente… rs. E creia, há MUITO mais andorinhas por aí. O país é rico de músicos, cantores e compositores.

Como está sendo arquitetada a turnê deste álbum? Já há data confirmada para cair na estrada?

FC – Bom, o país está numa situação dificílima, uma crise que compromete a cultura e a circulação de espetáculos. Mas a estreia no Rio de janeiro será Maio, estou aguardando uma confirmação oficial. Em São Paulo haverá o lançamento numa unidade do Sesc em setembro, e em setembro também voltamos com 2 shows no Rio (um em Paquetá e outro na região serrana). O show segue o caminho internacional sem nenhuma dificuldade. Em maio farei 4 cidades no Canadá. Em julho farei Áustria, Dinamarca e Portugal. Final de setembro retorno ao Canadá para uma província que faltou na primeira turnê. E vamos seguindo…

Maiores Informações: Site Oficial – Fernanda Cunha


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 25 de maio de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: FUNDO DE QUINTAL

 

 

Falar de samba no Brasil é perpassar portodas as fases da música popular brasileira e rememorar alguns grandes nomes que contribuíram para escrever a história de uma das músicas mais cultuadas do planeta. A influência do samba dentro da MPB é notória, e para atestar isso desde os anos de 1910 que diversos nomes vem produzindo canções que entraram para o rol dos clássicos do nosso cancioneiro. Dentro do samba contemporâneo nenhum grupo existente se equipara ao Fundo de Quintal, que teve origem a partir de sambistas da escola Imperatriz Leopoldinense na segunda metade da década de 1970 dentro do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, em Ramos, subúrbio da região da Leopoldina, na cidade do Rio de Janeiro. A primeira formação do conjunto de samba teve Almir Guineto, Bira Presidente, Jorge Aragão, Neoci (filho do célebre compositor João da Baiana), Sereno, Sombrinha e Ubirany.

Dá para se perceber que se tratava de um time de peso que apresentava-se na quadra de futebol onde se realizavam além dos ensaios do bloco, um dos maiores movimentos de samba que se tem notícia nos anos de 1970: os pagodes de Fundo de Quintal. Essas reuniões, sem dúvida alguma, nos anos posteriores, muito contribuiu positivamente para escrever a história do samba contemporâneo. A princípio, as reuniões aconteciam sempre às quartas-feiras para que fazer aquilo que eles mais gostavam: samba de qualidade. Essas reuniões começou a atrair a atenção de gente importante do mundo do samba porque além de tocar músicas de renomados sambistas, lá eles também apresentavam composições próprias.

Essas canções vinham muitas vezes acompanhadas por de instrumentos até então incomuns nas rodas de samba e eram executadas, muitas vezes, em um ritmo diferente. Um exemplo da excentricidade do grupo era o tantã criado por Sereno, o repique-de-mão criado por Ubirany e o banjo com braço de cavaquinho criado por Almir Guineto. Esta inovação sonora, credita ao Fundo de Quintal a criação de um estilo influenciador a muitos grupos que surgiram posteriormente como é possível observar no cenário musical brasileiro contemporâneo.

Ainda na década de 1970, devido à ascensão e originalidade do grupo, Beth Carvalho convidou-os para participar do disco “Pé no Chão”, o décimo primeiro disco da carreira da sambista (terceiro pela RCA Vitor). No álbum, além de executarem alguns instrumentos, um dos integrantes foi responsável por um dos maiores sucessos da artista carioca até os dias de hoje, quase quatro décadas depois. É neste álbum, entre canções da lavra de Beto sem Braço, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, Monarco e Paulo Portela, Wilson Moreira e Nei Lopes, Cartola, Nelson Sargento, Candeia e Martinho da Vila; que se destaca a canção “Vou Festejar”, que tem dentre os seus autores Jorge Aragão.

É neste trabalho também que o grupo se aproxima do produtor Rildo Hora, que mais tarde viria a produzir vários trabalhos do grupo. Apesar do relativo sucesso no universo do samba, o grupo não tinha até então nenhum registro fonográfico, fato que só veio a acontecer em 1980 quando a gravadora RGE lançou o primeiro disco do grupo que trazia por título “Samba é No Fundo do Quintal”, trabalho que foi muito bem aceito pela crítica musical da época. Neste primeiro álbum há canções como “Sou Flamengo, Cacique e Mangueira”, “Bar da esquina”, “Marido da madame”, “Prazer da Serrinha”, e canções de relativo sucesso à época como “Você Quer Voltar”, “Zé da Ralé” e “Gamação Danada”.

Deixo aqui para os amigos leitores um pout-pourri com as canções “A batucada dos nossos tantãs” (de autoria de Adilson Gavião, Sereno e Robson Guimarães) e “Do fundo do nosso quintal” (composta por Alberto Souza e Jorge Aragão). Esse registro encontra-se presente no álbum “Fundo de Quintal – Ao Vivo – Simplicidade”, lançado em 2000:


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 18 de maio de 2017

O CORTEJO DA BOA MÚSICA CONTEMPORÂNEA QUE VEM DA BAHIA PEDE PASSAGEM


O cantor e compositor soteropolitano Emerson Leal volta ao mercado fonográfico

com “Cortejo”, álbum que reitera sua verve autoral

 

Emerson Leal é um artista com um início de carreira bastante inusitado, pois pouco tempo após radicar-se no Rio de Janeiro para começar a sua carreira fonográfica solo, o artista ganhou rasgados elogios de ninguém menos que o cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, que elogiosamente o classificou com termos como “Fera”, “Craque”. Essa história chegou a ser abordada aqui mesmo no JBF a partir da pauta “ORIGINAL E VERSÁTIL, EMERSON LEAL TRAZ EM CD HOMÔNIMO UM PROFÍCUO CAMINHO PARA O FUTURO DA MPB“. Hoje, quatro anos após o lançamento do primeiro álbum, Emerson volta ao mercado fonográfico com o seu segundo álbum sob o título de “Cortejo”, onde a constante originalidade que marca o primeiro disco também acentua a sua presença a partir de um coerente caminho que o artista soteropolitano vem traçando. Foram quatro anos substanciar-se a partir das mais distintas experiências para substanciar-se a partir das mais distintas experiências desde o último lançamento, tempo suficiente para o artista depurar ainda mais toda a verve inovadora presente em seu álbum de estreia como é possível observar na sonoridade e nas letras presentes nas faixas que constituem “Cortejo”, um álbum que reitera a importância do seu crucial papel no cenário atual da música brasileira não apenas a partir da reafirmação dos elementos que constituem aquilo que faz, mas também objetivando cumprir aquilo que se espera de uma canção bem feita. Desse modo, pautado em originalidade e moldando suas composições a partir de elementos que acabam por torná-lo um dos nomes proeminentes da cena musical carioca contemporânea

Radicado no Rio de Janeiro desde 2008, o músico autodidata trouxe em sua bagagem a diversidade rítmica que caracteriza a sua terra de origem acoplando a isso um toque bastante pessoal como também é possível atestar neste seu segundo álbum a partir das nove canções presentes em “Cortejo”. Das faixas que constituem o disco, oito são autorais (uma delas em parceria com Luiz Tatit) e uma composta pela dupla Ana Clara Horta e Gabriel Pondé. O disco abre com “A fúria”, faixa de refrão contagiante e que apregoa que o carnaval se faz a partir do movimento de cada sonho; a faixa seguinte, “Coisinho” retrata, entre urgência e apreensão, a efemeridade e superficialidade existente nas relações afetivas contemporâneas. Em “Mil musas distraídas”, Emerson acompanhado pelo Quarteto Radamés Gnattali, traz uma ode às mulheres. O disco tem continuidade com faixas como “Sem batom”, “Parado no perigo” e “Seu nome” (esta última nos remetendo-nos à música afro-caribenha da mais alta estirpe a partir do marcante violão do cantor e compositor. Com Tatit assina “Tipo nós”, faixa que traz a participação especial da jovem cantora Lívia Nestrovski. Filha do compositor e violonista e diretor artístico da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) Arthur Nestrovski. Lívia, que já foi contemplada com 8 medalhas por excelência em canto e neste álbum mostra o porquê de tais contemplações. Para fechar, duas canções: “Vai que dá certo” e “Você aqui”, faixas que reforçam a teoria de quanto se faz ricamente híbrida a sonoridade do artista endossada por consistentes e inovadores arranjos e músicos que chegam como a cereja de um bolo, ou melhor, um disco que dispensa maiores adornos para tornar-se delicioso.

Gravado no Rio de Janeiro (RJ), entre junho de 2015 e junho de 2016, nos estúdios Casa do Mato (Por Igor Ferreira), Espaço Musical Praia de Botafogo (por Rafael Camacho e Emerson), Tenda da Raposa (por Carlos Fuchs e Gustavo Krebs), Ouvido em pé (por Kim Carvalho) e El Tiburón, por Leal, o disco ainda traz em sua ficha técnica como assistentes de estúdio (Casa do Mato) os nomes de Rafaela Prestes e Falcon. O disco foi masterizado por Felipe Tichauer em Miami, e traz em sua tecitura nomes como Carla Rincón e Andreia Carizzi (violinos), Estevam Reis (Viola) e Hugo Pilger (Cello), que juntos formam o Quarteto Radamés Gnattali. O disco ainda conta com a participação da já citada cantora Lívia Nestrovski, João Callado (do Grupo Semente), na bateria Pitito (Luiz Fernando Veloso) e na Guitarras Rafael Camacho. “Cortejo” tem produção, direção e mixagem assinadas pelo próprioEmerson que assina também a execução de distintos instrumentos de corda, assim como também seus respectivos arranjos. Quanto ao projeto gráfico todo ele foi assinado por Mariana Volker.

Como já dito, Leal traz naquilo que faz características intrínsecas à sua sonoridade, o que acaba o destacando e levando-o além das fronteiras musicais convencionais como já afirmou Luiz Tatit quando em depoimento registrou: “O disco que tá chegando aí do Emerson Leal vem realmente pra cumprir um papel no quadro, no todo aqui da música brasileira atual porque tem tanto os elementos que a gente espera de uma canção bem feita, de uma canção bem concebida, como tem ao mesmo tempo as novidades que ele vem trazendo pra gente que vem tanto pelas letras quanto pelas melodias de uma canção que diz coisas pra gente, todas as faixas trazem um assunto que pode ser entoadas de uma maneira interessante, de uma maneira nova, de uma maneira sobretudo agradável. As canções já vem com uma pegada não só bem feita do ponto de vista musical, mas também já com uma pegada pop que faz com que o ouvinte se envolva imediatamente com aquilo que está ouvindo naquele momento. Eu acho que ele chega no momento com todos os requisitos, com todas as credenciais pra atuação de um cancionista atualmente.” É por isso que a originalidade de Emerson Leal chama a atenção. Imbuído de um apuro estético que valoriza todos os nuances existentes na canção e seus distintos gêneros, tanto o músico quanto o letrista deixa evidenciar uma inquietude criativa em constante ebulição. Emerson é nome que deve ser acompanhado de perto por aqueles que prezam a valorização da música popular brasileira contemporânea. É sangue novo para a tão combalida música brasileira. É como disse aquele que lhe deu o aval definitivo para adentrar para o rol dos grandes nomes da música popular brasileira contemporânea em uma de suas canções: “Evoé, jovens à vista!”.

Agora, para deleite dos leitores do JBF, deixo um registro caseiro de uma das composições do Emerson intitulada “Eu parei de te seguir”. A música é inédita em disco:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 11 de maio de 2017

HISTÓRIAS DA MPB - JÚLIA MARTINS

Eu sempre busco trazer para esta coluna alguns nomes relegados ao limbo do esquecimento dentro da música popular brasileira. Há um tempo atrás eu abordei o nome da Abigail Maia, hoje gostaria de apresentar aos amigos que acompanham esta coluna o nome da carioca Júlia Martins, uma das cantoras pioneiras nas gravações de discos no Brasil.

 

Assim como Abigail, Júlia também foi atriz do teatro de revista existente naquela época e foi a partir dele que deu início a carreira de cantora. Em 1909 é contratada pela Victor Record e nesta gravadora, uma das primeiras multinacionais a atuar no Brasil, estreia em discos cantando em dueto com o intérprete João Barros. Os dois, só no ano de 1090, registram as canções “Brasileiro pancrácio”, “Os paraguas”, “A aliança” (de autoria de Eustórgio Wanderley), “Pst, pst”, “Ali…a preta” (composta por Luis Filgueiras), “A despedida” e por fim “A Capital Federal”, composta por Nicolino Milano. Desvinculada da Victor Record, em 1910, grava por um selo de menor expressão a sua primeira canção como solista, trata-se da música “O Chico”, só vindo a atuar em uma grande gravadora quando três anos depois é contratada pela Odeon.

Em janeiro de 1913 gravou em dueto com Eduardo das Neves “A cocote e o marchante”, do próprio Eduardo das Neves. Em seguida, gravou a canção “Minha Caraboo”, composição do norte americano Sam Marshal e que fez enorme sucesso na versão de M. Albuquerque no carnaval do ano anterior. Ainda em 1913 gravou o lundu “A flor da pitangueira”, música que cantava na revista “República do amor”, um destaque de seu repertório teatral e, em dueto com o cantor Bahiano, as canções “A vassourinha” (Felipe Duarte e Luiz Filgueira), e “O engraxate” (B. Esfolado), “O retrato e a flor”, e “A cigana e o feiticeiro”, de autores desconhecidos, e de autoria do próprio Bahiano as faixas “Cidade Nova e Saco do Alferes”, “Ai que gostos”, e “O vagabundo e a mulata”.

Uma curiosidade acerca da discografia da atriz e cantora se a partir da gravação da canção”A viola está magoada”, que contou com acompanhamento do Grupo da Casa Edison e que traz em seu selo pela primeira vez a denominação de “samba”, ou seja, quatro anos antes da gravação de “Pelo telefone”, que ficou consagrada como o primeiro samba gravado, talvez pelo sucesso maior. Em sua discografia ainda consta a gravação da cançoneta “A mulatinha”, de Chiquinha Gonzaga e Patrocínio Filho, e com Eduardo das Neves, o batuque sertanejo “Cabocla de Caxangá”, de Catulo da Paixão Cearense, que caracterizou pela primeira vez uma composição designada como de cunho regional, reiterando o seu pioneirismo dentro da música popular brasileira.

Ainda em 1913, atuou na revista “Chegou o Neves”, juntamente com Ciniro Polônio, Brandão Velho, e Mercedes Vila. Foi nessa revista, que Pixinguinha, então com apenas 16 anos estreou nos palcos. Seu último registro fonográfico que se tem notícia ocorreu por volta de 1914, quando gravou em dueto com o tenor Tomaz de Souza a canção “A vassourinha”, de Felipe Duarte e Luiz Filgueira. Nas décadas seguintes não se tem notícias registradas (ao menos na internet) a respeito da atriz e cantora. Talvez seja esta, uma das razões pela qual não se conhece e nem se fala de Júlia Martins no cenário musical contemporâneo. Se artistas de extrema relevância no cenário musical de outrora não são lembradas, seria muita pretensão daqueles que acompanham a história da MPB acreditar que uma cantora que fez os seus registros a mais de um século, queira ser lembrada.

Aos amigos fubânicos deixo aqui o registro da canção “A viola está magoada”, samba composto por Catulo da Paixão Cearense e gravado em 1913. Neste registro, Júlia vem acompanhada por Bahiano e o Coro da Casa Edison:

 

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 05 de maio de 2017

CORAÇÃO SELVAGEM E PARTIDO - BELCHIOR



 

Hoje eu apresento um olhar lacrimoso. Um olhar que já trago e tenho, mas que pela notícia recebida potencializa-se. Belchior e suas teorias musicais fazem parte de minhas memórias afetivas desde que me interessei por música.

Como nordestino que sou, foi ele que me fez tomar consciência, por exemplo, que aquilo que pesa no norte, pela lei da gravidade cai no sul, grande cidade; com ele aprendi que o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual, entre outras verdades travestidas de canções. Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte por ter vivido em seu tempo, grande Belchior.

Um tempo onde seu canto torto e sua voz cortante feito faca deixou marcas indeléveis em mim; no entanto, hoje não quero falar das coisas que aprendi em seus discos. Quero ir um pouco além, pois com você também aprendi que mesmo não estando feliz, não podemos emudecer, e por isso preciso registrar que o seu legado ficará aqui para que possamos cantar muito mais. É como você bem disse: “(…) o meu lugar é onde você quer que ele seja”.

Hoje, em definitivo, o seu lugar passa a ser no coração de todos aqueles que acompanharam a tua obra. A dor que deixas é que apesar de sua ausência, alimentávamos a esperança de uma triunfal volta sua e que hoje extingue-se em definitivo. Vai em paz Belchior, e leva consigo suas palavras, sons e caminhos para que sejas de fato livre. A pimentinha há de te recepcionar com o mesmo carinho com o qual eternizou “Como nossos pais”.

Resta-nos agora abrigá-lo na parede de nossa memória e levar sua lembrança como um doloroso quadro, talvez aquele que doa mais sempre que, entre nossos discos, nos deparemos com um seu. Uma dor que talvez amenize-se ao ouvir aquilo que deixaste para uma infinidade de corações selvagens. Aqui, pediremos ao bom Deus que nos ajude para seguirmos sempre que a vida nos violentar com notícias como esta de hoje.

Deixo agora para os amigos leitores uma das faixas do álbum “Coração Selvagem”, de 1977 e que é de autoria do já saudoso Belchior: Galos, noites e quintais:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 28 de abril de 2017

BEATRIZ RABELLO, ENTREVISTA EXCLUSIVA

Apesar da intimidade de Beatriz Rabello com os palcos, foi só no final de 2016 que a atriz e cantora colocou o seu bloco na rua para deleite dos amantes da boa música. Linda e talentosa, a intérprete lançou-se na música há exatamente uma década quando atuou como backing vocal no CD e DVD “Acústico MTV Paulinho da Viola”. Nesse ínterim de uma década, a cantora atuou no teatro em diversos musicais, contexto o qual substanciou a sua musicalidade e a fez abraçar em definitivo a ideia da concepção de “Bloco do amor”, projeto fonográfico que conta com um primoroso repertório composto por clássicos da música popular brasileira assim como também por canções inéditas como foi apresentado aqui mesmo no Musicaria Brasil recentemente a partir da matéria “Comandando o Bloco, Beatriz Rabello debuta em grácil projeto fonográfico“.

Hoje, Beatriz volta a abrilhantar o nosso espaço com este bate-papo exclusivo onde nos conta algumas peculiaridades, dentre elas como é ser filha de um dos maiores nomes da música popular brasileira e a razão pela qual passou quase uma década para lançar o seu álbum de estreia. Desejo a todos uma excelente leitura!

Você vem de uma família bastante musical. Neta do César Farias, filha do Paulinho da Viola e sobrinha de Raphael Rabello entre outros parentes envoltos com artes. Qual é a lembrança mais remota do seu envolvimento com a música?

Beatriz Rabello – Cézar Faria, com “Z”. Minha primeira lembrança: rodas de choro na casa do meu avô.

Nascer em meio a um contexto musical como este é um privilégio para poucos, mas ao mesmo tempo, existe aí uma responsabilidade que vem na mesma proporção. Quando você resolveu também abraçar a arte esse fator pesou ou ainda pesa? Como é ser filha de um dos maiores nomes da música popular brasileira?

BR – Sempre digo que pode ser um bônus ou um ônus. Tem que ter maturidade para lidar com essa dualidade. Tenho muito orgulho de ser filha do meu pai e faço questão de tirar o melhor disso. Quem coloca peso é quem vê de fora e não faz parte desse contexto.

Da sua estreia nos palcos cantando até o lançamento do seu primeiro álbum houve um intervalo de quase uma década. Neste longo intervalo em algum momento pensou em desistir de concluir o álbum? Por qual razão você passou quase uma década para lançar este disco?

BR – Veja bem, eu não levei uma década para concluir o álbum (rsrs!) Eu comecei no teatro musical em 2008, sem nenhuma intenção de gravar disco. Só fui fazer isso quando me deu vontade e achei que tinha algo pra dizer. Comecei a pensar o disco em 2013 e gravei em 2014. Só lancei em 2016 porque disco independente é assim mesmo, a gente vai fazendo as etapas quando pode, e eu ainda tinha compromissos com espetáculos teatrais, tive que conciliar as agendas.

O samba vem renovando-se de modo muito genuíno a partir de duas principais vertentes: talentosos compositores da nova geração e alguns filhos de bambas do gênero que vem dando continuidade a legados de nomes como João Nogueira, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila e agora Paulinho da Viola. Em sua opinião qual o panorama que o samba hoje se encontra? (Uma vez que tem um grande passado e pelo visto um promissor futuro).

BR – Vejo o samba se perpetuando de maneira muito digna e próspera, com muita verdade, muita seriedade. É muita ancestralidade envolvida. Vejo meus colegas de profissão defendendo muito honradamente esse legado, tem muita história envolvida, vínculos afetivos, familiares, é uma responsabilidade. E vejo também muita gente talentosa e respeitável que não vem de família de músicos e abraça o samba como sua verdade, tem muita gente incrível fazendo samba, defendendo essa história, respeitando as suas origens e fazendo essa roda girar sem parar. Isso é de uma força e uma riqueza que emociona e me faz acreditar que o samba é eterno.

O disco conta com regravações de clássicos da MPB como “Sonho de um carnaval”, “Marcha da quarta-feira de cinzas” e “Enredo do meu samba”. Como se deu a escolha dessas canções?

BR – Minha ideia era ter um repertório basicamente de sambas que falassem de amor e de carnaval. São minhas paixões na vida. Sempre quis gravar músicas inéditas, mas não queria deixar de fora alguns clássicos que se relacionavam bem com a temática que eu escolhi. “Sonho de um carnaval” fala da minha paixão pelo carnaval; “Marcha de quarta-feira de cinzas” é uma canção que canto no espetáculo “Sassaricando” e tem tudo a ver com o disco; “Enredo do meu samba” costura lindamente as questões de um desfile de carnaval com as de um relacionamento amoroso. São clássicos que se encaixaram perfeitamente da concepção do disco.

Neste álbum a presença do seu pai faz-se muito evidente. Paulinho assina três composições, além de participar de uma delas cantando e executando o seu inconfundível violão. Qual foi a primeira reação que ele teve quando você deu a notícia que iria gravar o seu álbum de estreia?

BR – Desde o início, eu já havia definido que ele estaria presente de alguma forma. E ele próprio já tinha dito que queria estar no disco. Então escolhi registrar uma música dele que já cantamos juntos muitas vezes em shows dele, que é “Só o tempo”. Achei que a participação dele se limitaria a isso, que já era uma grande felicidade para mim. Tenho muito orgulho de ser filha dele e acho que 9 entre 10 cantoras brasileiras adorariam ter a participação dele num disco, faço parte desse grupo. Confesso que acho meio ridículo filhos de artistas que querem cortar seus pais da vida profissional, me soa um tanto infantil. Sou bem resolvida com isso. E é um reconhecimento de valor por parte dele, porque sei que meu pai jamais faria nada comigo se não me achasse preparada para o que faço. Mas durante o processo ele entrou como parceiro numa outra música inédita. E quando já estava tudo gravado ele me apresentou uma música que ele fez especialmente pra mim, pra este disco, que traduz perfeitamente o meu sentimento quando concebi o álbum e acabou dando nome a ele, que é Bloco do Amor.

Por falar em Paulinho da Viola, neste seu trabalho há duas canções pinceladas de um disco dele lançado há 35 anos atrás, que é o “A toda hora rola uma estória”. Há alguma predileção por este álbum especificamente?

BR – Não, coincidência mesmo. A escolha do repertório foi direcionada pela ideia de falar de carnaval e amor.

Você traz em sua trajetória uma significativa passagem pelo teatro a partir de diversos musicais. Com esse novo projeto vai dar pra conciliar os musicais e os eventos relacionados ao lançamento do disco ou você abdicará dos musicais temporariamente?

BR – Sou apaixonada por fazer musicais, então não pretendo me afastar não! Vou conciliar tudo!

Como está a agenda de shows e divulgação de “Bloco do amor” para este ano?

BR – Próximo show: dia 29 de abril, no Espaço l’Atelier, em São Paulo, às 22h.

Seu pai traz uma carreira pontuada por grandes canções e álbuns antológicos. Outra característica que tem se acentuado nos últimos anos na discografia do Paulinho são os longos intervalos de um disco para o outro. Você já pensa no próximo trabalho ou seguirá esta mesma linha adotada pelo Paulinho nos últimos anos?

BR – Estou chegando agora. Não dá pra comparar Paulinho da Viola a nenhum artista iniciante, ainda que essa artista seja eu, que sou filha dele. Meu pai tem mais de 50 anos de carreira e durante toda a década de 1970 ele gravou um disco por ano, as vezes até mais. Penso que a contribuição dele à cultura já está muito bem fundamentada, ele pode ficar quanto tempo quiser sem gravar. Meu pai não faz discos, faz obras de arte. E obras de arte não são produzidas atendendo a nenhuma expectativa, muito menos as mercadológicas. Ele tem a tranquilidade de quem não se preocupa em acompanhar nenhuma dinâmica de mercado e um profundo respeito pela produção artística, já que não inventa motes nem se preocupa em forçar uma criação só pra andar no ritmo do comércio. Eu estou começando e é natural que a minha ansiedade seja bem maior. Penso num próximo disco sim, mas ainda tenho muita coisa pra fazer pelo Bloco do Amor.

Maiores informações na Página Oficial Beatriz Rabello

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 20 de abril de 2017

RODRIGO NASSIF - ENTREVISTA EXCLUSIVA

 

Lançando “Mar de dentro”, Rodrigo Nassif volta ao Musicaria Brasil para um bate papo exclusivo onde fala a respeito de suas influências em sua sonoridade, um pouco de sua biografia, seus exitosos projetos fonográficos e outras peculiaridades neste excelente bate-papo.

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 13 de abril de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: GAÚCHO DA FRONTEIRA



O Brasil é um país de dimensões continentais como todos que entendem o mínimo de geografia são capazes de mensurar. Ritmos, gêneros e instrumentos acabam por caracterizarem as músicas produzidas nas diferentes regiões existente no país. Um desses instrumentos, que tem distintas denominações em diversas regiões do país, é o acordeão. No Nordeste seu nome é sanfona, já no Sul é batizada de gaita. A história do instrumento no Brasil tem início no século XIX quando, por imigrantes alemães e italianos, o acordeão chega no Brasil chamando-se concertina (um acordeão cromático com 120 baixos). Sua popularização se deu em maior evidência na região Nordeste e Sul. Quem bem define o instrumento nessas duas regiões é Hermeto Pascoal: “A sanfona é a cachaça dos nordestinos e o chimarrão dos gaúchos”.

Os primeiros fabricantes do instrumento no Brasil começaram a produção por volta de 1875 e eram compostos principalmente por italianos que já prosperavam na região Sul do país. Destaque para o imigrante alemão Alfred Hering, criador das “Gaitas Hering” que, aos poucos, além de gaitas de boca, passa a produzir diversos tipos de acordeons, entre os quais as sanfonas de 8 baixos que seriam muito difundidas em todo o Brasil. Em 1939 surge, em Bento Gonçalves, a Todeschini & Cia. Em 1947, com a ampliação de seu pátio industrial, a empresa é rebatizada como Acordeões Todeschini. O nome sanfona, usado principalmente no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, foi dado após a Guerra do Paraguai; no Sul o termo gaita é usado desde sua chegada, apesar de normalmente designar a gaita de boca (harmônica) e a gaita de fole. Depois dessa breve retrospectiva sobre a história do instrumento, voltemos à finalidade da coluna: a abordagem de mais um artista.

Neste nosso país de dimensões continentais, sempre é válido passear pela biografias de músicos a artistas de cunho regional como é o caso do nome que trago hoje para esta coluna: Heber Artigas Armua Frós, que ficou conhecido no Brasil inteiro como Gaúcho da Fronteira.

Nascido no Uruguai (mas naturalizado brasileiro), Gaúcho é um dos mais conhecidos intérpretes de música regional gaúcha. Sua incursão na música se deu quando ainda era criança tocando gaita de botão com quatro baixos. Com nove, já estava tocando acordeon, bandoneon e violão. Atuando ao lado do conjunto Os Vaqueanos gravou dois discos. Em 1975, gravou seu primeiro LP individual. Sua música geralmente traz por característica o bom humor, buscando misturar os ritmos sulinos e as tradições gaúchas ao samba, forró, country e rock, conquistou popularidade em todo o Brasil como pode-se observar a partir dos diversos discos que o artista vem gravando em mais de quatro décadas de carreira. No Sul, a gaita (nome dado ao acordeão) foi instituído como instrumento símbolo do Rio Grande do Sul no projeto número 112/2010 aprovado por unanimidade na sessão plenária em 24/08/10 com autoria do Deputado Gilmar Sossela, Lei esta que tramitava na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul desde o dia 04/05/10 com o propósito de Homenagear os acordeonistas e resgatar a história deste instrumento que faz parte do Rio Grande do Sul. Essas diferenças regionais podem ser observadas no documentário “O milagre de Santa Luzia“, lançado em 2008 sob direção de Sérgio Roizenblit. A película traz o saudoso Dominguinhos rodando o país em sua picape mostrando sanfoneiros conhecidos e anônimos e o jeito de tocar de cada região.

Deixo aqui para audição dos amigos leitores a canção “Segura o Tchê“, composta por Gaúcho da Fronteira e Marcos Brasil. A canção foi extraída do LP “Isso é que é gaiteiro bom“, de 1981:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 06 de abril de 2017

SILAS DE OLIVEIRA - 100 ANOS

 

Compositor de alguns dos mais belos sambas-enredo de todos os tempos, Silas de Oliveira, se vivo, estaria completando um século em 2016. Silas de Oliveira compôs alguns dos mais belos sambas-enredo de todos os tempos (casos de Aquarela brasileira e Heróis da liberdade) e se firmou como o mestre maior do gênero deixando sacramentado para a eternidade o seu nome como um dos maiores do samba.

Pensando nisso, o cantor e compositor Luiz Henrique resolveu por iniciativa própria gravar um álbum inteiro com a obra do compositor carioca. E é baseado no centenário do artista e no lançamento deste disco que conversei com o intérprete sobre este nome que, salva algumas iniciativas, vem passando o seu aniversário longe dos holofotes.

 

 

 

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 30 de março de 2017

UM NOME POR TRÁS DA CANÇÃO - BRÁULIO DE CASTRO
 

Um dos mais produtivos compositores da música brasileira ainda em atividade, Bráulio de Castro não pára de compor nos mais variados gêneros.

Se há uma única palavra que poderia ser associada a história do compositor dentro da música popular brasileira seria ressentimento. Salvo os compositores/intérpretes, poucos são aqueles que tem o seu trabalho por trás das canções reconhecido. Infelizmente é uma questão erroneamente cultural, e que com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias tem se acentuado essa hábito de modo que em rádios, sites, aplicativos e programas de TV só há destaque para o intérprete. No entanto é preciso reconhecer a importância e o valor de tais profissionais que conseguem através de inspiração e transpiração produzirem canções pontuadas pelas mais distintas características. Pensando nisso, em 2013, o então deputado federal paulista João Paulo Cunha apresentou o projeto de lei n.º 5.985, onde dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de compositor e dá outras providências.

Neste projeto de lei o autor buscou o reconhecimento da atividade de compositor como profissão artística, pois os considera de suma importância na formação cultural de um povo. Segundo o mesmo projeto as emissoras de rádio devem, obrigatoriamente, divulgar o nome dos compositores das obras musicais veiculadas em sua programação e o descumprimento do disposto sujeitará as emissoras infratoras em um primeiro momento ao pagamento de multa, e caso haja reincidência, os canais de comunicação poderão sofrer interdição em sua programação por período de até trinta dias. No entanto o que se ver rotineiramente nos mais distintos espaços é a omissão daqueles que compõem. Raramente há a divulgação dos autores e isso acaba por privar o grande público de conhecer expressivos nomes que ficam no anonimato por trás de versos e melodias.

É neste adverso contexto que Bráulio de Castro se encontra. Natural de Bom Jardim, município localizado no Agreste pernambucano a pouco mais de cem quilômetro da capital do Estado, Bráulio traz em seu gene essa aptidão para a música a partir do seu avô paterno que, no ano de 1932, fundou a Banda de Música Grêmio Litero-Musical Bonjardinense. Sendo assim é válido frisar que o seu interesse por música vem desde a infância como o próprio Bráulio recorda em entrevistas cedidas, mas apesar de algumas incursões pelo universo da composição, foi só ao mudar-se para o Recife que o pretenso compositor resolveu investir na carreira de modo mais sério. Esse fato ocorreu quando o bonjardinense, por volta dos dezoito anos, teve a sua primeira composição, um frevo, gravada pelo músico Martins do Pandeiro.

Posteriormente, outros intérprete do gênero vieram a gravar suas composições, dentre eles Claudionor Germano. O nome mais expressivo do frevo chegou a fazer três registros fonográficos compostos por Bráulio: dois na década de 1970 e um outro em 1990. Ao mudar-se para o Sudeste a sua carreira como autor deslanchou. Fixando morada em São Paulo, o autor pernambucano teve como primeiro intérprete o saudoso Noite Ilustrada, que gravou uma marcha carnavalesca (já atestando ao grande público sua verve criativa a partir de outros gêneros e ritmos). Daí em diante o leque de intérpretes e parceiro vem se estendendo até os dias de hoje, pouco mais de cinco décadas depois de sua primeira composição gravada.

Dentre seus intérpretes, Bráulio pode enumerar expressivos nomes dos mais variados gêneros dentro da música popular tais quais o Grupo Tradição (que acompanhados por Zeca Pagodinho eternizaram um samba que Benito de Paulo tinha lançado duas décadas antes: “Bendito Seja”), Wilson Simonal (que fez em 1976 a gravação da canção “30 dinheiros”), Nando Cordel e Fafá de Belém (que registraram “Meu bombom”), Maria Alcina (“O aperto”), Miltinho, Genival Lacerda (com Rock do jegue), Jair Rodrigues, Germano Mathias, Elza Soares, Jackson Antunes (que gravou “Vai Devagar, Conceição”), Luiz Gonzaga, Luiz Américo e Alcione (“Desafio (Cuca cheia de cachaça)”), Alcymar Monteiro, Flávio José entre outros tantos nomes da música popular brasileira de expressão local e nacional que emprestaram as suas respectivas vozes para cantar e decantar a obra de Bráulio de Castro a partir dos mais distintos ritmos e gêneros musicais existentes em nosso país sempre de modo desenvolto e muito original.

Criador nato, o autor desdobra-se em confetes, serpentinas, zabumbas, sanfonas, pandeiros, e tantos outros instrumentos que representam os mais variados ritmos existentes em todo o território nacional. São frevos (de bloco e canção), forrós, sambas e maracatus que vem adornando a cultura nacional e pernambucana ao longo dos últimos cinquenta anos a partir dos mais distintos temas. Para ser mais preciso, desde 1964, quando o próprio gravou pelo Selo Verdi o frevo “Além de mim” e o saudoso “formigão” Cyro Monteiro gravou o samba “Maria Luiza”. Sem contar a participação em diversos festivais, onde apresentou composições como “Cem anos de Monteiro Lobato – Antes Que Acabem As Flores”, “Recado de Adoniran para Arnesto”, “Maracatu Quilombo” e “Bloco para Getúlio Cavalcanti” (composições que alcançaram o 1º lugar respectivamente nos concursos “Frevança” e Festival “Recifrevo”).

Soma-se ainda a esta exitosa trajetória o primeiro lugar no Festival de Carnaval em comemoração ao centenário do Frevo com o Maracatu “Pátio do Terço”, defendido magistralmente por Walmir Chagas, assim como também a mesma posição, no no último Festival de Carnaval realizado pela prefeitura do Recife com “Lá Vem Cabela”, parceria sua com a cantora, instrumentista e compositora Fátima de Castro. Dentre alguns de seus registros, há três que merecem significativo e merecido destaque. São os discos “Meu Bom Jardim”, “Minha Terra” e “Bom Jardim, Terra da Música e das Flores de Ouro”, trabalhos dedicados ao seu torrão natal, onde Bráulio teve a oportunidade de unir em disco a fina flor da música pernambucana a partir de nomes como Genival Lacerda, Dominguinhos, Maciel Melo, Petrúcio Amorim, Nádia Maia, Expedito Baracho, Caju e Castranha. Tais projetos o coloca no rol dos compositores que mais enaltecem sua terra dentro da música popular brasileira. São, entre vinis e cd’s, 55 músicas em homenagem ao município de Bom Jardim.

Bráulio de Castro assemelha-se a uma fonte que parece nunca secar. São mais de 300 composições gravadas e tantas outras ainda inéditas que permite-nos compará-lo a um grande rio sonoro onde a musicalidade brasileira a partir dos mais distintos gêneros são verdadeiros afluentes que alimentam a criatividade do artista e este, concomitantemente, devolve aos ouvidos presentes nas margens ribeirinhas uma rica e inebriante sonoridade que alcança os mais variados rincões a partir de uma gama de ritmos e uma luta diária. Um embate onde a falta de qualidade a princípio até acha-se sem vantagem agora, mas ao longo do tempo tudo se esvai restando apenas aquilo que atemporaliza-se por sua qualidade tal qual o trabalho de nomes como o de Bráulio e tantos outros que escreveram e continuam a escrever a história da MPB.

Uma luta onde o reconhecimento dessa imprescindível profissão perpassa por uma série de fatores que já deveriam estar maturados na cultura musical brasileira, mas infelizmente até então deixa-se muito a desejar. Uma luta diária para que contexto atual seja revertido, onde haja uma reestruturação profunda no modo como se ver a produção cultural em nosso país a partir da figura do compositor, profissionais estes, que como o próprio projeto de lei citado ao longo do texto diz “atuam como peça fundamental para um dos nossos mais consumidos e exportados produtos: a música brasileira”.

Para audição dos amigos fubânicos a canção “30 dinheiros”, composição de Bráulio em parceria com Tato. Esta gravação de 1976 conta também com a participação dos Originais do Samba:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 23 de março de 2017

HOLOFOTES E CASOY: UMA RELAÇÃO QUE SE FIRMA A CADA DIA
 

Experimentalistas, os integrantes da banda carioca homenageiam João Bosco

O ano de 2016 foi um ano marcante dentro da música popular brasileira por marcar as sete décadas de vida de diversos nomes que dela fazem parte. Nomes como Alceu Valença, Toquinho, Gal Costa, Aldir Blanc, Maria Bethânia são alguns dos ícones do cancioneiro nacional que alcançaram sete décadas de vida ao longo do ano passado. Outro nome que chegou aos setenta anos em 2016, mais precisamente no dia 13 de julho, nasceu em Ponte Nova, cidade localizada na zona da mata mineira. Sexto filho do casal D. Lilá e Sr. Daniel, João Bosco de Freitas Mucci, aos quatro anos de idade deu início a sua vida artística cantando nas missas de sua paróquia. Seu interesse pela música se intensifica ao ponto de começar a querer utilizar os instrumentos existentes em casa, mais precisamente o violão da irmã.

No início da adolescência, cada dia mais interessado pela música, ganha um violão, e aos doze anos forma seu primeiro conjunto de rock: o “X_GARE”. Aos dezesseis anos muda-se para a cidade Ouro Preto objetivando dar início aos seus estudos e ingressa na escola técnica de mineralogia. No ano seguinte, além de ingressar ingressa no curso de engenharia da Universidade Federal de Ouro Preto (onde se formaria como engenheiro civil em 1972). Lá conhece o poeta Vinicius de Moraes, de quem acaba-se por tornar-se parceiro em algumas canções, dentre elas, “Samba do pouso“. Em 1970, conhece Aldir Blanc, aquele que viria a ser o seu mais expressivo parceiro, e juntos seriam responsáveis por mais de uma centena de músicas que viriam a ser interpretadas por alguns dos principais nomes da MPB tais quais Elis Regina, Chico Buarque, Cauby Peixoto, Clementina de Jesus entre outros intérpretes ao longo dessas mais de quatro décadas de carreira.

Desde 1972, quando gravou um dos lados do compacto “disco de bolso” (projeto do jornal “O Pasquim“, sob a supervisão de Ziraldo e do compositor Sérgio Ricardo), que João Bosco vem acumulando a admiração por uma série da características que o marcam e acabam por credenciá-lo ao panteão dos grandes nomes da música global. Ao longo dessas quatro décadas de carreira, inúmeras foram as homenagens prestadas ao artistas das mais diferentes formas tais quais shows, projetos como songbooks e o 23° Prêmio da Música Brasileira em sua homenagem e discos tal qual “Odilê-odilá: Nicolas Krassik interpreta João Bosco”, álbum lançado pelo músico francês radicado no Brasil Nicolas Krassik.

Hoje, novamente os holofotes voltam-se para este grande cantor, compositor e instrumentista a partir da homenagem prestada por essa banda formada pelos jovens Gustavo Pereira (bandolim, guitarra e vocal), Marcelo Saboya (baixo e vocal) e por Tiago de Souza (bateria). O baterista, Tiago, é mestrando em Musicologia pela UFRJ e foi o primeiro colocado no festival Batuka, em São Paulo e segundo colocado no concurso mundial da marca de baterias MAPEX, realizado na Alemanha em 2011; Já o guitarrista e vocalista Gustavo é graduado em MPB pela Unirio e atua como músico profissional e ator. Por fim, o baixista e também vocalista Marcelo, além de ser professor do CAp UERJ também é graduado em licenciatura em música pela Unirio e participa o bloco do Sargento Pimenta. O encontro destes três gabaritados e talentosos garotos em 2012 acabou por dar vazão ao desejo do trio de fazer música de qualidade, e assim nasceu o trio Casoy, um trio com uma musicalidade cativantemente instigante e original.

O som do grupo resulta da soma dos diversos estilos musicais que constituem a sonoridade de cada um dos integrantes, uma característica que faz-se possível perceber a partir dos arranjos do trio, tecituras sonoras estas que não os fazem cair na vala do senso comum por apresentarem originalidade e robustez. Essa tríade sonora pode ser avaliada a partir de dois contextos: o primeiro enquanto autores e o segundo momento enquanto intérpretes. Na seara da composição os garotos demostram um som pautado na ideia de que para a música não há delimitações a partir de arranjos completos, concebidos de modo onde há uma integração total dos instrumentos executados. Já como intérpretes mostram-se surpreendentemente provocativos ao trazer para as suas apresentações novas releituras para canções de alguns dos grandes nomes da música popular brasileira, como é o caso do homenageado em questão.

Com um toque bem pessoal (apesar de expressar uma sonoridade resultante da união de três estilos), o Casoy despretensiosamente surpreende já na primeira audição a partir de um experimentalismo que sabe onde quer chegar como é o caso do espetáculo que o trio vem apresentando atualmente no Rio de Janeiro intitulado “Holofotes”. Sem dúvida alguma, este show em homenagem a um dos maiores nomes da música popular brasileira pode ser considerado como uma espécie de credenciamento definitivo para que o Casoy esteja entre as grandes revelações do gênero que atuam. É um espetáculo onde, de modo bastante coerente, o power trio consegue dar o melhor de cada um a partir da releitura de eternos clássicos da lavra do cantor, instrumentista e compositor mineiro como “Papel Maché” (1984), “O bêbado e a Equilibrista” (1979), “Malabaristas do Sinal Vermelho” (2003), “Desenho de Giz” (1986) entre outras canções que levaram João Bosco ao patamar de um dos maiores compositores de nossa música ainda em atividade.

A facilidade de compor e passear pelos mais distintos gêneros tão evidente na obra do mestre mineiro também acaba por marcar a sonoridade do trio carioca. Assim como o violão de Bosco mostra-se suficiente; do mesmo modo, a utilização de apenas três instrumentos por parte do trio Casoy não é capaz de por em dúvida toda a capacidade dos jovens. Pelo contrário, os vigorosos arranjos e a sonoridade alcançada mesmo pautada pelas delimitações existentes, faz com que o trio fuja do convencional surpreendendo e encantando desde os amantes da tradicional MPB até os admiradores dos outros gêneros aglutinados que acabam por ampliar a sonoridade dos meninos. Com o aval do próprio homenageado, o trio Casoy vai além do convencional renovando a tão combalida esperança dentro da MPB.

Aqui para os amigos leitores uma das canções registrada pelo trio com a participação do homenageado. Trata-se de “Holofotes“, canção que batiza o projeto e que foi composta por Waly Salomão, Antônio Cícero e o próprio João Bosco:


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 16 de março de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: ARY BARROSO

Ary de Resende Barroso (Nov/1903 – Fev/1964)

Considerado por muitos como um dos grandes compositores de sua época, Ary de Resende Barroso, ou simplesmente Ary Barroso, é autor de alguns clássicos da MPB tal qual “Camisa Amarela” e “Aquarela do Brasil“. Em sua biografia consta também uma significativa passagem pela radiofonia brasileira a partir de locuções esportivas e programas de calouros. Atuando como locutor esportivo, por muitas vezes, largava o seu posto e o microfone para brigar com juízes em defesa do Flamengo, clube ao qual era extremamente apaixonado. Uma das marcas de suas narrações era a gaitinha que o acompanhava para anunciar a hora do gol como certa vez registrou Moraes Moreira na canção “Vitorioso Flamengo“: “A gaitinha vai tocar/Como no tempo de Ari Barroso/Pra comemorar mais um gol!/Desse meu vitorioso flamengo“.

Como apresentador de programas de calouro, o compositor de Ubá deu início a este ofício em 1947, na Rádio Cruzeiro do Sul, com o programa Calouros em desfiles. Neste programa foi protagonista de momentos inusitados ao avaliar erroneamente calouros que posteriormente viriam a se tornar expressivos nomes dentro de nossa música popular brasileira. Como apresentador de tais programas, há diversas histórias envolvendo o nome de Ary, dentre elas, a da apresentação de uma caloura negra, franzina e de aparência (apesar da pouca idade) bastante sofrida. Ao chegar com um sapato maior que o seu pé, os cabelos mal arrumado, com um vestido desordenado, a pretensa cantora foi olhada dos pés à cabeça pelo apresentador que com sarcasmo soltou a pergunta: “Minha filha, o que você veio fazer aqui?”, a caloura então respondeu: “Cantar, seu Ary…”; o apresentador então a questionou com uma pergunta que a desprezava com altivez: “De que planeta você veio?”. Sem titubear, aquela que viria a se tornar uma grande cantora pouco tempo depois respondeu: “Do planeta fome”. A resposta emudeceu Ary que não teve como gongar aquela menina que passaria a ser conhecida em todo o país como Elza Soares.

Outra passagem interessante ao longo de sua carreira radiofônica se deu com outra caloura que pouco tempo depois viria a se tornar uma das grandes cantoras existente no Brasil: Dalva de Oliveira. Dalva pretendia seguir carreira artística, e tomada por uma coragem não sei de qual origem, acaba por se escrever no temido programa de calouros de Ary. Após a apresentação da pretensa cantora, o apresentador, que sempre buscava polemizar suas opiniões a frente do microfone, sem dó nem piedade sentenciou: “Volte imediatamente ao tanque, de onde nunca deveria ter saído. Vá lavar roupa! A senhora jamais deveria abrir a boca para cantar”. Essas duras palavras proferidas por Ary acabaram por entristecer aquela menina que sonhava com os palcos, e tal humilhação, diante de todos, foi um baque, e Dalva acabou por cair em uma profunda melancolia. Por conta de tudo isso, Dalva pela primeira vez, devido a tanta tristeza, ousa duvidar daquele que é o seu maior sonho: cantar.

Anos depois, ciente de que havia cometido uma grande injustiça com aquela jovem menina que viria a se tornar uma das grande cantoras da década de 1950, o mesmo Ary Barroso escreve o clássico “Folha morta”, como pedido de desculpas pelo erro cometido tempos atrás. Outro nome que em um primeiro momento foi gongado pelo apresentador foi o Rei do Baião Luiz Gonzaga. Em 1940, no Rio de Janeiro, o pernambucano estava a procura de uma oportunidade nos programas de calouros existentes. Na primeira vez que procurou mostrar o seu talento no programa de Ary Barroso foi reprovado; mas ao persistir em seu sonho, resolveu voltar ao programa do famoso compositor e ao se apresentar novamente, obteve a nota máxima, 5, raramente dada a alguém pelo exigente Ary Barroso.

Abaixo, um clássico do repertório do compositor mineiro: “Na baixa do sapateiro“, interpretada por Caetano Veloso em registro que completa duas décadas este ano:

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 09 de março de 2017

ALDIR E BOSCO, 70 ANOS

Hoje trago para os amigos fubânicos um bate-papo muito gostoso que tive com dois grandes entendedores da música popular brasileira. Nesta informal conversa tivemos como tema “Aldir Blanc e João Bosco”, ícones da nossa música e que continuam escrevendo histórias dentro de nosso cancioneiro.

O material foi feito para o Musicaria Brasil, espaço no qual iniciei em 2008 e que me veio abrindo portas ao longo destes anos, inclusive o Jornal da Besta Fubana.

Comigo estão mais dois pernambucanos: o primeiro é Jarbas Cavendish, pianista, compositor, arranjador e produtor musical. Radicado em Goiás, local onde está à frente de um exitoso projeto de extensão intitulado Banda Pequi, que já tive a oportunidade de apresentar aos amigos leitores aqui mesmo em outra oportunidade.

O segundo convidado é o nosso amigo Joaquim Macedo Junior, jornalista radicado há décadas em São Paulo e titular da coluna “Megaphone do Quincas“, publicada às terças-feiras aqui no JBF e que deu a origem ao livro “São Paulo, um Estado de emoções“, já apresentado aos amigos fubânicos aqui mesmo neste espaço.

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 02 de março de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: CHITÃOZINHO E XORORÓ
 

José de Lima Sobrinho e Durval de Lima ganharam fama em todo o país a partir dos nomes que adotaram para a carreira artística: Chitãozinho e Xororó. É bem provável que alguns estão a torcer o nariz para esta pauta, mas a abrangência da música de fato popular brasileira perpassa por nomes como o desta dupla, assim como tantos outros do gênero. Não podemos ignorar essa dupla que é recordista em vendas de discos no Brasil (venderam mais de 35 milhões de álbuns) e detentora de dois prêmios Grammy Latino. Fatos estes que talvez nem passasse pela cabeça daqueles dois jovens irmãos que deram início a carreira fonográfica há quarenta e sete anos ao lançarem o primeiro LP oficial em 1970.

Ainda nesta primeira década de carreira gravaram discos como “A mais Jovem Dupla Sertaneja” (1972), “Caminhos de minha Infância” (1974), “Doce Amada” (1975), “A Força Jovem da Música Sertaneja” e “60 dias apaixonado” (1979), o projeto fonográfico mais exitoso da dupla até então. Com o álbum seguinte chegam a expressiva vendagem de 400 mil cópias, mas a consagração popular só viria um ano após o lançamento deste exitoso álbum com a canção “Fio de Cabelo” do disco “Somos apaixonados”, que vendeu mais de 1,5 milhão de cópias e abriu as portas das rádios FM´s para a música sertaneja. O sucesso foi tamanho que semelhante aos artistas renomados e populares da década de 1960, a dupla ganhou, aos domingos, o programa de TV “Chitãozinho e Xororó Especial”, que apresentado no SBT cantavam e recebiam convidados. Tal programa serviu para consolidar a carreira artística da dupla e popularizar ainda mais os irmãos que no mesmo ano participaram na Globo do especial Roberto Carlos cantando junto com ele “De coração pra coração“.

A década seguinte trouxe para a dupla passagens interessantes na carreira artística deles como quando eles gravaram em 1993 a canção “Words” com os Bee Gees para o disco “Tudo por Amor” lançado em português e espanhol. Vale destacar que este mesmo disco traz também que fez parte da trilha da novela de mesmo nome transmitida pela Telemundo, rede de televisão americana. O sucesso desse trabalho foi tão grande que a dupla conquistou em junho daquele ano o primeiro lugar do “Hot Latin Singles” na parada norte-americana da revista Billboard. Só Roberto Carlos tinha conseguido essa marca em 1989. As parcerias internacionais se sucederam a partir da gravação da canção “Ela não vai mais chorar” (“She’s Not Cryin’ Anymore“) com o cantor de música country Billy Ray Cyrus para o disco “Coração do Brasil”.

Levando em consideração os números que cercam a carreira da dupla, há dados que chamam a atenção pela grandiosidade. Um exemplo é o show “Amigos”, que, em 1995, a dupla encabeçou ao lado de Zezé di Camargo e Luciano, e Leandro e Leonardo. O show ocorrido em São Caetano do Sul, estima-se que tenha tido um público com mais de 100 mil pessoas. Além deste dado, pode-se contabilizar na conta da dupla 36 álbuns inéditos, 8 DVDs, centenas de discos de ouro, platina e diamante, mais de 6 mil shows, 1,8 milhão de vendas em um único disco, mais de 400 músicas gravadas, envolvimento em mais de 150 projetos de responsabilidade social, um público estimado em 100 milhões de pessoas entre outros dados. Em 2017 os irmãos paranaenses estão completando 47 anos de carreira e a marca de mais de 37 milhões de discos vendidos. São dados como estes que destacam a dupla dentro da música brasileira.

Deixo aos amigos leitores um grande sucesso da carreira da dupla gravada originalmente na década de 1980. Composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, “Página virada” fez parte originalmente do álbum “Os meninos do Brasil”, disco que marca a estreia da dupla na gravadora PolyGram:

 

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 23 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: JOÃO ROBERTO KELLY



Autor de inúmeros sucessos carnavalescos, Kelly ainda mantém-se em atividade

Dentro da música popular brasileira existem alguns nomes que se destacam como verdadeiros representantes do gênero que cantam mesmo que em dado momento flertem com outros do diversificado e rico universo sonoro existente em nosso país. Raul Seixas destacou-se como o Rei do Rock, Luiz Gonzaga como o Rei do Forró, Reginaldo Rossi como Rei do Brega, entre tantos outros nomes ainda hoje presentes na música popular brasileira. Quando se trata de carnaval, os reis não restringem-se apenas aos momos; nomes como Nelson Ferreira e Capiba destacam-se merecidamente como possíveis detentores de tal título monárquico.

Outros proeminentes nomes destacaram-se também como responsáveis por animarem bailes e festejos carnavalescos ao redor do Brasil fazendo com que suas músicas se destacassem para além da data como é o caso do artista hoje em questão aqui em minha coluna. Coroado nos anos de 1960 como o ‘Rei das Marchinhas’, João Roberto Kelly ainda se emociona quando vê sua obra embalar os foliões do Carnaval nas ruas e nos salões. “A maior alegria da minha vida é ver minhas músicas passando de uma geração para a outra. Todos os blocos tocam as minhas marchinhas. Não ouço isso com os ouvidos, mas com o coração”, diz o autor de ‘Cabeleira do Zezé’, ‘Colombina’, ‘Mulata Iê-iê-iê’, ‘Maria Sapatão’ e ‘Bole-bole’.

Boa parte de sua obra foi composta de modo bastante informal, quando sentado à mesa de bares bebendo, se divertindo e jogando conversa fora com os amigos de boemia, João Roberto inspirava-se em alguma situação ou acontecimento para dar vazão a boa parte de sua obra. Obra esta que caiu no gosto popular e ainda hoje faz-se imprescindível no repertório de qualquer orquestra que se preze anima os bailes carnavalescos de norte ao sul do Brasil.

Nascido no bairro da Gamboa, no centro do Rio de Janeiro, e filho do professor, escritor e jornalista Celso Octávio do Prado Kelly, João Roberto aos onze anos, começou a aprender piano com a mãe Luzia Kelly e com a avó. Mais tarde, buscou estudar e aprimorar-se no instrumento com aulas de música e de piano com a professora Zélia Lima Furtado no Conservatório Brasileiro de Música.

Apesar de bacharelar-se em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, foi na música que se achou pleno de felicidade. Sua estreia no universo musical enquanto compositor se deu em 1957 quando seu pai o apresentou ao cronista Leon Eliachar e Geysa Boscoli. Desse contato surgiu o convite para João Roberto musicar a revista Sputnik no Morro. A peça estreou no Teatro Jardel no Rio de Janeiro, naquele mesmo ano. Sua primeira intérprete de renome nacional foi a cantora Elza Soares, que em 1961 gravou em 78 rpm pela Odeon a sua composição Boato e viria a incluir esta mesma música em vários outros LPs, nos anos seguintes.

Ainda em 1961 Elizeth Cardoso também chegou a gravar uma canção de sua autoria. É válido destacar que foram estas duas artistas que mas o ajudaram no início da carreira de compositor não apenas fazendo registros inéditos de canções da lavra de João Roberto como também regravando canções. Em ambas situações destacam-se canções como “Boato”, “Esmola”, “Gamação” e “Se vale a pena”. Pelo que se pode ver, apesar de ter se destacado como um dos maiores compositores de marchinhas de todos os tempos em nosso país, João Roberto Kelly começou a sua carreira flertando com outros gêneros. Prova imaterial da diversidade existente em sua prova e atestando aquilo que destaquei no início deste texto.

Deixo aqui para audição dos amigos um dos maiores sucessos de Kelly: “A dança do Bole-bole“:

 

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 16 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: TITO MADI



Figura recorrente em nossa coluna, Tito volta protagonizando mais histórias e estórias do nosso cancioneiro

Figurinha carimbada aqui neste espaço Tito Madi tem, no meio musical, ardorosos fãs como é o caso do cantor e compositor Roberto Carlos, que dentre tantos projetos anunciados e nunca executados, tem a ideia de fazer um disco só com canções do cantor e compositor paulista. Falar de Tito é desdobrar-se na história de nossa música popular brasileira sem receio de escrever laudas e laudas de momentos marcantes em nosso cancioneiro. Prova disto é que já é a terceira oportunidade que tenho de escrever sobre o cantor e compositor e ainda permaneço na primeira década de uma carreira que vem somando seis décadas.

Da última vez que trouxe seu nome aqui no espaço me restringir ao início de sua carreira como cantor assim como também como compositor. No entanto esqueci de relembrar a sua passagem por algumas das principais casas noturnas existentes na então capital federal. Ainda na década de 1950, o artista apresentava-se em casas noturnas como Jirau, Cangaceiro, Little Club e Texas, acompanhado pelo piano de Ribamar. Para quem não conhece ou lembra do Ribamar, ele é autor (em parceria com a saudosa Dolores Duran) de canções como “Pela Rua“, “Ideias Erradas” e “Ternura antiga“, sendo esta última um grande sucesso e regravada por grandes nomes da MPB.

Pra não chover no molhado e ter que acabar me estendendo por mais uma pauta, hoje serei um pouco mais sucinto ao falar deste ícone de nosso cancioneiro que infelizmente foi enterrado vivo pelos grandes meios de comunicação, contexto este que acaba impossibilitando que novas gerações tenham a oportunidade de conhecer a sutileza, qualidade e bom gosto inerentes as composições e interpretações de Tito ao longo de todos estes anos dedicados à música.

Dentre os fatos curiosos ao longo de todos estes anos de carreira pode-se destacar um com o grupo vocal norte-americano The Platters, que chegou a gravar “Chove Lá Fora” (também registrada em disco por Freddy Cole, irmão de Nat King Cole). O próprio Tito costuma contar que o empresário dos Platters o adorava e que quando eles vieram ao Brasil nos anos de 1960, recomendaram o Tom Jobim para ele, e ele respondeu: ‘No, no, prefiro Tito Madi’”.

Outra estória que merece registro foi a briga ocorrida entre Tito e João Gilberto em 1961, quando o cantor e compositor paulista levou de João um golpe com um violão na cabeça após uma discussão que acabou por resultar dez pontos e um afastamento que só viria superado cinco décadas depois. “Tenho uma cicatriz na cabeça por causa disso”, conta ainda hoje Tito a quem questiona sobre o assunto.

Um último fato que acho que também vale um registro é acerca da relação de Tito com o cantor e compositor Milton Nascimento. Quando Milton foi ao Rio pela primeira vez, nos anos de 1960, Tito chegou a pedir a ele músicas para gravar, músicas estas que acabaram não chegando e impossibilitando de Milton ser lançado como compositor por Tito.

Hoje, vítima de um acidente vascular cerebral, o autor da clássica “Balanço zona sul” vive no Humaitá, no Rio de Janeiro e vem aos poucos recuperando-se deste problema de saúde que fez com que perdesse os movimentos do lado esquerdo do corpo, além de parte da memória. Tal condição o impossibilita de locomover-se sem o auxílio de uma cadeira de rodas.

Recentemente, Tito lançou um CD, gravado um ano antes do AVC, mas que não chegou a ser comercializado à época por falta de interesse das gravadora e que acabou saindo pela gravadora Fina flor. Trata-se de um belíssimo trabalho em parceria com o músico Gilson Peranzzetta e que traz em seu bojo 14 canções para matar a saudade de ardorosos fãs que desde 2001, com o lançamento do álbum “Ilhas cristais”, não o ouvia em disco.

Para os amigos leitores deixo um clássico da música popular brasileira composto por Dolores Duran e Ribamar. Aqui, “Ternura antiga” ganha interpretação de Tito em registro feito no ano de 1960:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical domingo, 12 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: GUILHERME DE BRITO



Principal parceiro de Nelson Cavaquinho, Guilherme era avesso à vida desregrada do amigo

O ano de 2016 é marcado pela saudade pontada no tempo, pois completa-se uma década que o instrumentista, cantor e compositor Guilherme de Brito foi para o céu fazer companhia ao seu parceiro mais notório: Nelson Cavaquinho. Nascido no dia 3 de janeiro de 1922, em Vila Isabel, Rio de Janeiro, Guilherme de Brito Bollhorst. Neto de alemão e filho e um funcionário da Central do Brasil e de Marieta de Brito Bollhorst, Guilherme teve iniciação musical em sua própria casa, pois desde muito cedo demostrava afinidade com a arte. Também não era para menos, pois a família era amante de música (Alfredo Nicolau Bollhorst, seu pai, tocava violão, enquanto sua mãe, tocava piano e sua irmã, como o pai, também tocava violão).

O próprio Guilherme quando questionado sobre o seu envolvimento certa vez disse: “Eu sempre me vi envolvido pela música. Meu pai tocava violão. Minha mãe tocava piano mas eu nunca vi a minha mãe tocar, sabia que ela tocava, mas não tinha piano lá em casa. Como meu pai tocava violão tinha reuniões lá em casa, iam compositores, o Synval Silva ia muito na minha casa. E a minha irmã começou a tocar violão também. Eu era muito pequeno naquele tempo e queria tocar também, então eles me deram um cavaquinho“.

Após ganhar este cavaquinho e apreender as primeiras lições dentro de casa junto aos seus, acabou indo tocar nas ruas do bairro. Neste período, ainda criança, recebe o seu primeiro “cachê” através do quitandeiro da vizinhança, que em troca de músicas dava-lhe frutas. Vagando pelo bairro acompanhado do seu cavaquinho, era comum ouvir o quitandeiro: “Menino, toca um negócio pra mim aqui.” E, após o término do número solicitado, dava ao pequeno Guilherme uma banana, uma laranja.

Ainda sobre esse período de plena liberdade nas ruas de Vila Isabel, o pequeno Guilherme costumava, às vezes, pegar carona no carro do Noel Rosa. Na verdade tratava-se de uma carona não consentida pelo poeta da Vila, pois o Guilherme costumava pegar carona escondido na traseira do carro. Galanteador que era, Noel vivia a paquerar as garotas quando saía motorizado pelas ruas do bairro, e para isso andava em uma velocidade super reduzida (o que acaba oportunizando Guilherme a pendurar-se para pegar caronas em seu carro). Quando o já notório compositor percebia o pequeno dependurado em seu veículo costumava aumentar a velocidade do carro e gritar: “Sai daí, menino!”.

Voltando ao seu primeiro instrumento, vale ressaltar que o seu envolvimento com o cavaquinho deu-se porque a sua envergadura não favorecia para o violão, isso talvez tenha influenciado para que o pequeno instrumento fosse substituído pelo violão pouco tempo depois. Ainda na infância, Guilherme começou a desenvolver outra habilidade que o acompanharia por toda a vida: a pintura. De calça curta, o pequeno Guilherme andava pelas ruas sempre com pedaços de carvão nos bolsos (além do cavaquinho, é claro!).

Guilherme costumava dizer que não sabia de onde vinha essa inclinação para a música, uma vez que na família a música era a única habilidade desenvolvida. Mesmo um exímio violonista e melodista, um pintor de técnicas refinadas costumava dizer que tudo o que havia feito na vida foi de ‘orelhada’, inclusive na escola, onde nem o primário terminou porque teve que começar a trabalhar pra ajudar a mãe quando perdeu o pai em 1936. Aos 12 anos, com um atestado de que sabia ler e escrever do Instituto Politécnico e uma autorização a trabalhar na Casa Edison.

Para deleite dos amigos leitores deixo aqui a canção “Dono das calçadas“, de autoria da imbatível dupla Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. Aqui trata-se de um registro de Guilherme gravada em 2003 e acompanhada pelo Trio Madeira Brasil:

 

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical sexta, 10 de fevereiro de 2017

EM TOM PRECISO, FERNANDA CUNHA DÁ VOZ À OBRA DO MAESTRO SOBERANO

 

Na passagem pelos seus 90 anos, Tom Jobim ganha tributo à altura do seu legado a partir de uma intérprete compromissada com aquilo que de melhor existe em nossa música

A importância de Tom Jobim para a música popular brasileira é inquestionável. Ao encabeçar, ao lado de outros relevantes nomes, um dos movimentos mais expressivos da história sonora do nosso país, Jobim ganhou popularidade planetária a partir de canções diversas, como é o caso de “Garota de Ipanema” (The girl from Ipanema), que Tom gravou em versão instrumental em seu primeiro disco americano, “The composer of ‘Desafinado’ plays”, de 1963. Outro ponto alto de sua incontestável discografia são os álbuns dedicados à fauna e a flora nacional, a exemplo de “Matita Perê” (1973), “Urubu” (1976), e “Passarim” (1987); e canções como “Correnteza”, “Andorinha”, “Bôto” entre outras.

Tais legados, acabaram fazendo do cantor, compositor e instrumentista carioca um dos mais expressivos nomes da música não apenas de sua geração, mas da história do cancioneiro brasileiro e mundial. Por tal razão a sua importância vem sendo devidamente reconhecida antes mesmo do seu falecimento em decorrência de uma parada cardíaca no hospital no Mount Sinai Medical Center, em Nova Iorque, Estados Unidos, no ano de 1994. Dentre as reverências ao seu nome, destaca-se, por exemplo, o honorífico título doutor honoris causa da Universidade Nova de Lisboa recebido em 1991; o samba-enredo e desfile na escola de samba Estação Primeira de Mangueira em 1992 e a homenagem do amigo e parceiro Chico Buarque, que em 1993 no álbum “Paratodos” preconizou nos versos da canção homônima ao título do álbum: “Meu maestro soberano foi Antonio Brasileiro”. Do falecimento do maestro para cá, somam-se mais diversas homenagens prestadas ao seu legado a partir das mais distintas formas que vão desde projetos fonográficos especiais (a exemplos de tributos) à concertos e shows reunindo amigos e parceiros como é o caso do espetáculo “Uma homenagem a Tom Jobim”, show que vem rodando o país reunindo no mesmo palco nomes como Joyce, Toquinho e João Bosco.

Pautada na importância deste ícone de nossa música, Fernanda Cunha lança no mesmo dia em que o homenageado completaria nove décadas de vida, de modo físico e digital, o disco “Jobim 90”, álbum que reitera a coerência de seu projetos fonográficos e reafirma a trajetória que vem construindo dentro da MPB. Buscando fugir do lugar-comum, neste novo projeto fonográfico, a cantora apresenta dez canções compostas exclusivamente por Tom e que foram pinceladas nas mais distintas fases das quase cinco décadas de trajetória musical do compositor. É válido registrar que na discografia de cantora, Jobim já havia sido reverenciado ao longo da passagem de seus 80 anos, em 2007, com o álbum “Zíngaro”, onde ao lado do instrumentista e arranjador Zé Carlos, Fernanda apresentou dez canções da parceria entre dois ícones da música popular brasileira: Tom e Chico Buarque.

Neste primeiro projeto Fernanda e Zé trazem canções como as que foram compostas para a trilha sonora do filme “Para viver um grande amor”, clássicos da dupla como “Anos dourados” e “Retrato em branco e preto”, além da não menos importante “Eu te amo”, tema do filme dirigido por Arnaldo Jabor em 1981. Esta canção, que faz parte da memória afetiva de muitos a partir da interpretação de Chico Buarque e de uma ascendente e talentosa cantora, tem um significado adicional para a intérprete. A promissora cantora que divida os vocais com autor era Telma Costa, mãe de Fernanda. Hoje, uma década depois, a cantora retoma a abordagem à obra de Antonio Carlos Jobim em mais um tributo (desta vez destacando as canções compostas exclusivamente por ele). Desta solitária produção composta por cerca de 30 canções, Fernanda procurou pincelar dez delas, buscando perpassar pelas mais distintas fases que o autor vivenciou atendendo a uma linha cronológica que cobre desde o anos de 1950 até os anos de 1990.

Gravado em apenas dois dias no Rio de Janeiro (a única exceção foi a faixa “Two kites”, gravada em Toronto por Reg Schwager, sendo adicionada a bateria em São Paulo por Edson Ghilardi), “Jobim 90” destaca em sua irrepreensível tessitura sonora novamente o nome de Zé Carlos (violão e guitarra). Só que desta vez acompanhado por outros exímios instrumentistas como é o caso do baixista Jorjão Carvalho, do baterista Helbe Machado e da pianista Camila Dias. Juntos eles eles apresentam canções como “Vivo Sonhando” (do álbum “The composer of Desafinad plays”, de 1963); “Samba do Avião” (presente no projeto “The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim”, de 1964); “Triste” (do disco “Wave”, de 1967). Da década de 1970, a intérprete revive “Águas de Março” e “Ana Luiza” (extraídas do álbum “Matita Perê”, 1973); “Angela” (do disco “Bôto”, 1975) e “Chovendo na Roseira” (“Elis e Tom”, 1974). “Jobim 90” ainda conta com “Fotografia” (gravada originalmente em 1959 por Silvia Telles); “Two Kites” (do disco “Terra Brasilis”, lançado em 1980) e “Passarim” (do disco homônimo lançado em 1987).

No País das grandes intérpretes, Fernanda Cunha destaca-se de modo sonoramente arguto, perpassando novamente pelo legado do nome mais expressivo da música popular brasileira no Exterior, o que acaba por mostrar não apenas a inesgotável fonte que Jobim é, mas também mostra-se a artista compromissada que busca lastrear-se do que de melhor há em nosso cancioneiro. Assim como na primeira homenagem, a intérprete busca ir para além do convencional, buscando mostrar um Tom que sobrepassa o instrumento em um disco regido por outra marcante, porém pouco destacada característica do saudoso maestro soberano. Em “Jobim 90”, a pluralidade também presente no Tom letrista é conduzida de modo singular pela intérprete a partir de todo o talento que lhe é peculiar. Se em dado momento o autor mostra-se ufanista a favor da fauna, da flora e paisagens geográficas nacionais tão bem retratadas, Fernanda não perde as matizes que universalizam tais canções e as fazem pulsar em seu canto de modo ainda mais vibrante a partir de registros bem feitos e vigorosos.

As odes e canções de cunho romântico também ganham singulares interpretações, onde a intérprete busca tratar a obra do homenageado com o devido respeito sonoro que ela merece. Entre clássicos e canções de menor expressividade junto ao grande público, cada faixa é um afresco sonoro chancelado pelo talento nato de uma intérprete exigente naquilo que faz e costuma apresentar ao seu público ao longo de quase duas décadas de carreira fonográfica. Tais características, acabam destacando-a na vastidão de grandes intérpretes que o compositor somou e vem somando ainda hoje mais de duas décadas após sua morte. Neste projeto, Fernanda Cunha mostra-se uma intérprete que traz consigo não apenas uma paixão pela música que atravessa gerações dentro de sua família, mas acima de tudo deixa-se evidenciar um compromisso maior que ela tem com a verdade presente em tudo aquilo que faz a partir dos autores aos quais acredita que são fidedignamente capazes de promover a verdadeira redenção da música brasileira. Sem perder o tom, “Jobim 90” destaca-se no caudaloso histórico de homenagens que o cantor, instrumentista e compositor vem somando desde que resolveu aventurar-se na música. Trata-se de um álbum para ser apreciado sem moderação.

Para que os amigos leitores conhecçam um pouco deste novo projeto segue um clássico do nosso cancionero, que é “Águas de Março”. Boa audição!

 

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 09 de fevereiro de 2017

FÁTIMA DE CASTRO É BOSSA, É BLUES E O QUE MAIS VIER EM BOA MÚSICA



Em “Bossas e Blues”, a cantora e compositora pernambucana reafirma-se como uma grande intérprete

a partir de canções que nos remete aos áureos tempos de nossa MPB

 

Diferente de outrora, a música popular brasileira definha a passos largos, à exceção de nomes pontuais e bastante conhecidos do grande público ou uma ou outra novidade que acaba por muitas vezes perdendo-se em meio a tanta mediocridade que nos é praticamente impostas através dos mais distintos canais de comunicação existente em nosso país. Um verdadeiro crime à arte feita com esmero, uma vez que trata-se de concessões públicas e que deveriam ter por finalidade maior a valorização da cultura nacional a partir do reconhecimento da qualidade da obra, e não por deixando-se levar em consideração aspectos econômicos como tem sido boa parte das diretrizes radiofônicas e televisivas vigentes. Trabalhos musicais que buscam atender aos mais refinados padrões melódicos e estéticos tem perdido a vez na concorrência desleal imposta a partir de outros deturpados parâmetros usados afim de aferir qualidade. É nesse desfavorável contexto, que a a cantora e compositora Fátima de Castro volta ao mercado fonográfico para nos atestar que nem tudo está perdido neste desgostoso aluvião sonoro. Compositora de mão cheia, a cantora e instrumentista volta aos discos depois de um hiato de duas décadas afastada da indústria do disco. Voltou para enfrentar o desfavorável contexto ao qual trabalhos como o seu tem que enfrentar paulatinamente. No entanto, mesmo ciente que remaria contra a maré, a artista não se deixou abalar nem rendeu-se aos ditames que regem o cenário musical e manteve-se firme em seu propósito de apresentar um trabalho agradavelmente destoante. Coragem para poucos que conseguem sobrepor-se a partir do talento, e com esse instrumento busca remar contra a desfavorável maré regente para a sorte daqueles que acreditam na redenção da música popular de qualidade que outrora predominava com folga os mais distintos espaços.

Instrumentista que teve como docente o exímio violonista Henrique Annes, para quem não conhece Fátima de Castro, ela traz em sua biografia artística décadas de história pautadas sempre em uma coerente trajetória. O caminho musical ao qual optou e vem trilhando teve início nos anos de 1960 a partir de esporádicas apresentações em shows universitários e programas de televisão que aos poucos, foi lhe propiciando uma maior visibilidade na cena musical pernambucana a partir dos mais diferentes contextos, tal qual a apresentação no Teatro do Parque ao lado do saudoso cantor Nelson Gonçalves pelo “Projeto Seis e Meia”. O acúmulo dessa experiência lhe deu a segurança precisa para, em 1994, incursionar pela primeira vez no mercado fonográfico ao lançar de modo independente o álbum “Fátima de Castro“, CD onde constam distintos ritmos musicais e a presenças de compositores diversos. Em 1995 a cantora, compositora e instrumentista volta novamente ao mercado do disco desta vez com um registro ao vivo e desde então havia dado uma pausa em sua discografia. Esposa do compositor Bráulio de Castro (que merece um capítulo à parte devido também a sua história dentro da música popular brasileira), agora volta interpretando quinze faixas que ora levam a sua assinatura como a bossa “Saudade” e a faixa “Samba do Kim”; em parceria com o marido vem “De repente”, “Minha presa”, “Palavras mal ditas”, “Deixa doer”, “Meu soluço”, “Antropofágica” e “Desacerto”. Da lavra de Fátima com outros compositores estão presentes as canções “Amigo da alegria” (parceria com Horton Coura), “Alguém possível” (com Paulo Elias) e “Recife Sol e cor” (com Carlos Pessoa de Melo). O disco ainda evidencia o seu lado intérprete ao trazer para o deleite dos admiradores da boa música canções como “Vinho da mesma safra” de autoria de Bráulio de Castro”, e as canções “Álbum de sonhos” e “Mais um louco” (do compositor em parceria com Paulo Elias).

Bossas e Blues” conta com a participação de nomes de peso da música instrumental pernambucana o que acaba por reiterar o compromisso que a artista selou com a proposta musical que abraçou desde o início e que evidencia-se nos diversos gêneros que a sua obra abrange desde que se propôs a fazer música. O CD traz consigo a chancela da qualidade, característica esta que, em momento algum, deixa de evidenciar-se no trabalho do início ao fim. Para respaldar esse precioso detalhe o disco conta com o requinte e o bom gosto de nomes como o do maestro Edson Rodrigues, com irrepreensíveis instrumentistas tais quais o guitarrista Luciano Magno, o pianista e tecladista Fábio Valois, o acordeonista Beto Hortis e Beto do Bandolim, que como o próprio nome artístico revela executa bandolim. Vale frisar que o disco conta ainda, em sua tessitura sonora, a chancela do irrevente e talentoso Maestro Forró e o endossamento do Maestro Spok, maior expoente da atualidade do gênero que melhor representa a música pernambucana: o frevo.

De antemão já deixo claro: apesar do título do álbum limitar-se a dois gêneros musicais, “Bossas e Blues” é um disco que abarca nuances diversos de uma parcela significativa da boa música. feita não apenas nem nosso país, mas de distintos gêneros existentes em todo o planeta. A prova maior desta afirmação é possível ter já na primeira faixa de “Bossas e Blues“, a partir de uma canção de nos remete sem escala aos anos dourados da música mundial a partir das saudosas big bands tão evidentes nas décadas da primeira metade do século XX. Um arranjo que nos remete a nomes como Duke Ellington, Glenn Miller e tantos outros. Daí em diante é uma efusão de uma rica sonoridade que só quem tem a oportunidade de conhecer o trabalho é capaz de perceber. Uma qualidade que faz com que o nome de Fátima de Castro reitere novamente o time da boa música pernambucana a partir de projetos fonográficos como este. Mesmo com uma carreira pontuada por significativos intervalos, Fátima mostra com talento e bom gosto o quanto faz falta para o cenário musical pernambucano sempre que buscou manter-se à margem dos holofotes. Em um cenário musical cada vez mais nefasto, trabalhos como “Bossas e Blues” reiteram a esperança naquilo que o fez o Brasil ser respeitado em todos os cantos do planeta ao se falar de arte. É um disco que facilmente pode servir de proa a favor dessa nau da boa música que insiste singrar esse mar de lama a qual a música popular brasileira anda mergulhada. Que nomes como o de Fátima de Castro estejam sempre a nos mostrar que nem tudo está perdido dentro da música popular brasileira a partir de trabalhos carregados de verdade e inquestionável qualidade. A música brasileira agradece e nós, pernambucanos acostumados ao título de megalomaníaco em tudo, ganhamos mais um motivo para manter a fama.

Deixo para deleite dos leitores de nossa coluna a canção “Minha presa“, como já dito, uma parceria sua com Bráulio de Castro:

 

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Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 09 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: PERY RIBEIRO - 1

Filho de dos grandes nomes da MPB, Pery procurou seguir a mesma trilha

Quando o artista tem muito a oferecer acaba nos dando margens para escrever laudas e laudas a seu respeito como é o caso do saudoso Pery Ribeiro, que já é protagonista pela terceira vez aqui desta coluna. Na primeira oportunidade trouxe um pouco de sua biografia antes de estrear como cantor e os seus primeiros passos na carreira; na segunda, tive a oportunidade de trazer alguns feitos em sua biografia, a exemplo, de sua incursão pelo cinema tanto no Brasil como também no Exterior. Hoje retomo as suas histórias para, de certo modo, prestar uma homenagem a este artista que buscou na música o amparo que precisava para superar as adversidades que lhe foram impostas ainda quando criança.

Escolas existentes na então Capital Federal não aceitavam sua matrícula nem a do irmão por serem filhos de artistas, houve dado momento de sua infância/adolescência que Pery e o irmão viram-se morando em regime de internato, foram vítimas constantes do assédio da imprensa após a separação dos pais e, eram obrigado, a ouvir ouvir da boca do próprio pais mais distintos impropérios em relação à mãe. Por falar neste difícil contexto, Pery sempre procurou manter-se imparcial em relação a esta separação (tanto que para nome artístico evitou utilizar o sobrenome de ambos), mas isso não impediu de ter que lhe dar com a difícil personalidade do pai a exemplo do dia em que chegou a participar do programa do polêmico apresentador Flávio Cavalcanti por volta de 1963.

O apresentador convidou Pery para receber um troféu em um dos seus programas diante de um grande júri. Neste júri estava presente Herivelto. Ao final do programa, chegou o momento da entrega do troféu, e para isso nada mais conveniente do que Flavio chamar ao palco o pai de Pery, Herivelto, para a entregar o prêmio e falar quem sabe algumas palavras de carinho para o seu jovem e promissor filho. Ao entregar o troféu, Cavalcanti questiona Herivelto para saber quais eram as palavras a dizer ao filho naquele momento. Ríspido, o famoso compositor responde: “Só espero que você nunca precise vender este troféu para poder comer no futuro“. Constrangimento total para todos presentes, e uma tristeza desoladora para Pery.

A relação de Pery com os pais tinha dois pesos, duas medidas e um amor inabalável. Para contrabalançar toda a rispidez, autoritarismo (e porque não grosseria) que muitas vezes evidenciava-se nas atitudes de Herivelto, havia o contraste da suavidade, da doçura e da dedicação aos filhos de Dalva. Dalva foi a maior incentivadora para que Pery seguisse a carreira de cantor (enquanto o pai nunca expressou nenhum tipo de estímulo). No meio dessa guerra de nervos, só mesmo o talento e o amor a música para superar tanta instabilidade emocional. Coisa que só foi sendo superada ao longo dos anos apresentando-se nos palcos ao redor do mundo tanto ao lado da mãe quanto ao lado do pai, após a morte de Dalva. Nascido no Rio de Janeiro no dia 27 de outubro de 1937, Perry Ribeiro veio a falecer aos 74 anos depois na mesma cidade em que nasceu, para ser mais preciso ele veio a óbito no dia 24 de fevereiro de 2012, vítima de um infarto após 30 dias de hospitalizado.

Seu último registro fonográfico foi o disco duplo Pery Ribeiro Dueto Com Amigos – Abraça Simonal, um tributo ao saudoso amigo Wilson Simonal falecido no ano de 2000. Este disco trata-se de uma verdadeira celebração que conta com nomes como Caetano Veloso, Raimundo Fagner, Tony Garrido, Simoninha, Angela Maria, Alcione, Elza Soares, Carlos Dafé, Chico César, Wanderléa, Luiz Américo , e muito mais gente de peso da MPB. Sua contribuição para a boa música popular brasileira rendeu 32 álbuns, sendo 12 discos dedicados à Bossa Nova. Sim! Quase esquecia… Pery gravou a primeira versão comercial da canção “Garota de Ipanema”, sucesso em todo o mundo, em 1961.

Deixo para deleite dos amigos a canção “Laura”, composição da Antonio Carlos e Jocafi:

 


Bruno Negromonte - Prosódia Musical quinta, 09 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DA MPB: PERY RIBEIRO - 2



Falecido em 2012, Pery acabou por figurar como um dos mais expressivos intérpretes da Bossa Nova

 

Continuando a abordagem ao saudoso Pery Ribeiro gostaria de abordar o que veio a ocorrer a partir de sua participação no programa do Jacy Campos como foi relatado ao longo da última abordagem. Dentre os telespectadores que assistiriam a primeira apresentação do pretenso artista na Tv Tupi estava Paulo Gracindo, que o convidou para cantar em seu programa de domingo na Radio Nacional. Logo depois veio mais um convite, desta vez para participar do programa do apresentador César de Alencar, que viria a ser responsável pelo seu “batismo” artístico.

No início Peri começou a apresentar-se como Pery Martins (sobrenome do pai, Herivelto), contexto este que acabou gerando uma raiva desmedida em sua mãe, a cantora Dalva de Oliveira. “É um absurdo! Seu pai nem quer que você cante e mesmo assim você prefere o sobrenome dele!“, argumentou a intérprete de clássicos de nossa MPB. Peri procurou argumentar que Pery Oliveira não soaria legal, argumento pra lá de vazio na concepção de sua genitora. Para evitar conflito (uma vez que Pery Oliveira não soava legal) permaneceu um bom tempo sob o dilema: Qual nome artístico adotar? Decidiu que não usaria o sobrenome de nenhum dos dois uma vez que não queria construir a carreira usando o sobrenome de nenhum deles, dentre outros aspectos que achou relevante.

A resposta viria após várias participações no Programa César de Alencar, quando Peri teve a oportunidade de conversar com o apresentador e com um contato de publicidade chamado Boni (o mesmo que anos depois viria a se tornar o todo poderoso da Rede Globo). César, famoso por criar apelidos e bordões, “batizou” muita gente do meio artístico. Com peri não foi diferente, ele lembrou que naquela semana em que estavam reunidos fazia um ano da morte do cantor Almir Ribeiro (o qual Pery também foi cameraman) e começou a pronunciar: “Pery Ribeiro… Pery Ribeiro… Pery Ribeiro…“. Todos três chegaram a conclusão que o nome soava muito bem. E assim o cantor foi “batizado” no programa do comunicador, sem nenhuma alusão ao artista que havia falecido a um ano e que agora emprestava o seu nome.

Com pouco mais de cinquenta anos de carreira, Pery Ribeiro traz em sua trajetória artística dados interessantes. Sua primeira gravação musical ocorreu em 1960 (no mesmo ano em que também estreou como compositor). A sua primeira intérprete foi a cantora Dora Lopes. Soma-se a sua experiência de cantor também a sua incursão, a convite de Sérgio Mende, pelo Bossa Rio em 1968 ao lado de nomes como Manfredo Fest, Osmar Milito, Ronnie Mesquita, Gracinha Leporace e Otávio Bailly. Nesse período chegou a excursionar México e Europa, dividindo o palco com nomes do cenário internacional como Burt Bacharach, Johnny Mathis, Sérgio Mendes, Herb Alpert e Henri Mancini.

Por um bom tempo chegou a morar no México, onde esporadicamente apresentava-se ao lado do pianista e compositor Luís Carlos Vinhas; assim como também chegou a fixar morada nos EUA, onde teve a oportunidade também chegou a participar de uma produção da Universal Studios ao lado de Richard Widmark e estudar no Screen Actors Guild, em Hollywood (vale lembrar que aqui no Brasil ele também chegou a atuar em algumas produções cinematográficas). Sua carreira começava a tomar forma no Exterior quando se viu necessitado de estar ao lado de sua mãe, que começava a dar os primeiros sinais de descontrole em relação à bebida.

No Brasil a sua maior parceria musical foi sem dúvida Leny Andrade, com quem desenvolveu, ao longo de muitos anos, distintos e exitosos trabalhos a exemplo do álbum Gemini V gravado ao vivo na boate Porão 73 ao lado do grupo Bossa Três e lançado em 1965. Em 2012, nas famosa e polêmicas listas dos cem mais, a revista Rolling Stone Brasil declarou-o numero 64 dos 100 cantores melhores do Brasil. Nesta mesma edição, a Rolling Stone defendeu que ele foi “possivelmente o cantor mais subestimado do Brasil … ele se tornou uma das principais vozes da bossa nova…. Técnica, afinação, gosto apurado, inteligência musical – Pery tinha tudo isso de sobra e cantava todos os estilos.”

Deixo aqui uma das inúmeras canções registradas por este saudoso cantor. A faixa em questão é de autoria do seu pai, Herivelto, e tornou-se um clássico sob o título “Caminhemos”:

 

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