Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 20 de outubro de 2019

RECIFE, CIDADE DAS PONTES: ATÉ QUANDO?

 

 

RECIFE, CIDADE DAS PONTES: ATÉ QUANDO?

Que o Recife, especialmente sua área central, é uma triste imagem da degradação de uma cidade outrora bonita e até odorosa, todo mundo sabe. O que muitos não sabem é que, apesar dos esforços de alguns, tal degradação aumenta, fruto indigesto da pobreza, do desemprego, da impunidade.

A Ponte da Boa Vista é o exemplo mais recente do ponto a que chegamos.

A primeira, do Brasil holandês, de madeira, construída em 1640, serviu durante um século, e só não durou mais, porque o então governador de Pernambuco, Henrique Luís Pereira Freire (1737-1746), a destruiu para construir outra. Era também de madeira, como a anterior, e passou por vários reparos, até ser praticamente reconstruída em 1815, quando recebeu gradis de ferro, calçamento de seixos, e varandas com bancos de madeira.

Em agosto de 1874, enfim, o governador Henrique Pereira de Lucena, futuro Barão de Lucena, a reconstituiu. Nasceu, então, uma ponte com a aparência de uma ponte ferroviária muito parecida com a Ponte Nova, de Paris. Logo se tornou, nas décadas de 1940 e 1950, um local importante na vida social Recife, com suas passarelas laterais sendo cenários das últimas versões de vestidos, chapéus e maquiagens.

Pena que a história do Brasil, registrada nos quatro pilares dessa ponte originalíssima, toda feita de ferro batido importado da Inglaterra, está assediada por vândalos que, no silêncio da noite, mutilam-na, roubando-lhe o metal que a sustenta e embeleza.

Bandidos, vão mutilar outra ponte: vão à “ponte que partiu”!


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 17 de outubro de 2019

BENDITA SERENDIPITY

 

 

BENDITA SERENDIPITY

Serendipity é uma palavra inglesa que significa uma feliz descoberta ao acaso, ou a sorte de encontrar algo precioso que não se procurava. Foi um termo cunhado no século XVI pelo escritor inglês Horace Walpole, ao retirar a palavra do conto The Three Princes of Serendip, personagens que sempre faziam descobertas acidentais usando sua sagacidade. Serendip seria o nome árabe para a região onde atualmente é o Sri Lanka. Acrescentada do sufixo ity, a palavra em inglês vira um substantivo abstrato, a exemplo de responsability (responsabilidade), que vem de responsable (responsável).

Serendipity seria, pois, a propriedade de quem age como os príncipes de Serendip, ou seja, de quem encontra soluções criativas e inesperadas para problemas de forma sagaz.

Os ingleses usam o termo para definir a capacidade de alguém encontrar, por acaso, coisas maravilhosas, como acaba de acontecer. Há poucos minutos, rebuscando papéis antigos, afloraram palavras de Albert Einstein sobre a crise, este prato indigesto para os que lutam pela vida. Em um país como o Brasil, elas são, como o são todos os dias, utilíssimas, já que vivem às voltas com crises de todos os quilates. São crises morais, políticas, econômicas, principalmente as morais, que corroem solertemente as estruturas éticas da nação a, muitas vezes, aprovar o deletério rouba, mas faz.

Não se desvirtue, porém, o achado. Veja o que o maior gênio do século 20 disse a respeito de crise: “Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar superado. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas do que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. Sem crise não há desafios; sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um: pensar no assunto.”


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 02 de outubro de 2019

BRASÍLIA, AS PRAGAS DO EGITO E AS BESTAS DO APOCALIPSE

 

 

BRASÍLIA, AS PRAGAS DO EGITO E AS BESTAS DO APOCALIPSE

O Egito produziu bestas por atacado. Bípedes e quadrúpedes. A primeira transformou em sangue as águas do Nilo. Depois vieram morte de gado, invasões de rãs, piolhos, moscas, chagas, chuva de pedras, nuvens de gafanhotos, trevas e morte dos primogênitos. Finalmente, para aplacar a ira divina e escapar de tantas tragédias, o faraó Ramsés II, concordou com a saída dos hebreus do Egito.

O Apocalipse 13, embora com maldições em número menor parece ter pragas muito mais apavorantes. Ele trata da Bestas do Apocalipse ─ a Besta do Mar e a Besta da Terra ─ e sua maldita marca, o número 666.

A besta do mar, dizia São João, tinha dez chifres e sete cabeças, e sobre os seus chifres dez diademas, e sobre as suas cabeças nomes de blasfêmia. Parecia um leopardo com os pés de urso e a boca como a de leão. Devia ser uma gracinha…

Durante 42 meses a besta blasfemou e guerreou contra os santos, vencendo-os. Já a besta da terra, ainda segundo João, tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro, e falava como dragão. Era subordinada à besta do mar e exercitava seu poder na terra fazendo milagres e convencendo os homens a construírem imagens para adorá-la. A imagem falava e tinha o poder de matar todos os que não a adorassem, e tinha uma marca na mão direita ou na testa, para que ninguém comprasse ou vendesse artigos que não tivessem vida, além da marca e o nome da besta ou 666, o número do seu nome.

Como se pode concluir, as pragas, sejam do Egito, do Apocalipse ou do Brasil não se têm confirmado. Dizia-se que o Brasil, devastado por uma maldição bolsonariana, ficaria ainda pior do que está, mas se vê que passados nove meses de assunção do nosso leme, estamos em um barco menos vulnerável, e em meio às tempestades começamos a navegar mares mais calmos. A propósito, a Selic foi reduzida em meio ponto percentual. É pouco, muitos dirão, talvez esquecidos de que nunca se havia chegado a tanto.

Ademais, nestes nove meses, nenhum escândalo escureceu o horizonte brasiliense, o que já é, por si, uma grande realização.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 25 de setembro de 2019

FALA, MEMÓRIA - NIKITA NA ONU

 

 

FALA, MEMÓRIA

Enfim, aconteceu o tão aguardado discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU. Segundo os relatos, há de estar robustecido o bloco dos que têm o presidente na conta de um arruaceiro ignorante, circunstancialmente eleito presidente da República, de quem são acerbamente criticados os modos rudes, as palavras cortantes, o vezo de dizer, sem autocensurar-se, tudo que lhe vem à mente.

Embora de biótipos diversos, é difícil não se comparar Jair Bolsonaro e Nikita Kruschev, ao menos no quesito polidez. Quer um exemplo?

O dia 13 de outubro de 1960 era, como hoje, o de abertura da assembleia da ONU. Lá fora os manifestantes, lá dentro os representantes dos principais países do mundo.

Nikita Kruschev, representando a poderosa União Soviética, criticava a influência ocidental na África, especialmente Inglaterra, França, Espanha, Portugal e Itália, que mantinham os países africanos sob sufocante regime colonialista.

Pouco tempo depois, chegada a sua vez no parlatório, Lorenzo Sumulong, chefe da delegação filipina, rebateu a crítica de Khruschev, dizendo que era a União Soviética, na verdade, quem tirava a liberdade e o exercício da democracia da população dos países do Leste Europeu.

O premiê russo, que se irritava a cada palavra do filipino, no mesmo momento levantou-se transtornado e, gesticulando e mexendo os braços na direção de Lorenzo Sumulong, tomou-lhe o microfone e começou a chamar o filipino de idiota, palhaço e lacaio, acusando-o de subserviência ao imperialismo americano.

O filipino continuou seu discurso, enquanto um irritado Khruschev, vez ou outra, esmurrava a mesa.

O ápice, porém, ocorreu quando ele tirou um dos seus sapatos e exigindo atenção, com ele bateu vigorosamente na mesa, chamando a atenção dos presentes.

O ato foi noticiado em todo o planeta e não se viu por aqui nenhuma manifestação de censura.

E se Jair Bolsonaro fizesse o mesmo?

Nikita Kruschev batendo o sapato na bancada durante assembléia da ONU


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 22 de setembro de 2019

NOVOS CONQUISTADORES

 

 

NAVIOS E CONQUISTADORES

Há momentos que emprestam brilho à história. São aqueles instantes cruciais, como os que marcaram a conquista de América do Sul pelos espanhóis, de relevância tal que impõe coragem superlativa, transborda de brios, insculpe nomes na história.

O espanhol Francisco Pizarro, por exemplo, ocupa a sua página como o conquistador do Peru, ao submeter o império inca ao poderio da Espanha. O que ele fez? Com um punhado de homens e quatro cavalos, ele zarpou em busca do seu destino e, tão logo chegou, sua primeira providência foi queimar os navios. A partir daquele instante não havia como recuar. Era vencer ou vencer todos os obstáculos que se apresentassem, o mais importante deles uma inevitável guerra cruenta aos donos daquelas terras.

O que teria levado o conquistador a atitude tão temerária? O pasmo é ainda maior quando se leva em conta que ele conhecia a quase intransponível dificuldade da empreitada. Todas as grandes coisas até hoje feitas envolveram um ato semelhante ao de Pizarro. a decisão de queimar os próprios navios, para não ter como bater em retirada.

Por aqui, todos os dias, o presidente Jair Bolsonaro queima um navio, com a chama do seu temperamento inflamado. Convém lembrar, entretanto, que assim como no Peru logo se estabeleceu um diálogo entre incas e espanhóis, com Pizarro habilmente mostrando aos nativos suas armaduras, arcabuzes e vinho, enquanto estes falavam entusiasmados de sua civilização e do ouro, da prata e das pedras preciosas ali existentes.

Para encurtar a história, Francisco Pizarro conquistou e explorou as riquezas peruanas na qualidade de governador e capitão geral. Jair Bolsonaro, mesmo com seu temperamento peculiar, digamos, pode fazer muito pelo Brasil. Afinal, foram os polidos, os doutos, os fenomenais que deixaram o país no caos em que se encontra.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 30 de agosto de 2019

NADAR NÃO É TUDO

 

 

NADAR NÃO É TUDO

Diz-se que o papa Francisco e o presidente Jair Bolsonaro estavam em uma pequena embarcação apreciando a beleza da baía da Guanabara, quando subitamente uma rajada de vento lançou ao mar o solidéu papal. Tripulantes, seguranças e até funcionários da cozinha, todos os presentes, enfim, revelavam grande preocupação, menos um dos presentes, exatamente o presidente do Brasil.

Com aquela voz aveludada que todos conhecemos, anunciou o presidente: “Deixem que eu vou buscar!” e em seguida atirou-se às águas revoltas. O pasmo foi indizível. Uns se apressaram a buscar roupas secas, outros a atirar salva-vidas…

Pois saiba que nada disso foi necessário.

Em vez de ficar ensopado, ele caminhou sobre as águas, apanhou o solidéu e logo chegado à embarcação entregou ao Santo Padre o chapéu sagrado.

Àquela altura o silêncio era ensurdecedor, diria Nelson Rodrigues. Não se ouvia sequer a respiração dos presentes. Nem mesmo o papa aproveitava para anunciar um milagre. Combinou-se, então, que ninguém diria nada a respeito, mas a notícia vazou e logo a imprensa começou a cobrir o milagre, com uma manchete impactante: “Bolsonaro não sabe nadar”!

Muitas vezes, a ficção se dedica, ainda bem, a desnudar a realidade, e como tal reconheça-se que nenhum presidente, ao menos na história recente do Brasil, foi alvo de tanta má vontade por parte da mídia nacional e internacional. A manchete de hoje do espanhol El País, por exemplo é clara: “La Amazonia sin ley” de Bolsonaro.

É verdade que o presidente brasileiro indica ser despreparado para cargo tão importante. É também verdade que se trata de um homem rude, incapaz de conquistar aliados, mas é igualmente verdade que Jair Bolsonaro não tem seu nome associado a condutas criminosas, ainda que esteja com merecido destaque nas condutas censuráveis. Dos males, o menor.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 02 de fevereiro de 2019

DAVOS MESMO?

 

DAVOS MESMO?

Marcelo Alcoforado

Por que tanta miséria no mundo? ― eis uma pergunta recorrente, tanto quanto recorrente é a miséria. E não imagine ser um problema exclusivamente brasileiro, não. Tirando os ricos, é problema do mundo inteiro. Então comece a se estarrecer com a frieza dos números, recentemente divulgados em toda a imprensa.

Apenas 26 homens ― bilionários, obviamente ― têm mais dinheiro do que 3,8 bilhões de pessoas. Quem afirma é Winnie Byanyima, diretora da Oxfam, uma ONG internacional, que fez a revelação semana passada, quando da abertura do Fórum de Davos.

Para ela, as desigualdades extremas estão descontroladas, o que impõe aos governos abandonar promessas e obrigar bilionários como Jeff Bezos e suas empresas a pagar impostos maiores e mais volumosos. O abismo entre ricos e pobres sabota a luta contra a pobreza, porque traz a fome como prato principal e a revolta como sobremesa. É impossível atenuar a ira diante de uma família esfomeada e, como é sabido, a fome é má conselheira.

Quando você vê aqueles africanos esquálidos morrendo de fome e de doenças dela provenientes, se horroriza, não é certo? Pois saiba que apenas 1% da fortuna de Jeff Bezos ― apenas 1% ―, pagaria o orçamento de Saúde da Etiópia. 
O fato concreto, porém, é que a riqueza dos bilionários aumentou, ano passado, US$ 900 bilhões a uma velocidade de US$ 2,5 ao dia, enquanto a renda da metade mais pobre caiu 11%. Na atual ordem econômica, pois, em que os milionários pagam proporcionalmente menos tributos, conclui–se que em Davos, apesar da consonância, não se “davos” nada. Se toma.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 31 de janeiro de 2019

A BRUMA DE BRUMADINHO

 

A BRUMA DE BRUMADINHO

Marcelo Alcoforado

Bruma não é só um fenômeno meteorológico. Em sentido estrito, ensina o Houaiss, é nevoeiro, é neblina. Em sentido figurado, trata-se do que não é claro ou impede de ver ou de compreender algo com clareza; enquanto para a mineralogia empresarial se trata de uma lavra aurífera sem interesse, por proporcionar mais despesas do que lucro.

O livro As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, tem sua história ambientada durante a vida do rei Artur e tem por finalidade glorificar a já conhecida lenda.

Enquanto isso, A Bruma de Brumosinho tem muito a contar e nada a glorificar.

Contando-se com clareza, só há espaço para a mais rigorosa censura a uma tragédia evitável, feita de incúria e pressuposição de impunidade, que agora, diante das sanções que se impõem aos responsáveis, podem atingir a fabulosa cifra de R$ 8 bilhões, além de até cinco anos de prisão para servidores da Vale e também para os engenheiros terceirizados que, após vistoria, atestaram a segurança da represa.

Aos irmãos brumadinhenses, pois, vítimas de um desastre de tão perversas proporções, palavras de William Shakespeare que podem ajudar a repor alguns tijolos no edifício da coragem demonstrada ao mundo: Não há noite tão longa que não encontre o dia.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 19 de dezembro de 2018

A CESARE O QUE É DE CESARE

 

A CESARE O QUE É DE CESARE

Ensinam os evangelhos sinóticos que buscando induzir Jesus a errar, seus adversários o forçaram a ser explícito quanto aos impostos a serem pagos aos conquistadores romanos. Os doutores da lei e os sumo- -sacerdotes previam que Jesus certamente se oporia ao imposto, exatamente o que eles pretendiam. Começaram bajulando-o, elogiando-lhe a integridade, a imparcialidade e a devoção à verdade e, em seguida, perguntaram-lhe se era certo ou não um judeu pagar imposto a César.

Jesus, então, os chamou de hipócritas e em seguida pediu que um deles apresentasse uma moeda romana que pudesse ser usada para pagar o imposto de César. Ato contínuo, um deles mostrou-lhe uma moeda romana, ao que Jesus indagou qual era o nome e a inscrição que estava nela. Prontamente, eles responderam que era de César, ao que Jesus então proferiu a sua famosa frase “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”, que vai ligar dois assuntos. Falemos, pois, de Cesare.

Nunca um condenado fez tão pouco caso de um país que o abrigou, quanto ele fez e continua a fazer do Brasil, que o acolheu desde 2004, poupando-o da extradição em 2010.

Condenado em dois julgamentos a prisão perpétua na Itália por assassinar – com requintes de perversidade, como costuma dizer o noticiário especializado -, quatro pessoas, Cesare Battisti, como ex-membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, insiste em fazer do crime um fato político, ocorrido em seu tempo de militância.

Será verossímil o que ele diz? É difícil acreditar, convenha-se.

Cesare (Battisti) está às margens do Rubicão, mas não o atravessará.

A Cesare (Battisti) resta a volta ao seu país que o espera de portas abertas e saídas fechadas.

A Cesare o que é de Cesare.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 11 de dezembro de 2018

NEM SEMPRE EXERCÍCIOS FÍSICOS BENEFICIAM OS PRATICANTES

 

 
 NEM SEMPRE EXERCÍCIOS FÍSICOS BENEFICIAM OS PRATICANTES

A ciência já comprovou largamente que exercícios físicos trazem efetivos benefícios á saúde de quem os pratica com frequência. Para facilitar a atividade, existem variados acessórios à disposição dos interessados, com opções que vão das peladas de futebol às pedaladas nas modernas bicicletas que cruzam as cidades. Essas pedaladas, no entanto, só são válidas se em lugares abertos, arborizados, oxigenados, tendo a claridade do sol como espectadora.

Infelizmente, porém, há os que apreciam pedalar em lugares fechados, exíguos, preferencialmente com um mínimo de espectadores, o que termina causando muito mal. A ex-presidente da República, Dilma Rousseff e seu então ministro da Fazenda Guido Mantega, estão experimentando essa amarga verdade.

O Ministério Público Federal vem de ingressar na Justiça com ação civil por improbidade administrativa contra a dupla e mais alguns ginastas, acusando-os de se valerem dos cargos que ocupavam para “maquiar as estatísticas fiscais com o objetivo de melhorar a percepção da performance governamental e ocultar uma crise fiscal e econômica iminente, comprometendo ainda mais a saúde financeira do Estado”.

Traduzindo, as pedaladas fiscais mirraram a vigorosa energia das estatísticas do governo, contribuindo para o rebaixamento da nota de crédito do país no mercado financeiro internacional e pondo a nu a verdadeira habilidade dos atletas.

Daí são pesadas as consequências propostas pelo MPF. Requer-se perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos e indenização por danos morais coletivos pela prática de improbidade administrativa.

Como é fácil imaginar, avizinham-se dias terríveis para esse grupo de ciclistas brasilienses, o que lhes recomenda um rápido aprendizado de como conduzir a bicicleta. Para começar, sugere-se a reinstalação daquelas pequenas rodas no eixo traseiro das bicicletas, o que acostuma auxiliar a andar na linha.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 06 de dezembro de 2018

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE UMA CONTINÊNCIA

 

 
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE UMA CONTINÊNCIA

Semana passada, os meios de comunicação se ocuparam de uma continência prestada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, ao senhor John Bolton, representante do governo norte-americano.

O que era um simples ato, logo fez a oposição assestar suas baterias contra uma pretensa subserviência brasileira aos interesses daquele país.

O deputado Ivan Valente, do PSOL, por exemplo, chegou a enxergar uma atitude de capachismo (sic) e genuflexão vergonhosa (sic).

Há algo a considerar, contudo.

Não foi John Bolton o primeiro americano a merecer tal deferência e, além do mais, próprio presidente Donald Trump, com toda a sua autoridade, logo que chega aos lugares para onde viaja, saúda com uma continência os que o esperam junto à aeronave.

Por seu turno, os jornais e televisões do domingo, mostraram H.W. Bush, falecido ex-presidente, prestando continência a multidões, o que induz uma pergunta: será que, cada um a seu tempo, Donald Trump e H. W. Bush e Obama, presidindo a maior potência do mundo adotavam uma postura servil?

Continência, tenha-se em conta, é comportamento ponderado e moderação de gestos, palavras e atos, ensina o Houaiss.

É também uma saudação militar e uma maneira de manifestar respeito e apreço aos seus superiores, pares, subordinados e símbolos, a exemplo da bandeira nacional.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 07 de novembro de 2018

MUTATIS MUTANDIS

 

MUTATIS MUTANDIS 

Qualquer pessoa de bem quer, é evidente, viver em um lugar onde reine a paz, onde as balas perdidas se achem nos paióis e ali desusadas não ceifem vidas. Claro que tal desejo é utópico, já que armas não podem ser eliminadas da vida de nenhum país, embora em alguns, como o Brasil, e mais notadamente no Rio de Janeiro, seja cada vez mais quimérica essa almejada Shangri-La.

De um povo hospitaleiro, nos fizemos violentos. Somos a antítese da paz. Fazemos a nossa guerra particular, matando dezenas de pessoas, todos os dias, invariavelmente. De norte a sul, mais em algumas regiões, menos em outras, o crime organizado se faz presente, matando quem ouse cometer algum pecado à luz do regulamento.

A violência transbordou para a sociedade, sim. Hoje, por exemplo, uma banal discussão de trânsito que resultava, no máximo, em alguns sopapos, agora se soluciona por quem sacar primeiro sua pistola 380 ou o seu imponente “três oitão”.

Somente uma ação contundente poderá modificar o rumo da violência.

De uma vez por todas, mentalize-se que aquelas marchas de pessoas compungidas, com lemas enlevantes nas camisetas imaculadamente brancas, só sensibilizam as pessoas pacíficas. Essas, no entanto, não precisam de passeatas para viver em paz. Os traficantes, por seu turno, devem gargalhar.

A sociedade reclama um paradeiro, mas ao mesmo tempo, resiste quando o general Augusto Heleno declara que vai endurecer o confronto com o banditismo, valendo-se, inclusive, de “snipers”, aqueles atiradores de elite autorizados a abater quem esteja portando um fuzil, arma de alta potência, de uso exclusivamente militar.

Considere-se que ninguém porta um fuzil AR15 ou semelhante para atirar em latas velhas. O simples porte de arma privativa das Forças Armadas já fala por si, dispensando palavras sobre o portador. Não é sem motivo que o rei dos bandidos, o famigerado Al Capone, ensinava que com um ramalhete de flores na mão se consegue muita coisa, mas com um ramalhete e um revólver se consegue muito mais.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 01 de novembro de 2018

AO VENCEDOR, AS BATATAS

 

 
AO CAPITÃO, AS BATATAS

Bruto, ignorante, insensível, fascista, mau pai, mau marido são só alguns dos desairosos atributos conferidos ao próximo presidente do Brasil. Compreende-se. Foi uma disputa em que até a faca peixeira se pronunciou, com tal veemência que, por pouco, não deu a última palavra sobre o renhido pleito.

Tudo indicava que um armistício era chegado, mas acontece que ontem mesmo, em seu discurso, o senhor Fernando Haddad, o candidato derrotado, sinalizou o terceiro turno, simbolizado pela falta de um mínimo de cavalheirismo.

Sabe-se, ora, que mesmo revestido de falsidade, é praxe o perdedor desejar sorte ao seu concorrente, o ungido pela vontade da maioria. Ademais, saber perder é tão importante quanto saber ganhar, e um simples cumprimento, por mais falso que seja, é de bom-tom. Some-se a isso, a consciência de que os vencedores não se entronizaram por um ato de vontade própria. Foram os senhores que, com desídia e cupidez, levaram o povo a trocar seus dirigentes e representantes.

Quanto ao vencedor, Jair Bolsonaro, recordemos Machado de Assis. Contou o grande escritor que havia um campo de batatas cobiçadas por duas tribos famintas. As tais batatas eram suficientes para alimentar só uma das tribos, que passaria a ter forças para transpor uma montanha e ir a um lugar onde havia batatas em abundância, mas acontece que se as duas tribos dividissem as batatas, não iriam adquirir energia suficiente, e morreriam de inanição. Uma das tribos exterminou a outra e recolheu as batatas, e foi festejada com hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

Ao presidente Jair Bolsonaro, pois, as batatas.


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 07 de outubro de 2018

TRANSMIGRAÇÃO

 

 
TRANSMIGRAÇÃO

Desde que conheceu os rigores do juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, autointitulado “uma metamorfose ambulante”, tem aperfeiçoado seus atributos divinais. Pelo menos foi o que ele afirmou.

Assim, tal qual um novo Cristo, em abril passado ele verbalizou o exemplo do Jesus verdadeiro, anunciando ao povo que valeria a pena morrer por ele. “Por vocês valeu a pena nascer, por vocês valerá a pena morrer”, disse, fazendo do prédio da Polícia Federal curitibana a cena do seu Calvário.

Os fatos, no entanto, não se encerram aí. Em verdade, o senhor Luiz Inácio da Silva, este ser mutante que arrasta multidões hipnotizadas pelos seus dotes excepcionais, agora promete fazer mais.

Para começar desdenhou as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, ao continuar veiculando propaganda indevida, em que aparecia na quase totalidade do tempo do comercial como sendo ele o candidato. Ao postulante verdadeiro, cabia fazer apenas um juramento de lealdade ao divino condenado e, em seguida, o ápice se dando com a frase “Não adianta tentar evitar que eu ande por este país, porque tem milhões e milhões de Lulas”. Ato contínuo, pessoas comuns exclamavam “Eu sou Lula”!

Sabe que punição ele recebeu? Ganhou do STF autorização para dar entrevista à Folha de São Paulo, até agora revogada por decisão do presidente Dias Toffoli.

Subsistem, contudo, algumas questões.

Pensava-se, até agora, que o Pai da Humanidade fosse Gengis Khan, o mongol que gerou possivelmente dois mil filhos espalhados por quase todo o planeta. 
Trata-se de homem tão prolífico que os geneticistas internacionais estão convencidos de que quase 8% dos homens do antigo império de Khan, descendem deste único homem. Mas os pesquisadores descobriram através de rastreamento do cromossomo Y, que permanece relativamente inalterado ao longo das gerações que os homens em muitas regiões diferentes dividiam o mesmo DNA.

Diante de tantos riscos, contudo, a ciência se equivocou. O autêntico ¬povoador se chama Luiz Inácio da Silva. Registre-se, no entanto, que não se tratou de transmigração de alma, não. Ora de alma… Luiz Inácio da Silva, prático como ninguém, como tal se transmigrou para as pessoas certas, os 147,3 milhões de eleitores brasileiros.

Se ele tiver poderes para migrar tantos ― ele falou em milhões de Lulas ―, ainda neste domingo Fernando Haddad será eleito o nosso novo presidente. O problema é que, de tantas promessas na campanha o Brasil vai transmigrar para a bancarrota.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 05 de outubro de 2018

AMEAÇAS

 

AMEAÇAS

Ano passado, no interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, o inquiridor, juiz federal Sérgio Moro ― para alguns um inquisidor, um Torquemada tropical ― advertiu o interrogado quanto a procedimentos que poderiam ser tidos como tentativa de intimidação das autoridades envolvidas na Operação Lava Jato.

Fez-lhe, então, ver a inconveniência de tal conduta, o que de pouco valeu.

Basta dizer que em um dos seus momentos de maior irritação, como o ocorrido em Congonhas, aonde fora conduzido a contragosto, advertiu que voltaria a ser presidente da República e um dia poderia mandar prender (sic) os procuradores da República que o investigavam, e que não esqueceria os delegados que o haviam conduzido coercitivamente (sic).

E não ficou só nisso.

Afirmou ainda que somente ele poderia brigar (sic) com a Lava Jato, processando testemunhas, investigadores e até o próprio juiz Sérgio Moro. Curiosamente, o fato pouco repercutiu, mas agora, por conta de uma ameaça feita no passado, a notícia explodiu nos noticiários. Serão brigas de casais tema mais fascinante do que a ameaça de um ex-presidente da República?

A verdade é que Jair Bolsonaro ― em grande parte por conta do seu temperamento irritadiço, é alvo fácil para censuras e, para piorar as coisas, até hoje ele convalesce do esfaqueamento de que foi vítima, não podendo dar as explicações que deve.

Somente após 10 de outubro, ele poderá voltar às suas atividades normais, embora a essa altura o primeiro turno já seja passado.


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 30 de setembro de 2018

CIRO GOMES: A UM PASSO DA FELICIDADE

 

 
A UM PASSO DA FELICIDADE

O Brasil quer e pode promover a felicidade plena, geral e irrestrita do seu povo. E, por incrível que pareça, tudo se realiza com uma simples palavra: eleição. Até parece mágica, embora a palavra não seja abracadabra. Eis um exemplo.

No Guia Eleitoral de ontem, o candidato Ciro Gomes anunciou que, sob seu governo, os brasileiros terão “creche em tempo integral para 2,6 milhões de crianças de 0 a 3 anos para que as mulheres brasileiras, que têm um papel fundamental nesse momento no Brasil, possam ir à luta sabendo que seus filhos estão bem tratados, vão chegar em casa alimentados, bem cuidados e banhadinhos (sic) para o fim do dia”. Que lindo!

Mas como o Brasil não é feito apenas de crianças “banhadinhas”, o candidato assegurou que também dispensará muita atenção à Saúde, e assim vai “implantar policlínicas em todo o Brasil. Elas terão doze especialidades médicas e mais de dez tipos de exames de imagem. Tudo com hora marcada e sem pagar nada”.

Você atentou para a importância dessa notícia?

Então, comemore. Se Ciro Gomes for eleito, você vai deixar de pagar os extorsivos planos de saúde, ficando livre não só das elevadas mensalidades, mas também da espera de até trinta dias para marcar uma prosaica consulta, além de outros inconvenientes bastante conhecidos.

Só tem um problema: o prussiano Otto von Bismarck insistia em dizer, e o tempo lhe deu razão, que “nunca se mente tanto como antes das eleições, durante a guerra e depois da caçada”.

Na sua opinião, ele estava certo ou errado?


Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 29 de setembro de 2018

REJEIÇÃO

 

 
REJEIÇÃO

O texto a seguir tem autoria atribuída à magistrada Isabele Papafanurakis Ferreira Noronha, juíza substituta da 6ª Vara Criminal de Londrina – PR.

Que sua rejeição por ele não seja maior que sua rejeição pela corrupção.

Que sua rejeição por ele não seja maior que sua rejeição de ver o país governado de dentro da prisão pelos comandos de um candidato condenado em duplo grau de jurisdição, assim como ocorre com os líderes das facções criminosas já tão conhecidas.

Que a sua rejeição por ele não seja maior que os ensinamentos que recebeu de seus pais sobre não subtrair aquilo que é dos outros.

Que sua rejeição por ele não seja maior que os princípios de educação, moral e cívica que aprendeu quando criança nos bancos das escolas, na época em que escola ensinava o que, realmente, era papel da escola.

Que sua rejeição por ele não seja maior do que sua indignação com a inversão de valores existentes em nossa sociedade atual.

Que sua rejeição por ele não seja maior do que seu medo de viver o que já está vivendo a população dos países “amigos deles”, tais como, Venezuela, Bolívia e Cuba.

Que sua rejeição por ele não seja maior que sua indignação com cada escândalo de corrupção e desonestidade revelados na lava a jato.

Que sua rejeição por ele não seja maior do que seu pânico de viver numa sociedade tão insegura, onde pais de família são mortos diariamente e audiências de custódias são criadas para soltar aqueles que deveriam pagar por seus crimes.

Que sua rejeição por ele não leve ao grave erro de demonizar a polícia e santificar bandido.

Que sua rejeição por ele não seja maior que sua defesa pelo fortalecimento da família, como estrutura básica da sociedade.

Que sua rejeição por ele não seja maior do que sua repulsa pelo mal que as drogas têm causado em nossas famílias.

Que sua rejeição por ele não seja maior que sua esperança de ter um país melhor para viver.

Que sua rejeição por ele não tire sua capacidade crítica de apurar tudo que é tendencioso na mídia.

Enfim, que sua rejeição por ele não te deixe cego a ponto de não enxergar que, neste momento, o Brasil está numa UTI e seu voto deve ser útil para salvá–lo.

Não brinque com isso, não se iluda com a maquiagem dos discursos bonitos, a coisa é séria.

Na hora de votar, lembre-se de sua essência e do que, realmente, sempre foi importante para você.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 25 de agosto de 2018

SECA: PROBLEMA DE SEMPRE

 

 
 
 
PROBLEMA DE SEMPRE

Mais um ano, mais uma vez o inevitável enfrentamento de um problema secular. Exatamente o mesmo problema, a seca. Acredite que estamos em pleno inverno nordestino, embora a realidade mostre que tal estação das chuvas só existe nos registros oficiais. Como será no verão?

Diferentemente do litoral, aqui não existe água cristalina a jorrar farta das torneiras e, quando existe, não passa de um líquido amarelado. Esta é a realidade do dia a dia do sertanejo, vítima de um drama que, como uma maldição, se estende pela vida de gerações. Fazer o quê?

O jeito é orar para Deus mandar chuva e para o mandachuva político da região, dono do curral eleitoral, cumprir as promessas eleitorais.

A propósito, Dom Pedro prometeu vender as joias da Coroa para dar fim à seca nordestina, enquanto outros tantos juraram que o sertão iria virar mar.

O senhor Luiz Inácio da Silva, prometeu que a Transposição do São Francisco entregaria água aos sertanejos ainda no seu primeiro mandato, mas o tema continua sendo um deserto não só de água, mas de verdades.

Por toda a região, a paisagem é desoladora, porque feita de pobreza, e fome, e sede, e sofrimento. No Ceará, nada menos do que 66% dos municípios já estão estorricados e outros 121 passam por seca moderada ou grave.

No Piauí, são 71% na mesma situação, enquanto na Paraíba o problema extrapola os 71%.

Os tenebrosos percentuais invadem o Rio Grande do Norte (62%), Pernambuco (52%), a Bahia (57%), Alagoas (33%) e Sergipe (20%).

Tem nada não. Tudo vai mudar. Todos os problemas terão fim em outubro, com a eleição dos novos deputados, senadores, governadores e presidente da República. Até lá, no entanto, continuará em vigor o sofrimento sertanejo, ressalvadas as disposições em contrário.

Pensando bem, esse povo maltratado vai direto para o Paraíso.

Melhor dizendo, no Paraíso, com inicial maiúscula, porque até o cumprimento da promessa terão morrido, e de tanto sofrimento, que ganharão o Éden.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 17 de agosto de 2018

LULA: INGÊNUO ELE NÃO É

 

INGÊNUO ELE NÃO É

 

 

Luiz Inácio da Silva pode ter muitos defeitos, mas uma coisa é certa: ele não é tolo. Ele sabe que sua candidatura é inviável, salvo se neste país onde tudo é possível o texto legal for transformado em papel higiênico. Luiz Inácio da Silva sabe que na cadeia spa em que se encontra conquistará muito mais votos para o candidato Fernando Hadad.

Pretenderá ele, preso, ser um Nelson Mandela? O autêntico, após quase 30 anos de confinamento pelo segregacionismo do apartheid, operou a transição daquele regime para uma democracia plena, pelo que se ornou o Pai da Pátria, vindo a promover, de 1994 a 1999, profundas mudanças, como a criação de novos símbolos nacionais e uma nova constituição em que brancos, negros, indianos e mestiços passaram a ter igualdade de direitos.

Não conseguiu, no entanto, corrigir a má distribuição de renda, a corrupção crescente ou a intervenção militar no Lesoto, o que não evitou a conquista da hegemonia política de seu partido – o Congresso Nacional Africano – e eleger seu sucessor.

Acontece que Luiz Inácio da Silva não é Nelson Mandela.

Este, a par de tudo o que fez, combateu denodadamente a corrupção, enquanto aquele fez parte dela, como dizem a sua prisão e os processos que tramitam nas varas criminais.

Aos que contam com os primeiros e animadores números das pesquisas de intenção de voto, talvez seja conveniente lembrar que assim como Luiz Inácio da Silva não é Nelson Mandela, Fernando Hadad não é Luiz Inácio da Silva.

Mesmo assim ele elegerá seu seguidor?


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 06 de julho de 2018

WENSTEIN GOES BAD

 

WEINSTEIN GOES BAD

De repente o mundo desabou. Os gozos ontem pilhados, se fizeram angústias incontornáveis de hoje. A Weinstein Company, antes poderosa, entra em processo falimentar, e a Miramax segue a mesma espinhosa trilha. Acuado, como ficavam as vítimas submetidas aos seus ataques, o todo – poderoso Harvey Weinstein vê o fim se aproximar, na forma do risco real de ser condenado a prisão perpétua.

A tragédia começou no ano passado, com três acusações de crimes sexuais. A partir dali relataram-se abusos havidos no transcurso de três décadas, contra mulheres jovens e bonitas que almejavam uma carreira na indústria cinematográfica. Desde então, as denúncias se multiplicaram, reveladas pelas atrizes Ashley Judd, Jessica Barth, Katherine Kendall, Rose McGowan, Florence Darel, Judith Godreche, Emma de Caunes, Alice Evans e Lysette Anthony. Muitas, como Dawn Denning e Tomi-Ann Roberts acabaram desistindo da carreira, e mesmo megaestrelas como Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Cara Delevingne e Lea Seydoux passaram por experiências similares. Lauren Sivan, âncora de TV, contou haver sido encurralada em um restaurante de Nova York e se masturbou diante dela.

Mas por falar em Hollywood, não é de hoje que ali convivem harmonicamente o glamour, a beleza e a baixeza. Registrou-se, por exemplo, que em junho de 1937 foi denunciado um escândalo de grandes proporções. Relatava uma grandiosa festa realizada por ocasião da reunião de vendedores de produções cinematográficas que resultara na mais desenfreada orgia da história de Hollywood. Referia-se a inúmeras violências carnais (sic) a que teriam sido submetidas várias moças dos estúdios de Hollywood naquela ruinosa bacanal em que cento e vinte e cinco extras induzidas por falsos pretextos compareceram à festa e se tornaram objetos de todas as espécies de brutalidade.

Conta-se, aliás, que até James Dean, o mítico intérprete de Juventude Transviada, Assim Caminha a Humanidade e Vidas Amargas se submeteu ao teste do sofá, mas não sentado. Estava ajoelhado, atento às reações do homem à sua frente, enquanto imaginava estar executando uma ária ao clarinete. Joan Crawford, dizem, do alto dos seus 65 anos, se submetia aos testes docemente. Muito os apreciava, não vacilando em tirar a roupa.

A deusa Marilyn Monroe, por seu turno, fez da beleza sua arma incontrastável na guerra da sedução, enquanto Clara Bow, diziam, entreteve um time inteiro de futebol, ao passo que outra estrela da época, Lilian Gish foi estuprada, mas em lugar de desenvolver trauma, vomitar e ir ao divã do analista, passou a dedicar-se, com grande esmero, à prática dos exercícios sexuais.

Pois é, a verdade nua e crua, especialmente nua, é que desde o passado muitas artistas famosas passaram pelas agruras experimentadas pelas aspirantes de hoje, submetendo-se ao julgamento de diretores e produtores cinematográficos.

O que não faculta, porém, a nenhum homem, o direito de obter sexo à força.

As coisas vão mal para o senhor Harvey Weinstein.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 26 de junho de 2018

HOMENS, CHEGAMOS

 

Se havia um clamor por algo inovador na política, aconteceu. Um grupo formado exclusivamente por mulheres, lançou a primeira chapa feminina de Pernambuco, com vistas a acabar com a hegemonia masculina na política.

Apenas isso é muito pouco, convenha-se, para a obtenção do precioso voto do eleitor, embora suas líderes, a advogada, historiadora e professora Dani Portela; a educadora e cientista social, Gerlane Simões; a servidora concursada do MPF Albanise Pires; e Eugênia Lima, mestra em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, sejam pessoas qualificadas. Subsidiariamente, a busca é quebrar a lógica de que vencer a eleição no estado precisa de um DNA político.

“A maioria das mulheres que está na política é filha de, mulher de, missionárias de determinadas igrejas. Não dá mais para não querer falar de política porque ela já entrou na nossa casa, no orçamento familiar, no hospital e na escola. Não podemos deixar que governem sem a gente”, enfatizou Eugênia Lima, facultando entrever dias difíceis para os homens que as mulheres a pleitear que as mulheres não governem sem eles.

Segundo Dani Portela, por ser uma chapa feminina e feminista, elas precisam provar a capacidade duas vezes. “Nossa voz foi silenciada por muito tempo e somos invisíveis. Assim fomos durante séculos, e agora é o momento de fazer ecoar a nossa voz”, destacou, esquecida de que até recentemente a República foi presidida por Dilma Rousseff, uma mulher, e ademais, o Congresso e as casas legislativas estaduais e municipais estão repletas de mulheres.

A propósito, convém lembrar que dona Brites Albuquerque governou a capitania de Pernambuco, que veio a se tornar a mais próspera do Brasil.

 

 

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 10 de junho de 2018

CENAS DE UM CASAMENTO PRINCIPESCO

 

Não se deixe ser presa da inveja, mas…

Você lembra que recentemente a imprensa se ocupou do conteúdo dos caminhões que deixaram Brasília ao fim da octaetéride luliana? Só para lembrar, eram presentes recebidos pelo casal presidencial brasileiro, e que, de conformidade com as regras vigentes, passam a pertencer ao acervo do país. O entendimento é de clareza meridiana: o presidente da República só o é até o último dia do mandato.

Nunca mais a imprensa voltou ao assunto, mas ainda bem que da Inglaterra nos chega um exemplo. Dois dias após o casamento, o príncipe Harry e Meghan Markle devolveram R$ 34 milhões em presentes de casamento, já que, segundo as regras da família real, não é permitido aceitar presentes que envolvam o mais leve intuito de publicidade grátis. Foram mais de R$ 34 milhões, ressalte-se.

Apesar de o príncipe Harry e sua esposa terem pedido doações para instituições de caridade em vez de presentes de casamento, pessoas e empresas mandaram milhões de libras em recordações gentilmente devolvidas, levando os funcionários da família real britânica passarem as primeiras semanas após o casamento filtrando os presentes para definir os que seriam devolvidos.

De conformidade com as regras estabelecidas da família real em conjunto com o parlamento britânico, a rainha Elizabeth II e seus familiares são impedidos de receber qualquer presente que possa resultar em publicidade grátis para a empresa que o tenha enviado. Para os britânicos, os membros da família real precisam garantir que a empresa que enviou o presente não tenha o feito como forma de publicidade, segundo um assessor da família real.

A propósito, registrou-se que, no começo do primeiro mandato do senhor Luiz Inácio da Silva, uma famosa joalheria estava enfrentando sérias dificuldades para ter de volta as joias emprestadas para uso pela primeira-dama durante a cerimônia de posse.

E era publicidade, sim.

 

 

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 05 de junho de 2018

TEMER TREME

 

Você não tem como contestar. Nem ninguém. O arsenal da oposição é temível, tanto quanto o estadunidense ou o norte-coreano. As ogivas que antes cruzavam os céus como mera demonstração de força, agora começam a atingir seus alvos. A crise dos caminhões, por exemplo, foi o veículo (sem trocadilho) da sucumbência do governo, uma espécie de Exército de Brancaleone a defender interesses durante uma guerra que se avizinha, o pleito eleitoral.

No filme, demonstra-se que a Idade Média não foi feita apenas de belos reis, rainhas e castelos, de riqueza e de ostentação, mas igualmente de miseráveis. Conta-se a história de Brancaleone da Nórcia, um cavaleiro fracassado, que em busca de um feudo lidera um grupo de maltrapilhos e famintos. A diferença da arte para a vida é que, na versão política, o palácio está ocupado por Brancaleone que, mesmo assim, com a arma da caneta todo-poderosa na mão, não consegue fazer prevalecer seus pontos de vista.

Negociação, por exemplo, implica flexibilidade das partes envolvidas, mas não foi o que se viu. O governo, que já fizera enormes concessões na véspera, teve que fazer outras tantas no dia seguinte. E assim iam os grevistas aceitando qualquer negociação, desde que ao final as coisas acontecessem como eles queriam.

Esdrúxula negociação!

A fragilidade do governo é evidente, e ao agir ele não impõe nem propõe, mais parece suplicar. Sem alavanca e sem ponto de apoio, a cada dia fica mais insustentável, especialmente pelo gosto de vingança, a contrapartida do impedimento da senhora Dilma Rousseff. De qualquer forma, pergunta-se: como pode um presidente que tirou o país da recessão, reduziu dramaticamente a inflação, baixou os juros e amenizou a sangria dos empregos ser tão impopular?

 

 

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 06 de maio de 2018

ADEUS, DINHEIRO

 

Matilda está levando o nosso dinheiro, e não há nada a ser feito para impedir. Relaxe: o que está feito, está feito, e a maior parte já foi.

Matilde não é uma mulher com esse nome, mas um país que muito tem a ver com ela, pelo nome e pelo procedimento. É personagem de uma ópera bufa que tem como leitmotiv o calipso Matilda, interpretado pelo músico, cantor, ator, ativista político e pacifista norte-americano Harry Belafonte.

Matilda, Matilda, Matilda, she take me money and run Venezuela | Matilda, Matilda, Matilda, she take me money and run Venezuela. | Five hundred dollars, friends, I lost: | Woman even sell me cat and horse! | Heya! Matilda, she take me money and run Venezuela.

Pois é: Matilda leva o nosso dinheiro e nós, como se fôssemos um país sem carências, oferecemos benesses desmedidas. A ponte de 3.156 metros sobre o rio Orinoco possui quatro faixas para veículos e uma para linha férrea. Considerada uma maravilha da engenharia contemporânea, foi construída com tecnologia e financiamento brasileiros.

Lá se foi a bagatela de US$ 1,22 bilhão de dólares, enquanto no Brasil pontes e viadutos de São Paulo e do Recife se encontram em processo de deterioração. Nas linhas 3 e 4 do metrô de Caracas, investiu-se US$ 1,6 bilhão de dólares que, considerando a adição de um pequeno calote de US$ 270 milhões, atinge a casa dos US$ 3 bilhões. Entrementes, não temos dinheiro para Saúde, Educação, Segurança…

Para agravar o quadro ainda mais, além da Venezuela há outros países na mesma situação, coincidentemente aqueles que seriam os pilares da inserção internacional do Brasil potência, do Brasil que do alto da sua pujança iria acabar a fome, a doença e da pobreza não só em nossas fronteiras, mas em outros países mundo afora, muito especialmente os africanos, continente em que inauguramos mancheias de embaixadas.

O expansionismo diplomático deu no que deu. Agora, bilhões de reais inexoravelmente perdidos, resta a continência e, á que quem canta seus males espanta, sair por aí cantarolando Matilda, Matilda, Matilda, she take me money and run Venezuela…

 

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 05 de maio de 2018

BIG BEN, BIG BANG
 

A Big Bang ou a Grande Expansão, é a teoria cosmológica preponderante sobre o surgimento do universo. Com o termo, os cosmólogos se referem à ideia de que em dado momento houve uma grande explosão que, desde aquele dia, leva o universo a expandir-se continuamente.

Já a Big Ben foi uma grande rede de farmácias que recentemente encerrou suas atividades, fato repercutido no mercado com tal intensidade que bem poderia também chamar-se big bang.

Só em Pernambuco, a lúgubre estatística é de 64 lojas fechadas e 1.200 desempregados, 220 deles farmacêuticos. Em todo o Brasil são 3 mil lojas, o que não é pouco.

O ainda mais desalentador saldo é que, além dos desempregos, se faz presente o pesadelo dos prédios abandonados, tomados por usuários de drogas, muito lixo e o compreensível medo dos transeuntes que antes transitavam livremente por aquelas ruas.

De certa forma, é um modelo reduzido do Brasil de hoje, que abriga cerca de 13 milhões de desempregados e abandona não só edifícios, mas os princípios que regem a lisura na administração da res publica.

Voltando aos desempregados, 13 milhões de ociosos compulsórios não podem ser vistos apenas como um dado estatístico, mas um problema muito maior. Uma big bang em que se expandirão os atos de selvageria.

 

Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 29 de abril de 2018

UMA FESTA FUNESTA!

 

Por favor, atente para esta frase: Se vocês quiserem encontrar um petista hoje, vão ao meu gabinete. São palavras do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, exultante pela autoria do voto que poderá tornar o senhor Luiz Inácio da Silva presidente do Brasil pela terceira vez. Apelo popular e assessoria jurídica qualificada parecem não faltar ao ínclito candidato, possivelmente ávido por comandar a retomada da colossal obra de reformar sítios e apartamentos.

Estivessem o senhor Inácio da Silva e o juiz Sérgio Moro confinados em uma mesma sala, o ex-presidente–e-futuro-presidente, decerto exibindo aquela blasonaria que lhe é tão característica, diria ao magistrado, perdeu preibói. Lamentavelmente, no entanto, não terá sido o preibói, mas o Brasil, com sua obstinada disposição de fazer o errado enquanto houver erros a cometer.

Embora possa falhar, é enorme o poder de persuasão do senhor Luiz da Silva! Há seis anos, exatamente em maio de 2012, o ministro Gilmar Mendes revelou haver saído perplexo de uma conversa com ele, que às vésperas do julgamento do mensalão, veladamente o ameaçara de divulgar fatos desairosos para o ministro, caso o julgamento não fosse adiado para o ano seguinte. Para o senhor Luiz Inácio, naquele ano não haveria objetividade, seja lá o que isso significasse, mas o ministro redarguira ressaltando a importância do julgamento.

Ainda segundo o ministro, durante a conversa, o senhor Luiz Inácio teria mencionado, várias vezes, o tema da CPI e o domínio que o governo tinha sobre a comissão. “Daí eu depreendi que ele estava inferindo que eu tinha algo a dever nessa matéria de CPMI e disse a ele, com toda a franqueza, que ele poderia estar com alguma informação confusa, pois eu não tenho nenhuma relação, a não ser de conhecimento e de trabalho funcional, com o senador Demóstenes Torres”.

Luiz Inácio teria ficado assustado com a sua reação e perguntado: “Mas não tem? E essa viagem a Berlim?”.

“Aí então eu esclareci a viagem, que era uma viagem que eu fizera a partir de uma atividade acadêmica que eu tivera na Universidade de Granada, encontrara com o senador (Demóstenes Torres) em Praga ꟷ e isso tinha sido agendado previamente ꟷ e então nos deslocamos até Berlim, onde mora minha filha. E eu até brinquei. Eu vou um pouco até Berlim como o senhor vai até São Bernardo”, disse o ministro.

Além de revelar sua perplexidade com o encontro, uma vez que a relação com o ex-presidente “sempre foi muito franca e cordial”, o uso da viagem a Berlim por parte do senhor Luiz Inácio lhe “parecera absolutamente reveladora de qualquer outra intenção sub-reptícia”.

Poderia aproveitar para dizer por que discutir o assunto com um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e um popularíssimo ex-presidente da República empenhado em garantir que a Presidência ficaria, mais uma vez, ocupada por um dos seus tarefeiros.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 17 de fevereiro de 2018

A PRISÃO IDEAL

 

Para começar, considere-se que as prisões muito diferem de país para país. Não só quanto à segurança, diga-se, mas também quanto ao tratamento recebido pelo apenado. O sistema carcerário, pode-se afirmar, não deixa de ser um depoimento sobre a nação que o instituiu e mantém.

Na norueguesa Bastoy Prison, por exemplo, cumprem pena pouco mais de 100 homens. Eles não vivem em celas, mas em pequenas casas, trabalham na fazenda-prisão, podem tomar banho de sol, jogar tênis, pescar, caminhar no campo e passear a cavalo. Além disso, recebem educação, formação e programas de capacitação.

Em Otago, Nova Zelândia, os prisioneiros têm quartos confortáveis e aprendem habilidades de trabalho como técnicas de eletricidade, criação de gado leiteiro e culinária.

A de Leoben, Áustria, abriga 205 condenados, cada um na sua cela com banheiro privativo, cozinha e TV, e coletivamente disponibiliza sala de musculação, quadra de basquete, biblioteca e uma área de recreação ao ar livre. É prisão apenas para condenados por crimes não violentos, como roubo e estelionato.

Em Aranjuez, na Espanha, as crianças de mães que cumprem pena na prisão podem ficar com os pais encarcerados em uma cela mais confortável – de até 150 metros quadrados – com cama de casal, berço e banheiro privativo. Durante o dia, enquanto eles trabalham ou aprendem atividades profissionalizantes no presídio, as crianças frequentam a creche e escolinha local.

A suíça Champ-Dollon já teve graves problemas de superlotação, doenças e distúrbios mentais entre os detentos, mas em 2008 tudo mudou. Agora, as celas têm capacidade para três prisioneiros, são espaçosas e possuem banheiro privativo. A propósito, a alemã JVA Fuhlbuettel foi reaberta em 2011, com celas espaçosas, dotadas de cama, sofá, armário, mesa e banheiro privativo.

Na Suécia, a de Sollentuna tem celas com banheiros privativos e, na área comum, sala de musculação, sala de TV com sofás, e cozinha toda equipada para preparação de receitas. Tem tudo isso, mas cada centímetro quadrado do local é vigiado pelas câmeras de segurança.

Por fim, de novo na Noruega, a prisão Halden é a mais humana e luxuosa do mundo. Tem biblioteca, estúdio de gravação de músicas e até uma parede de escalada. Os presos são mantidos com boa comida e café quente, e as celas possuem televisor, frigobar, e banheiro privativo, com belas vistas da floresta circundante. É prisão de segurança máxima já que abriga alguns dos piores criminosos, incluindo Anders Breivik, aquele que disparou contra uma multidão na capital norueguesa, matando 76 pessoas.

No Brasil, como se sabe, é diferente. As cadeias carecem de segurança, espaço e, principalmente, de condições, mínimas para esperar a recuperação de pelo menos alguns de seus detentos. São homens amontoados, contrariando uma velha lei da física, aquela que ensina que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço.

Pensando bem, com a prisão, em segunda instância, do deputado João Rodrigues, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva está às vésperas de um enorme problema: como enfrentará a vida nas penitenciárias brasileiras.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 14 de dezembro de 2017

TRIRICA, ERVA DANINHA

 

Semana passada, quando o deputado Francisco Everardo de Oliveira Silva foi à tribuna da Câmara pela vez primeira, não o fez para falar de projetos, mas para desistir deles – se é que em algum momento eles foram ao menos cogitados – mediante a renúncia que apresentaria em seguida.

Com sua fala simples, o deputado levou muitos à impressão de que ali estava um político diferenciado. Ao contrário de outro político antagonista da sintaxe, em nenhum momento pronunciou palavras ofensivas aos bons costumes. Não perdera, no entanto, o costume de tirar proveito das disposições legais. Tratava-se de um roteiro meticulosamente ensaiado! Eis a sinopse.

Pelo regimento interno da Câmara, para ter direito a aposentadoria o pretendente deve cumprir, pelo menos, um mandato mais três quartos do segundo mandato. Além disso, para conquistar a integralidade, há que ter discursado, ao menos uma vez, na tribuna daquela Casa. Apenas uma vez!

Pois exatamente naquele dia, pela primeira vez o deputado resolvera discursar. Uma pergunta se impõe: não seria mais fácil uma carta de renúncia? Ele, que em mais de dois anos não participara dos trabalhos legislativos, para que se expor naquele dia?

Eis o busílis da questão: o mandato do deputado era de inoperância total, não tinha serventia. A renúncia, por outro tem. Muita!

Com ela assume o ínclito José Genoíno, que passa a ter imunidade parlamentar, foro privilegiado e outros privilégios da casta política.

Assim, o deputado se aposenta, mostra-se um homem desprendido, e embora não haja registro a respeito, mesmo porque tais coisas não são registradas, talvez não precise trabalhar nunca mais.

Enfim o deputado Francisco Everardo de Oliveira Silva mostrou todo o seu talento como o palhaço Tiririca, há mais de vinte anos aclamado em todo o Brasil.

Mas pensando bem, tiririca é erva daninha. Palhaços somos nós.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 08 de dezembro de 2017

APRENDENDO COM A HISTÓRIA

 

Sabemos como aconteceu. Quando Páris foi a Esparta, apaixonou-se por Helena, ela por ele, e ambos fugiram para Troia. O rei Menelau, o marido abandonado, enfureceu-se, e decidiu atacar Troia com uma frota de mil belonaves, além do auxílio de Ulísses e grandes guerreiros como Aquiles, Ajax, Diomedes e Idomeneu. O cerco, que ceifou a vida de heróis como Heitor e Aquiles, durou dez longos anos.

Vivia-se um impasse. Ninguém entrava nas suas muralhas, ninguém saía.

Foi aí que entrou em cena a inteligência de Ulisses.

Os gregos fingiram bater em retirada embarcando nos seus navios, mas deixaram na praia um enorme cavalo de madeira. Os troianos então, decidiram levar para a sua cidade aquele despojo da pretensa vitória. À noite, porém, todos dormindo, os soldados gregos, que se escondiam dentro do cavalo de madeira saíram, abriram os portões, o exército invadiu a cidade, e assim Menelau recuperou sua bela Helena.

The end? Não!

O que recentemente foi esclarecido, é que os gregos receberam o troco. Experimentaram a Idade das Trevas, em que cidades inteiras eram arrasadas e deixadas para trás pelos Povos do Mar, que não eram outros senão os engambelados troianos, que avassalavam povos urbanos, transformando-os em povos rurais. A razia foi de tal magnitude que a cultura grega ficou quatro séculos – sim, quatrocentos anos – sem ter história escrita.

Nestes dias que transcorrem, o novo ano sequer começou, mas o assunto dominante é o xadrez eleitoral. Cabe ao eleitor, lembrar-se de que as urnas são autênticos cavalos de Troia. Sim, elas trazem em seu ventre a locupletacão, os maus costumes, os candidatos de má-fé, a conduta que diminui o Brasil aos olhos do mundo. Além do mais, pacíficos por índole não sabemos nos vingar. Como fizeram os Povos do Mar.

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 01 de dezembro de 2017

A BÍBLIA TINHA RAZÃO

 

São Mateus lembra que a vida não é feita somente de prazeres, mas também de tribulações. Quanto a isso parece não haver dúvida, pelo menos a julgar por um acontecimento de 1984.

Naquele ano, na ilha Achill, situada na Irlanda, uma praia chamada Dooagh, simplesmente desapareceu após fortes tempestades. É o que você leu. A praia sumiu, deixando em lugar da areia, pedras. Apenas pedras.

Passados 33 anos, os irlandeses já estavam esquecidos daquele outrora concorrido balneário, quando, em abril deste ano, centenas de milhares de toneladas de areia foram arrastadas de volta à costa durante uma maré de proporções tais que fez a praia renascer para os seus momentos de glória.

Com justa razão, os irlandeses estão empolgados com a novidade, já que reocupam um espaço privilegiado, tanto que tem causado engarrafamentos na ilha, tal o número de carros chegando de todos os lugares da Irlanda e do Reino Unido em busca de conhecer a velha Dooagh, a mais nova praia do mundo.

Está feita a festa dos saudosistas. Eles que sempre rememoravam com melancolia os dias em que ainda jovens haviam fruído as delícias do lugar, agora estão exultantes. O turismo irlandês, por sua vez, que tinha cinco praias com o certificado de qualidade ambiental, passa a ter, se a natureza concordar, é claro, sexta.

Enquanto se busca explicar o ressurgimento da praia, fenômeno que pretensamente vai da mudança na posição da fonte de sedimentos a possíveis alterações nas características das ondas da região passando por uma mudança nas condições ambientais, os irlandeses estão gozando a sua maravilha ressuscitada após ser engolfada pelo mar 33 anos antes.

Pensando bem, no momento em que tantas das nossas praias vêm sendo tragadas pelo mar, seria muito bem-vinda a devolução das nossas brancas e finas areias.

Afinal, se Mateus escreveu que depois da tempestade vem a bonança, há de tê-lo feito com a autorização de Deus. Ora, sendo Ele brasileiro, como costumamos dizer, não será muito difícil resolver o problema.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 28 de novembro de 2017

SEGOVIAS

 

Segovia (Andrés Segovia) foi primeiro marquês de Salobreña, na Espanha, mas não foi por isso que se celebrizou. Tido como o “Pai do Violão Moderno”, dizem-no haver resgatado o instrumento das mãos dos ciganos flamencos, armando um repertório clássico que tirou o violão das esquinas para as salas de concerto, e trocado os trajes despojados pelo elegante rigor. Basta dizer que, com o transcorrer do tempo, diversos compositores eruditos consagrados fizeram obras especificamente para ele, a exemplo de Turina, Villa-Lobos e Castelnuovo-Tedesco, enquanto o maior violoncelista do mundo, Pablo Casals, era um dos grandes admiradores da sua arte.

Amante do instrumento desde os aos quatro anos de idade, quando tangia as cordas de um violão ainda imaginário, adulto ele o elevou concretamente, ao status do piano e do violino.

Aos dezesseis anos vieram suas primeiras apresentações e o primeiro concerto profissional, em que tocou transcrições de Francisco Tárraga e algumas obras de Bach.

O violão começava a ganhar o mundo, deixara de ser visto exclusivamente como popular, mas sim como um instrumento qualificado para tocar também música erudita.

Vieram turnê pela América do Sul, apresentações em Londres, Paris, Moscou e outras cidades europeias…
Segovia (Fernando Segovia) é o novo diretor geral da Polícia Federal.

Da mesma forma que o Segovia (Andrés) foi incansável na elevação do instrumento musical, Segovia (Fernando Segovia) assegura que, com o instrumento legal, realizará um combate incansável à corrupção, esse flagelo que enlameia o Brasil.

É o que se espera.


Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 26 de novembro de 2017

FORA, FORO PRIVILEGIADO!

Ainda que os ministros favoráveis ao disciplinamento do foro especial sejam maioria, este tema tão palpitante continua em aberto. O ministro Dias Toffoli pediu vistas ao processo, arrefecendo a votação que pode nos livrar de um aviltante privilégio dos nossos políticos e mandatários. Mesmo assim, o STF pode derrubar esse achincalhe, bastando, para tanto, que o povo o exija e mostre claramente ter consciência da força que possui.

O prêmio da revogação desse dispositivo que escarra na face da Justiça ao ferir o preceito de que todos são iguais perante a lei, pode se materializar no justo e almejado desejo de que mais políticos corruptos não continuem a escapar dessa Justiça, inaugurando um Brasil que verdadeiramente combate a corrupção, desgraça brasileira da qual vivem fora do alcance legal mais de 37 mil políticos!

O Brasil, convenha-se, é implausível. Ora, se no transcorrer das campanhas eleitorais os candidatos apregoam a honestidade que todos – sem exceção – possuem, por que após eleitos os senhores deputados e senadores não aceitam livrar a Nação de um privilégio espúrio, que depõe contra a nossa decência, ao revelar que o Brasil é o país com o maior número de pessoas em todo o mundo, beneficiadas pelo foro privilegiado!

São pessoas que levam a mais de um ano para serem rés, enquanto que na Justiça ordinária o procedimento dura apenas 48 horas.

Mas qual é a diferença entre um maltrapilho que bate a carteira de alguém e foge, e um engravatado que no conforto do seu gabinete rouba as verbas destinadas à saúde, à educação e à segurança?

A diferença é clara. O segundo malfeitor é ainda mais danoso. Afinal, ao roubar as verbas matam pessoas com doenças evitáveis, por procedimentos resultantes da ignorância, e pela insuportável falta de segurança, tornando-se, além de ladrões, assassinos.

Fora, foro privilegiado!


Marcelo Alcoforado - A Propósito segunda, 06 de novembro de 2017

O PODER DESPUDORADO

Frank Underwood é um ambicioso congressista norte-americano. Calculista, frio, vingativo, ele foi traído pelo presidente que ajudou a eleger, e isso não vai ficar assim. Com a ajuda da sedutora esposa, de uma jornalista ambiciosa e de um político alcoólatra, ele age para enfraquecer seus adversários políticos e, em um futuro próximo, conquistar a almejada presidência dos Estados Unidos.

A luta de Frank Underwood em busca do seu destino tem trazido muitos benefícios à audiência da Netflix, que vinha exibindo as peripécias do político, mas agora, após seis anos de apresentação será esta a última temporada da série House of Cards.

A decisão, comenta-se, teria sido tomada por denúncia de assédio sexual contra o ator Kevin Spacey, o intérprete de Frank Underwood, que teria molestado o também ator Anthony Rapp quando este ainda era adolescente.

Sabe o que acontecerá em consequência de uma medida dessas?

Surgirá uma oportunidade ímpar para o Brasil mostrar seu valor. Ao se ver privado das traquinadas de Frank Underwood, que não passa de mera ficção, o telespectador brasileiro tenderá a abandonar o “streaming”, transferindo, desta forma, a audiência não só para a televisão, mas para diversos meios de comunicação brasileiros.

Pense na emoção: em lugar dos monótonos malfeitos do congressista ficcional, lances emocionantes de uma casta real, que enriquece à sombra do mandato conferido pelo povo, voltando-se contra este mesmo povo para ludibriá-lo.

Enquanto na Netflix a ficção tem “The End”, no Brasil, mais pujante do que nunca o “reality show” do desavergonhamento continuará a ser mostrado, ao vivo e em cores, com cenas tragicômicas como a de um deputado saracoteando com uma maleta contendo R$ 500 mil reais ou estarrecedoras caixas de dinheiro vivo localizadas em um apartamento desocupado em um subúrbio de Salvador.

Para ver esse show cotidiano, basta, a qualquer hora, ler jornal ou revista, sintonizar qualquer emissora de rádio ou de televisão, ou ainda acessar os portais noticiosos da internet.

E o que é pior, em vez de ficção tudo baseado em fatos reais.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 31 de outubro de 2017

AH! COMO É REPETITIVA A HISTÓRIA

Desculpe o lugar-comum, mas, como você sabe, para Karl Marx a história se repetia primeiro como tragédia e depois como farsa. Fosse ele contemporâneo da política brasileira, veria que aqui ela se sucede obstinadamente como farsa a caminho de uma tragédia. As vitórias sucessivas dos protagonistas dessas comédias sem graça são demonstrações seriíssimas de como um país não deve ser conduzido.

A votação da semana passada, por exemplo, em que o governo obteve votos bastantes para estancar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República bem diz o que é a nossa realidade. A vitória do presidente Michel Temer na Câmara custou a bagatela de R$ 45 bilhões que nós vamos pagar. Mais vitórias dessas, o Brasil estará aniquilado. Serão nada mais do que vitórias de Pirro, expressão nascida quando o exército de Pirro, rei do Épiro, venceu as legiões romanas nas batalhas de Heracleia e Ásculo.

A vitória fora importante, mas levara à conclusão de que outra vitória como aquela arruinaria o rei completamente. De fato, Pirro perdera uma parte enorme das suas forças, inclusive quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes; não havendo outros homens para formar novos recrutas. Por outro lado encontrou seus aliados na Itália recuando.ao passo que os romanos preenchiam rapidamente a necessidade de novos soldados, todos sem deixar sua coragem ser abatida pela perda que haviam sofrido mas, sim, extraindo da própria derrota força para prosseguir na guerra.

Apesar de tantas menções à guerra, a expressão “vitória de Pírro” não é aplicável exclusivamente em contexto militar. Usa-se também em economia, justiça, literatura, arte, esporte, política e tanto mais para descrever luta similar, dessas prejudiciais ao vencedor.

A propósito, porque a história se repete, aconselha-se ter em mente que, mesmo sem nenhum interessado em derrubar o governo, um presidente que só tem frágeis 7% de aprovação está sob permanente ameaça. Em outras palavras, tem uma espada de Dâmocles sobre a cabeça, segura por apenas um fio de crina da cauda de um cavalo, em uma alusão à insegurança dos que detêm poder que lhes pode ser tomado sem delongas, quando conquistado de forma sufragânea.

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 19 de outubro de 2017

A ABSOLVIÇÃO

Entre as quatro paredes do Senado tudo é permitido, disso estão convictos os nossos egrégios senadores. Por razões óbvias, todas as vezes que tal plenipotência é contrastada, as desavenças dão lugar à ação conjunta para restabelecer as fronteiras de cada, digamos, “nação’. É o caso do senador Aécio Neves, um homem que, ontem, teve de volta o seu mandato senatorial, por decisão do Senado.

Como tudo começou já é sabido. O Supremo Tribunal Federal decidiu cassar-lhe o direito de frequentar a Casa senatorial – o que na prática seria cancelar o mandato – e ainda o instruiu a abrir mão dos prazeres noturnos, estivessem eles em Brasília, em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

O fato é que, dono de indiscutível talento, ele iludiu 51 milhões de eleitores prometendo-lhes um governo probo quando, em verdade, parecia ter para o País um governo oprobrioso.

Condenar Aécio Neves pela doação, empréstimo, propina, subtração ou seja lá o quê, seria condenar-se. As práticas são as mesmas, ora, e têm uso intensivo na vida política nacional, presente nas campanhas que vão de vereadores de cidades quase inexistentes à disputa da presidência da República.

Foi aí que, “com movimentos espiralados, a suína criatura contorceu o apêndice pós-anal que encerra a porção terminal da coluna vertebral” ou, para dizer mais claramente, foi aí que “a porca torceu o rabo”.

A Praça dos Três Poderes tremeu. As ogivas carregadas com megatons de arrazoados cruzavam os céus brasilienses, que naqueles dias mais se assemelhavam a Pyongyang esperando uma guerra total. Muito barulho por nada, diria Shakespeare.

Restabelecido o mandato do senador Aécio Neves, ficou estabelecido que qualquer medida cautelar envolvendo deputados e senadores deverá ter o “nihil obstat” do poder Legislativo.

Se tem que se submeter ao crivo do Legislativo, para que envolver o Judiciário que, na prática, teria, em lugar de uma atuação soberana, uma importância meramente sufragânea?

Tem mais uma coisa: será que, se a moda pegar, qualquer hora dessas o senhor Luiz Inácio pleiteará que as sentenças passem pelo crivo do PT?


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 28 de setembro de 2017

LULA, O JURISCONSULTO REDIVIVO

Semana passada o juiz federal Valisney de Oliveira, titular da Décima Vara em Brasília, tornou réu o senhor Luiz Inácio da Silva, pela venda de medida provisória prorrogando incentivos fiscais para a indústria automobilística. Mais do que debilitar o Erário e trazer as indesejáveis consequências, a desmedida medida provisória ressuscitou – espera-se que também provisoriamente – o jurisconsulto do ABC, como ao ex-presidente Luiz da Silva se referia o jornalista Zózimo Barrozo do Amaral.

O hermeneuta não se fez esperar. Logo interpretou, com sua notória sapiência, os motivos da decisão em seu desfavor.

Como fulcro de seu parecer, ele arguiu o analfabetismo político dos delegados federais, observação feita diretamente ao delegado Leandro Daiello, diretor da Polícia Federal, embora admitindo que às vezes, pelo menos às vezes, surgem jovens bem intencionados e bem formados, mas que logo passam a se imaginar julgadores do mundo.

Mas, data vênia, também não será ele um pretenso julgador?

Ora, além de repetir ad nauseam, que eles (os que lhe são contrários) jogam lama nas pessoas e depois não conseguem pedir desculpas, porque pedir desculpas é uma palavra grande, concluiu, sem se dar conta de que ‘pedir desculpas’ contém duas palavras e não uma, que só pede desculpas e reconhece seus erros quem tem grandeza e não é todo mundo que tem grandeza.

Para coroar a fala ex-presidencial, veio, então, consubstanciado em pouquíssimas palavras, o douto parecer sobre a Medida Provisória: Essa da Medida Provisória é a excrescência da excrescência da excrescência.

O nascimento da ciência jurídica dorme na noite dos tempos, mas, mesmo assim, frase tão inspirada nunca foi dita. O direito brasileiro está enriquecido.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 21 de setembro de 2017

DODGE E LAVA-JATO

Um e outro muito têm em comum. Complementam-se. E se antagonizam. Complementam-se quando no aspecto estritamente automobilístico, antagonizam-se quando os termos dão nome às relações entre a Operação Lava-Jato e uma perigosa quadrilha que se assenhorou do Brasil. Os termos, pois, servem para abordar a ação do que resta de honesto na vida pública brasileira. Até mesmo muitos dos carros que circulam no país poderão servir de lembretes repetidos à exaustão de que a Operação não pode morrer.

Ao passar na frente de uma igreja, por exemplo, cada cidadão deverá lembrar-se que enquanto do lado de Ka alguém reza, do lado de lá Mercedes-Benz. Ou sempre que Cruze as ruas, considerar que o pavimento poderia ser melhor, não fossem os desvios de verbas. Ao escolher joias, por exemplo, diante de peças de Onix e Opala, lembrar-se dos carros e, consequentemente, da Lava-Jato.

Terminou? Ainda não. São muitas as lembranças, como diria famoso cantor brasileiro…

Digamos que você vai ao estádio, o time do seu coração vaza a meta adversária no último segundo da partida e, em uma explosão de alegria você grita Gol! a plenos pulmões. Gol também é carro, e carro vai a lava-jatos…

No outro dia, feliz pela vitória do seu time você vai visitar seus clientes, e um deles é o senhor Benedito Mendonça Wanderley. Sabe como ele assina os documentos internos da empresa? Com as iniciais do seu nome: BMW que, aliás, é marca de carro e carro lembra que a Operação Lava–Jato existe e é pelo desempenho à frente dela que o Brasil reconhecerá a potência, a velocidade, a segurança da procuradora-geral Raquel Dodge.

Tratando-se de mulher preparada, experiente e Captiva da lei, você pode ter a certeza de que ela já abraçou a Idea de dedicar seu Tempra a combater sem tréguas a pilhagem que tem assolado o país. Decerto ela acumulará sucessos, e o povo brasileiro fará a Fiesta. Ao menos insistindo na lembrança de que a pilhagem deve ser duramente combatida.


Marcelo Alcoforado - A Propósito segunda, 18 de setembro de 2017

UM ARTIGO DE MARCOS SCHNEIDER

Os dias são sombrios. Chove sobre o Brasil, mesmo quando faz sol abrasador. É chuva de escândalos, de desfalques, de impudência, de desvergonhamento. É tempo, pois, de ler ou reler as sábias palavras do geógrafo Marcos Schneider.

* * *

Diferença entre as Nações Pobres e Ricas não é a Idade da Nação. – Marcos Schneider

Isto pode ser demonstrado por países como Índia e Egito, que têm mais de 2000 anos e são países pobres ainda. Por outro lado, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que há 150 anos atrás eram insignificantes, hoje são países desenvolvidos e ricos.

A diferença entre a nação pobre e rica não depende também dos recursos naturais disponíveis.

O Japão tem um território limitado, 80% montanhoso, inadequado para a agricultura ou agropecuária, mas é a segunda (terceira) economia do mundo. O país é como uma imensa fábrica flutuante, importando matéria-prima de todo o mundo e exportando produtos manufaturados.

Segundo exemplo é a Suíça, onde não cresce cacau mas produz os melhores chocolates do mundo. Em seu pequeno território ela cuida de suas vacas e cultiva a terra apenas por quatro meses ao ano, não obstante fabrica os melhores produtos de leite. Um pequeno país que é uma imagem de segurança que se tornou o banco mais forte do mundo.

Executivos de países ricos que interagem com seus homólogos dos países pobres não mostram nenhuma diferença intelectual significativa.

Os fatores raciais ou de cor, também, não têm importância: imigrantes fortemente preguiçosos em seus países de origem, são altamente produtivos em países ricos da Europa.

Então, qual é a diferença?

A diferença é a atitude das pessoas, moldadas durante muitos anos pela educação e cultura.

Quando analisamos o comportamento das pessoas dos países ricos e desenvolvidos, observa-se que a maioria obedece à Ética como princípio básico, à. Integridade, à Responsabilidade, ao Respeito pela legislação e regulamentação, ao respeito da maioria dos cidadãos pelo direito, ao Amor ao trabalho, ao Esforço para poupar e investir, à Vontade de ser produtivo, à Pontualidade.

Nos países pobres, uma pequena minoria segue esses princípios básicos em sua vida diária.

Não somos pobres porque nos faltam recursos naturais ou porque a natureza foi cruel conosco.

Somos pobres porque nos falta atitude. Falta-nos vontade de seguir e ensinar esses princípios de funcionamento das sociedades ricas e desenvolvidas.

Estamos neste estado porque queremos levar vantagem sobre tudo e todos.

Estamos neste estado porque vemos algo feito de forma errada e dizemos – “não é meu problema”

Deveríamos ler mais e agir mais! Só então seremos capazes de mudar nosso estado presente.

(Se você não encaminhar esta mensagem nada vai acontecer com você. Seu animal premiado não vai morrer, você não vai ser demitido de seu emprego, não vai ter azar por sete anos, nem vai ficar doente. Mas, se você ama seu país tente fazer circular esta mensagem para que o máximo número de pessoas reflita sobre o assunto).


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 12 de setembro de 2017

O DESFILE DA INDEPENDÊNCIA

A parada militar deste Sete de Setembro não registrou, como é de costume, aplausos para as nossas Forças Armadas. Desta feita eles foram dedicados à Polícia Federal, com merecimento, diga-se, embora com a ressalva de que Exército, Marinha e Aeronáutica continuam a merecer o aplauso dos brasileiros.

Por que, então, as palmas para a Polícia Federal?

Elementar, meu caro leitor, diria este borra-papéis, se fosse Sherlock Holmes. Simplesmente porque, na verdade, ela tem mostrado, de modo inequívoco, que o braço da lei, longo e forte, alcança a todos, e não mais adianta perguntar ao policial se ele sabe com quem está falando. Sabe, sim, e muito bem, tanto que já chega com as algemas à mão, levando muitos dos que se acreditavam acima dos incômodos braceletes a varar noites insones, pensando no que poderá vir com o alvorecer…

A propósito, recentemente circulou na internet imagem de página do jornal Zero Hora, o maior do Sul brasileiro, edição de 11 de março de 1983, noticiando que o então presidente do Brasil, general João Batista Figueiredo, recusara ser o país sede da Copa do Mundo de 1986. É fato. E para responder a João Havelange, o presidente da Fifa, que fora a Brasília levando-lhe a proposta, ele só precisou fazer três perguntas ao interlocutor:

Você conhece uma favela do Rio de Janeiro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?

Mais não disse. Nem precisava.

O tempo mostrou que o general tinha razão.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 29 de agosto de 2017

TEMERIDADE

Em meio às tantas decisões que tem tomado, muitas plausíveis, o presidente Michel Temer resolveu retirar a proteção às áreas verdes. Os protestos se sucedem, há indignação em todos os estratos sociais, os pensamentos se voltam para a Amazônia com a sua rica biodiversidade. O que será dela? Como ficará a maior floresta tropical da Terra? Ora, se com proteção é a cada dia mais dramático o desmatamento, como será sem as amarras legais?

O passado talvez tenha a resposta.

Na primeira metade dos anos 1700, quando os europeus chegaram à Ilha de Páscoa, então Rapa Nui, quase não encontraram seres humanos. O que teria acontecido?

Estudando o que sobrara da vida naquela ilha, os restos de pessoas, animais e plantas, constataram que fundamentais fontes de alimentos eram o mar e os vegetais. Mas como plantar e colher naquela natureza árida? O mar, por acaso, ficara sem peixes? Claro que não.

A resposta mais acatada na comunidade científica é que os nativos morreram de inanição. Para fazer os moais, as esculturas gigantes, eles simplesmente devastaram todas as árvores existentes. O resultado é que o solo ficou erodido e em consequência eles não tinham como plantar, não podendo plantar árvores não podiam fazer canoas, e não tendo canoas não poderiam pescar.

É óbvio que não se busca estabelecer paralelo entre Rapa Nui e a Amazônia, mas, de qualquer maneira, liberar a exploração daquele rico território do Brasil é uma temeridade.

Temeridade! É isso mesmo!

"


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 23 de agosto de 2017

UM DIA NA VIDA DO BRASILINO

No começo dos anos 1960, circulava um opúsculo em que o protagonista se chamava Brasilino, um brasileiro néscio que supunha ser dele, tudo o que, na verdade, era das multinacionais que exploravam o Brasil. Do despertar ao dormir, ele dava lucros às multinacionais.

Ocorre que Brasilino despertou de um longo sono, está mais vivo do que nunca, e tem uma nova história a contar. Para começar, ele é rico, muito rico. É dono, como todo brasileiro, de fortuna incomensurável em ouro, prata, metais estratégicos, petróleo, pedras preciosas, biodiversidade e dezenas de outras riquezas. Dizem até que o país é abençoado por Deus que, não por acaso, é brasileiro.

Ocorre que Brasilino está cercado de más companhias, que vivem a dilapidar o seu patrimônio. Ouro, prata, metais estratégicos, petróleo, pedras preciosas, qualquer coisa que se transforme em dinheiro serve, embora o melhor mesmo seja depósito bancário em algum paraíso fiscal.

Assim, ano após ano, Brasilino vai ficando mais pobre, e para se manter gasta um dinheiro que não tem. O que faz ele? Recorre aos bancos, endividando-se a cada dia mais.

Mas não tem problema, pensa ele. Vende-se ao truste internacional aquela fábrica, aquele banco, aquela mineradora… Qual é a dificuldade, se temos tanto a vender? São portos, aeroportos, indústrias, minas, hidrelétricas… Agora mesmo, o governo federal está pensando em vender a Eletrobrás, incluindo a Chesf.

Vender, por si, não é um problema, já que, como está provado copiosamente, o governo é péssimo gestor. As empresas geridas por ele sempre resultam em cabides de emprego, moeda importante no mercado eleitoral. E os prejuízos logo chegam, é lógico. Enquanto isso, as privatizadas prosperam, dão lucros, recolhem impostos. É só comparar a Vale de ontem à de hoje. O problema é que ao vender o patrimônio e continuar esbanjando o dinheiro, chega o dia em que não se tem patrimônio nem dinheiro. O que será feito, então, deste país?

Que se venda patrimônio, sim, para eliminar o défice, mas que não se criem outros défices. Exaurido, Brasilino precisa fugir do círculo vicioso do vender, gastar, vender mais, gastar… entretanto os famélicos parlamentares querem mais despesas. Agora mesmo, pretendem obter do acuado governo cerca de R$ 8 bilhões para aplicação em um poço sem fundo chamado Fundo de Financiamento para a Democracia. A propósito, qual será o benefício para os duzentos milhões de Brasilinos? Eleições limpas? Transparência? Dignidade?

Ora democracia…


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 11 de agosto de 2017

PRODIGALÍSSIMOS MILAGRES

Muitas vezes, fé demais (o cacófato é intencional) não cheira bem. Torna-se razão de desconfiança. A proliferação de igrejas e a consequente avalanche de milagres, por exemplo, do jeito que as coisas vão chegará o dia de sobrar templos mas faltar fiéis.

Na pouco falada Igreja Plenitude do Trono de Deus, diga-se, as promessas de paraíso – e não necessariamente o paraíso celeste – se sucedem ante um simples toque no pé da augusta bispa Ingrid Duque, mulher do apóstolo Agenor Duque que, segundo se propala, já teria ressuscitado uma pessoa. Trata-se do líder espiritual daquela igreja, etéreo embora sempre atento aos assuntos terrenos, como o Ferrari e o jato particular que possui.

Daí, sempre que os seguidores buscam soluções para os seus problemas o milagre tem seu preço. Afinal, alguém já sentenciou que templo é dinheiro, e para o rogo do milagre alcançar o Todo-Poderoso há que ter muita fé, mas, por via das dúvidas, também dinheiro.

Para tal, sentada numa poltrona a bispa deixa os pés ao alcance do seu rebanho, lembrando que para alcançar a graça basta o fiel tocar no seu (dela) pé descalço mas, que a fórmula só funciona com uma oferenda mínima de R$ 100,00.

Curioso é que os sagrados pés bispais estão edemaciados, apesar de ela garantir não ser problema renal, mas apenas retenção de líquidos, calor ou talvez gordura localizada. Não estariam eles intumescidos de curas? Afinal, capaz de curar dor de cabeça, enxaqueca e até impotência, a bispa é a panaceia universal.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 09 de agosto de 2017

HÁ SINCERIDADE NISSO?

Somando-se ao valioso patrimônio representado pela língua portuguesa, as legiões romanas nos legaram também deploráveis exemplos. Um deles é que em Roma Antiga, ao cinzelar o mármore os escultores, por mediocridade ou desonestidade, ou por associação dos dois defeitos, corrigiam as trincas e outras imperfeições do material ou do artesão valendo-se de uma cera especial que escondia os defeitos das estátuas, deixando-os imperceptíveis para a maioria dos compradores.

Ocorre que não se enganam os consumidores todo o tempo, e logo eles foram percebendo as imperfeições, concluindo que se tratava de uma escultura cum cera.

Os escultores talentosos e honestos, por seu turno, faziam questão de assegurar que suas estátuas eram sine cera, ou seja, perfeitas, sem defeitos ocultos. E eram. Dos contrastes de dois tipos de escultores, pois, vieram as expressões latinas – cum cera e sine cera – dando origem à palavra sincera.

Mas por que esta divagação etimológica? – você, com razão, há de querer entender.

Explique-se: o deputado paraense Wladimir Costa, aquele que comemorou com champanhe o impeachment de Dilma Rousseff tatuou no ombro o sobrenome do presidente da República em conjunto com a bandeira verde-amarela. Logo surgiram os que a reputaram cum cera, enquanto outros asseguraram ser sine cera.

A discussão não bastou para dirimir a dúvida, requisitando-se a opinião do mais afamado tatuador de Brasília, que sentenciou não ser cum cera nem sin cera, mas cum hena, um processo delével.

Fica algo a ponderar: terá um deputado que dedica o seu tempo à bajulação consciência da importância do seu mandato? A resposta sin cera é não.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 01 de agosto de 2017

AGOSTO

Não, o assunto não é o célebre romance de Rubem Fonseca. É o mês que começa amanhã, para muitos aziago. De péssima reputação, pois. Dizem-no até ser o mês em que as bruxas andam soltas. A sabedoria galega, porém, assegura não crer em bruxas, embora elas existam – Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay. Como cautela não faz mal a ninguém, se você examinar um calendário de efemérides vai encontrar em agosto acontecimentos nada a gosto. Quer ver? Passeemos aleatoriamente pelo tempo e pelo mundo.

 

Para começar, 6 de agosto foi o dia em que o mundo conheceu o pesadelo nuclear. Hiroshima foi reduzida a escombros. E se você pensar que aquela bomba que matou instantaneamente quase cem mil pessoas é, comparada às existentes nos arsenais das grandes potências, o equivalente a um prosaico fogo junino…

Em compensação, em agosto, de 1709, o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão criou o primeiro balão inflado a ar quente. Já em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola, ocorreu o massacre de Badajoz, em que quatrocentas pessoas foram mortas em repressão aos republicanos. Em 1914 foi inaugurado o Canal do Panamá, ligando o Atlântico ao Pacífico, para promover o desenvolvimento do comércio internacional.

Agosto de 1572 marcou o início do massacre da Noite de São Bartolomeu, em que foram mortos cerca de cem mil protestantes. Agosto marcou também o enfarte fulminante de Agamenon Magalhães, a renúncia de Jânio Quadros, e o suicídio de Getúlio Vargas, momentos em que o clima político do país se tornou sombrio.

Nem tudo é imperfeito, no entanto. Foi em agosto de 1911 que a Mona Lisa foi roubada, mas em 1913 resgatada. Foi também em agosto, de 1592, que, como a provar que elas existem, aconteceu um dos julgamentos das Bruxas de Salem. E para terminar, foi em agosto de 1774 que o cientista britânico Joseph Priestley casualmente descobriu o oxigênio. Ao recolher o gás proveniente de uma reação química que ele provocara, notou que a respiração ficava mais fácil com o gás.

Por falar nisso, é imprescindível oxigenar o Brasil. O mau cheiro está sufocante.


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 25 de julho de 2017

UM BRASIL CONTRASTANTE. AINDA BEM.

Ainda bem que existe um Brasil sem esses saqueadores empanturrados de dinheiro, essa chaga a cada dia mais purulenta.

Pena ser somente nas camadas dos menos favorecidos, dos joões-ninguém, dos sem eira nem beira, dos sem representatividade, que se encontram os melhores exemplos. Mesmo diante de tantas dificuldades cotidianas, frequentemente se verificam atitudes que dignificam o ser humano.

Um modesto mecânico cearense, por exemplo, nos dá uma importante lição. Seu nome, José Ewerton Ribeiro, um anônimo, não corresse em suas veias um raro tipo de sangue, denominado Bombaim ou Falso O.

Há alguns dias, ele, lutador de jiu-jitsu, quase fazia uma tatuagem, mas pouco antes de fazê-la lembrou-se de que, como doador, especialmente de um sangue tão raro, estaria impedido durante um ano de fazer nova doação. E se alguém precisasse dele? – pensou. Parecia estar pressentindo algo.

Semana passada, alguém precisou. Alguém cuja vida, ainda no início, estava prestes a ser ceifada pela necessidade urgente do sangue Falso O, sim, o mesmo raro tipo de sangue do cearense José Ewerton Ribeiro, aquele que abrira mão do seu desejo de ser tatuado.

José Ewerton foi localizado pela Opas – Organização Pan-Americana de Saúde, a colombiana Ana Sofia, de apenas quinze meses de vida, recebeu a transfusão e, em um final feliz, foi salva. Um brasileiro pôde retribuir, enfim, a solidariedade de um povo que muito fez por nós quando do desastre da Chapecoense e que nos dá ainda mais, transmitindo uma valiosa lição: Medellín, cidade onde vive Ana Sofia, outrora tão marcada pela violência, hoje é dedicada a festejar a vida.

Enquanto isso, no Brasil, a sede continua. Não a do benfazejo Falso O, mas a do fim dos falsos salvadores da pátria, dos falsos honestos, dos falsos heróis, enfim, que com sua impostura têm sugado o sangue dos brasileiros que trabalham honestamente e fazem o bem.

Como José Ewerton Ribeiro, o modesto mecânico do Ceará.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 13 de julho de 2017

REGOZIJAI-VOS, SENHORES LARÁPIOS

É simplesmente estarrecedor! Segundo o jornalista Gilberto Prado, quase todos os 513 deputados federais do Brasil, estariam sendo investigados. Quer mais? Dos 39 ainda ministros, 4 também estariam sob investigação. Não para aí. Dos 81 senadores, 78 estariam monitorados. E para complementar números tão imorais, há 2 ex-presidentes investigados e, o que é ainda mais dramático, um presidente, em pleno exercício de suas funções, acusado de corrupção pelo procurador-geral da República!

Curiosamente, neste instante o efetivo da Polícia Federal dedicado à Operação Lava- Jato sofre uma rigorosa redução, o que, para os procuradores daquela Operação é um retrocesso, já que prejudica as investigações e dificulta o prosseguimento do trabalho com o mesmo padrão de eficiência verificado até agora.

Só como exemplo, dizem os procuradores que são milhares de documentos carecentes de análise e que assim permanecerão por longo tempo, a clamar que o fim do grupo exclusivo da Lava-Jato não contribuirá para priorizar ainda mais as investigações. Dizem mais, que a ausência de exclusividade na Lava Jato prejudica a especialização do conhecimento e da atividade, o desenvolvimento de uma visão do todo, a descoberta de interconexões entre as centenas de investigados e os resultados, o que parece evidente. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, basta de hipocrisia. Não há mais espaço pra a apatia. Ou caminhamos juntos contra essa vilania que abastarda a política ou estaremos condenados a uma eterna cidadania de segunda classe, servil e impotente contra aqueles contra aqueles que deveriam nos representar com lealdade.

Enquanto isso, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, sapientíssimo, declara que a Operação Lava-Jato é uma ameaça à democracia, na medida que está desfazendo a classe política.

Não, ministro. Suas palavras estão ultrajando a verdade. Não é a Operação Lava-Jato que está desfazendo a classe política, mas própria classe política. Quer um exemplo?

Voltemos ao começo desta conversa: são quase 513 deputados, 4 ministros,79 senadores, 2 ex-presidentes investigados e, para finalizar estatísticas tão vergonhosas, o presidente da República é acusado de corrupção.

Com números tão gritantes, dá para acreditar que são, mesmo, os procuradores da Lava-Jato as ameaças a democracia?


Marcelo Alcoforado - A Propósito terça, 11 de julho de 2017

UMA GUERRA SINGULAR

 

Os que têm olhares cúpidos para a Amazônia revelam preocupação com o propósito brasileiro de ampliar a exportação de dendê. Para os sábios do jornal inglês The Guardian, a floresta amazônica corre grande perigo ante o nosso possível protagonismo na exportação do fruto.

Esclareça-se, desde já, que o uso do dendê não se atém às fronteiras amazônicas nem aos limites culinários do acarajé e conexos. Ele é importante na produção de sabão, vela, graxas, lubrificantes, nas indústrias siderúrgica, farmacêutica e cosmética, colaborando, neste caso, para deixar as mulheres ainda mais bonitas, o que é por si um bem para o meio ambiente. O problema é que a terra apropriada para o cultivo do dendezeiro está exatamente na Amazônia, uma região que, segundo os poderosos, pertence à humanidade e não exclusivamente do Brasil.

Aí, a questão do dendê traz à lembrança uma história correlata.

Nos primeiros anos do século 20, a superpotência do mundo era a Inglaterra. As disputas, no entanto, cresciam, e a Alemanha buscava a hegemonia marítima, além de querer, a qualquer custo, uma redistribuição das colônias da África. Acendeu-se, então, o estopim da Primeira Guerra Mundial.

Sim, mas o que têm a ver a Primeira Guerra e o dendê? ─ você pode estar perguntando, com razão.

É que naquela quadra da história mundial, ao partir para a guerra os oficiais ingleses avaliavam que sob o calor da África Oriental iriam derreter que nem sorvete, valendo à conflagração o apelido de A guerra do sorvete. Aqui, sem guerra e sem violência, lembra-se aos povos cobiçosos que o calor amazônico também é grande e azeite de dendê, em excesso, causa idas sucessivas ao banheiro.

Neste caso, teremos uma guerra escatológica e não – desculpe a forma tão direta – e não a guerra do sorvete, mas a guerra do tolete.

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Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 05 de julho de 2017

A PÁTRIA

Olavo Bilac, com intromissões deste colunista

O poeta Olavo Bilac, um dos mais significativos representantes do Parnasianismo brasileiro, tem A Pátria como um os seus poemas mais aplaudidos.

Nele, o autor fala de um Brasil de outros tempos, e não destes em que vivemos, razão por que, como meros instrumentos de atualização, introduzimos adaptações em alguns versos, mais condizentes com este país vilipendiado em que vivemos.

Ama, com fé, embora sem motivo para orgulho, este Brasil em que nasceste!
Criança, não verás nenhum país como este!
Aqui verás que céu! que mar! que rios! que floresta!
E um grupo de gente desonesta a surrupiar a Pátria!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
E a sociedade boquiaberta diante de tanto desalinho
É um seio de mãe a sangrar pela ausência de carinho.

Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
E uma quadrilha de brasileiros desonestos
Vê que grande extensão de matas, onde imperava
Fecunda e luminosa, a primavera!
E hoje não é mais que uma quimera
É só uma terra que nega tudo a quem trabalha
Mesmo o pão que mata a fome e o teto que agasalha…
Quem com o seu suor a umedece,
Sem ver pago o seu esforço, sem ser feliz, enquanto o ladrão enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Não imita a mesquinhez da terra em que nasceste!


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 30 de junho de 2017

DODGE EM LUGAR DE TRATOR

Justiça seja feita. Nos últimos anos o Ministério Público Federal tem se mostrado operoso, sem temer os ricos e poderosos. Sob o comando de Rodrigo Janot, porém, há que se reconhecer, mais do que antes intensificou-se de forma destemida o combate à corrupção. Chegou ao ponto de arrostar o presidente da República, isto em um regime presidencialista, especialmente no presidencialismo brasileiro que, como se sabe, é imperial. Amparado na lei, contudo, à qual estamos todos submetidos, ele acusou o presidente Michel Temer ao Supremo Tribunal Federal, por corrupção passiva.

No próximo setembro, quando terminará seu mandato, Rodrigo Janot será substituído por Raquel Dodge. O nome lembra carros confortáveis, mas a julgar pelas palavras da nomeada, não se deve esperar tratamento ameno da parte dela, assegurando um “compromisso de integral e plena continuidade do trabalho contra a corrupção da Lava-Jato, Greenfield, Zelotes e todos os demais processos em curso, sem recuar nem titubear”

Atual subprocuradora-geral, Raquel Dodge será a primeira mulher a comandar o Ministério Público Federal. Espera-se que a mudança seja para melhor, e que contribua para pôr o Brasil no caminho da decência e da igualdade de direitos e deveres. 

 


Marcelo Alcoforado - A Propósito segunda, 26 de junho de 2017

O BRASILEIRO MISTERIOSO QUE SUPEROU O HERÓI FRANCÊS

Pierre Cambronne, último dos generais de Napoleão, foi tão importante que tem o nome inscrito, com destaque, no Arco do Triunfo. Era tão ligado ao imperador, que o acompanhou no exílio na ilha de Elba e com ele retornou ao continente para, em março de 1815, reiniciar a quadra final da glória bonapartista.

Ferido na decisiva batalha de Waterloo, que sepultaria a glória da lenda napoleônica, com o exército francês despedaçado e seriamente ferido, Cambronne teria sido instado a render-se ao general inglês Charleslville, a quem teria respondido que a Guarda francesa morreria, mas não se renderia. Ante a insistência do inglês, então, o e, em teria aconselhado, altaneiro, a ir à merda, “à la merde!”, no original.

Recentemente um brasileiro anônimo fez mais do que o general francês. Mostrou que a história pode se repetir não necessariamente como farsa ou como tragédia. Não se limitou a verbalizar la merde, mandou-a para o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, em um protesto sobretudo pacífico, embora repugnante. Em vez de enviar uma carta-bomba, como fazem em muitas partes do mundo, optou por remeter uma carta-merde… Ao que se comenta, outros deputados também teriam recebido o excrementício regalo, talvez inaugurando uma nova forma de protesto, mas nada disseram. Não revelaram a cor da tinta – se é que se pode dizer assim – mas a mensagem foi clara.

De pronto, o presidente determinou que a polícia legislativa encontre o verdadeiro culpado, e após os primeiros passos já foram identificados um remetente falso e o conteúdo do envelope. Aconselha-se, porém, que os investigadores se preparem para enfrentar muito trabalho, já que, diante dos atos desonestos, dos escândalos que se perpetuam e se ampliam no tempo, envolvendo, invariavelmente, políticos, sobretudo os legisladores, o culpado pode ser qualquer um dos quase duzentos milhões de brasileiros que trabalham e pagam os escorchantes impostos a que são submetidos.

Presidente, a medida cabível neste caso é comprar muito papel higiênico para assear o Congresso Nacional. Mãos a la merde, pois.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 01 de junho de 2017

O SILÊNCIO DO CANTOR - EXPEDITO BARACHO

Expedito Baracho (1935-2017)

Desde sábado passado, a vida recifense está fora de compasso. Pior ainda, emudeceu. Calou-se a voz do seresteiro Expedito Baracho, talvez o último exemplar de uma privilegiada estirpe que caminha para a extinção.

Somente registrar o falecimento de Expedito Baracho, como se tratasse de um cantor de serenatas qualquer, é pouco. Muito pouco. Quem saiu de cena no último sábado foi simplesmente um dos maiores seresteiros do Brasil, o dono de uma voz aveludada que não feria os ouvidos nas notas agudas e não tornava as palavras ininteligíveis nas notas graves.

A pergunta é inevitável: quem, como ele, haverá de ter interpretado as canções de Capiba, especialmente aquelas que celebravam o amor, a paixão?

Quem, como ele, pois, terá cantado a Valsa Verde ou Maria Betânia?

Quem, como ele, terá impregnado de sentimentos Restos de Saudades ou de A uma Dama Transitória, esta composta em parceria com Ariano Suassuna? Será que Expedito Baracho cantava não com as cordas vocais, mas com o coração? Que a ciência perdoe a hipótese, mas é possível, sim, porque quando ele cantava as palavras pareciam vir do fundo do peito.

Com seu timbre refinado, Expedito Baracho cantou o amor, seja pelas pessoas, como em Maria Betânia ou Rosa Amarela, seja pelas cidades, como em Recife Cidade Lendária, Olinda Cidade Eterna e Igarassu Cidade do Passado.

Nascido no Rio Grande do Norte, em 1935, ainda criança veio para Pernambuco e aqui aprendeu a tocar violão. Participou de programas de calouros, foi vocalista da Jazz Band Acadêmica, foi para São Paulo – onde se tornou amigo do grande Sílvio Caldas – profissionalizou-se, conviveu com o reconhecimento do excepcional cantor que foi.

Resta inscrever no nosso calendário sentimental o 27 de maio como um dia de tristeza para os que ficamos sem o seu talento, mas pleno de enlevo para os anjos.

Aqui para nós, quando Expedito Baracho pegar o violão e começar a cantar, nunca mais os anjos quererão saber das harpas.

* * *

Expedito Baracho canta Maria Betânia, da autoria de Capiba

 

 

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Marcelo Alcoforado - A Propósito domingo, 30 de abril de 2017

UMA OBRA FEITA DE ARTE E DE DOR

 

 

 

Na última quarta-feira, 26 de abril de 2017, oitenta anos de um massacre haverão passado. As pessoas já não são as mesmas, as dores já foram mitigadas, o fato triste já desapareceu na bruma do tempo. A arte, no entanto, continua presente.

Aquele 26 de abril de 1937, uma segunda-feira, não seria um dia qualquer. As ruas de Guernica estavam apinhadas de gente, inclusive moradores de povoados vizinhos, quando, de repente, 24 bombardeiros da Luftwaffe, a força aérea alemã, abriram as portas do inferno, despejando sobre os indefesos civis bombas e mais bombas. O castigo durou das 16h30 às 19h45.

Como seria previsível, a hecatombe aconteceu, colocando diante do mundo uma visão catastrófica. Deixaria também a manifestação talentosa de um gênio da pintura chamado Pablo Picasso.

O quadro, Guernica, que revela as consequências da guerra sobre o povo, é uma das mais famosas pinturas do artista espanhol e uma das mais comentadas em todo o mundo. É o retrato daquele 26 de abril – o dia em que a cidade foi praticamente destruída – e uma veemente censura à devastação causada pelos nazistas em conluio com o então ditador espanhol Francisco Franco.

Com o seu caudaloso talento, Picasso mostrou em preto e branco as cores da agressão. Com o cavalo e o touro, mostrou dois dos mais importantes aspectos da cultura espanhola, e as fortes imagens foram-se sucedendo: um homem mutilado, uma mãe pranteando o filho morto nos seus braços, uma mulher em desespero vendo sua casa arder em chamas, uma mulher com a perna ferida tentando fugir daquele inferno, uma mulher portando um lampião… Por fim, com uma espada quebrada ele representou a derrota do povo, alquebrado frente à esmagadora vitória dos seus opositores, enquanto os edifícios em chamas indicaram a destruição não só de Guernica, mas da pátria, sofrida pela Guerra Civil.

A história daquela felonia foi gravada em uma tela medindo cerca de 8 por 4 metros, espaço considerado de grandes proporções para a pintura, no entanto minúsculo ante a grandeza da obra que contém.

A Guernica, talvez o mais famoso dos trabalhos do artista, traz tudo isso e, principalmente, traz a indignação do autor. Tanta, diga-se, que, certa feita, durante uma exposição de sua obra em Paris, um graduado militar alemão acercou-se de Picasso e lhe perguntou: “Foi o senhor que fez?”

“Não. Foram os senhores”, respondeu-lhe o artista secamente.


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 20 de abril de 2017

COMO SERIA HOJE, DIÓGENES?

 

Sua história desafia os séculos, caro Diógenes. Vem de um tempo em que você vagava pelas ruas da Grécia na mais completa miséria. Penúria tanta, aliás, que você chegou a ser vendido como escravo. Diz-se até que por não ter casa para morar você vivia em um barril. De seu, apenas um alforje, um bastão e uma tigela. Muito pouco, não é mesmo? Pois saiba que transcorridos tantos séculos, muitos brasileiros continuam a não ter nada, nem ao menos o direito a comer todos os dias.

Mas voltemos a você. Das histórias que cercam a sua vida, ilustre Diógenes, a mais conhecida é aquela em que você, em plena luz do dia, acendia uma lamparina e procurava pelas ruas homens honestos.

Outra história também marcante, é aquela de que certo dia você foi visto pedindo esmola a uma estátua, e ao lhe perguntarem o porquê de tal conduta, você teria dado uma explicação lapidar: “Por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém.”

Quatro séculos antes de Cristo, Diógenes, você já lutava contra a mediocridade, a desonestidade, mas o mundo do seu tempo era outro. Vivesse você nos dias atuais, sua lamparina queimaria por completo sem que você encontrasse o tão procurado homem honesto. Pelo menos é o que se pode pensar ao voltar a atenção para Brasília.

A propósito, você viu a lista do ministro Edson Fachin? Tem de tudo! Tem até presidente da República! Presente e passado!

Pensando bem, Diógenes, os ladravazes deveriam ter-se espelhado no seu exemplo da estátua. Ao pedir propina, seriam ignorados por ela – já que estátua não vê nem ouve – e, assim, talvez eles se acostumassem a não receber algo de alguém, principalmente o ilícito.

No mínimo, não estariam às voltas com os rigores da lei!


Marcelo Alcoforado - A Propósito quinta, 23 de fevereiro de 2017

ALMAS GÊMEAS
 
ALMAS GÊMEAS

São enormes as diferenças físicas, entretanto as coincidências anímicas são tão grandes, que encorajam supor que, nos seus treze anos à frente do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva haja lançado um modelo de governança. De Donald Trump, contudo, não se pode dizer, haja ele enganado alguém. Ele disse claramente a que viria e como faria.

Em comício de agosto de 2016, por exemplo, um homem se encontrava ao lado do então candidato. Era Nigel Faraje, o homem que – assim ele disse – teria estado por trás do Brexit. E vieram as palavras empolgadas e empolgantes, mesmo se vazias, embaladas nas promessas de independência, decência, enfrentamento dos bancos e da mídia liberal, além do establishment político. Apesar de todos os insultos, bramiu, a vitória lhe pertenceria. E pertenceu.

Isso lembra alguém? Não? Então, avivemos a sua memória.

O candidato era tão prodigioso, que descobriu a existência de pessoas irreais nos Estados Unidos, subtraindo da Inglaterra a condição de país com a mais numerosa população de fantasmas ou “mimando as minorias e desprezando as pessoas reais”.

Agora, era só o que faltava, uma nova manifestação do lulismo invade a vida norte-americana: o novo presidente assevera que a herança recebida do governo Barack Obama, é um caos. Para começar, ele rateou entre o governo anterior, a mídia e os órgãos de inteligência a responsabilidade pela crise que atinge seu gabinete, mas não ficou por aí. “Para ser honesto” – disse ele -, “eu herdei um caos. É um caos. Em casa e no exterior”.

Em casa, queixou-se dos baixos salários e da migração de empregos para o exterior.

Da Imprensa reclamou a distorção de suas palavras.

Quando abordou a política externa, descreveu um cenário de acentuada instabilidade, não importando para onde se olhasse.

Até os setores da inteligência tiveram o seu quinhão. Estariam evitando passar determinadas informações ao novo governo.

Chegado o momento dos autoelogios, claro, afirmou que, graças a ele, é o que se subtende, “empresas de primeira divisão, como Ford e General Motors, ensaiam o retorno ao país”. E concluiu, vaidoso, que nunca antes na … desculpe o equívoco: “Acho que nunca houve um presidente que tenha feito o que fizemos em um período tão curto”, garantiu Luiz… aliás, Donald Trump.

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Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 15 de fevereiro de 2017

O ESCORPIÃO, A TARTARUGA E A ELEIÇÃO

 

Conta uma fábula que em uma tarde chuvosa um escorpião estava apreensivo na margem de um rio prestes a transbordar, quando passou por ele uma tartaruga, indiferente à torrencialidade da água. Era ela a salvação! Pediu-lhe, então, que o levasse à outra margem, já que necessitava chegar a casa, mas se tentasse atravessar sozinho morreria afogado.

Eu gostaria de ajudar, escorpião, mas tenho medo que você me pique e eu morra, ponderou a tartaruga.

A resposta do escorpião foi imediata: Por que eu faria isso? Eu morreria também!

Para encurtar a história, o escorpião convenceu a tartaruga a lhe dar uma carona, e assim foi feito. O escorpião subiu no casco da tartaruga e teve início a travessia. Tudo estava indo muito bem, mas a certa altura a tartaruga sentiu uma picada.

Escorpião, por que você me picou? Agora nós dois vamos morrer.

Quase se afogando, retrucou o escorpião:

Desculpe, tartaruga, você foi solidária comigo, mas eu não pude evitar. É da minha natureza.

Semana passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depondo como testemunha de defesa em processo em que o senhor Luiz Inácio da Silva é réu, afirmou que nenhum presidente tem como saber de tudo que acontece na administração pública. Na referida ação, o senhor Luiz Inácio é acusado de corrupção passiva por supostamente ter recebido de uma empreiteira propina no valor de R$ 3,8 milhões.

Tal valor teria sido pago em forma de benesses, como, por exemplo, a reforma e ampliação do tríplex do Edifício Solaris, no Guarujá, e outra parte no custeio do armazenamento do acervo daquele ex-presidente, segundo o Ministério Público Federal. A outra parte do valor? Ora, teria sido ocultada.

Fernando Henrique Cardoso afirmou ainda que também buscou recursos privados para manutenção de seu acervo, e que os recursos, pequenos, se destinaram a fazer frente a diversas despesas, porque o presidente da República sai de lá, se for correto, sem dinheiro.

Ninguém foi mais fustigado por Luiz Inácio da Silva do que Fernando Henrique Cardoso. Foram 13 anos de uma censura implacável, de acrimônia e de incansáveis tentativas de desconstrução da imagem do sociólogo.

Agora, neste momento em que Luiz Inácio da Silva se vê na margem de um caudaloso Rubicão a ser atravessado, quiseram as artimanhas do destino que as palavras de Fernando Henrique Cardoso possam ajudar Luiz Inácio da Silva a atingir a outra margem. Ou no meio do caminho a tartaruga será picada?


Marcelo Alcoforado - A Propósito segunda, 13 de fevereiro de 2017

INSEGURA SEGURANÇA

Os jornais brasileiros deveriam ser rubros, já que das suas páginas, fieis espelhos de uma realidade terrível, jorra o sangue que faz da nossa segurança um mero verbete. De tão calamitosa, muitas vezes a verdade se torna mais risível do que trágica.

Há algumas semanas, por exemplo, quatro presidiários fugiram de uma prisão de segurança máxima em Pernambuco, inaugurada havia menos de um ano.

A fuga, por si, já é absurda, mas a maneira como ela aconteceu é absurdo maior.

Os fugitivos, pasme, fizeram um rombo na parede, valendo-se de uma estaca. Será a tal estaca portadora de tecnologia tão avançada que, como tal, não gera barulho? Como é possível que pessoas arrombem uma parede de um presídio de segurança máxima e ninguém veja nem ouça nada? Se é assim, o que dizer das outras?

Ora, se por aqui as prisões são tão vulneráveis, por que não fazer como a Indonésia, que está prestes a construir uma cadeia exemplar? Será situada em uma ilha artificial e os guardas serão absolutamente indiferentes ao diálogo e terminantemente incorruptíveis. Serão crocodilos, os mais ferozes existentes na face da Terra.

O Brasil, aliás, pode fazer melhor e nem precisa de crocodilos. Aqui temos já prontas algumas ilhas que bem poderiam ser utilizadas para tal. Poderia ser a Ilha da Trindade, com seus 2,5 km² de área emersa em meio ao Atlântico, que até água potável tem, e em abundância, brotando de diversas fontes. Somente a fonte principal possui vazão estimada de 230 mil litros por dia.

Tem mais: a ilha é o último vestígio do Brasil, perdida na vastidão do Atlântico, o nosso ponto mais distante do continente.

Bem, voltando ao assunto das fugas, já deu para notar que na Trindade os crocodilos seriam absolutamente dispensáveis. Primeiro, porque é grande a presença na área de tubarões e de um peixe chamado cangulo preto, dono de uma voracidade equivalente à da piranha.

Além do mais, o condenado tem que ser um inacreditável nadador, para enfrentar a distância até o continente. São mais de 2 mil quilômetros.


Marcelo Alcoforado - A Propósito sexta, 03 de fevereiro de 2017

BOLA MURCHA

É dramático o momento em que um jogador de futebol marca um gol na meta que deveria defender. Não há registro de tal momento na vida do craque Neymar Júnior, pelo menos nas quatro linhas do gramado como dizem alguns locutores esportivos, mas nas tantas linhas do cotidiano não se pode afirmar o mesmo.

Menino pobre, seu extraordinário talento no interagir com a bola conquistou aplausos do mundo inteiro, milhões de dólares no bolso e também – decerto impressionada com seus dribles – a preferência de bela atriz global, uma das mulheres mais desejadas do Brasil.

Na vida, no entanto, embora afortunado em proporções generosas é protagonista de suspeita de fraude na transferência para o Barcelona. Uma empresa denominada DIS, autora de processo judicial, argumenta que Neymar ficou com a maior parte da transação, mesmo não tendo direito a qualquer percentagem na negociação. O valor depositado em nome de uma das empresas da família foi nomeado direito de preferência, um expediente para mascarar a transação, razão por que pleiteia que o valor seja rateado entre os donos dos direitos do atleta naquele momento.

Foram 40 milhões de euros, dos quais 10 milhões foram depositados em 2012 à ordem de uma empresa aberta em nome do atleta, e os 30 milhões restantes na conta de outra empresa do jogador.

O fato é que Neymar Júnior e Neymar Sênior repudiam a tese da fraude, alegando que os 40 milhões de euros se referem a comissão e direitos de imagem. Tanto para a Justiça brasileira como para a espanhola, no entanto, tais pagamentos foram mera manobra para driblar o fisco e os então donos dos direitos econômicos, quais sejam o Santos, a DIS e a Teísa.

E o craque, o que diz? Diferentemente dos dribles desconcertantes que dá no gramado, só diz não sei, não sei, não sei, além do que, alega, assinava o que o pai – a pessoa em que ele mais confia, que tem total liberdade para fazer o que quiser com a sua (dele) vida, pedia para ele assinar. Não me recordo porque nunca me meti no contratos, nem no que se passava na minha carreira, que é o meu pai que sempre cuida de tudo da melhor forma possível. Eu faço o que ele me diz, assevera.

Então, já que o craque não interfere nos contratos, como assegurou que os 40 milhões de euros se referiam a comissão e direitos de imagem?

Gol contra!


Marcelo Alcoforado - A Propósito quarta, 01 de fevereiro de 2017

A IMIGRANTE

A partir desta sexta-feira, Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, dormirá com a incômoda sensação de haver um tertius em sua cama. Não será a beleza de Melania Trump, mas serão as promessas de campanha clamando que se querem ver realizadas.

Pela ameaça de fechar fronteiras, o mundo inteiro torce contra, mas pelo menos por uma delas, pelo menos uma das medidas anunciadas durante o período eleitoral, todos os homens sensíveis torcem fervorosamente a favor. Diga-se, a bem da verdade, que a querem ainda mais rigorosa. É aquela que trata do problema dos imigrantes ilegais. O clamor mundial é para que ela confronte não só os imigrantes ilegais, mas todos os imigrantes, legais ou não. Pode-se até fazer uma campanha “Os Estados Unidos só para os norte-americanos” mas, para começar, como justiça, para ser boa, deve começar em casa, que ele expulse do país, imediatamente, uma bela mulher chamada Melania Trump.

Ora, ela veio da Eslovênia, e não tem nenhum ancestral norte-americano, sendo, portanto, estrangeiríssima. Tem mais. Essa forasteira amputou das americanas a chance de casar com um bilionário de ideias estapafúrdias, mas mesmo assim bilionário. Não seria uma refinada estratégia de evasão de prestígio das sobrinhas do Tio Sam? E logo nos Estados Unidos, onde mulher é ficha valiosa no jogo político?

Quer saber de uma coisa? A ficha parece ter pouco peso no cacife político estadunidense, e tanto isso é plausível, que por orientação do próprio Donald Trump ela não dá entrevistas e raramente aparece, como que não querendo atrair a atenção do operoso Departamento de Imigração dos Estados Unidos.

O pior é que quando se pensa estar tudo acabado, surge mais um fato, este capaz de nos deixar de olhos arregalados. Literalmente. Ela já posou nua! Imagine você 1m80 de beleza emoldurada por cabelos louros e profundos olhos azuis, absolutamente sem roupa. Agora, só como exercício mental, imagine uma situação de conflito norte-americano com algum país. Todo o formidável aparato bélico da nação americana será subjugado sem que se dispare sequer um tiro. Bastará lançar as tais fotos sobre as tropas, e logo a beligerância dará lugar à fantasia.

Trata-se, está demonstrado, de uma mulher de alta periculosidade, diante do que o mundo inteiro roga que o presidente Donald Trump cumpra a promessa eleitoral. Não precisa, contudo, expulsar os imigrantes. Basta expulsar a imigrante. A ela, decerto não faltará apoio. Este comentarista oferece, desde já, casa, comida, roupa lavada…

Donald e Melania Trump

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Marcelo Alcoforado - A Propósito sábado, 28 de janeiro de 2017

PLANO DE SAÚDE, HAJA CORAÇÃO!



Saúde, no Brasil, conquanto um iluminado então presidente da República haja dito estar à beira da perfeição, em verdade está a cada dia mais doente. Exceto os casos, claro, dos que, nunca por conta própria mas quase às expensas do dinheiro público, contam, a tempo e a hora, com os melhores hospitais e as mais avançadas terapias.

 

 

Há anos, a assistência pública era deficiente, mas em nada comparável à atual. Foi aí que progrediu a boa assistência médica representada pelos planos. Hoje, não obstante as bravatas dos governantes, o país é um imenso INSS, mesmo para o que pagam caro pelo plano de saúde e a quase nada têm direito.

Precisa de uma consulta? Só daqui a trinta dias. É urgente? Não há problema: paga a consulta e é prontamente atendido. E ainda tem direito a reembolso, mas com um detalhe: o reembolso equivale, em média, a 10% do valor pago pelo usuário.

E o governo, o que faz? Nada, salvo vociferar. E a ANS? Vez por outra aplica punições inócuas, como suspender temporariamente a comercialização de três centenas de planos sem expressão, quando a tendência do mercado é determinada pelos grandes, ora.

Vivêssemos em um país sério, poderia ser criado um adicional sobre a contribuição previdenciária exclusivamente para a saúde, que, pelos ganhos de escala, teria como oferecer bons serviços e pagar dignamente aos médicos. Isso, é óbvio, não passa de uma ilusão, porque logo a política criaria um cabide de empregos que em pouco tempo nivelaria tudo ao INSS.

Em 2016 os planos de saúde perderam 1,37 milhão de pessoas, com maior incidência no Sudeste, onde 1,1 milhão de pessoas (79,9% do total do país) abandonaram os planos. Apenas em São Paulo, o estado mais rico da Federação, 630,3 mil beneficiários debandaram.

No também rico Sul, foram quase 100 mil beneficiários a menos, no Centro-Oeste, 43 mil e no pobre Nordeste 104 mil vínculos rompidos.

Os porta-vozes dos planos afirmam que os números negativos decorrem da macroeconomia desfavorável, por certo esquecidos de que também conta o fator desserviço.

A propósito, haja coração!


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