Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias segunda, 28 de abril de 2025

DELENDZA CARTHAGO! (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

DELENDA CARTHAGO!

Olavo Bilac

Fonte: Google

 

 

I

Fulge e dardeja o sol nos amplos horizontes
Do céu da África. Ao largo, em plena luz, dos montes
Destacam-se os perfis. Tremulamente ondeia,
Vasto oceano de prata, a requeimada areia.
O ar, pesado, sufoca. E, desfraldando ovantes
Das bandeiras ao vento as pregas ondulantes,
Desfilam as legiões do exército romano
Diante do general Cipião Emiliano.
Tal soldado sopesa a dava de madeira;
Tal, que a custo sofreia a cólera guerreira,
Maneja a bipenata e rude machadinha.
Este, à ilharga pendente, a rútila bainha
Leva do gládio. Aquele a poderosa maça
Carrega, e às largas mãos a ensaia. A custo passa,
Curvado sob o peso e de fadiga aflando,
De guerreiros um grupo, os aríetes levando.
Brilham em confusão cristados capacetes.
Cavaleiros, contendo os ardidos ginetes,
Solta a clâmide ao ombro, ao braço afivelado
O côncavo broquel de cobre cinzelado,
Brandem o pílum no ar. Ressona, a espaços, rouca,

A bélica bucina. A tuba cava à boca
Dos eneatores troa. Hordas de sagitários
Vêem-se, de arco e carcás armados. O ouro e os vários
Ornamentos de prata embutem-se, em tauxias
De um correto lavor, nas armas luzidias
Dos generais. E, ao sol, que, entre nuvens, cintila,
Em torno de Cartago o exército desfila.

Mas, passada a surpresa, às pressas, a cidade
Aos escravos cedera armas e liberdade,
E era toda rumor e agitação. Fundindo
Todo o metal que havia, ou, céleres, brunindo
Espadas e punhais, capacetes e lanças,
Viam-se a trabalhar os homens e as crianças.

Heróicas, abafando os soluços e as queixas,
As mulheres, tecendo os fios das madeixas,
Cortavam-nas.
Cobrindo espáduas deslumbrantes,
Cercando a carnação de seios palpitantes
Como véus de veludo, e provocando beijos,
Excitaram paixões e lúbricos desejos
Essas tranças da cor das noites tormentosas...
Quantos lábios, ardendo em sedes luxuriosas,
As tocaram outrora entre febris abraços!..
Tranças que tanta vez - frágeis e doces laços! -
Foram cadeias de ouro invencíveis, prendendo
Almas e corações, - agora, distendendo
Os arcos, despedindo as setas aguçadas,
Iam levar a morte... - elas, que, perfumadas,
Outrora tanta vez deram a vida e o alento
Aos presos corações!...

Triste, entretanto, lento,
Ao pesado labor do dia sucedera
O silêncio noturno. A treva se estendera:
Adormecera tudo. E, no outro dia, quando
Veio de novo o sol, e a aurora, rutilando,
Encheu o firmamento e iluminou a terra,
A luta começou.

II

As máquinas de guerra
Movem-se. Treme, estala, e parte-se a muralha,
Racha de lado a lado. Ao clamor da batalha
Estremece o arredor. Brandindo o pílum, prontas,
Confundem-se as legiões. Perdido o freio, às tontas,
Desbocam-se os corcéis. Enrijam-se, esticadas
Nos arcos, a ringir, as cordas. Aceradas,
Partem setas, zunindo. Os dardos, sibilando,
Cruzam-se. Éneos broquéis amolgam-se, ressoando,
Aos embates brutais dos piques arrojados.
Loucos, afuzilando os olhos, os soldados,
Presa a respiração, torvo e medonho o aspeito,
Pela férrea squammata abroquelado o peito,
Se escruam no furor, sacudindo os macetes.
Não param, entretanto, os golpes dos aríetes,
Não cansam no trabalho os musculosos braços
Dos guerreiros. Oscila o muro. Os estilhaços
Saltam das pedras. Gira, inda uma vez vibrada
No ar, a máquina bruta... E, súbito, quebrada,
Entre o insano clamor do exército e o fremente
Ruído surdo da queda, - estrepitosamente
Rui, desaba a muralha, e a pétrea mole roda,
Rola, remoinha, e tomba, e se esfacela toda.

Rugem aclamações. Como em cachões, furioso,
Parte os diques o mar, roja-se impetuoso,
As vagas encrespando acapeladas, brutas,
E inunda povoações, enche vales e grutas,
E vai semeando o horror e propagando o estrago,
Tal o exército entrou as portas de Cartago...

O ar os gritos de dor e susto, espaço a espaço,
Cortavam. E, a bramir, atropelado, um passo
O invasor turbilhão não deu vitorioso,
Sem que deixasse atrás um rastro pavoroso
De feridos. No ocaso, o sol morria exangue:
Como que refletia o firmamento o sangue
Que tingia de rubro a lâmina brilhante
Das espadas. Então, houve um supremo instante,
Em que, cravando o olhar no intrépido africano
Asdrúbal, ordenou Cipião Emiliano:
"- Deixa-me executar as ordens do Senado!
Cartago morrerá: perturba o ilimitado
Poder da invicta Roma... Entrega-te! -"
Orgulhoso,
A fronte levantando, ousado e rancoroso,
Disse o cartaginês:
"- Enquanto eu tiver vida,
Juro que não será Cartago demolida!
Quando o incêndio a envolver, o sangue deste povo
Há de apagá-lo. Não! Retira-te! -"
De novo
Falou Cipião:
Atende, Asdrúbal! Por mais forte
Que seja o teu poder, há de prostrá-lo a morte!
Olha! A postos, sem conta, as legiões de Roma,
Que Júpiter protege e que o pavor não doma,
Vão começar em breve a mortandade infrene!
Entrega-te! -"
"- Romano, escuta-me! (solene,
O outro volveu, e a raiva em sua voz rugia)
Asdrúbal é o irmão de Aníbal... Houve um dia
Em que, ante Aníbal, Roma estremeceu vencida
E tonta recuou de súbito ferida.
Ficaram no lugar da pugna, ensangüentados,
Mais de setenta mil romanos, trucidados
Pelo esforço e valor dos púnicos guerreiros;
Seis alqueires de anéis dos mortos cavaleiros
Cartago arrecadou... Verás que, como outrora,
Do eterno Baal-Moloch a proteção agora
Teremos. A vitória há de ser nossa... Escuta:
Manda que recomece a carniceira luta! -"
E horrível, e feroz, durante a noite e o dia,
Recomeçou a luta. Em cada casa havia
Um punhado de heróis. Seis vezes, pela face
Do céu, seguiu seu curso o sol, sem que parasse
O medonho estridor da sanha da batalha...
Quando a noite descia, a treva era a mortalha
Que envolvia, piedosa, os corpos dos feridos.
Rolos de sangue e pó, blasfêmias e gemidos,
Preces e imprecações... As próprias mães, entanto,
Heróicas na aflição, enxuto o olhar de pranto,
Viam cair sem vida os filhos. Combatentes
Houve, que, não querendo aos golpes inclementes
Do inimigo entregar os corpos das crianças,
Matavam-nas, erguendo as suas próprias lanças...

Por fim, quando de todo a vida desertando
Foi a extinta cidade, e, lúgubre, espalmando
As asas negras no ar, pairou sinistra e horrenda
A morte, teve um fim a peleja tremenda,
E o incêndio começou.

III

Fraco e medroso, o fogo
À branda viração tremeu um pouco, e logo,
Inda pálida e tênue, ergueu-se. Mais violento,
Mais rápido soprou por sobre a chama o vento:
E o que era labareda, agora ígnea serpente
Gigantesca, estirando o corpo, de repente
Desenrosca os anéis flamívomos, abraça
Toda a cidade, estala as pedras, cresce, passa,
Rói os muros, estronda, e, solapando o solo,
Os alicerces broca, e estringe tudo. Um rolo
De plúmbeo e denso fumo enegrecido em torno
Se estende, como um véu, do comburente forno.
Na horrorosa eversão, dos templos arrancado,
Vibra o mármore, salta; abre-se, estilhaçado,
Tudo o que o incêndio aperta... E a fumarada cresce
Sobe vertiginosa, espalha-se, escurece
O firmamento... E, sobre os restos da batalha,
Arde, voraz e rubra, a colossal fornalha.

Mudo e triste Cipiáo, longe dos mais, no entanto,
Deixa livre correr pelas faces o pranto...

É que, - vendo rolar, num rápido momento
Para o abismo do olvido e do aniquilamento
Homens e tradições, reveses e vitórias,
Batalhas e troféus, seis séculos de glórias
Num punhado de cinza -, o general previa
Que Roma, a invicta, a forte, a armipotente, havia
De ter o mesmo fim da orgulhosa Cartago.
E, perto, o precipitar estrepitoso e vago
D0 incêndio, que lavrava e inda rugia ativo,
Era como o rumor de um pranto convulsivo...


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros