Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias quinta, 01 de maio de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - IV - A LAGARTIXA (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)
 


SPLEEN E CHARUTOS - IV - A LAGARTIXA

Álvares de Azevedo

Fonte: Google

 

 

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores,
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.

Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...

Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.


Poemas e Poesias quarta, 30 de abril de 2025

VESTÍGIOS DIVINOS (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

VESTÍGIO DIVINOS

Alberto de Oliveira

Fonte: Google

 

 

 

(Na Serra de Marumbi) ***

Houve deuses aqui, se não me engano;
Novo Olimpo talvez aqui fulgia;
Zeus agastava-se, Afrodite ria,
Juno toda era orgulho e ciúme insano.

Nos arredores, na montanha ou plano,
Diana caçava, Actéon a perseguia.
Espalhados na bruta serrania,
Inda há uns restos da forja de Vulcano.

Por toda esta extensíssima campina
Andaram Faunos, Náiades e as Graças,
E em banquete se uniu a grei divina.

Os convivas pagãos ainda hoje os topas
Mudados em pinheiros, como taças,
No hurra festivo erguendo no ar as copas.


Poemas e Poesias terça, 29 de abril de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 8 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 8

Affonso Romano de Sant'Anna

Fonte: Google

 

 

 

Contemplo agora


o leito que vazio


se contempla.


Contemplo agora


o leito que vazio


em mim se estende


e se me aproximo


existe qualquer coisa


trescalando aroma em mim.

 



Onde o teu corpo, amante-amiga,


onde o carinho


que compungido em recebia


e aquela forma que tranquila


ainda ontem descobrias?

 



Agora eu te diria


o quanto te agradeço o corpo teu


se o me dás ou se o me tomas,


e o recolhendo em mim,


em mim me vais colhendo,


como eu que tomo em ti


o que de ti me vais doando.

 



Eu muito te agradeço este teu corpo


quando nos leitos o estendias e o me davas,


às vezes, temerosa,


e, ofegante, às vezes,


e te agradeço ainda aquele instante (o percebeste)


em que extasiado ao contemplá-lo


em mim me conturbei


– (o percebeste) me aguardaste


e nos olhos te guardei.

 



Eu muito te agradeço, amante-amiga,


este teu corpo que com fúria eu possuía,


corpo que eu mais amava


quanto mais o via,


pequeno e manso enigma


que eu decifrei como podia.

 



Agora eu te diria


o que não soubeste


e nunca o saberias:


o que naquele instante eu te ofertava


nunca a mim eu já doara


e nunca o doaria.

 



Nele eu fui pousar


quando cansado e dúbio,


dele eu fui tomar


quando ofegante e rubro,


dele e nele eu revivia


e foi por ele que eu senti


a solidão, e o amor


que em mim havia.

 



Teu corpo quando amava


me excedia,


e me excedendo


com o amor foi me envolvendo,


e nesse amor absorvente


de tal forma absorvendo,


que agora que o não tenho


não sei como permaneço nesta ausência


em que tuas formas se envolveram,


tanto o amor


e a forma do teu corpo


no meu corpo se inscreveram. 

 


Poemas e Poesias segunda, 28 de abril de 2025

DELENDZA CARTHAGO! (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

DELENDA CARTHAGO!

Olavo Bilac

Fonte: Google

 

 

I

Fulge e dardeja o sol nos amplos horizontes
Do céu da África. Ao largo, em plena luz, dos montes
Destacam-se os perfis. Tremulamente ondeia,
Vasto oceano de prata, a requeimada areia.
O ar, pesado, sufoca. E, desfraldando ovantes
Das bandeiras ao vento as pregas ondulantes,
Desfilam as legiões do exército romano
Diante do general Cipião Emiliano.
Tal soldado sopesa a dava de madeira;
Tal, que a custo sofreia a cólera guerreira,
Maneja a bipenata e rude machadinha.
Este, à ilharga pendente, a rútila bainha
Leva do gládio. Aquele a poderosa maça
Carrega, e às largas mãos a ensaia. A custo passa,
Curvado sob o peso e de fadiga aflando,
De guerreiros um grupo, os aríetes levando.
Brilham em confusão cristados capacetes.
Cavaleiros, contendo os ardidos ginetes,
Solta a clâmide ao ombro, ao braço afivelado
O côncavo broquel de cobre cinzelado,
Brandem o pílum no ar. Ressona, a espaços, rouca,

A bélica bucina. A tuba cava à boca
Dos eneatores troa. Hordas de sagitários
Vêem-se, de arco e carcás armados. O ouro e os vários
Ornamentos de prata embutem-se, em tauxias
De um correto lavor, nas armas luzidias
Dos generais. E, ao sol, que, entre nuvens, cintila,
Em torno de Cartago o exército desfila.

Mas, passada a surpresa, às pressas, a cidade
Aos escravos cedera armas e liberdade,
E era toda rumor e agitação. Fundindo
Todo o metal que havia, ou, céleres, brunindo
Espadas e punhais, capacetes e lanças,
Viam-se a trabalhar os homens e as crianças.

Heróicas, abafando os soluços e as queixas,
As mulheres, tecendo os fios das madeixas,
Cortavam-nas.
Cobrindo espáduas deslumbrantes,
Cercando a carnação de seios palpitantes
Como véus de veludo, e provocando beijos,
Excitaram paixões e lúbricos desejos
Essas tranças da cor das noites tormentosas...
Quantos lábios, ardendo em sedes luxuriosas,
As tocaram outrora entre febris abraços!..
Tranças que tanta vez - frágeis e doces laços! -
Foram cadeias de ouro invencíveis, prendendo
Almas e corações, - agora, distendendo
Os arcos, despedindo as setas aguçadas,
Iam levar a morte... - elas, que, perfumadas,
Outrora tanta vez deram a vida e o alento
Aos presos corações!...

Triste, entretanto, lento,
Ao pesado labor do dia sucedera
O silêncio noturno. A treva se estendera:
Adormecera tudo. E, no outro dia, quando
Veio de novo o sol, e a aurora, rutilando,
Encheu o firmamento e iluminou a terra,
A luta começou.

II

As máquinas de guerra
Movem-se. Treme, estala, e parte-se a muralha,
Racha de lado a lado. Ao clamor da batalha
Estremece o arredor. Brandindo o pílum, prontas,
Confundem-se as legiões. Perdido o freio, às tontas,
Desbocam-se os corcéis. Enrijam-se, esticadas
Nos arcos, a ringir, as cordas. Aceradas,
Partem setas, zunindo. Os dardos, sibilando,
Cruzam-se. Éneos broquéis amolgam-se, ressoando,
Aos embates brutais dos piques arrojados.
Loucos, afuzilando os olhos, os soldados,
Presa a respiração, torvo e medonho o aspeito,
Pela férrea squammata abroquelado o peito,
Se escruam no furor, sacudindo os macetes.
Não param, entretanto, os golpes dos aríetes,
Não cansam no trabalho os musculosos braços
Dos guerreiros. Oscila o muro. Os estilhaços
Saltam das pedras. Gira, inda uma vez vibrada
No ar, a máquina bruta... E, súbito, quebrada,
Entre o insano clamor do exército e o fremente
Ruído surdo da queda, - estrepitosamente
Rui, desaba a muralha, e a pétrea mole roda,
Rola, remoinha, e tomba, e se esfacela toda.

Rugem aclamações. Como em cachões, furioso,
Parte os diques o mar, roja-se impetuoso,
As vagas encrespando acapeladas, brutas,
E inunda povoações, enche vales e grutas,
E vai semeando o horror e propagando o estrago,
Tal o exército entrou as portas de Cartago...

O ar os gritos de dor e susto, espaço a espaço,
Cortavam. E, a bramir, atropelado, um passo
O invasor turbilhão não deu vitorioso,
Sem que deixasse atrás um rastro pavoroso
De feridos. No ocaso, o sol morria exangue:
Como que refletia o firmamento o sangue
Que tingia de rubro a lâmina brilhante
Das espadas. Então, houve um supremo instante,
Em que, cravando o olhar no intrépido africano
Asdrúbal, ordenou Cipião Emiliano:
"- Deixa-me executar as ordens do Senado!
Cartago morrerá: perturba o ilimitado
Poder da invicta Roma... Entrega-te! -"
Orgulhoso,
A fronte levantando, ousado e rancoroso,
Disse o cartaginês:
"- Enquanto eu tiver vida,
Juro que não será Cartago demolida!
Quando o incêndio a envolver, o sangue deste povo
Há de apagá-lo. Não! Retira-te! -"
De novo
Falou Cipião:
Atende, Asdrúbal! Por mais forte
Que seja o teu poder, há de prostrá-lo a morte!
Olha! A postos, sem conta, as legiões de Roma,
Que Júpiter protege e que o pavor não doma,
Vão começar em breve a mortandade infrene!
Entrega-te! -"
"- Romano, escuta-me! (solene,
O outro volveu, e a raiva em sua voz rugia)
Asdrúbal é o irmão de Aníbal... Houve um dia
Em que, ante Aníbal, Roma estremeceu vencida
E tonta recuou de súbito ferida.
Ficaram no lugar da pugna, ensangüentados,
Mais de setenta mil romanos, trucidados
Pelo esforço e valor dos púnicos guerreiros;
Seis alqueires de anéis dos mortos cavaleiros
Cartago arrecadou... Verás que, como outrora,
Do eterno Baal-Moloch a proteção agora
Teremos. A vitória há de ser nossa... Escuta:
Manda que recomece a carniceira luta! -"
E horrível, e feroz, durante a noite e o dia,
Recomeçou a luta. Em cada casa havia
Um punhado de heróis. Seis vezes, pela face
Do céu, seguiu seu curso o sol, sem que parasse
O medonho estridor da sanha da batalha...
Quando a noite descia, a treva era a mortalha
Que envolvia, piedosa, os corpos dos feridos.
Rolos de sangue e pó, blasfêmias e gemidos,
Preces e imprecações... As próprias mães, entanto,
Heróicas na aflição, enxuto o olhar de pranto,
Viam cair sem vida os filhos. Combatentes
Houve, que, não querendo aos golpes inclementes
Do inimigo entregar os corpos das crianças,
Matavam-nas, erguendo as suas próprias lanças...

Por fim, quando de todo a vida desertando
Foi a extinta cidade, e, lúgubre, espalmando
As asas negras no ar, pairou sinistra e horrenda
A morte, teve um fim a peleja tremenda,
E o incêndio começou.

III

Fraco e medroso, o fogo
À branda viração tremeu um pouco, e logo,
Inda pálida e tênue, ergueu-se. Mais violento,
Mais rápido soprou por sobre a chama o vento:
E o que era labareda, agora ígnea serpente
Gigantesca, estirando o corpo, de repente
Desenrosca os anéis flamívomos, abraça
Toda a cidade, estala as pedras, cresce, passa,
Rói os muros, estronda, e, solapando o solo,
Os alicerces broca, e estringe tudo. Um rolo
De plúmbeo e denso fumo enegrecido em torno
Se estende, como um véu, do comburente forno.
Na horrorosa eversão, dos templos arrancado,
Vibra o mármore, salta; abre-se, estilhaçado,
Tudo o que o incêndio aperta... E a fumarada cresce
Sobe vertiginosa, espalha-se, escurece
O firmamento... E, sobre os restos da batalha,
Arde, voraz e rubra, a colossal fornalha.

Mudo e triste Cipiáo, longe dos mais, no entanto,
Deixa livre correr pelas faces o pranto...

É que, - vendo rolar, num rápido momento
Para o abismo do olvido e do aniquilamento
Homens e tradições, reveses e vitórias,
Batalhas e troféus, seis séculos de glórias
Num punhado de cinza -, o general previa
Que Roma, a invicta, a forte, a armipotente, havia
De ter o mesmo fim da orgulhosa Cartago.
E, perto, o precipitar estrepitoso e vago
D0 incêndio, que lavrava e inda rugia ativo,
Era como o rumor de um pranto convulsivo...


Poemas e Poesias domingo, 27 de abril de 2025

O ANEL DE VIDRO (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

O ANEL DE VIDRO

Manuel Bandeira

Fonte: Google

 

 

 

Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou...
Assim também o eterno amor que prometeste,
— Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou —
Aquele pequenino anel que tu me deste,
— Ai de mim — era vidro e logo se quebrou...

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo na alma a saudade celeste...
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste...


Poemas e Poesias sábado, 26 de abril de 2025

ZONA HERMÉTICA (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

ZONA HERMÉTICA

Manoel de Barros

Fonte: Google

 

 

 

 

De repente, intrometem-se uns nacos de sonhos;
Uma remembrança de mil novecentos e onze;
Um rosto de moça cuspindo no capim de borco;
Um cheiro de magnólias secas. O poeta
Procura compor esse inconsútil jorro;
Arrumá-lo num poema; e o faz. E ao cabo
Reluz com sua obra. Que aconteceu? Isto:
O homem não se desvendou, nem foi atingido:
Na zona onde repousa em limos
Aquele rosto cuspido e aquele
Seco perfume de magnólias,
Faz-se um silêncio branco… E aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será marcado. Nunca será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.


Poemas e Poesias quinta, 24 de abril de 2025

SONHO (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

SONHO

Júlio Dinis

Fonte: Google

 

 

 

Sonhando, chorei. Sonhava Que morta te estava a ver. Acordei: ardentes lágrimas
Senti nas faces correr.

Sonhando, chorei. Sonhada Que tu me querias deixar. Acordei: amargamente Fiquei
depois a chorar.

Sonhando, chorei, Sonhava
Que esse amor ainda era meu.
Acordei: corre o meu pranto
Como ainda assim não correu.


Poemas e Poesias quarta, 23 de abril de 2025

RAZÕES DE AMOR (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

RAZÕES DE AMOR

J. G. de Araújo Jorge

Fonte: Google

 

 

 

I

Gosto desse teu ar tristonho,
desse olhar de melancolia,
mesmo nos momentos de prazer e de sonho,
ou nos instantes de amor e de alegria...

Gosto dessa tua expressão de ternura
tão suave e feminina,
desse olhar de ventura
com um brilho úmido a luzir num profundo langor...
Desse teu olhar de meiguice que me cativa e domina,
tu que dás sempre a impressão de quem precisa
de proteção e amor...

Desse teu ar de menina, desse teu ar
que te faz mais mulher
ao meu olhar...

Gosto de tua voz, tranqüila, do tom manso
com que falas, como se acariciasses
até as palavras que dizes;
de tua presença, que é assim como um quieto remanso,
um pedaço de sombra onde me abrigo
quando somos felizes...

Gosto desse teu jeito calmo, sossegado,
com que te encostas em meu peito
e te deixas ficar
entre ternuras e embaraços,
como se tudo ficasse, de repente, parado,
e teu mundo pudesse ser delimitado
pelos meus braços...

Gosto de ti assim, pequenina, macia,
quando te aperto contra mim e te sinto
minha
(inteiramente nua)
e tens um ar abandonado, como quem caminha
sonâmbula, por um estranho caminho
feito de céu e de lua...

II

Gosto de ti
desesperadamente:
dos teus cabelos de tarde
onde mergulho o rosto,
dos teus olhos de remanso
onde me morro e descanso;
dos teus seios de ambrósias,
brancos manjares trementes
com dois vermelhos morangos
para as minhas alegrias;

de teu ventre – uma enseada
– porto sem cais e sem mar –
branca areia à espera da onda
que em vaivém vai se espraiar;
de teus quadris, instrumento
de tantas curvas, convexo,
de tuas coxas que lembram
as brancas asas do sexo;

– do teu corpo só de alvuras
– das infinitas ternuras
de tuas mãos, que são ninhos
de aconchegos e carinhos,
mãos angorás, que parecem
que só de carícias tecem
esses desejos da gente...

Gosto de ti
desesperadamente;

gosto de ti, toda, inteira
nua, nua, bela, bela,
dos teus cabelos de tarde
aos teus pés de Cinderela,
(há dois pássaros inquietos
em teus pequeninos pés)
– gosto de ti, feiticeira,
tal como tu és...

 

 

 


Poemas e Poesias terça, 22 de abril de 2025

LOUCURA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

LOUCURA

Florbela Espanca

Fonte: Google

 

 

 

Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus palácios meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada!...

Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!...

Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!
Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!

Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!


Poemas e Poesias segunda, 21 de abril de 2025

EM PLENA VIDA E VIOLÊNCIA (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EM PLENA VIDA E VIOLÊNCIA

Fernando Pessoa

Fonte: Google

 

 

 

 

Em plena vida e violência
De desejo e ambição,
De repente uma sonolência
Cai sobre a minha ausência.
Desce ao meu próprio coração.

Será que a mente, já desperta
Da noção falsa de viver,
Vê que, pela janela aberta,
Há uma paisagem toda incerta
E um sonho todo a apetecer ?

 


Poemas e Poesias domingo, 20 de abril de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 39 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)
TROVAS HUMORÍSTICAS - 38 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)
 

TROVA HUMORÍSTICA 39

Eno Teodoro Wanke

Fonte: Google

 

Dois canibais conversando:

– Mas quem era aquele moço

Que ontem vi contigo andando?

– Não era moço... era almoço

 


Poemas e Poesias sábado, 19 de abril de 2025

VIVO COMO UM SONÂMBULO (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VIVO COMO UM SONÂMBULO

Da Costa e Silva

Fonte: Google

 

 

 

Eu vi o Amor adormecido aos pés da Morte,
Na curva mais suave da minha vida...
Foi quando o coração que sonha, mas não dorme,
Ao perder-te, ficou incontentado e triste.

Desde esse tempo, indiferente ao meu destino,
Vivo como um sonâmbulo que sofre;
Como um fantasma doloroso de mim mesmo,
Seguindo as sombras vacilantes do caminho...

Mas, antes de esquecer-te, espero a morte,
Para o sono de amor de uma noite sem termo.


Poemas e Poesias sexta, 18 de abril de 2025

SETE DE SETEMBRO (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

SETE DE SETEMBRO

Cruz e Sousa

Fonte: Google

 

 

 

Liberdade! Independência!...
 

eis os brados grandiosos
 

que quais raios luminosos
 

fulguraram lá nos céus!...
 

Eis a mágica -Odisséia
 

que duns lábios rebentando,
 

foi o povo transformando,
 

foi rompendo os negros véus!...
 
As colinas, prados, montes,
 

as florestas seculares
 

-os sertões, os próprios mares
 

exultaram com fervor!
 

E os brados retumbaram
 

pela lúcida devesa,
 

pela virgem natureza
 

com homérico clangor!...
 
Qual artista consumado,
 

qual um velho estatuário
 

do Brasil no azul sacrário,
 

essa data vos traçou,
 

-o triunfo mais pujante,
 

a eleita das idéias,
 

a maior das epopéias
 

-q'inda igual não se gerou!...
 
Mas embora, meus senhores
 

se festeje a Liberdade,
 

a gentil Fraternidade
 

não raiou de todo, não!...
 

E a pátria dos Andradas
 

dos -Abreu, Gonçalves Dias
 

inda vê nuvens sombrias,
 

vê no céu fatal bulcão!...
 
Muito embora Rio Branco,
 

esse cérebro profundo
 

que passou por entre o mundo,
 

do Brasil como um Tupá!...
 

Muito embora em catadupas
 

derramasse o verbo augusto,
 

da nação no enorme busto
 

inda a mancha existe, há!...
 
É preciso com esforço,
 

colossal, estranho, ingente,
 

ir o cancro, de repente
 

esmagar que nos corrói!...
 

É preciso que essa Deusa,
 

a excelsa Liberdade,
 

raie enfim na Imensidade
 

mais altiva como sói!...
 
Sai da larva a borboleta
 

com as asas auriazuis
 

e um disco vai -de luz
 

a deixar onde passou!
 

No entanto o grande berço
 

das façanhas de Cabrito
 

inda espera um novo grito
 

como o -Basta- de Waterloo!...
 
Eu bem sei que Guttemberg
 

que esse Fulton primoroso
 

Faust, Kepler grandioso
 

trabalharam té vencer!
 

mas embora tropeçassem
 

acurando os seus eventos,
 

tinham sempre tais portentos
 

a vontade por poder!...
 
Eia! sim! -p'ra Liberdade
 

irrompei qual verbo eterno,
 

como o -Fiat- superno
 

pelos ares a rolar!
 

Eia! sim! -que nossa pátria
 

só precisa -mas de bravos...
 

E em prol desses escravos
 

seu dever é trabalhar!!...
 
Somos filhos dessa gleba
 

majestosa aonde o gênio
 

como o astro do proscênio
 

solta as asas, mui febril!
 

Dos selvagens Tiaraiús
 

e dos brônzeos Guaicurus...
 

Somos filhos do Brasil!...
 
Esperemos, tudo embora!...
 

pois que a sã locomotiva,
 

do progresso imagem viva
 

não se fez a um sopro vão!
 

Aguardemos o momento
 

das mais altas epopéias,
 

quando o gládio das idéias
 

empunhar toda a nação!...
 
Esperemos mais um pouco
 

q'inda há almas brasileiras
 

que se lembrarão, sobranceiras,
 

que é preciso progredir!...
 

Inda há peitos valerosos
 

que combatem descobertos
 

por florestas, por desertos,
 

mas c'os olhos no porvir!...
 
Inda há lúcidas falanges
 

lutadores denodados
 

que se erguem transportados
 

burilando a sã razão!...
 

Inda há quem se recorde
 

do Egrégio Tiradentes
 

que do sangue as gotas quentes
 

derramou pela nação!!...
 
Já nas margens do Ipiranga
 

patrióticos acentos
 

vão alados como os ventos
 

pelos páramos azuis!!...
 

Vamos! Vamos! -eia! exulta,
 

jovem pátria dos renomes...
 

-Vibra a lira, Carlos Gomes!
 

Bocaiúva, espalha luz!!...

Poemas e Poesias quinta, 17 de abril de 2025

MÃOS DADAS (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE()

MÃOS DADAS

Carlos Drummond de Andrade

Fonte: Google

 

 

 

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


Poemas e Poesias quarta, 16 de abril de 2025

SONETO 065 - FERIDO SEM TER CURA PARECIA (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
  
SONETO 065 - FERIDO EM TER CURA PARECIA 
Luís de Camões
(Grafia original) 
Fonte: Google
 
 
Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télepho temido
Por aquelle que na agua foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.

Quando a Apollineo Oraculo pedia
Conselho para ser restituido,
Respondeo-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o ja ferira, e sararia.

Assi, Senhora, quer minha ventura;
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.

Mas he tão doce vossa formosura,
Que fico como o hydropico doente,
Que bebendo lhe cresce mór seccura.

Poemas e Poesias terça, 15 de abril de 2025

CEM TROVAS - 030 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

TROVA 030

Belmiro Braga

Fonte: Google

 

Na Justiça tem confiança

E verás, depois, surpreso

Que, por ter venda e balança

Ela te rouba no peso

 

 


Poemas e Poesias segunda, 14 de abril de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - II MEU ANJO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SPLEEN E CHARUTOS - II MEU ANJO

Álvares de Azevedo

Fonte: Google

 

 


Poemas e Poesias domingo, 13 de abril de 2025

VELHICE (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)
VELHICE

Alberto de Oliveira 

Fonte: Google

 

 

Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.

Quero beber-te por contínuas taças…
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!

Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,


Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura…



Poemas e Poesias sábado, 12 de abril de 2025

POEMA PARA A AMIGA - FRAGMENTO 8 (POEMA DO MINEIRO AFRONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMA PARA A AMIGA - FRAGMENTO 8

Affonson Romano de Sant'Anna

Fonte: Google

 

 

 

Contemplo agora
o leito que vazio
se contempla.
Contemplo agora
o leito que vazio
em mim se estende
e se me aproximo
existe qualquer coisa
trescalando aroma em mim.

Onde o teu corpo, amante-amiga,
onde o carinho
que compungido em recebia
e aquela forma que tranquila
ainda ontem descobrias?

Agora eu te diria
o quanto te agradeço o corpo teu
se o me dás ou se o me tomas,
e o recolhendo em mim,
em mim me vais colhendo,
como eu que tomo em ti
o que de ti me vais doando.

Eu muito te agradeço este teu corpo
quando nos leitos o estendias e o me davas,
às vezes, temerosa,
e, ofegante, às vezes,
e te agradeço ainda aquele instante (o percebeste)
em que extasiado ao contemplá-lo
em mim me conturbei
– (o percebeste) me aguardaste
e nos olhos te guardei.

Eu muito te agradeço, amante-amiga,
este teu corpo que com fúria eu possuía,
corpo que eu mais amava
quanto mais o via,
pequeno e manso enigma
que eu decifrei como podia.

Agora eu te diria
o que não soubeste
e nunca o saberias:
o que naquele instante eu te ofertava
nunca a mim eu já doara
e nunca o doaria.

Nele eu fui pousar
quando cansado e dúbio,
dele eu fui tomar
quando ofegante e rubro,
dele e nele eu revivia
e foi por ele que eu senti
a solidão, e o amor
que em mim havia.

Teu corpo quando amava
me excedia,
e me excedendo
com o amor foi me envolvendo,
e nesse amor absorvente
de tal forma absorvendo,
que agora que o não tenho
não sei como permaneço nesta ausência
em que tuas formas se envolveram,
tanto o amor
e a forma do teu corpo
no meu corpo se inscreveram.


Poemas e Poesias sexta, 11 de abril de 2025

A ROSA DE HIROSHIMA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A ROSA DE HIROSHIMA

Vinícius de Moaes

Fonte: Google

 

 

 

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.


Poemas e Poesias quinta, 10 de abril de 2025

O AGREGADO E O OPERÁRIO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O AGREGADO E O OPERÁRIO

Patativa do Assaré

Fonte: Google

 

 

 

Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.

Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.

Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.

Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.

Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.

Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais.


Poemas e Poesias quarta, 09 de abril de 2025

A RONDA NOTURNA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

A RONDA NOTURNA

Olavo Bilac

(Fonte: Google)

 

 

 

Noite cerrada, tormentosa, escura,
Lá fora. Dormem em trevas o convento.
Queda imoto o arvoredo. Não fulgura
Uma estrela no torvo firmamento.

Dentro é tudo mudez. Flébil murmura,
De espaço a espaço, entanto, a voz do vento:
E há um rasgar de sudários pela altura,
Passo de espectros pelo pavimento...

Mas, de súbito, os gonzos das pesadas
Portas rangem... Ecoa surdamente
Leve rumor de vozes abafadas.

E, ao clarão de uma lâmpada tremente,
Do claustro sob as tácitas arcadas
Passa a ronda noturna, lentamente...


Poemas e Poesias terça, 08 de abril de 2025

PARA ÉRICO VERÍSSIMO (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)
 
A ÉRICO VERÍSSIMO

Mário Quintana

 

 

 

O dia abriu seu para-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.

Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado…

Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!

E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranquila de um açude…


Poemas e Poesias segunda, 07 de abril de 2025

NOITA MORTA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

NOITE MORTA

Manuel Bandeira

 

 

 

Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.

Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.

No entanto há seguramente por ela uma
procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.

O córrego chora.
A voz da noite…

(Não desta noite, mas de outra maior.)


Poemas e Poesias domingo, 06 de abril de 2025

UNS HOMENS ESTÃO SILENCIOSOS (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)
 
UNS HOMENS ESTÃO SILENCIOSOS

Manoel de Barros

 

 

 

Eu os vejo nas ruas quase que diariamente.
São uns homens devagar, são uns homens quase que misteriosos.
Eles estão esperando.
Às vezes procuram um lugar bem escondido para esperar.
Estão esperando um grande acontecimento.
E estão silenciosos diante do mundo, silenciosos.

Ah, mas como eles entendem as verdades
De seus infinitos segundos.


Poemas e Poesias sábado, 05 de abril de 2025

SEGUNDA PARTE (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

SEGUNDA PARTE

Júlio Dinis

 

 

 

A J. , ,

Acredita que os anjos também sofrem
Nesta mansão de dores,
E não olhes o mundo lacrimosa,
Quando o vires despido de fulgores.

Mal sabe, a rosa, ao vicejar lasciva
Em plena Primavera,
Que é passageira a quadra; que após ela
Se despovoa o prado e a morte a espera.

O terreno que pisas nesta vida
Oculta um precipício
O caminho, onde ao fim vemos a glória,
Quantas vezes termina no suplício!

Eu já vi, sobre um túmulo isolado, Um grupo de crianças
Dando as mãos, e travando em chão de morte,
Com risos infantis, alegres danças.

Vi-as também sorrindo descuidadas, Se piedoso viandante
Parava pensativo e, murmurando,
Uma humilde oração, passava adiante.

Assim também sorris, se melancólico
Eu penso no futuro,
Quando uma sombra vem turbar-me a fronte.
Com elas, ris do meu semblante escuro.

Mas olha, vais saber a história triste
Desses três inocentes,
Que sobre as cinzas frias duma campa
Se entregavam a jogos complacentes.

À noite a mãe, beijando-os, estranhou-lhes
Das faces a brancura;
E um presságio sentiu; ao alvor do dia
Levava-os todos os três à sepultura.

É que os ares do túmulo dão morte
Em afago homicida;
Nesse ar infecto em que se extingue a chama,
Também arqueja e expira a luz da vida.

Teme pois também tu, cândida virgem, O ar que aqui respiras;
E não perguntes mais ao viandante
Que pensamentos d’amargor lhe inspiras.

Nota do Autor. – Esta poesia foi enviada ao redactor da Grínalda, João Marques
Nogueira Lima, assinada com o pseudônimo Júlio Dinis, em 9 de Março de 1861
e publicada no 3.° número daquele jornal. No dia 18 de Março, à noite, o Passos
elogiou-a, sem saber quem ara o autor.


Poemas e Poesias sexta, 04 de abril de 2025

QUANDO CHEGARES (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

QUANDO CHEGARES

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Não sei se voltarás
sei que te espero.

Chegues quando chegares,
ainda estarei de pé, mesmo sem dia,
mesmo que seja noite, ainda estarei de pé.

A gente sempre fica acordado
nessa agonia,
à espera de um amor que acabou sendo fé...

Chegues quando chegares,
se houver tempo, colheremos ainda frutos, como ontem,
a sós;
se for tarde demais, nos deitaremos à sombra e
perguntaremos por nós...


Poemas e Poesias quinta, 03 de abril de 2025

LI UM DIA, NÃO SEI ONDE (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

 

LI UM DIA, NÃO SEI ONDE

Florbela Espanca

 

 

 

Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Diga prá mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...


Poemas e Poesias quarta, 02 de abril de 2025

EMISSÁRIO DE UM REI DESCONHECIDO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EMISSÁRIO DE UM REI DESCONHECIDO
Fernando Pessoa

(Grafia original)

 

 

 

Emissário de um rei desconhecido
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anómalo sentido...

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...

Não sei se existe o Rei que me mandou
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...


Poemas e Poesias terça, 01 de abril de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 38 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)
 

TROVA HUMORÍSTICA 38

Eno Teodoro Wanke

 

 Já pediste, se adivinho

O aumento ao gerente? – Já!

Reagiu como um cordeirinho

Que foi que ele disse? – Bah!

 

 

 


Poemas e Poesias segunda, 31 de março de 2025

VERÔNICA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VERÔNICA

Da Costa e Silva

 

 

O sangue que ilumina o pensamento,
Em forma eterna a vida reproduz;
Assim, a imagem do meu pensamento
Se não em sangue, há de gravar-se em luz.

Então, vereis ao vivo refletida,
Entre uma auréola de esplendor cristão, 
A sombra interior da minha vida
A projetar-se do meu coração...

Sob esse aspecto místico e profundo,
Terei a transparência do cristal,
Ampliando a visão múltipla do mundo
Para uma vida sobrenatural.

E o que tenho de humano e de divino
Ante olhares profanos hei de expor,
Nas ascensões e quedas do destino,
Que foram meu Calvário e meu Tabor.

Mas, cauteloso, o espírito tristonho,
Ocultando seu trágico avatar
Sob a névoa translúcida do sonho,
Há de ser como a espuma sobre o mar.

E a luz, que vibra em iris no meu canto,
Revelará, talvez, sem eu querer,
Aos vossos olhos lúcidos de espanto
A beleza intangível do meu ser.


Poemas e Poesias domingo, 30 de março de 2025

LÉSBIA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

LÉSBIA

Cruz e Sousa

 

 

 

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnivora, sangrenta,
Da tua carne bacchica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse labio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, tragico e triste, e passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflictivo... 

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoniaca serpente
Das flammejantes attracções do goso.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Flúem capros arômas e os lethargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...


Poemas e Poesias sexta, 28 de março de 2025

PELAS SOMBRAS (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

PELAS SOMBRAS

Castro Alves

 

 

 

Ao Padre Francisco de Paula
Cest que je suis frappé du doute.
Cest que létoile de la foi
Néclaire plus ma noire route.
Tout est abime autour de moi!

La Morvonnais

Senhor! A noite é brava... a praia é toda escolhos.
Ladram na escuridão das Circes as cadelas...
As lívidas marés atiram, a meus olhos,
Cadáveres, que riem à face das estrelas!

Da garça do oceano as ensopadas penas
O mórbido suor enxugam-me da testa.
Na aresta do rochedo o pé se firma apenas...
No entanto ouço do abismo a rugidora festa! ...

Nas orlas de meu manto o vendaval senrola. . .
Como invisível destra açoita as faces minhas...
Enquanto que eu tropeço... um grito ao longe rola...
"Quem foi?" perguntam rindo as solidões marinhas.

Senhor! Um facho ao menos empresta ao caminhante.
A treva me assoberba... O Deus! dá-me um clarão!

————

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
"Acende, ó Viajor! — o facho da Razão!"

...........................................................................

Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma
Pode a flama subir brilhante, loura, eterna;
Mas quando os vendavais, rugindo, passam nalma,
Quem pode resguardar a trêmula lanterna?

Torcida... desgrenhada aos dedos da lufada
Bateu-me contra o rosto... e se abismou na treva,
Eu vi-a vacilar... e minha mão queimada
A lâmpada sem luz embalde ao raio eleva.

Quem fez a gruta — escura, o pirilampo cria!
Quem fez a noite — azul, inventa a estrela clara!
Na fronte do oceano — acende uma ardentia!
Com o floco do Santelmo — a tempestade aclara!

Mas ai! Que a treva interna — a dúvida constante —
Deixaste assoberbar-me em funda escuridão! ...
E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
"Acende, ó Viajor! a Fé no coração!..."

 


Poemas e Poesias quinta, 27 de março de 2025

CENA ÍNTIMA 9POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU) VÍDEO


Poemas e Poesias quarta, 26 de março de 2025

LAGOA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

LAGOA

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se êle é bravo.
O mar não me importa.

Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
e calma também.

Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa. . .


Poemas e Poesias terça, 25 de março de 2025

SONETO 111 - EU VIVIA DE LÁGRIMAS ISENTO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
 
SONETO 111 - EU VIVIA DE LÁGRIMAS ISETO
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tão doce e deleitoso
que, em que outro amante fosse mais ditoso,
não valiam mil glórias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhüa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tão contente e alegre estado,
e passou-se este bem, que nunca fora;

em troco do qual bem só me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me à memória o bem passado.
 

Poemas e Poesias segunda, 24 de março de 2025

CEM TROVAS - 029 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

TROVA 029

Belmiro Braga

 

 Mulheres que eu vi no banho

Vejo-as depois no salão

Se pelo rosto as estranho

Pelas pernas sei quem são


Poemas e Poesias domingo, 23 de março de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - III VAGABUNDO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SPLEEN E CHARUTOS - III - VAGABUNDO

Álvares de Azevedo

 

 

 

Eat, drink and love; what can the rest avail us?
BYRON. Don Juan.


Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada....

Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!..

Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio;
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora, e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.


Poemas e Poesias sábado, 22 de março de 2025

VELHA FAZENDA - III (POEMA DO FLUMINENSE ALBDERTO DE OLIVEIRA)

VELHA FAZENDA - III

Alberto de Oliveira

 

 

 

— "... Vi um por um, oh! provação tremenda!
Nunca me há de esquecer aquele dia!
Debandar os escravos da fazenda.

A esta, em idos tempos de alegria,
Chamara, porque as tinha, de "Esperança",
"Desengano" melhor lhe chamaria.

Ah! dor nenhuma, como a da lembrança
Da ventura que foi, na desventura
Ferir mais fundo o coração alcança!

Tanta grandeza há pouco! e eis que da altura
Do meu sonho resvalo e me subverto
Chão adentro em rasgada sepultura!

Ergo-me, tonto ainda, olho — o deserto!
Falo — silêncio! movo os braços — nada!
Somente a solidão ao peito aperto.

Minha "Esperança" desesperançada!
Com que ouvidos te ouvi então o rouco
Arrastado mugido da boiada!

Pus-me a chorar, como criança ou louco,
(Esta fraqueza, amigo, não te encubro)
Pus-me a chorar. Naquele mês, em pouco,

A flor do cafezal, filha de Outubro,
Reclamando a colheita, a rir-se agora,
Já mudada se achava em fruto rubro.

Naquele mês a várzea se melhora
Com a estação mais regrada e água da serra;
Ao sol pompeando, todo caule enflora;

Viça o vesco faval, com o humor que encerra;
Os grãos amojam nas espigas de ouro;
Racha com as grossas túberas a terra.

Mas com que mãos colher tanto tesouro?
As mãos Maio as levou, levando o escravo,
Maio agora tornado sestro agouro.

Meu mal, assim pensando, aflito agravo;
Nas terras, nas lavouras em abandono
Em desesperação os olhos cravo.

Depois, a pouco e pouco, um meio sono
Me vem. Olho estas cousas com fastio,
E deixo-as ir, como se vai sem dono

Barco largado na tensão do rio."


Poemas e Poesias sexta, 21 de março de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 7 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMA PARA A AMIGA - FRAGMENTO 7

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Estranho e duro amor
é o nosso amor, amante-amiga,
que não se farta de partir-se
e não se cansa de querer-se.
Amor
todo feito de distâncias necessárias
que te trazem
e de partidas sucessivas
que me levam.
Que espécie de amor
é esse amor que nos doamos
sem pensar e sem querer com tanto amor
e tão profundo magoar?

Estranho e duro amor
que não se basta
e de outros amores se socorre
e se compensa
e neste alheio compensar-se
nunca se alimenta,
mas se avilta e se desgasta.

Estranho amor,
ferino amor,
instável amor

feito sem muita paz,
com certo desengano
e um desconsolo prolongado.

Feito de promessas sem futuro
e de um presente de saudades.
Chorar tão dúbio amor
quem há-de?

Estranho amor
e duro amor
incerto amor,

que não te deu o instante que esperavas
e a mim me sobejou do que faltava.

 


Poemas e Poesias quinta, 20 de março de 2025

A QUEDA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUEDA

Vinícius de Moraes

 

 

 

Tu te abaterás sobre mim querendo domar-me mas eu te resistirei
Porque a minha natureza é mais poderosa do que a tua.
Ao meu abraço procurarás condensar-te em força — eu te olharei apenas
Mansamente alisarei teu dorso frio e ao meu desejo hás de moldar-te
E ao sol te abrirás toda para as núpcias sagradas.
Hás de ser mulher para o homem
E em grandes brados espalharás amor ao céu azul e ao ouro das matas.
Eu ficarei de braços erguidos para os teus seios de pedra
E escorrerá como um arrepio pelo teu corpo líquido um beijo para os meus olhos
Na poeira de luz que se levantará como incenso em ondas
Descerás teus cabelos cheios para ungir-me os pés.

No instante as libélulas voarão paradas e o canto dos pássaros vibrará suspenso
E todas as árvores tomarão forma de corpos em aleluia.
Depois eu partirei como um animal de beleza, pelas montanhas
E teu pranto de saudade estará nos meus ouvidos em todas as caminhadas.


Poemas e Poesias quarta, 19 de março de 2025

O VAQUÊRO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA O ASSARÉ)

O  VAQUÊRO

Patativa do Assaré

 

 

 

 

Eu venho dêrne menino,
Dêrne munto pequenino,
Cumprindo o belo destino
Que me deu Nosso Senhô.
Eu nasci pra sê vaquêro,
Sou o mais feliz brasilêro,
Eu não invejo dinhêro,
Nem diproma de dotô.

Sei que o dotô tem riquêza,
É tratado com fineza,
Faz figura de grandeza,
Tem carta e tem anelão,
Tem casa branca jeitosa
E ôtas coisa preciosa;
Mas não goza o quanto goza
Um vaquêro do sertão.

Da minha vida eu me orgúio,
Levo a Jurema no embrúio
Gosto de ver o barúio
De barbatão a corrê,
Pedra nos casco rolando,
Gaios de pau estralando,
E o vaquêro atrás gritando,
Sem o perigo temê.

Criei-me neste serviço,
Gosto deste reboliço,
Boi pra mim não tem feitiço,
Mandinga nem catimbó.
Meu cavalo Capuêro,
Corredô, forte e ligêro,
Nunca respeita barsêro
De unha de gato ou cipó.

Tenho na vida um tesôro
Que vale mais de que ôro:
O meu liforme de côro,
Pernêra, chapéu, gibão.
Sou vaquêro destemido,
Dos fazendêro querido,
O meu grito é conhecido
Nos campo do meu sertão.

O pulo do meu cavalo
Nunca me causou abalo;
Eu nunca sofri um galo,
pois eu sei me desviá.
Travesso a grossa chapada,
Desço a medonha quebrada,
Na mais doida disparada,
Na pega do marruá.

Se o bicho brabo se acoa,
Não corro nem fico à tôa:
Comigo ninguém caçoa,
Não corro sem vê de quê.
É mêrmo por desaforo
Que eu dou de chapéu de côro
Na testa de quarqué tôro
Que não qué me obedecê.

Não dou carrêra perdida,
Conheço bem esta lida,
Eu vivo gozando a vida
Cheio de satisfação.
Já tou tão acostumado
Que trabaio e não me enfado,
Faço com gosto os mandado
Das fia do meu patrão.

Vivo do currá pro mato,
Sou correto e munto izato,
Por farta de zelo e trato
Nunca um bezerro morreu.
Se arguém me vê trabaiando,
A bezerrama curando,
Dá pra ficá maginando
Que o dono do gado é eu.

Eu não invejo riqueza
Nem posição, nem grandeza,
Nem a vida de fineza
Do povo da capitá.
Pra minha vida sê bela
Só basta não fartá nela
Bom cavalo, boa sela
E gado pr’eu campeá.

Somente uma coisa iziste,
Que ainda que teja triste
Meu coração não resiste
E pula de animação.
É uma viola magoada,
Bem chorosa e apaxonada,
Acompanhando a toada
Dum cantadô do sertão.

Tenho sagrado direito
De ficá bem satisfeito
Vendo a viola no peito
De quem toca e canta bem.
Dessas coisa sou herdêro,
Que o meu pai era vaquêro,
Foi um fino violêro
E era cantadô tombém.

Eu não sei tocá viola,
Mas seu toque me consola,
Verso de minha cachola
Nem que eu peleje não sai,
Nunca cantei um repente
Mas vivo munto contente,
Pois herdei perfeitamente
Um dos dote de meu pai.

O dote de sê vaquêro,
Resorvido marruêro,
Querido dos fazendêro
Do sertão do Ceará.
Não perciso maió gozo,
Sou sertanejo ditoso,
O meu aboio sodoso
Faz quem tem amô chorá.


Poemas e Poesias terça, 18 de março de 2025

MESSALINA (POEMA DO CRIOCA OLAVO BILAC)

MESSALINA

Olavo Bilac

 

 

 

Recordo, ao ver-te, as épocas sombrias
Do passado. Minh’alma se transporta
À Roma antiga, e da cidade morta
Dos Césares reanima as cinzas frias;

Triclínios e vivendas luzidias
Percorre; pára de Suburra à porta,
E o confuso clamor escuta, absorta,
Das desvairadas e febris orgias.

Aí, num trono ereto sobre a ruína
De um povo inteiro, tendo à fronte impura
O diadema imperial de Messalina,

Vejo-te bela, estátua da loucura!
Erguendo no ar a mão nervosa e fina,
Tinta de sangue, que um punhal segura.


Poemas e Poesias segunda, 17 de março de 2025

URBANÍSTICA (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

Mário Quintana

 

 

URBANÍSTICA Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!... Frase de Mario Quintana.


Poemas e Poesias domingo, 16 de março de 2025

NEOLOGISMO (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

NEOLOGISMO

Manuel Bandeira

 

 

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.


Poemas e Poesias sábado, 15 de março de 2025

UMA DIDÁTICA INVENÇÃO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

UMA DIDÁTICA INVENÇÃO

Manoel de Barros

 

 

 

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

c)Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro

etc

etc

etc

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

 

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo

Dar ao pente funções de não pentear

Até que ele fique à disposição de ser uma begônia

Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

 

III

Respeitar repetir – até ficar diferente.

Repetir é um dom de estilo.

 

IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para dálias.

E quando

Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa.

E quando um trevo assume a noite

E um sapo engole as auroras.

 

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

 

VI

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a voz

dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírios.

 

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

 

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às

3 horas da tarde, no mês de agosto.

Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer

em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até

o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

 

X

Não tem altura o silêncio das pedras.

 

XI

Adoecer de nós a Natureza:

– Botar aflição nas pedras

(Como fez Rodin).

 

XII

Pegar no espaço contiguidades verbais é o

mesmo que pegar mosca no ofício para dar

banho nelas.

Essa é uma prática sem dor.

É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode

modificar os seus gorjeios.

 

XVIII

As coisas não querem ser vistas por

pessoas razoáveis:

Elas desejam ser olhadas de azul-

Que nem uma criança que você olha de ave.

 

XIV

Poesia é voar fora da asa.

 

XV

Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o

abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de

um primal deixe um termo erudito. Aplique na

aridez intumescências. Encoste um cago ao

sublime. E no solene um pênis sujo.

 

XVI

Entra um chamejamento de luxúria em mim:

Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda

a espessura de sua boca!

Agora estou varado de entremências.

(Sou pervertido pelas castidades? Santificado

pelas imundícias?)

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

 

XVII

Em casa de caramujo até o sol encarde.

 

XVIII

As coisas da terra lhe davam gala.

Se batesse um azul no horizonte seu olho

entoasse.

Todos lhe ensinavam para inútil

Aves faziam bosta nos seus cabelos.

 

XIX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro moel que fazia uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

 

XX

Lembro um menino repetindo as tardes naquele

quintal.

 

XXI

Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.

Sou um sujeito letrado em dicionários.

Não tenho que 100 palavras.

Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais

ou no Viterbo.

A fim de consertar a minha ignorãça,

mas só acrescenta.

Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:

– Ser ou não ser, eis a questão.

Ou na porta dos cemitérios:

-Lembras que és pó e que ao pó tu voltarás.

Ou no verbo das folhinhas:

-Conhece-te a ti mesmo.

Ou na boca do povinho:

-Coisa que não acaba no mundo é gente besta

e pau seco.

etc

etc

etc

Maior que o infinito é a encomenda.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 14 de março de 2025

PRIMEIRA PARTE (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

PRIMEIRA PARTE

A MEU IRMÃO
(JOSÉ JOAQUIM GOMES COELHO)

Júlio Dinis

 

 

Também tu, meu irmão, inda aos vinte anos, Dizes ao mundo teu extremo adeus!
Deixas-me só e partes! os arcanos
Vais da vida sondar aos pés de Deus?

Inda há bem pouco aspirações ridentes, Despertadas ao sol da juventude,
Te apontavam futuros resplendentes
De mil glórias, de amor e de virtude.

Há pouco em devaneios tão risonhos, Cantavas em sentida poesia
As meigas ilusões, dourados sonhos
Que te adejavam sempre à fantasia.

Há pouco tu julgavas do horizonte
Ver dum belo porvir sorrir-te a aurora,
Bem como a áurea luz c’roando o monte,
Do Sol preced e a chama animadora.

Tudo isso era ilusão, simples quimera, Que aos vinte anos sonhamos acordados; Curta página a sorte te escrevera
No grande livro incógnito dos fados

E enquanto descuidado te entregavas
Aos sonhos da exaltada fantasia,
Sob a florea vereda que trilhavas
A morte, a fria morte, se escondia!

Tu viste uma por uma emurchecerem
As mais viçosas flores da tua vida;
E as esperanças seu verdor perderem
Com a aridez da existência desflorida.

E a vida te pareceu áspero deserto, Assim desguarnecida de ilusões,
De laços materiais cedo liberto
Remontaste às celestes regiões.

Não te lamento, irmão; a tua sorte, Ao que padece, inveja só produz;
Porque às trevas finais da hora da morte
Seguem-se anos sem fim de imensa luz.

Eras justo, no Céu gozas a palma,
Que ao mundo, aqui debalde pedirias,
E os anjos acolheram a tua alma
Num coro de suaves harmonias.

Mas eu, que te amei, pra quem tu eras
Mais que irmão, mais que pai, mais que amigo,
Eu, a quem desde infante ofereceras,
Pra suprir o de mãe fraterno abrigo.

Mais infeliz fui eu ; junto a meu lado Vago está o lugar que abandonaste. Vivo só, com as saudades do passado, Do tempo que de encantos povoaste.

Nesta acerba aridez do meu presente
Recordo-me da vida que passou,
E bem vejo que a sorte fatalmente
Na vida do infortúnio me lançou.

Como a do nauta desditosa sorte,
Que o mar arrosta em tormentosa viagem,
E viu nas ondas que enfurece a morte
Sucumbir todo o resto da equipagem;

Tal o destino meu; entrei no mundo
E saudei-o com hinos de alegria;
Nos êxtases dum júbilo profundo,
O dom da vida a Deus agradecia.

Em ambiente de amor desabrocharam
Na infância as flores da existência minha.
Amor de pai, de mãe, de irmãos, douraram
A amena senda, que ante mim eu tinha.

E depois… ai, irmão! que acerbas dores Juntos sofremos! Murchas, ressequidas, Desfolharam-se as mais viçosas flores, Ceifou a dura morte aquelas vidas.

O belo céu, que nos sorriu na infância, Em brev e se mostrou turbado e triste; A terna mãe pedira a outra estância
A paz, que neste mundo não existe.

E ai daquele, que no alvor da vida Perdeu pra sempre maternais afagos, Ai, que bem cedo a vê ser consumida Por mil anelos, mil desejos vagos.

Ai, bem cedo o sentimos! Separados
Do sol que a infância em luz nos envolvia,
Quais estioladas plantas, assombrados,
A fronte inda infantil, já nos pendia.

E assim viveste! e quando a idade ardente
De mil aspirações te enchia o peito,
Olhaste, e vendo a isolação somente,
Cansado, te deitaste em frio leito.

E eu, em vão no ataúde me curvava, Em vão hei procurado a tua campa;
A morte de mistérios te falava,
Mas nos lábios do morto o dedo estampa.

Em vão te perguntei: Nessa morada
Outros fúlgidos sonhos imaginas?
Ao sair da vida deparaste o nada?
Ou acordaste em regiões divinas?

Mudo ficaste. Os ventos perpassaram, Soltando queixas no volver das folhas, E teus lábios imóveis não falaram,

Nem sequer o irmão saudoso olhas.

Meu Deus! permite que através da lousa
Possa ele ouvir a minha voz ainda,
E desse leito, onde afinal repousa,
Me diga: A vida neste pó não finda;

Me diga: A crença que na leda infância
Aprendemos da mãe é verdadeira;
Há outra vida, há uma outra estância,
Tão feliz, quanto esta é passageira;

Que se encontram os entes mais queridos,
E em eterno amplexo a Deus se humilham;
Oue os prazeres em sonhos concebidos
Só há no espaço onde as estrelas brilham.

E então, ó Senhor, com a fé mais pura
Eu ansiarei pelo supremo instante
Em que, livre da humana desventura,
Demandar tua estância radiante.

Deixa que o amigo ao amigo só revele Os segredos que a morte lhe confia, Esta incerteza… em vão a fé repele,
A dúvida cruel continuo a cria.

Porque negas, Senhor, ao peregrino
Que vai cumprindo só esta romagem ,
Um raio ao menos do saber divino,
Que lhe brade na dúvida: Coragem !?

Porque não ha-de a lousa funerária Erguer-se à voz saudosa da amizade, Para falar à alma solitária
Que anela por saber toda a verdade ?

Porquê?… Mas, Deus, perdoa! eu creio! eu creio! No seu leito de morte o conheci:
Sim, nesse instante de tormentos cheio, No peito a voz da crença bem ouvi!

E por isso prostrei-me de joelhos, E os lábios murmuravam a oração,
E cri então no Deus dos Evangelhos, E a dúvida deixou-me o coração.

Repousa, irmão, à sombra do cipreste; Não repousar na terra é desventura. Dorme no mundo e acorda à luz celeste, Cruzando o limiar da sepultura.

Poemas e Poesias quinta, 13 de março de 2025

PRIMAVERA (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

PRIMAVERA

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

O teu amor, querida,
fez um dia de primavera
neste começo de outono
que é a minha vida.

E do ramo, de onde as primeiras folhas
se soltavam pálidas, sem cor,
surgiu uma flor imprevista:
o teu amor...

Teu amor chegou assim
como uma coisa que no fundo se deseja
mas não se espera,
emocionando o coração, neste começo de outono
como um dia de primavera!
 


Poemas e Poesias quarta, 12 de março de 2025

VELOCIDADE (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

VELOCIDADE

Guilherme de Almeida

 

 

 

Não se lembram do Gigante das Botas de Sete Léguas?
Lá vai ele: vai varando, no seu vôo de asas cegas,
as distâncias...
E dispara,
nunca pára,
nem repara
para os lados,
para frente,
para trás...

Vai como um pária...

E vai levando um novelo embaraçado de fitas:
fitas
azuis,
brancas,
verdes,
amarelas...
imprevistas...

Vai varando o vento: — e o vento, ventando cada vez mais,
desembaraça o novelo, penteando com dedos de ar
o feixe fino de riscas,
tiras,
fitas,
faixas,
listas...
E estira-as,
puxa-as,
estica-as,
espicha-as bem para trás:
E as cores retesas dançam, sobem, descem de-va-gar
paralelamente,
paralelamente
horizontais,
sobre a cabeça espantada do Pequeno Polegar...


Poemas e Poesias terça, 11 de março de 2025

LANGUIDEZ (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

LANGUIDEZ

Florbela Espanca

 

 

 

Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza d’açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...


Poemas e Poesias segunda, 10 de março de 2025

EM HORAS INDA LOURAS, LINDAS (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EM HORAS INDA LOURAS, LINDAS

Fernando Pessoa

 

 

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos....
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.


Poemas e Poesias domingo, 09 de março de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 37 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 37

Eno Teodoro Wanke

 

 Mamãe, esse pedação

Do bolo é pro papaizinho?

É pra você, coração!

Mamãe, mas que pedacinho!

 


Poemas e Poesias sábado, 08 de março de 2025

VERÔNICA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VERÔNICA

Da Costa e Silva

 

 

 

O sangue que ilumina o pensamento,
Em forma eterna a vida reproduz;
Assim, a imagem do meu pensamento
Se não em sangue, há de gravar-se em luz.

Então, vereis ao vivo refletida,
Entre uma auréola de esplendor cristão, 
A sombra interior da minha vida
A projetar-se do meu coração...

Sob esse aspecto místico e profundo,
Terei a transparência do cristal,
Ampliando a visão múltipla do mundo
Para uma vida sobrenatural.

E o que tenho de humano e de divino
Ante olhares profanos hei de expor,
Nas ascensões e quedas do destino,
Que foram meu Calvário e meu Tabor.

Mas, cauteloso, o espírito tristonho,
Ocultando seu trágico avatar
Sob a névoa translúcida do sonho,
Há de ser como a espuma sobre o mar.

E a luz, que vibra em iris no meu canto,
Revelará, talvez, sem eu querer,
Aos vossos olhos lúcidos de espanto
A beleza intangível do meu ser.


Poemas e Poesias sexta, 07 de março de 2025

LEMBRANÇAS APAGADAS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

LEMBRANÇAS APAGADAS

Cruz e Sousa

(Grafia original)

 

 

 

Outros, mais do que o meu, finos olfactos,
Sintam aquelle arôma estranho e bello
Que tu, ó Lyrio languido, singéllo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.

Que outros se lembrem dos subtis e exactos
Traços, que hoje não lembro e não revéllo
E se recordem, com profundo anhélo,
Da tua voz de sideraes contactos...


Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrautos,
Linhas, perfil e tanta dôr saudosa,

Tanto martyrio, tanta magoa e pena,
Precisaria de uma luz serena,
De uma luz immortal maravilhosa !...

 

Poemas e Poesias quinta, 06 de março de 2025

TAPERA (POEMA DO COLUNISTA FUBÂNICO HÉLIO CRISANTO

Hélio Crisanto

 

 

TAPERA

 

 

Toda tapera esquecida
Nos confins desse sertão
Deixa um rastro de saudade
A lembrança de um pagão
Que sucumbiu sem defesa
Vítima de inanição

Quem sabe dessa tapera
Saiu um grande doutor
Um renomado juiz
Um conhecido cantor
Porque entre os pedregulhos
Também germina uma flor

Morcegos, ratos, corujas…
Dormem pelos seus escombros
O fantasma da pobreza
Seu dono levou nos ombros
Antro de vidas passadas
Onde dorme os “malassombros”

Na algaroba pendida
Dorme a casaca de couro
Numa estaca do curral
Arreia o chifre de um touro
Que morreu na sequidão
Berrando num bebedouro

Quem morou nesse casebre
Muita precisão passou
Talvez por necessidade
Varias vezes jejuou
Sem ter o pão da família
Olhou pro céu e chorou

Nela não resta sequer
O mugido de uma ovelha
O lodo do tempo cobre
As costas de cada telha
E o sol castigando as varas
Queimando como centelha

Sem ferrolho e sem tramela
O vento escancara a porta
Nos frechais da cumeeira
Despenca uma linha torta
Morrem secos os vegetais
Nos paus pendidos da horta

Museu de recordações
Rancho das desesperanças
Nas pedras dos teus batentes
Brincaram tantas crianças
Mas hoje da tua história
Restam somente lembranças


Poemas e Poesias terça, 04 de março de 2025

MURMÚRIOS DA TARDE (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

MURMÚRIOS DA TARDE

Castro Alves

 

 

 

Êcoute! tout se tait; songe à ta bien-aimée,
Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,
Le rayon du couchant laisse un adieu plus doux;
Ce soir, tout va fleurir: limmortelle nature
Se remplit de parfums, damour et de murmure,
Comme le lit joyeux de deux jeunes époux.

A. de Musset.

Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela!
Garret.

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirclo douro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho — suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol — não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura — não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
"Leva-me ainda para um novo galho...
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio. . . "
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!"

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto! ...

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, — não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente..."
E eu escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
"Minhalma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentfi Maria!..."


Poemas e Poesias segunda, 03 de março de 2025

CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

 

CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

 


Poemas e Poesias domingo, 02 de março de 2025

JOSÉ (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

JOSÉ

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Poemas e Poesias sábado, 01 de março de 2025

SONETO 000 - EU CANTEI JÁ, E AGORA VOU CHORANDO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
SONETO 000 - EU CANTEI JÁ, E AGORA VOU CHORANDO  
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
Eu cantei já, e agora vou chorando
O tempo que cantei tão confiado:
Parece que no canto ja passado
Se estavam minhas lagrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta, quando?
Não sei; que também fui nisso enganado.
He tão triste este meu presente estado,
Que o passado por ledo estou julgando.

Fizeram-me cantar manhosamente
Contentamentos não, mas confianças:
Cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, se tudo mente?
Porém, que culpas ponho às esperanças,
Onde a fortuna injusta he mais qu'os erros?
 

Poemas e Poesias sexta, 28 de fevereiro de 2025

CEM TROVAS - 028 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 028

Belmiro Braga

 

 Por ver-me alegre e contente

Julga-me o mundo feliz

Nem sempre o coração sente

Aquilo que a boca diz


Poemas e Poesias quinta, 27 de fevereiro de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - I SOLIDÃO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SPLEEN E CHARUTOS - I SOLIDÃO

Álvares de Azevedo

 

 

 

Nas nuvens cor de cinza do horizonte
A lua amarelada a face embuça;
Parece que tem frio, e no seu leito
Deitou, para dormir, a carapuça.

Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
Sem chale, sem camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela procurar amantes;
É douda por amor da noite a filha.

As nuvens são uns frades de joelhos,
Rezam adormecendo no oratório;
Todos têm o capuz e bons narizes,
E parecem sonhar o refeitório.

As árvores prateiam-se na praia,
Qual de uma fada os mágicos retiros....
Ó lua, as doces brisas que sussurram
Coam dos lábios como suspiros!

Falando ao coração que nota aérea
Deste céu, destas águas se desata?
Canta assim algum gênio adormecido
Das ondas mortas no lençol de prata?

Minha alma tenebrosa se entristece,
É muda como sala mortuária....
Deito-me só e triste, e sem ter fome
Vejo na mesa a ceia solitária.

Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro,
À meia-noite vem cear comigo!


Poemas e Poesias quarta, 26 de fevereiro de 2025

VASO GREGO (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

VASO GREGO

Alberto de Oliveira

 

 

 

Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.


Poemas e Poesias terça, 25 de fevereiro de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 6 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

 

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 6

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Estás partindo de mim
e eu pressinto que me partes,
e partindo, em ti me vai levando,
como eu que fico
e em mim vou te criando.
Tanto mais tu me despedes
e te alongas,
tanto mais em mim vou te buscando
e me alongando,
tanto mais em mim vou te compondo
e com a lembrança de teu ser
me conformando.

Estás partindo de mim
e eu pressinto
na verdade, há muito que partias,
há muito que eu consinto
que tu partas como um mito..

Mas não és a única que partes
nem eu o único que fico:
sei que juntos e contrários
nos partimos:
-pois tanto mais nos desencontros nos revemos,
tanto mais nas despedidas consentimos.

 

 


Poemas e Poesias segunda, 24 de fevereiro de 2025

A QUE VEM DE LONGE (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUE VEM DE LONGE

Vinícius de Moraes

 

 

A minha amada veio de leve
A minha amada veio de longe
A minha amada veio em silêncio
         Ninguém se iluda.

A minha amada veio da treva
Surgiu da noite qual dura estrela
Sempre que penso no seu martírio
          Morro de espanto.

A minha amada veio impassível
Os pés luzindo de luz macia
Os alvos braços em cruz abertos
         Alta e solene.

Ao ver-me posto triste e vazio
Num passo rápido a mim chegou-se
E com singelo doce ademane
       Roçou-me os lábios.

Deixei-me preso ao seu rosto grave
Preso ao seu riso no entanto ausente
Inconsciente de que chorava
        Sem dar-me conta.

Depois senti-lhe o tímido tato
Dos lentos dedos tocar-me o peito
E as unhas longas se me cravarem
          Profundamente.

Aprisionado num só meneio
Ela cobriu-me de seus cabelos
E os duros lábios no meu pescoço
          Pôs-se a sugar-me.

Muitas auroras transpareceram
Do meu crescente ficar exangue
Enquanto a amada suga-me o sangue
          Que é a luz da vida.


Poemas e Poesias domingo, 23 de fevereiro de 2025

VOU VORTÁ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

VOU VORTÁ

Patativa do Assaré

 

 

 

VOU VORTÁ PRO MEU SERTÃO
NÃO POSSO ME ACOSTUMÁ
COM O GRANDE REBOLIÇO 
DAS RUA DA CAPITÁ.
VEM UM CARRO EM MINHA FRENTE
E DEPRESSA, DE REPENTE,
JÁ VEM OUTRO POR DETRÁS.
É UMA COISA SEM SOMA,
O FÔRGO QUE A GENTE TOMA
É SÓ CATINGA DE GÁS.
 
 
VOU VORTÁ PRO MEU SERTÃO,
EU NÃO ME ACOSTUMO AQUI.
VOU VIVÊ NO MEU CANTINHO,
LÁ PERTO DO CARIRI.
VOU VÊ A MINHA PALOÇA,
MINHA MUIÉ, MINHA ROÇA,
QUE EU VIVO É DO MEU TRABAIO,
É DA MINHA PRANTAÇÃO,
E DIZ UM VÉIO RIFRÃO:
- CADA MACACO EM SEU GAIO.


JÁ TOU COM MUNTA SODADE
LÁ DAS MINHA CAPOÊRA,
DO MEU CAVALO PEITICA
E DA VACA LAVADÊRA
DE ZEFA, MINHA MUIÉ,
DE JOÃO, DE CHICO E JOSÉ,
E DE TUDO, FINALMENTE.
VOSSIMINCÉIS NÃO CONHECE
O TANTO QUE SE PADECE
LONGE DE CASA DA GENTE.


DÊRNE QUE EU SAÍ DE CASA
NUNCA MAIS COMI PIRÃO
MEXIDO EM PRATO DE BARRO,
COMO SE FAZ NO SERTÃO.
EU POR AQUI NÃO ME APRUMO,
EU MORRO E NÃO ME ACOSTUMO
COM COMIDA DE PENSÃO,
QUE POR MAIS QUE EU FAÇA A ESCÔIA,
SÓ VEJO É FÔIA E MAIS FÔIA,
E EU NÃO SOU LAGARTA, NÃO!


EU NÃO GOSTEI DO REJUME
DA VIDA DA CAPITÁ,
EU AQUI SÓ GOSTEI MUNTO
DO MÁ, DESTE GRANDE MÁ.
QUE POÇO D'ÁGUA, PAI D'ÉGUA!
ELE TEM LÉGUA E MAIS LÉGUA,
A GENTE SÓ SABE É VENDO,
VEVE A RONCÁ COM ORGÚIO,
DE LONGE SE OICE O BARÚIO
DAS ÁGUA SE ARREMEXENDO.


AQUILO É QUE SÊ BONITO,
EITA, MAZÃO COLOSSÁ!
NÃO GOZA NADA DA VIDA
QUEM MORRE SEM VÊ O MÁ.
EU ATARENTADO FICO
DE VÊ AQUELE FUXICO,
A ZOADA DA MARÉ,
AQUELA GRANDE PELEJA
O MÁ TEM UM QUÉ QUE SEJA
QUE SÓ DEUS SABE O QUE É.


VI O MÁ, VORTO CONTENTE,
A VIAGEM NÃO PERDI,
ELE FAZ EU ME ALEMBRÁ
LÁ DOS CAMPO ONDE NASCI
VENDO AS VERDURA DAS ÁGUA,
UMA SODADE, UMA MÁGUA
DENTRO DO MEU CORAÇÃO
COMO PREACA FUROU.
ESSA ÁGUA TEM A CÔ
DAS MATA DO MEU SERTÃO.


EU GOSTEI MUNTO DO MÁ,
VOU VORTÁ MUNTO SODOSO,
E TOU CERTO QUE ELE É GRANDE,
É BONITO E É PERIGOSO
E MAIS PERIGOSO FICA
QUANDO SE ENCÓI E SE ESTICA
NAQUELE CONSTANTE JOGO,
TODO INQUIETO E RENITENTE
PARECE UM CABRA VALENTE
QUANDO TÁ PUXANDO FOGO.


EU INTÉ PEÇO DESCURPA
DA MINHA COMPARAÇÃO.
MAS ELE TEM AS LEVADA
DE UM CABOCO VALENTÃO,
APOIS TEM ARGUMAS HORA
QUE O MÁ SE JOGA PRA FORA,
ESCUMA, PINOTA E BERRA,
TODO RAIVOSO E AFOBADO,
RONCANDO DESESPERADO,
QUERENDO ENGULI A TERRA.


É O GRANDE AÇUDE DE DEUS,
TÃO GRANDE QUE FAZ ESPANTO,
QUE MÊRMO SEM TÊ PAREDE,
NUNCA SAI DAQUELE CANTO.
É ALI FIRME E SEGURO.
EU INTÉ GARANTO E JURO
COMO A TÁ DE INSPETORIA
NÃO FAZ UM DAQUELE JEITO,
E DEUS TARVEZ TENHA FEITO
EM MENO DE MEIO DIA.


DEUS É GRANDE, É PODEROSO,
É O MESTRE DA SANTA PAZ,
FEZ TANTAS COISA NO MUNDO
QUE OS HOME MORRE E NÃO FAZ,
PELEJA, MAS NEM IMITA,
E O MÁ É DAS MAIS BONITA,
DAS BELEZA QUE DEUS FEZ,
SE EU NÃO MORRÊ BREVEMENTE,
EU VORTO CÁ NOVAMENTE
PRA VÊ O MÁ ÔTA VEZ...

Poemas e Poesias sábado, 22 de fevereiro de 2025

LENDO A ILÍADA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

LENDO A ILÍADA

Olavo Bilar

 

 

 

Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.

Arde Troia... De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.

Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:

- Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heroico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.

 


Poemas e Poesias sexta, 21 de fevereiro de 2025

TROVA (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

TROVA

Mário Quintana

 

 

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

 


Poemas e Poesias quinta, 20 de fevereiro de 2025

NAMORADOS (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

NAMORADOS

Manuel Bandeira

 

 

 

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.


Poemas e Poesias quarta, 19 de fevereiro de 2025

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO

Manoel de Barros

 

 

 

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogio.


Poemas e Poesias terça, 18 de fevereiro de 2025

SAUDADE E ESPERANÇA (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

SAUDADE E ESPERANÇA

Júlio Dinis

 

 

 

Ai não foi sonho, não. Era na infância, Duas visões queridas
Ao lado do meu berço me sorriam
De uma amorosa auréola cingidas;

Eu sorria também. Vendo-as tão belas, Por anjos as tomava,
E acordando dum sonho de inocência, Inda a mais gratos sonhos me entregava.

E repetindo as orações ferventes, Que à voz da mãe ouvia,
Olhava-as, e julgava que era a elas
Que tão sentidas preces dirigia.

Quando as via, tão jovens e já tristes, Olhar a mãe chorando,
Eu cismava, e o infortúnio pressentia, Vago ainda, os meus dias ameaçando.

E o infortúnio chegou. Era uma noite, E eu ainda infante
Despertei aos gemidos dolorosos
Das órfãs junto à mãe agonizante!

Transportaram-me ao leito aonde a triste
Lutara na .agonia,
Era tarde! A primeira vez na vida,
Ao beijá-la, suas bênçãos não colhia I

E as lágrimas, tao fluentes na infância
Meus olhos não banhavam!
Então senti que os dias de ventura
Com ela para sempre me deixavam.

Depois os mesmos anjos, que na infância
No berço me sorriam,
Em vez das vestes cândidas d’outrora,
Agora negras túnicas cingiam.

Nunca mais como a flor na Primavera
Eu as vi radiantes;
Mas sim como no Outono ela se ostenta,
Pendendo as alvas pétalas fragrantes.

Pobres flores! tão cedo sem abrigo, Dia a dia enlanguescem
Como as que adornam virginais capelas, E ao fim dum baile pelo chão fenecem.

Como cândidas pombas surpreendidas
Por furiosa tormenta,
Voam amedrontadas a acolher-se
Junto à mãe que no seio as acalenta,

Assim elas também amedrontadas
Das tormentas da vida
Voam pro Céu, e no materno seio
Procuram contra elas fiel guarida.

Um dia eu vi-me só! junto ao meu berço
Os anjos não sorriam,
Nem sequer suas lágrimas saudosas
Uma a uma nas faces me caíam.

Passaram tempos, e da infância aos dias
Seguiu-se uma outra idade ;
Mas nem o tempo, nem paixões mais vivas
Me extinguiram a imagem da saudade.

Ainda as vejo a ambas, quando às vezes
Em sonhadas delicias,
Recordo o tempo da passada infância,
Recordo seu amor, suas carícias.

Outras vezes, mais vago o pensamento, Num só anjo as confunde;
E então adoro essa visão querida,
Que n’aima ignotas sensações me infunde.

Se a imagem delas é como o crepúsculo
Dum dia já passado,
A nova imagem será ainda aurora
Dum dia ardentemente desejado?

Meu Deus! a flor dos campos também murcha
Vive um momento apenas;
Mas depois nova quadra veste os prados
De outro manto de rosas e açucenas.

Também as flores de infantil idade
Eu vi cair sem vida:
Deixa que a nova quadra dos vinte anos
Se adorne de uma túnica florida.


Poemas e Poesias segunda, 17 de fevereiro de 2025

PARADOXO (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

 

PARADOXO

J. G. de Araújo Jorge

 

 

A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.
A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.
Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria
se reparte.


Poemas e Poesias domingo, 16 de fevereiro de 2025

SONETO XXXVIII (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)
 
SONETO XXXVIII
Guilherme de Almeida

 

 

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada,
e estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino.
ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais...
_Que meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!


Poemas e Poesias sábado, 15 de fevereiro de 2025

LÁGRIMAS OCULTAS (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

LÁGRIMAS OCULTAS

Florbela Espanca

 

 

 

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


Poemas e Poesias sexta, 14 de fevereiro de 2025

EM BUSCA DA BELEZA (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EM BUSCA DA BELEZA

Fernando Pessoa

 

    I

Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Cousa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.
 

                         II

Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo não existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitórios quer colhê-la!

Acanhe-se a alma porque não conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havê-la –
À Perfeição – só a desgraça assiste.

Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;

Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.
 

                         III

Só que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar . . . tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez.

A estupidez achou sempre o que quis
Do círculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.

Há dois males: verdade e aspiração,
E há uma forma só de os saber males:
É conhecê-los bem, saber que são

Um o horror real, o outro o vazio –
Horror não menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.
 

                        IV

Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas do mundo.

Aí que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espírito fecundo.

Aí . . . mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar?

É elevar demais a aspiração,
E, falhando esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.
 

                         V

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.

Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.

C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,

Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.
 

                         VI

O sono – Oh, ilusão! – o sono? Quem
Logrará esse vácuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?

Que sono apetecemos? O d’alguém
Adormecido na feliz mentira
Da sonolência vaga que nos tira
Todo o sentir na qual a dor nos vem?

Ilusão tudo! Querer um sono eterno,
Um descanso, uma paz, não é senão
O último anseio desesperado e vão.

Perdido, resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração.


Poemas e Poesias quinta, 13 de fevereiro de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 36 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 36

Eno Teodoro Wanke

 

 

O guarda: rapaz, então

Vai beijá-la aqui, não é

Em pleno parque? Eu, não!

Segure, então, meu boné


Poemas e Poesias quarta, 12 de fevereiro de 2025

VANITAS VANITATUM (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VANITAS VANITATUM

Da Costa e Silva

 

 

 

Não fujas ao destino, nem te afastes
Da rota que te foi traçada um dia,
Que a vida de surpresas e contrastes
Tem de ser fatalmente o que seria.

O tempo, inutilmente, não no gastes
Em rumo oposto à estrela que te guia;
Mas segue em tudo o verbo do Eclesiastes,
Profundo e amargo de sabedoria.

Não te afoites de encontro à própria sorte,
Porque, sendo imutáveis, são eternas
As leis da vida como as leis da morte;

E, se as tuas vaidades tanto externas, 
Não pensas que, sendo homem, não és forte
E que, sendo mortal, não te governas.

 

Poemas e Poesias terça, 11 de fevereiro de 2025

INCENSOS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

INCENSOS

Cruz e Sousa

 

 

Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
por entre os sons dos órgãos soluçantes
sobem nas catedrais os neblinantes
incensos vagos, que recordam hinos...

Rolos d'incensos alvadios, finos
e transparentes, fúlgidos, radiantes,
que elevam-se aos espaços, ondulantes,
em Quimeras e Sonhos diamantinos.

Relembrando turíbulos de prata
incensos aromáticos desata
teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.

Claros incensos imortais que exalam,
que lânguidas e límpidas trescalam
as luas virgens dos teus seios brancos.

 


Poemas e Poesias domingo, 09 de fevereiro de 2025

O CORAÇÃO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

O CORAÇÃO

Castro Alves

 

 

 

O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —


Poemas e Poesias sábado, 08 de fevereiro de 2025

CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranquilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

 


Poemas e Poesias sexta, 07 de fevereiro de 2025

IRMÃOS, IRMÃOS (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRIMMOND DE ANDRADE)

IRMÃOS, IRMÃOS

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Irmão, Irmãos
Cada irmão é diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço,
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mísero caçula.

São seis ou são seiscentas
distâncias que se cruzam, se dilatam
no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,

o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?

São estranhos próximos, atentos
à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objectos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.

Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?


Poemas e Poesias quinta, 06 de fevereiro de 2025

SONETO 109 - EU CANTAREI DE AMOR TÃO DOCEMENTE (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
SONETO 109 - EU CANTAREI DE AMOR TÃO DOCEMENTE 
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
 
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Poemas e Poesias quarta, 05 de fevereiro de 2025

CEM TROVAS - 027 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 027

Belmiro Braga

 

 

Quis a sorte que eu te visse,
quis o amor, que eu te adorasse,
quis o dever que eu partisse,
quis a paixão que eu ficasse.


Poemas e Poesias terça, 04 de fevereiro de 2025

SONETO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SONETO

Álvares de Azevedo

 

 

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Poemas e Poesias segunda, 03 de fevereiro de 2025

VASO CHINÊS (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)
 
VASO CHINÊS

Alberto de Oliveira

 

 

 

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;

Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.


Poemas e Poesias domingo, 02 de fevereiro de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 5 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 5 

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

 

Página branca onde escrevo. Único espaço

de verdade que me resta. Onde transcrevo

o arroubo, a esperança, e onde tarde

ou cedo deposito meu espanto e medo.

Para tanta mentira só mesmo um poema

explosivo-conotativo

onde o advérbio e o adjetivo não mentem

ao substantivo

e a rima rebenta a frase

numa explosão da verdade.

 

E a mentira repulsiva

se não explode pra fora

pra dentro explode

implosiva.


Poemas e Poesias sábado, 01 de fevereiro de 2025

A QUE HÁ DE VIR (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUE HÁ DE VIR

Vinícius de Moraes

 

 

 

Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.
Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo
E virá a mim com os peitos e virá a mim com os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração.

Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.

Ela é o amor vivendo de si mesmo.

É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do mundo.

Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é do forte e a poesia é do poeta.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 31 de janeiro de 2025

A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ) VÍDEO

 


Poemas e Poesias quinta, 30 de janeiro de 2025

O SONHO DE MARCO ANTÔNIO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

O SONHO DE MARCO ANTÔNIO

Olavo Bilac

 

 

 

I

Noite. Por todo o largo firmamento
Abrem-se os olhos de ouro das estrelas...
Só perturba a mudez do acampamento
O passo regular das sentinelas.

Brutal, febril, entre canções e brados,
Entrara pela noite adiante a orgia;
Em borbotões, dos cântaros lavrados
Jorrara o vinho. O exército dormia.

Insone, entanto, vela alguém na tenda
Do general. Esse, entre os mais sozinho,
Vence a fadiga da batalha horrenda,
Vence os vapores cálidos do vinho.

Torvo e cerrado o cenho, o largo peito
Da couraça despido e arfando ansioso,
Lívida a face, taciturno o aspeito,
Marco Antônio medita silencioso.

Da lâmpada de prata a luz escassa
Resvala pelo chão. A quando e quando,
Treme, enfunada à viração que passa,
A cortina de púrpura oscilando.

O general medita. Como, soltas
Do álveo de um rio transvazado, as águas
Crescem, cavando o solo, - assim, revoltas,
Fundas a alma lhe vão sulcando as mágoas.

Que vale a Grécia, e a Macedônia, e o enorme
Território do Oriente, e este infinito
E invencível exército que dorme?
Que doces braços que lhe estende o Egito!...

Que vença Otávio! e seu rancor profundo
Leve da Hispânia à Síria a morte e a guerra!
Ela é o céu... Que valor tem todo o mundo,
Se os mundos todos seu olhar encerra?!

Ele é valente e ela o subjuga e o doma...
Só Cleópatra é grande, amada e bela!
Que importa o império e a salvação de Roma?
Roma não vale um só dos beijos dela!...




Assim medita. E alucinado, louco
De pesar, com a fadiga em vão lutando,
Marco António adormece a pouco e pouco,
Nas largas mãos a fronte reclinando.

II

A harpa suspira. O melodioso canto,
De uma volúpia lânguida e secreta,
Ora interpreta o dissabor e o pranto,
Ora as paixões violentas interpreta.

Amplo dossel de seda levantina,
Por colunas de jaspe sustentado,
Cobre os cetins e a caxemira fina
Do régio leito de ébano lavrado.

Move o leque de plumas uma escrava.
Vela a guarda lá fora. Recolhida,
Os pétreos olhos uma esfinge crava
Nas formas da rainha adormecida.

Mas Cleópatra acorda... E tudo, ao vê-la
Acordar, treme em roda, e pasma, e a admira:
Desmaia a luz, no céu descora a estrela,
A própria esfinge move-se e suspira...

Acorda. E o torso arqueando, ostenta o lindo
Colo opulento e sensual que oscila.
Murmura um nome e, as pálpebras abrindo,
Mostra o fulgor radiante da pupila.

III

Ergue-se Marco Antônio de repente...
Ouve-se um grito estrídulo, que soa
O silêncio cortando, e longamente
Pelo deserto acampamento ecoa.

O olhar em fogo, os carregados traços
Do rosto em contração, alto e direito
O vulto enorme, - no ar levanta os braços,
E nos braços aperta o próprio peito.

Olha em torno e desvaira. Ergue a cortina,
A vista alonga pela noite afora.
Nada vê. Longe, à porta purpurina
Do Oriente em chamas, vem raiando a aurora.

E a noite foge. Em todo o firmamento
Vão se fechando os olhos das estrelas:
Só perturba a mudez do acampamento
O passo regular das sentinelas.


Poemas e Poesias quarta, 29 de janeiro de 2025

TIC-TAC (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

TIC-TAC

Mário Quintana

 

 

 

Esse tic-tac dos relógios
é a máquina de costura do Tempo
a fabricar mortalhas.


Poemas e Poesias terça, 28 de janeiro de 2025

MINHA GRANDE TERNURA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

MINHA GRANDE TERNURA

Manuel Bandeira

 

 

 

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser;
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite
De um túmulo.


Poemas e Poesias domingo, 26 de janeiro de 2025

SOMBRA BOA (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

SOMBRA BOA

Manoel de Barros

 

 

 

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Seu olho exagera o azul.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe, Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.

Poemas e Poesias sábado, 25 de janeiro de 2025

VISITA À CASA PATERNA (POEMA DO CARIOCA LUÍS GUIMARÃES JÚNIOR)

VISITA À CASA PATERNA

Luís Guimarães Júnior

 

 

 

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.


Poemas e Poesias sexta, 24 de janeiro de 2025

QUINZE ANOS (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

QUINZE ANOS

Júlio Dinis

 

 

 

Que são quinze anos, quando a virgem cora? Quando, já triste,
na solidão vagueia?
Que são quinze anos, se ao surgir da aurora, A embala em sonhos embriagante
idéia?

Se ao fim da tarde, em languidez caída, Do peito sente o palpitar
inquieto,
E aspira, ansiosa, mas ardente vida,
Vida de amores, de paixões, de afecto?

Que são quinze anos, quando um sangue ardente
No peito infunde abrasadora lava?
Quando aos assomos da paixão nascente,
A alma da virgem se submete escrava?

Ai, quantas vezes nesses jovens seios
Se esvai bem prestes a infantil bonança?
Quantas se ocultam juvenis enleios,
Nas aparências de pudor, criança?

Vês a palmeira, que no nosso clima Arbusto humilde, um vendaval derruba,
Como nas plagas, que o calor anima, Eleva altiva a majestosa juba?

A mesma vida, que recebe a planta
Nessas paragens onde o Sol dardeja,
O amor, o astro que a existência encanta,
A mesma vida ao coração bafeja.

E tu, que deixas os pueris folguedos, Como a grinalda que esfolhada viste,
E erras em choro por jardins e olmedos, Ai, virgem, virgem, já o amor
sentiste.

Já o aspiraste, percorrendo a relva, Entre perfumes de violeta e
rosas; Falou-te dele o rouxinol na selva,
E a estrela em noites de Verão formosas.

Falou-te dele a matutina brisa,
Por entre as folhas sussurrando meiga;
No prado a linfa, que a correr desliza,
E a borboleta nos rosais da veiga.

Falou-te dele esta gentil paisagem, O azul dos céus, a secular floresta.
Esse o mistério que em subtil linguagem
Às virgens conta a natureza em festa.

Ouvindo, pois, as namoradas falas, Que eu delirante te falei, donzela,
O que receias? porque assim te calas, Rubra de pejo, que te faz mais bela?

Esconde a fronte no meu peito, esconde, Mas não hesites ao dizer-me
que amas.
Que são quinze anos, linda flor? responde, Quando o teu seio se devora
em chamas?


Poemas e Poesias quinta, 23 de janeiro de 2025

OS VERSOS QUE TE DOU (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

OS VERSOS QUE TE DOU

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.


Poemas e Poesias quarta, 22 de janeiro de 2025

SINTA (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

SINTA

Guilherme de Almeida

 

 

Não há porque tentar
A fuga é inevitável
Todos os caminhos
Todas as escolhas
Nada pode evitar o único destino possível

Não importa o sentimento
Não importa o quanto doa
Você precisa fechar os olhos
Precisa viajar em você mesmo
Precisa saber
Não a porque mentir
Você precisa
Sentir


Poemas e Poesias terça, 21 de janeiro de 2025

VOZ DOS ANIMAIS (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

VOZ DOS ANIMAIS

Francisca Júlia

 

 

 

— O peru, em meio à bulha
De outras aves em concerto,
Como faz, de leque aberto?
— Grulha.

— Como faz o pinto, em dia
De chuva, quando se interna
Debaixo da asa materna?
— Pia.

— Enquanto alegre passeia
Girando em torno do ninho,
Como faz o passarinho?
— Gorjeia.

(...)

— Quando a galinha deseja
Chamar os pintos que aninha,
Como é que faz a galinha?
— Cacareja.

— A rã, quando a noite baixa,
Que faz ela a toda hora
Dentre os limos em que mora?
— Coaxa.

(...)

— Que faz o gato, que espia
Uma terrina de sopa
Que fumega sobre a copa?
— Mia.

(...)

— Cheia a boca da babuge
Do milho bom que rumina,
Que faz o boi na campina?
— Muge.

(...)

— A voz tremida do grilo
Que vive oculto na grama,
A trilar, como se chama?
— Trilo.

Mas, escravos das paixões
Que os fazem bons ou ferozes,
Os homens têm suas vozes
Conforme as ocasiões.


Poemas e Poesias segunda, 20 de janeiro de 2025

INCONSTÂNCIA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

INCONSTÂNCIA

Florbela Espanca

 

 

 

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...


Poemas e Poesias domingo, 19 de janeiro de 2025

ELAS SÃO VAPOROSAS (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

ELAS SÃO VAPOROSAS

Fernando Pessoa

 

 

 

Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar...

Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos...
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos...

Passam e agitam a brisa...
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora...

Passam nos ritmos da sombra...
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene...

E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio...

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar ...

 


Poemas e Poesias sábado, 18 de janeiro de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 35 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 35

Eno Teodoro Wanke

 

E quantas vezes por dia

Faz a barba, cavalheiro?

Umas cinquenta, varia

Como assim? Eu sou barbeiro!

 


Poemas e Poesias sexta, 17 de janeiro de 2025

ULTRA KUNUBA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

U

ULTRA LIMINA

Da Costa e Silva

 

 

 

Em frágil barca de ébano e marfim,
De tírias velas côncavas ao vento,
Vago pela amplidão do firmamento
Nas ondas do éter pelo azul sem fim...

Aonde vou nesse estranho bergantim, 
Veloz e afoito como o pensamento?
Que céu de sonho, que país nevoento,
Que mundo de mistério busco, enfim?

Nos extremos remotos do horizonte,
Perde-se a barca, espaço em fora, sem
Que com o porto encantado se defronte.

Colho as velas, deito a âncora, porém
Surge na proa o vulto de Caronte, 
Com a mão no leme, a dirigir-me: — Além!

 

 

 


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