Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo segunda, 16 de junho de 2025

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO – E NA JANELA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS)

“Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta.

Não tendes vós muito mais valor do que elas?

E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?

E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos?

Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;

E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles”.

Mt 6,26-29

 

Lírios da Paz no campo

 

O mundo está moderno. Pessoas estão a caminho e, deduz-se, vão demorar chegar para um encontro. Outras, faz tanto tempo que chegaram, estão ávidas para ir embora – deixando o encontro para Pasárgada. Mas, é bom lembrar que, lá, nem todos são amigos do Rei.

Elvira, “Vivi”, filha primogênita e única daquele casal que herdou fortuna dos pais e dos avós. Fazendeiros ricos que continuaram investindo no agronegócio no interior goiano. Investiram, duplicaram a riqueza e empregaram centenas de pessoas. Boa gente, melhor dizendo.

Além do alto investimento na bovinocultura e ovinocultura, o casal investiu, também, na floricultura. Os resultados imediatos satisfizeram e, nesse campo, o investimento foi maior, quando problemas familiares surgiram.

Vivi, filha do casal, sentia incômodos e deficiência visual. Diagnosticada, adquirira doença visual rara, de nome “presbiopia”, provavelmente fruto de sequelas de uma toxoplasmose.

O patamar financeiro dos pais de nada servia para resolver o problema de Vivi. Os pais se dedicaram inteiramente à filha. Nada lhe faltava.

Vivi não ficou cega. Teve acuidade visual diminuída em noventa por cento, o que lhe causava profunda tristeza e irritação. O amor e a dedicação dos pais aliviavam os problemas.

A rotina doméstica mudou intempestivamente. O pai, que se acostumou a resolver quase todos os problemas ao lado da esposa, passou a resolvê-los só. A mãe precisou dividir as tarefas diárias, dedicando a maioria delas à Vivi.

A parte da manhã era rotina um passeio no campo, onde os “lírios da paz” – todos brancos! – eram cultivados. Vivi acompanhava a mãe, que aproveitava para colher ramalhetes de lírios que colocava num vaso na janela. Todo dia os lírios eram trocados, e a janela, sempre aberta, permitia que o vento perfumasse levemente os aposentos de Vivi.

– Vamos filha! Vamos passear no campo e colher lírios!

– Vamos mãe. Já estou pronta. O que a senhora faz com os lírios que são substituídos?

– Tiro uma das pétalas e guardo. Depois, dou o destino necessário pata as pétalas que sobram. Rezo, e as jogo no córrego pedindo Paz!

– Deus tem sido bom e tem atendido seus pedidos?

As duas saem em direção ao campo. O vento trazia um perfume inconfundível, enquanto mãe e filha caminhavam em passos lentos, usufruindo a paz dos lírios no campo.

Por um momento, o comentário de Vivi (“que coisa mais linda mamãe, a beleza de cada lírio branco contrastando com o verde das folhas”) chamou a atenção da mãe, e lágrimas rolaram pelos seus olhos.

– Nem duvido que você esteja vendo tudo isso, filha!

– Deus é bom, mãe. Sinto, como se estivesse vendo!

E as duas se abraçaram fraternal e carinhosamente. A mãe aproveitou para colher os ramalhetes de lírios brancos. As duas, agora em passos mais lentos para aproveitar aquele momento de paz e felicidade, voltaram para casa.

Os lírios do vaso na janela foram trocados. A mãe arrancou suavemente uma pétala e guardou. Saiu da casa e foi até o córrego, onde “ofereceu” aos santos, os lírios brancos da paz.

No novo dia que chegou, após o café matinal, e antes da saída do pai para o trabalho na granja, Vivi pediu:

– Pai, compra um computador e me dá de presente!

Ainda que achasse aquele pedido estranho, o pai ouviu e nada respondeu. Os dias se passaram e o computador com teclado apropriado foi instalado no cômodo de Vivi.

Os dias de Vivi passaram a ser diferentes. Mais alegres. Parecendo até que algumas horas foram acrescentadas nas vinte e quatro normais. Apesar disso, os passeios no campo de lírios não diminuíram. Ao contrário. Ficaram mais divertidos e aquilo alegrava também a mãe de Vivi. Era visível a felicidade da filha, ainda que acometida de problema tão grave e de difícil solução.

Certo dia, operando o computador, Vivi falou em voz alta:

– Como é você? Perguntou Vivi, no exato momento que a mãe entrava no quarto com uma pequena bandeja nas mãos. O susto foi enorme.

– Com quem você está falando filha? Perguntou a mãe, aflita!

– Com um rapaz que conheci ontem no Facebook. Respondeu Vivi.

– Deus dos céus! (“Minhas preces quando jogo os ramalhetes de lírios no córrego estão sendo ouvidas por Deus”)

Além do teclado especial para deficiente visual, o pai de Vivi comprou, também, fones/microfones modernos, o que permitia que a filha mantivesse contatos com outras pessoas.

Aquele era um momento diferente. Frank, o nome do interlocutor e, agora, amigo de Vivi.

A casa recebeu novo astral. A preocupação com a “presbiopia”, contraída por Vivi diminuiu ante a possibilidade de recuperação total: graças ao amor.

Vivi nunca falou para Frank o seu problema visual. Os momentos de alegria com o relacionamento superaram qualquer necessidade de revelação. O amor poderia curar tudo.

Uma visita de Frank à casa de Vivi foi marcada. Chegado o dia, Vivi recebeu da mãe o comunicado que a visita havia chegado. As duas preferiram receber o visitante no cômodo onde Vivi permanecia sempre. A janela foi aberta. As cortinas foram amarradas e o ar puro que entrava fazia do cômodo um lugar prazeroso.

A mãe de Vivi convidou Frank para ir ao encontro da filha, no quarto. Os três estavam juntos. A mãe preferiu deixá-los a sós. Vivi, tão emocionada com o momento, permaneceu sentada e acessando o computador.

Frank se aproximou, cumprimentou Vivi. A jovem pediu para que Frank lesse uma postagem recente que fizera. Só então Frank percebeu a diferença especial do teclado, concluindo que Vivi era cega. Embora não fosse.

 

Lírios da Paz na janela

 

Vivi levantou, cumprimentou Frank e o convidou a ir até a janela, de onde poderiam olhar os lírios no campo.

Aquele horizonte branco que apareceu, visto da janela, por um momento foi visto pelos dois. Vivi, intempestivamente, viu o campo repleto de lírios da paz. Agora, também do amor.


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