Ovos de Páscoa estão bem mais caros neste ano
Pesquisas apontam alta de 16% no preço médio do chocolate e ovos mais baratos chegam a custar 24% a mais neste ano. Consumidores buscam alternativas para driblar os preços altos
CNC prevê queda de 1,4% no comércio de produtos relativos à Pascoa neste ano, R$ 3,36 bilhões. Abicab estima vendas de 45 milhões de ovos - (crédito: Guilherme Felix CB/DA Press )x
CNC prevê queda de 1,4% no comércio de produtos relativos à Pascoa neste ano, R$ 3,36 bilhões. Abicab estima vendas de 45 milhões de ovos - (crédito: Guilherme Felix CB/DA Press )
Na festa cristã da ressurreição de Jesus Cristo, o tradicional ovo de chocolate com bombons ou brindes dentro faz parte da comemoração há centenas de anos. No entanto, o forte aumento no preço desse produto pode tornar a Páscoa de 2025 menos doce para mais pessoas. Com a inflação crescente, consumidores usam a criatividade para fugir dos preços altos, enquanto que outros fazem um planejamento para não deixar a tradição passar em branco.
O costume de presentear ovos na Páscoa é antigo. Os primeiros ovos de chocolate com bombons dentro surgiram na França, no século XVIII, mas era acessível somente às elites, devido aos preços elevados do cacau e do açúcar naquela época. Três séculos depois, a situação não é muito diferente. O costume de presentear amigos e familiares com ovos de chocolate se manteve, mas os preços estão cada vez mais altos.
Conforme um levantamento realizado pelo site Buscapé durante a primeira semana de abril, o preço médio deste produto aumentou 21% na comparação com o mesmo período de 2024, com um avanço de R$ 94 para R$ 114. Até as opções consideradas mais baratas no mercado ficaram ainda mais salgadas na Páscoa deste ano: o menor preço registrado pela pesquisa subiu 24% e chegou a R$ 36.
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Apesar disso, o maior preço encontrado teve baixa de 29%, o que, de acordo com os pesquisadores, pode refletir mudanças no mix de produtos ou a adoção de estratégias promocionais no segmento premium.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), a estimativa é que sejam comercializados cerca de 45 milhões de ovos em 2025, apesar de a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) projetar uma leve queda de 1,4% nas vendas de produtos relativos à Páscoa, neste ano, para R$ 3,36 bilhões.
Carestia
A carestia dos ovos, no entanto, é explicada pela valorização dos próprios insumos que integram a receita desses produtos. Dois exemplos de fácil ilustração são o cacau e o açúcar, fundamentais na composição do chocolate, principalmente no tipo "ao leite". Apesar de o açúcar refinado ter ficado 1% mais barato neste ano, em relação a 2024, e o tipo cristal se manter praticamente estável, o preço desses produtos acumula alta superior a 80%, nos últimos cinco anos, de acordo com dados levantados pela Rico.
A mesma pesquisa ainda revela que o preço do chocolate em barra teve valorização de 16% em relação à Páscoa do ano passado, enquanto que os bombons ficaram 12% mais caros. Os dados foram extraídos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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O analista de pesquisa da Rico, Antônio Sanches, explica que os efeitos climáticos tiveram um impacto relevante no preço dos alimentos. "Houve chuva para plantações que não precisavam tanto de chuva e para outras que não tiveram tanta chuva assim, como foi o caso do café, que também é outro que não está no nosso estudo, mas também sofreu um aumento de preço aqui por eventos climáticos", ressalta.
Logicamente, a inflação mais alta desestimula o consumo, o que tende a fazer com que os consumidores busquem por outras alternativas, como explica o analista. "É importante que o comprador entenda o quanto vale essa tradição de consumir o ovo de Páscoa, se é possível trocar por alternativas mais baratas, como uma barra de chocolate ou até a produção de um ovo de Páscoa caseiro ou compra de um ovo de Páscoa mais barato com outros fornecedores menos populares para você ter essa tradição, ainda, dentro desta época do ano", acrescenta Sanches.
Alternativas
A criatividade pode ser uma aliada para driblar a escalada dos preços dos ovos de chocolate. A estudante universitária Sofia Valente, de 24 anos, por exemplo, decidiu não consumir mais ovos de Páscoa. Para ela, o sabor já não é igual e a experiência de comer chocolate na Páscoa deixou de ser tão prazerosa. "Acho um grande absurdo o valor que é cobrado simplesmente pelo formato ser oval", reclama.
Diante disso, Sofia buscou outras alternativas. Todos os anos, ela e sua família procuram produtos artesanais para presentear no feriado: "O que fazemos aqui em casa é inventar outras guloseimas. Neste ano, acho que vou dar suspiros e biscoitinhos na temática da Páscoa", revela a estudante. Ela conta que, além de economizar, essa iniciativa também incentiva pequenos empreendedores locais.
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Foi justamente ao perceber a diferença de qualidade entre os produtos industriais e os feitos artesanalmente que o cozinheiro Kleber Esteves decidiu apostar na produção de ovos de Páscoa caseiros. A entrada nesse mercado ocorreu em 2022, motivada por uma lacuna visível entre o que era oferecido nos supermercados e o que ele sabia que poderia produzir. "Como eu sou cozinheiro, eu enxerguei essa brecha no mercado", afirma.
A oportunidade de renda extra juntou-se à possibilidade de oferecer um produto com ingredientes mais nobres e sem aditivos comuns nos chocolates industrializados. "Hoje, você tem ovos de qualidade, mas também tem muitos com gordura hidrogenada, feitos com cobertura de chocolate. Não é chocolate nobre", compara.
Em 2024, o cozinheiro chegou a vender ovos de colher de 450g por R$ 35. Segundo ele, neste ano, o mesmo produto passou a custar cerca de R$ 60, ou seja, quase o dobro, devido à inflação. Ainda assim, os preços continuam mais atrativos do que os praticados pela indústria, especialmente para um público mais exigente com a qualidade, pois, no supermercado, os preços variam entre R$ 90 e R$ 120. E, mesmo com o aumento nos custos, a margem de lucro dele continua sendo alta: a rentabilidade por unidade pode chegar a 400%. "Se eu vendo um ovo por R$ 35, ele me custa em torno de R$ 8 para fazer", acrescenta.
Além da vantagem financeira, a fidelidade do público também ajudou a ampliar o negócio. Clientes que compravam um ano retornavam no seguinte, muitas vezes, por indicação de outros consumidores. A criatividade também ajuda nas vendas dele, como no caso dos ovos de colher com recheios variados, que fazem sucesso entre as crianças. "Eles sabem que vão gastar bem menos do que no supermercado", afirma Kleber.
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Valorização
Além dos fatores climáticos e da inflação em alta, é necessário entender que a disparada do dólar em relação ao ano passado, quando ainda estava abaixo de R$ 5, também ajuda a explicar o valor mais caro dos ovos. Mesmo produtos nacionais costumam levar em sua composição matérias-primas importadas, como o cacau, por exemplo, que nos últimos anos foi comprado em maior escala pelo Brasil para suprir a demanda interna.
Por conta do aumento do dólar e de outros custos de importação e produção, as indústrias repassam a inflação para os consumidores, como explica o sócio-diretor da Cherto Consultoria, Américo José. "O custo de logística também subiu. Frete, energia, dólar, tudo isso pesa. As empresas repassam esse aumento para manter a margem", destaca.
Apesar da disparada dos preços, o consumo de chocolates no mundo segue em alta, o que também ajuda a explicar a queda na oferta ocasionada por aumento de demanda, mantendo os preços elevados. "A conta não fecha: tem mais gente querendo comprar e menos produto disponível. Tem também o pessoal do mercado financeiro apostando que o preço vai subir ainda mais. Isso movimenta muito dinheiro e faz o preço subir ainda mais rápido", acrescenta o consultor.
Propaganda
O setor publicitário das marcas tradicionais de chocolates tem atuado de forma mais intensa para impulsionar o comércio dos produtos, por meio de estratégias que agregam valor emocional e simbólico aos produtos, especialmente em datas comemorativas, como explica Leopoldo Jereissati, fundador da All Set Comunicação. "Para driblar o impacto da inflação e estimular as vendas, as marcas têm apostado em brindes colecionáveis, que aumentam o valor percebido pelo consumidor e incentivam a recompra. Outra tática recorrente é o apelo à nostalgia, com o relançamento de sabores icônicos, que evocam memórias afetivas e reforçam a conexão emocional com o público", pontua o especialista que acompanha de perto as estratégias de marketing das grandes empresas do setor.
A expectativa é que a estratégia de marketing proporcione resultados concretos ainda este ano. Para o consumidor que não deixa de manter a tradição do ovo de Páscoa, o economista-chefe da CNC, Fábio Bentes, aconselha a comprar com boa antecedência e pesquisar em diferentes estabelecimentos, sejam físicos ou pela internet.
"O melhor seria investir em um atacarejo, que tem sido uma saída do consumidor nos últimos anos", destaca Bentes. "A questão é se adaptar e fazer esse 'match' do orçamento com o desejo de consumir nesta época. Não vale a pena, em hipótese alguma, assumir qualquer tipo de endividamento pelo consumo desse bem, à medida que a taxa de juros está subindo e isso compromete a capacidade de consumo no decorrer do ano. Então, é procurar fazer, sim, a boa e velha pesquisa de mercado e ver, sair de casa, tendo consciência do quanto está disposto a consumir", complementa o economista da CNC.
*Estagiária sob a supervisão de Rosana Hessel