SEGUNDA PARTE
Júlio Dinis
Acredita que os anjos também sofrem
Nesta mansão de dores,
E não olhes o mundo lacrimosa,
Quando o vires despido de fulgores.
Mal sabe, a rosa, ao vicejar lasciva
Em plena Primavera,
Que é passageira a quadra; que após ela
Se despovoa o prado e a morte a espera.
O terreno que pisas nesta vida
Oculta um precipício
O caminho, onde ao fim vemos a glória,
Quantas vezes termina no suplício!
Eu já vi, sobre um túmulo isolado, Um grupo de crianças
Dando as mãos, e travando em chão de morte,
Com risos infantis, alegres danças.
Vi-as também sorrindo descuidadas, Se piedoso viandante
Parava pensativo e, murmurando,
Uma humilde oração, passava adiante.
Assim também sorris, se melancólico
Eu penso no futuro,
Quando uma sombra vem turbar-me a fronte.
Com elas, ris do meu semblante escuro.
Mas olha, vais saber a história triste
Desses três inocentes,
Que sobre as cinzas frias duma campa
Se entregavam a jogos complacentes.
À noite a mãe, beijando-os, estranhou-lhes
Das faces a brancura;
E um presságio sentiu; ao alvor do dia
Levava-os todos os três à sepultura.
É que os ares do túmulo dão morte
Em afago homicida;
Nesse ar infecto em que se extingue a chama,
Também arqueja e expira a luz da vida.
Teme pois também tu, cândida virgem, O ar que aqui respiras;
E não perguntes mais ao viandante
Que pensamentos d’amargor lhe inspiras.
Nota do Autor. – Esta poesia foi enviada ao redactor da Grínalda, João Marques
Nogueira Lima, assinada com o pseudônimo Júlio Dinis, em 9 de Março de 1861
e publicada no 3.° número daquele jornal. No dia 18 de Março, à noite, o Passos
elogiou-a, sem saber quem ara o autor.