
Seu Estrelo é filho de Sinhá Laiá, uma criança linda nascida do canto da mata e crescida no Cerrado. O encanto da menina era tanto que o Tempo se apaixonou por ela, mas quis o destino que, já moça, Laiá se apaixonasse pelo Rio, irmão do tempo. É essa figura, a mais importante do terreiro de Seu Estrelo e seu Fuá, o objeto da celebração deste sábado (12/4) na Vila Cultural Cobra Coral, que abriga o grupo, na quadra 813 Sul. A festa de Abrição vai homenagear a mãe de Estrelo e de toda a mitologia do Calango Voador, patrimônio cultural do DF. "Pra gente, sinhá Laiá é a grande mãe da brincadeira, a figura, talvez, mais importante. É a primeira figura em formato humano que surge no mito", explica Tico Magalhães, fundador do Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro.
A Abrição é a primeira das três festas realizadas por ano pelo grupo. Desde o ano passado, todas fazem parte do calendário oficial de festejos do Distrito Federal. Em junho, a celebração é de Seu Estrelo e em setembro, a festa Alada comemora o mito do Calango Voador. Para Tico Magalhães, ter esses festejos no calendário oficial é um reconhecimento importante. "É bom porque, primeiro, traz um olhar mais amplo da brincadeira, esse é um primeiro lugar. Alcança as pessoas. Acho que afirma a brincadeira no sentido de começar um trabalho de identidade junto à cidade", diz. "Agora tem uma identidade da cidade, do Cerrado. Acho importante porque a gente soma com mais um elemento que é uma tradição para a cultura popular brasileira."
A festa deste sábado começa às 19h com apresentação da Orquestra Alada Trovão da Mata, que vai realizar um grande cortejo para preparar o público para a chegada da Sinhá Laiá. Por essa apresentação passam algumas das 80 figuras do terreiro, personagens do mito do Calango Voador que foram se revelando para Tico ao longo dos 21 anos de existência da brincadeira. "A orquestra é esse lugar onde tem mais pessoas que vêm, fazem oficinas e vão tocar. É um lugar que absorve mais o público da gente. Não tem limite de batuque nem de figureiro. Algumas pessoas de fora vêm para a festa para sair na orquestra", conta.
Hoje, a festa vai contar com a presença do Boi Marinho, sob o comando de Helder Vasconcelos, do Mestre Ambrósio, e com o Afoxé Pandá, ambos de Pernambuco. "Eles são referência de afoxé em Pernambuco. Dentro da brincadeira da gente, Laiá está ligada a Oxum, por isso eles estão vindo. É uma referência também do movimento negro em Pernambuco. E como Laiá também é do rio, e Oxum é do rio, estamos trazendo Oxum para ela", explica Tico. O Pandá nasceu da vontade do movimento negro de Recife de levar a brincadeira do terreiro para a rua com um enredo que valorizasse as lutas e a cultura negra. Os cantos e danças homenageiam os orixás e entidades das religiões de matriz africana.
Depois do afoxé, é a vez do Boi Marinho de Helder Vasconcelos, que chega a ter mais de 80 integrantes durante o carnaval, o auge da brincadeira, mas que desembarca em Brasília com boi, estandarte e 13 pessoas. "O que a gente está levando para essa festa é um formato híbrido: a gente vai brincar um pouco no espaço da plateia, com se fosse um cortejo e uma festa de rua, mas depois vai subir no palco e se apresentar como um grupo", avisa Helder, que criou o boi em 2000, inspirado nas brincadeiras do cavalo marinho e do maracatu rural. O enredo, ele explica, está muito ligado à tradição popular do cavalo marinho e consiste em levantar o boi na primeira parte e realizar as visitas a seu Estrelo na segunda. A brincadeira também se assemelha a um bumba meu boi, mas com particularidades resultantes da mistura proposta por Helder. "A própria característica das brincadeiras do boi é a possibilidade de ser muito diversificada. Nossa brincadeira tem estruturas tradicionais, mas somos uma criação, é uma brincadeira de rua", avisa.
O boi marinho encerra a festa, mas antes seu Estrelo chega para receber a mãe, Laiá, em um encontro que terá muito canto e muita dança. O grupo preparou novidades para este ano, como um conjunto de bonecos de pássaros criados para receber a personagem. Para Tico, a presença de Helder Vasconcelos é uma maneira de estabelecer pontes entre tradições irmãs construídas sobre as mesmas raízes. "Eles também brincam com essa coisa de invenção popular. Helder entende muito a brincadeira como invenção. É um grupo irmão do seu Estrelo, que enxerga a cultura popular através do tempo e carrega um olhar para o futuro. Por isso, para festejar a festa como lei no calendário do DF, resolvemos trazer o boi marinho", explica.
Festa da Abrição
Este sábado (12/4), às 19h, na Vila Cultural Cobra Coral (813 Sul)
- 19h — Orquestra Alada Trovão da Mata
- 20h — afoxé Oxum Pandá
- 21h — Boi Marinho