Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias domingo, 20 de outubro de 2019

AURORA NO FRONT (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

AURORA NO FRONT

Manoel de Barros

 

Das mãos caíam rezas como orvalho
Caíam rezas das mãos curvas
Sobre a aurora entrevista
No fantástico andar dos gatos.


Poemas e Poesias sábado, 19 de outubro de 2019

O VERME, POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS

O VERME

Machado de Assis

 

Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.

Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.

Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,

Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.


Poemas e Poesias sexta, 18 de outubro de 2019

AMORAR (POMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

AMORAR

Luís Turiba 

 

 

 
Bendito beijo na boca de um amor que a si
se basta dois corpos uma só flecha um sopro
um impulso nada o acalma o tiro do sono
de um misto de almas que é um ente vivo que
borda e pinta a fantasia com morangos na pele
& azula a Terra com mel e pula-pula – ora
ninguém segura o pulsar apaixonado de um
coração apaixonado – oh o amor, meu Deus -,
como é bom amar passear nas nuvens sentir
o cheiro da maçã o dando está todo a ocupar
o vazio do poema como um frio gélido subindo
espinha acima assim com aquele riso que nasce
sozinho e amigo:
amorô
amorradíssimo
amoradão
amor grã
amor in
amor vermelho de campari com limão
amor zum
amor zaun
amor zum zum
amor zim zim
amor doce de leite
amor azeite (quente)
amor chocolate de bombom
amor de doer, de gritar, de ficar
sem falar sem comer sem dormir
amor hê!
amor ah!
amor de ninhos
amor de filhos
amor é coisa alegre
amor é coisa triste
amor é muito mais
eu que o vi quero vê-lo: vísse!

Poemas e Poesias quinta, 17 de outubro de 2019

EPICICLO (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

EPICICLO

Jorge de Lima

 

Alma, sê forte; corpo, sê robusto!

Nesse conflito atávico e instintivo

Sê como o gênio que possante e altivo

Constrói antes de morto o próprio busto!

 

Refreia o teu instinto e o doma a custo

Da dor — da grande dor de seres vivo...

Eu quero! — esse presente indicativo

Otávio a conjugá-lo fez-se Augusto...

 

Mas nunca concretizes teu ideal!

Um ideal realizado é um transparente

Fruto que ao ser provado sabe mal!

 

O artista é como o Errático do mito:

Onde pensa que é o fim, surge-lhe à frente

A estrada interminável do Infinito!


Poemas e Poesias quarta, 16 de outubro de 2019

AQUELA (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

AQUELA

Hilda Hilst

Aflição de ser eu e não ser outra.

Aflição de não ser, amor, aquela

Que muitas filhas te deu, casou donzela

E à noite se prepara e se adivinha

 

Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha

Que te retém e não te desespera.

(A noite como fera se avizinha)

 

Aflição de ser água em meio à terra

E ter a face conturbada e móvel.

E a um só tempo múltipla e imóvel

 

Não saber se se ausenta ou se te espera.

Aflição de te amar, se te comove.

E sendo água, amor, querer ser terra.

 


Poemas e Poesias terça, 15 de outubro de 2019

MORRER... DORMIR (POEMA DO CARIOCA FRANCISCO OTAVIANO DE ALMEIDA ROSA)

VIVER... MORRER

Francisco Otaviano de Almeida Rosa

 

Morrer .. dormir .. não mais! Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!

Sim! minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores!
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.

Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esbroe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!

É tempo já que o meu exílio acabe,
Vem, pois, ó Morte, ao Nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?


Poemas e Poesias segunda, 14 de outubro de 2019

MAIO 1964 (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

MAIO 1964

Ferreira Gullar

 

Maio 1964

Na leiteira a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio.
Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.
Mas quantos amigos presos!
quantos em cárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.
Há muitas famí lias sem rumo esta tarde
nos subúrbios de ferro e gás
onde brinca irremida a infância da classe operária.
Estou aqui. O espelho
não guardará a marca deste rosto,
se simplesmente saio do lugar
ou se morro
se me matam.
Estou aqui e não estarei, um dia,
em parte alguma.
Que importa, pois?
A luta comum me acende o sangue
e me bate no peito
como o coice de uma lembrança.

Poemas e Poesias domingo, 13 de outubro de 2019

AS TUAS MÃOS TERMINAM EM SEGREDO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

AS TUAS MÃOS TERMINAM EM SEGREDO

Fernanado Pessoa

 

As tuas mãos terminam em segredo.

Os teus olhos são negros e macios

Cristo na cruz os teus seios (?) esguios

E o teu perfil princesas no degredo...

 

Entre buxos e ao pé de bancos frios

Nas entrevistas alamedas, quedo

O vento põe seu arrastado medo

Saudoso a longes velas de navios.

 

Mas quando o mar subir na praia e for

Arrasar os castelos que na areia

As crianças deixaram, meu amor,

 

Será o haver cais num mar distante...

Pobre do rei pai das princesas feias

No seu castelo à rosa do Levante!


Poemas e Poesias sábado, 12 de outubro de 2019

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 26 (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA - 26

Eno Teodoro Wanke

 

Na praia deserta, eu penso

Que a imagem da solidão

Começa no mar imenso

E finda em meu coração


Poemas e Poesias sexta, 11 de outubro de 2019

A MOENDA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

A  MOENDA

Da Costa e Silva


Na remansosa paz da rústica fazenda,
À luz quente do sol e à fria luz do luar,
Vive, como a expiar uma culpa tremenda,
O engenho de madeira a gemer e a chorar.

Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;
E, ringindo a rangendo, a cana a triturar,
Parece que tem alma, advinha e desvenda
A ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar...

Movida pelos bois tardios e sonolentos,
Geme, como a exprimir, em doridos lamentos,
Que as desgraças por vir sabe-as todas de cor.

Ai! dos teus tristes ais! moenda arrependida!
- Álcool! para esquecer os tormentos da vida
E cavar, sabe Deus, um tormento maior!


Poemas e Poesias quinta, 10 de outubro de 2019

ZULMIRA DOS MEUS AMORES (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

ZULMIRA DOS MEUS AMORES

Cruz e Sousa

 

Zulmira dos meus amores,
Zulmira das minhas cismas,
Resplandece como as flores,
Zulmira dos meus amores
Abre os olhos sedutores
Nos quais a minh'alma abismas,
Zulmira dos meus amores,
Zulmira das minhas cismas.


Poemas e Poesias quarta, 09 de outubro de 2019

ASSIM EU VEJO A VIDA (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

ASSIM EU VEJO A VIDA

Cora Coralina

 


A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.


Poemas e Poesias terça, 08 de outubro de 2019

APENAS O VÁCUO (POEMA EM PROSA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

APENAS O VÁCUO

Clarice Lispector

 

Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada.
Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer."

 

 


Poemas e Poesias segunda, 07 de outubro de 2019

CANÇÃO (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

CANÇÃO

Cecília Meireles

 

 

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Poemas e Poesias sábado, 05 de outubro de 2019

O ÚLTIMO ABRAÇO (22ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, CO BAIANO CASTRO ALVES)

O ÚLTIMO ABRAÇO

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

"Filho, adeus! Já sinto a morte,
Que me esfria o coração.
Vem cá... Dá-me tua mão...
Bem vês que nem mesmo tu
Podes dar-lhe novo alento!...
Filho, é o último momento...
A morte — a separação!
Ao desamparo, sem ninho,
Ficas, pobre passarinho,
Neste deserto profundo,
Pequeno, cativo e nu!...

"Que sina, meu Deus! que sina
Foi a minha neste mundo!
Presa ao céu — pelo desejo,
Presa à terra — pelo amor!...
Que importa! é tua vontade?
Pois seja feita, Senhor!
"Pequei!... foi grande o meu crime,
Mas é maior o castigo...
Ai! não bastava a amargura
Das noites ao desabrigo;
De espedaçaram-me as carnes
O tronco, o açoite, a tortura,

De tudo quanto sofri.
Era preciso mais dores,
Inda maior sacrifício...
Filho! bem vês meu suplício...
Vão separar-me de ti!

"Chega-te perto... mais perto;
Nas trevas procura ver-te
Meu olhar, que treme incerto,
Perturbado, vacilante...
Deixa em meus braços prender-te
Pra não morrer neste instante;
Inda tenho que fazer-te
Uma triste confissão...
Vou revelar-te um segredo
Tão negro, que tenho medo
De não ter o teu perdão!...

Mas não!
Quando um padre nos perdoa,
Quando Deus tem piedade
De um filho no coração
Uma mãe não bate à toa.


Poemas e Poesias sexta, 04 de outubro de 2019

A VALSA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

A VALSA

Casimiro de Abreu

 

A M.***


Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranquila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

(...)

Calado
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

(...)


Poemas e Poesias quinta, 03 de outubro de 2019

A ROSA, NO ÍNTIMO (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

A ROSA, NO ÍNTIMO

Carlos Pena Filho

 

 

Entro em teu breve sono, onde os minutos

são três pássaros líquidos e enorme,

e descubro os gelados aquedutos


 guardiães do silêncio, enquanto dormes.

 

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos

de mundo e tempo, e vejo que possuis

em teus seios, dois bêbados marujos

desesperados, sós, raros, azuis.

 

Enfim, além (no além de tuas pernas

onde Deus repousou a sua face,

cansado de inventar coisas eternas)

 

desvendo, ao desespero de quem passe,

a rosa que és, a mística e sombria

a noturna e serena rosa fria.

 

 

Entro em teu breve sono, onde os minutos

são três pássaros líquidos e enorme,

e descubro os gelados aquedutos
 guardiães do silêncio, enquanto dormes.

 

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos

de mundo e tempo, e vejo que possuis

em teus seios, dois bêbados marujos

desesperados, sós, raros, azuis.

 

Enfim, além (no além de tuas pernas

onde Deus repousou a sua face,

cansado de inventar coisas eternas)

 

desvendo, ao desespero de quem passe,

a rosa que és, a mística e sombria

a noturna e serena rosa fria.

 


Poemas e Poesias quarta, 02 de outubro de 2019

A MÁQUINA DO MUNDO (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

A MÁQUINA DO TEMPO

Carlos Drummond de Andrade

 

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


Poemas e Poesias terça, 01 de outubro de 2019

SONETO 160 - A SEPULTURA DEL-REI DOM JOÃO TERCEIRO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

A SEPULTURA DEL-REI DOM JOÃO TERCEIRO

Soneto 160

Luís da Camões

 

«Quem jaz no grão sepulcro, que descreve
tão ilustres sinais no forte escudo?»
«Ninguém; que nisso, enfim, se torna tudo;
mas foi quem tudo pôde e tudo teve».

«Foi Rei?» «Fez tudo quanto a Rei se deve;
pôs na guerra e na paz devido estudo;
mas quão pesado foi ao Mouro rudo
tanto lhe seja agora a terra leve».

«Alexandre será?» «Ninguém se engane;
que sustentar mais que adquirir se estima».
«Será Adriano, grão senhor do mundo?»

«Mais observante foi da Lei de cima».
«É Numa?» «Numa, não; mas é Joane
de Portugal terceiro, sem segundo».


Poemas e Poesias segunda, 30 de setembro de 2019

SONETO DO PRAZER EFÊMERO (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA DU BOCAGE)

SONETO DO PRAZER EFÊMERO

Bocage

 

Dizem que o rei cruel do Averno imundo
Tem entre as pernas caralhaz lanceta,
Para meter do cu na aberta greta
A quem não foder bem cá neste mundo:
 
Tremei, humanos, deste mal profundo,
Deixai essas lições, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta:
Este prazer da vida mais jucundo.
 
Se pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus porras leiteiras,
Senão para foder com liberdade?
 
Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto já; que é curta a idade,
E as horas do prazer voam ligeiras!


Poemas e Poesias domingo, 29 de setembro de 2019

INSÂNIA DE UM SIMPLES (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

INSÂNIA DE UM SIMPLES

Augusto dos Anjos

Em cismas patológicas insanas,
É-me grato adstringir-me, na hierarquia
Das formas vivas, à categoria
Das organizações liliputianas;

Ser semelhante aos zoófitos e às lianas,
Ter o destino de uma larva fria,
Deixar enfim na cloaca mais sombria
Este feixe de células humanas!

E enquanto arremedando Éolo iracundo,
Na orgia heliogabálica do mundo,
Ganem todos os vícios de uma vez,

Apraz-me, adstrito ao triângulo mesquinho
De um delta humilde, apodrecer sozinho
No silêncio de minha pequenez!


Poemas e Poesias sábado, 28 de setembro de 2019

CINEMA (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

CINEMA

Ascenso Ferreira

 

“-Mas D. Nina,
aquilo que é o tal de cinema?

O homem saiu atrás da moça,
pega aqui, pega acolá,
pega aqui, pega acolá,
até que pégou-la.
Pegou-la e sustentou-la!
Danou-lhe um beijo,
danou-lhe um beijo!…

Depois entram pra dentro dum quarto!
Fêz-se aquela escuridão
e só se via o lençol bulindo…
…………………………………….

-Me diga uma coisa, D. Nina:
isso presta pra moça ver?”


Poemas e Poesias quinta, 26 de setembro de 2019

A MORTE - O SOL DO TERRÍVEL (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA)

A MORTE - O SOL DO TERRIVEL

Ariano Suassuna

 

Com tema de Renato Carneiro Campos

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.

Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.

Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.


Poemas e Poesias quarta, 25 de setembro de 2019

VISITA (POEMA DO PORTUGUÊS ANTERO DE QUENTAL)

VISITA

Antero de Quental

 

Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almiscar recendente;
Vesti-me com a purpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo;

Ungi as mãos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Mysteriosa visita a quem aguardo.

Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre á humida pousada?...

Nem princezas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
Ás portas de ouro e luz do meu amor!


Poemas e Poesias terça, 24 de setembro de 2019

ANJINHO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

ANJINHO

Álvares de Azevedo

 

 

And from her fair and unpolluted flesh
May violets spring!
HAMLET

Não chorem... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Pobre criança! Dormia:
A beleza reluzia
No carmim da face dela!
Tinha uns olhos que choravam,
Tinha uns risos que encantavam!...
Ai meu Deus! era tão bela.

Um anjo d'asas azuis,
Todo vestido de luz,
Sussurrou-lhe num segredo
Os mistérios doutra vida!
E a criança adormecida
Sorria de se ir tão cedo!

Tão cedo! que ainda o mundo
O lábio visguento, imundo,
Lhe não passara na roupa!
Que só o vento do céu
Batia do barco seu
As velas d'ouro da poupa!

Tão cedo! que o vestuário
Levou do anjo solitário
Que velava seu dormir!

Que lhe beijava risonho
E essa florzinha no sonho
Toda orvalhava no abrir!

Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No fresco da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!

Pobrezinho! o que sofreu!
Como convulso tremeu
Na febre dessa agonia!
Nem gemia o anjo lindo,
Só os olhos expandindo
Olhar alguém parecia!

Era um canto de esperança
Que embalava essa criança?
Alguma estrela perdida,
Do céu c'roada donzela...
Toda a chorar-se por ela
Que a chamava doutra vida?

Não chorem... que não morreu!
Que era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!

Era uma alma que dormia
Da noite na ventania
E que uma fada acordou!
Era uma flor de palmeira
Na sua manhã primeira
Que um céu d'inverno murchou!

Não chorem! abandonada
Pela rosa perfumada,
Tendo no lábio um sorriso,
Ela se foi mergulhar
- Como pérola no mar -
Nos sonhos do paraíso!

Não chorem! chora o jardim
Quando marchado o jasmim
Sobre o seio lhe pendeu?
E pranteia a noite bela

Pelo astro ou a donzela
Mortos na terra ou no céu?

Choram as flores no afã
Quando a ave da manhã
Estremece, cai, esfria?
Chora a onda quando vê
A boiar um irerê
Morta ao sol do meio-dia?

Não chorem!... que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!


Poemas e Poesias segunda, 23 de setembro de 2019

OSSA MEA (POEMA DO MINEIRO ALPHONSUS GUIMARAENS)

OSSA MEA

Alphonsus Guimaraens

 

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...


Poemas e Poesias domingo, 22 de setembro de 2019

O NINHO (POEMA DO MARANHENSE ADELINO FONTOURA)

O NINHO

Adelino Fontoura

 

                    És como a doce juriti da mata,

                   Ligeira, esquiva, tímida e medrosa:

                   Foges de mim tremente e suspirosa,

                   Como quem de um perigo se recata.

 

                   Mas não sei, afinal, criança ingrata,

                   Porque foges: não sei porque amorosa

                   Tua alma casta, angélica e bondosa,

                   Com tão doce esquivança me maltrata.

 

                   Abre as asas à luz serenamente

                   E vem fugindo aos gelos do deserto

                   Buscar o sol do meu amor ardente.

 

                   Dirige para mim teu voto incerto,

                   Pois tens meu coração, pomba inocente,

                   Como um tépido ninho sempre aberto.

 


Poemas e Poesias sábado, 21 de setembro de 2019

AMOR VIOLETA (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

AMOR VIOLETA

Adélia Prado

 

 
O amor me fere é debaixo do braço, 
de um vão entre as costelas. 
Atinge meu coração é por esta via inclinada. 
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele, 
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida. 

Poemas e Poesias quinta, 19 de setembro de 2019

A FLOR E A CONTE (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

A FLOR E A FONTE

Vicente de Carvalho

 

“Deixa-me, fonte!” Dizia

A flor, tonta de terror.

E a fonte, sonora e fria

Cantava, levando a flor.

 

“Deixa-me, deixa-me, fonte!”

Dizia a flor a chorar:

“Eu fui nascida no monte...

Não me leves para o mar.”

 

E a fonte, rápida e fria,

Com um sussurro zombador,

Por sobre a areia corria,

Corria levando a flor.

 

“Ai, balanços do meu galho,

Balanços do berço meu;

Ai, claras gotas de orvalho

Caídas do azul do céu!...”

 

Chorava a flor, e gemia,

Branca, branca de terror.

E a fonte, sonora e fria,

Rolava, levando a flor.

 

“Adeus, sombra das ramadas,

Cantigas do rouxinol;

Ai, festa das madrugadas,

Doçuras do pôr do sol;

 

Carícias das brisas leves

Que abrem rasgões de luar...

Fonte, fonte, não me leves,

Não me leves para o mar!”

                    *

As correntezas da vida

E os restos do meu amor

Resvalam numa descida

Como a da fonte e da flor...


Poemas e Poesias quarta, 18 de setembro de 2019

DONA CHICA (POEMA DO GAÚCHO RAUL BOPP)

 

DONA CHICA

Raul Bopp

A negra serviu o café.

.

– A sua escrava tem uns dentes bonitos dona Chica.
– Ah o senhor acha?

.

Ao sair
a negra demorou-se com um sorriso na porta da varanda.

.

Foi cantando uma cantiga casa-a-dentro.

.

Ai do céu caiu um galho
Bateu no chão. Desfolhou.

.

Dona Chica não disse nada.
Acendeu ódios no olhar.

.

Foi lá dentro. Pegou a negra.
Mandou metê-la no tronco.
– Iaiá Chica não me mate!
– Ah! Desta vez tu me pagas.

.

Meteu um trapo na boca.
Depois
quebrou os dentes dela com um martelo.

.

– Agora
junte esses cacos numa salva de prata
e leve assim mesmo,
babando sangue,
pr’aquele moço que está na sala, peste!


Poemas e Poesias segunda, 16 de setembro de 2019

EPÍLOGO (POEMA DO CEARENSE QUINTINO CUNHA)

EPÍLOGO

Quintino Cunha

 


Só de um lance de vista a ideia morre,
Sem ver no Solimões grandeza alguma;
Porque assim de relance, mal parece
Um vasto espelho de moldura verde
Onde o Céu tem costume de mirar-se!

Vede-o alternadamente:

                                      É um mar tranquilo
Onde passa um navio. Agora, é a praia
— Branca toalha de Deus ao Sol corando,
Uma igara, que o desça, a vida lembra
No declive do mundo enfurecido,
E ora tão calmo, das paixões humanas.
A garça que ali pouse, é o ponto branco
Da pulcra proposição: — a ave é a poesia.
Se porventura o vento o agita, um coro
De banzeiros, em lágrimas desfeito,
Ecoa ao longe, no íntimo das matas!

O louro-rosa, o cedro, a samaumeira,
Quando derivam na voraz corrente,
Lembram destroços de cruel derrota
Da mais tremenda luta pela vida.
Quando à margem fervilha a piracema
De jaraquis, pacus, mandis, sardinhas,
Frágeis, cambiantes, madreperoladas,
Vezes subindo à flor d'água, e de novo,
Quando o dourado ou o boto lhes persegue,
Caindo como bátegas de chuva
Na coberta de zinco das barracas,
Igualando-os, no meio, a piraiua
Como a queda de um'árvore na mata,
Ou mesmo a pirarara, arremedando
As lavadeiras quando batem roupa;
Quando estrugindo o jacaré bubuia,
Na defesa dos filhos pequeninos,
Se humana voz em terra os arremeda;
Quando, à mercê da simples correnteza,
De bubuia, nas árvores que descem,
As gaivotas também descem reunidas,
Como um bando de náufragos, que buscam
Salvação nos destroços, que flutuam,
Da galera infeliz da humanidade,
Se tal galera a mata imensa fosse;
E quando outras no ar recurvam voares
E o corta-água e a ariramba gaivoteiam,
Assim, sim, já se pode ter em mente
Que o território desse rio imenso,
Sem marcos miliários confinantes,
É um país ideal, cheio de assombros,
E de verdades e d'encantos cheio!

Vede-o profundamente:

                                      No seu seio
Milhões de seres encantados moram,
Mitologicamente idealizados:
De Uirará, de Unutara, de Honorato,
À virginal Ararambóia, à Iara,
Iara — a formosa imperatriz netúnica,
A sereia fluvial, por cujo canto,
Perdera a fala a fauna ictiológica,
Subjugando-a, vencendo-a, dominando-a,
Como o próprio Tupã, do alto de Iuaca

Na pátria pois das ilhas flutuantes,
Onde Boiaçu nos dera a noite.
E onde Membiíra rosna como a onça,
Quando os botos suspiram como gente,
Os botos, filhos da encantada corte,
Nesse canto, patrícios, a poesia
Não flutua, mas vive como os peixes!...
.............................................................

Dá-me, Amor Pátrio, com que agora o veja
De um moroso galerno, espanejado,
Como uma taça imensa, onde Iara beba
À saúde do Sol que nos aclara,
Com esse licor original de sombras
— Sombras de nuvens, dissolvidas n'água!


Poemas e Poesias domingo, 15 de setembro de 2019

O SABIÁ E O GAVIÃO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O SABIÁ E O GAVIÃO

Patativa do Assaré

 


Eu nunca falei a toa
Sou um cabôco rocêro,
Que sempre das coisa boa
Eu  tive um certo tempero.
Não falo mal de ninguém,
Mas vejo que o mundo tem,
Gente que não sabe amá,
Não sabe fazê carinho,
Não qué bem a passarinho,
Não gosta dos animá.

Já eu sou bem deferente,
A coisa mió que eu acho
É num dia muito quente
Eu ia me sentá debaixo
De um copado juazêro,
prá escutá prazentêro
Os passarinho cantá,
Pois aquela poesia
Tem até a melodia
Dos anjo celestiá.

Não há frauta nem piston
Das banda ricas e granfina
Prá ser sonoroso e bom
Como o galo de campina,
Quando começa a cantá
Com sua voz naturá,
Onde a inocença se encerra,
Cantando na mesma hora
Que aparece a linda orora
Bejando o rosto da terra.

O sofreu e a patativa
Com o canaro e o campina
Tem canto que me cativa,
Tem musga que me domina,
E inda mais o sabiá,
Que tem premêro lugá.
É o chefe dos serestêro,
Passo nenhum lhe condena,
Ele é dos musgo da pena
O maió do mundo intêro.

Eu escuto aquilo tudo,
Com grande amô, com carinho,
Ma, as vez, fico sisudo,
Pruquê cronta os passarinho
Tem o gavião maldito,
Que, além de munto esquisito,
Como igual eu nunca vi,
Esse monstro miserave
É o assassino das ave
Que canta prá gente uvì.

Muntas vez, jogando o bote,
Mais pió do que a serpente,
leva dos ninho os fiote
Tão lindo e tão inocente.
Eu comparo o gavião
Com esses farão cristão,
Do instinto crué e feio,
Que sem liga gente pobre
Qué fazê papé de nobre
Chupando o suó alêio.
(...)
Quando eu era pequenino,
Saí um dia a vagá
Pelos mato sem destino,
Cheio de vida a iscutá
A mais subrime beleza
Das musga da natureza
E bem no pé d eum serrote
Achei num pé de juá
Um ninho de sabiá
Com dois mimoso fiote.
(...)
Eu mesmo não sei dizê
O quanto eu tava contente
Não me cansava de vê
Aqueles dois inocente.
Quanto mais dia passava,
Mais bonito eles ficava,
Mais maió e mais sabido,
Pos não tava mais pelado,
Os seus corpinho rosado
Já tava tudo vestido.

Mais tudo na vida passa,
Amanheceu certo dia
O mundo todo sem graça,
Sem graça e sem poesia.
(...)
Na copa dos arvoredo,
 Passarinho não cantava
Naquele dia bem cedo,
Somente a coâ mandava
Sua cantiga medonha.
A manhã tava tristonha
como casa de viúva,
Sem prazê, sem alegria
E de quando em vez caia
um sereninho de chuva.
(...)
Mas porém, eu satisfeito,
Sem com nada me importá,
Saí correndo aos pinote,
E fui repará os fiote
No ninho do sabiá.
(...)
Quage que eu dava um desmaio,
Naquele pé de juá
E lá da ponta da de um gaio,
Os dois véio sabiá
Mostrava no triste canto
Uma mistura de pranto,
Num tom penoso e funéro,
Parecendo mãe epai,
Na hora que o fio vai,
Se interrá no cimitéro.

Assistindo aquela cena,
Eu juro pelo Evangéio
Como solucei com pena
Dos dois passarinho véio
E ajudando aquelas ave,
Nesse ato desagradave,
Chorei fora do comum;
Tão grande desgosto tive,
Que o meu coração sensive
Omentou seus baticum.

E eu com o maió respeito
E com a suspiração perra,
As mão posta sobre o peito
E os dois juêio na terra,
Com uma dó que consome,
Pedi logo em santo nome
Do nosso Deus Verdadeiro,
Que tudo ajuda e castiga:
Espingarda te preciga,
Gavião arruacêro!
(..)
 Daquele dia azalado,
Quando eu sai animado
E andei bem meia légua
Prá beijá meus passarinho
E incrontei vazio o ninho!
Gavião fi duma égua!


Poemas e Poesias sábado, 14 de setembro de 2019

AVE, MARIA! (POEMA DO CEARENSE PADRE ANTÔNIO TOMÁS)

AVE, MARIA!

Padre Antônio Tomás

 

 

Ave, Maria! Ó cândidos donzela,

Toda cheia de graça e formosura,

Deus é contigo, excelsa criatura,

E o seu poder imenso em ti revela.

 

Bendita és tu, mimosa flor singela,

Preservada por Deus da culpa escura

Entre todas as virgens a mais pura,

Entre as mulheres todas a mais bela.

 

Jesus o doce fruto originado

Do teu seio é bendito e celebrado

Por céus e terra em místico transporte.

 

Santa Maria, ó Mãe de Deus querida,

Pede por nós durante a nossa vida,

Dá-nos o céu depois da nossa morte.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 13 de setembro de 2019

ROMEU E JULIETA (POEMA DE SHAKESPEARE, TRADUÇÃO DO CARIOCA OLAVO BILAC)

 

ROMEU E JULIETA

tradução de Olavo Bilac (Ato III, cena V – a cena do balcão)

 

JULIETA:

Por que partir tão cedo? inda vem longe o dia…

Ouves? é o rouxinol. Não é da cotovia

Esta encantada voz. Repara, meu amor:

Quem canta é o rouxinol na romãzeira em flor.

Toda a noite essa voz, que te feriu o ouvido,

Povoa a solidão como um longo gemido.

Abracemo-nos! fica! inda vem longe o sol!

Não canta a cotovia: é a voz do rouxinol!

 

ROMEU:

É a voz da cotovia anunciando a aurora!

Vês? há um leve tremor pelo horizonte a fora…

Das nuvens do levante abre-se o argênteo véu,

E apagam-se de todo as lâmpadas do céu.

Já sobre o cimo azul das serras nebulosas,

Hesitante, a manhã coroada de rosas

Agita os leves pés, e fica a palpitar

Sobre as asas de luz, como quem quer voar.

Olha! mais um momento, um rápido momento,

E o dia sorrirá por todo o firmamento!

Adeus! devo partir! partir para viver…

Ou ficar a teus pés para a teus pés morrer!

 

JULIETA:

Não é o dia! O espaço inda se estende, cheio

Da noite caridosa. Exala do ígneo seio

O sol, piedoso e bom, este vivo clarão

Sé para te guiar por entre a cerração.

Fica um minuto mais! por que partir tão cedo?

 

ROMEU:

Mandas? não partirei! esperarei sem medo

Que a morte com a manhã venha encontrar-me aqui!

Sucumbirei feliz, sucumbindo por ti!

Mandas? não partirei! queres? direi contigo

Que é mentira o que vejo e mentira o que digo!

Sim! tens razão! não é da cotovia a voz

Este encantado som que erra em torno de nós!

É um reflexo da Lua a claridade estranha

Que aponta no horizonte acima da montanha!

Fico para te ver, fico para te ouvir,

Fico para te amar, morro por não partir!

Mandas? não partirei! cumpra-se a minha sorte!

Julieta assim o quis: bem-vinda seja a morte!

Meu amor, meu amor! olha-me assim! assim!

 

JULIETA:

Não! é o dia! é a manhã! Parte! foge de mim!

Parte! apressa-te! foge! A cotovia canta

E do nascente em fogo o dia se levanta

Ah! reconheço enfim estas notas fatais!

O dia!… a luz do Sol cresce de mais em mais

Sobre a noite nupcial do amor e da loucura!

 

ROMEU:

Cresce… E cresce com ela a nossa desventura!


Poemas e Poesias quinta, 12 de setembro de 2019

BILHETE (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

BILHETE

Mário Quintana

 


Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Poemas e Poesias terça, 10 de setembro de 2019

A MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

A MÁRIO DE ANDRADE AUSENTE

Manuel Bandeira

 

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo, assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente

Mas agora não sinto a sua falta.

(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz já tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saerei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.


Poemas e Poesias segunda, 09 de setembro de 2019

ÁRVORE (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

ÁRVORE

Manoel de Barros

 


Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.


Poemas e Poesias domingo, 08 de setembro de 2019

O POETA A RIA (POEMA DO CARIOCA CACHADO DE ASSIS)

O POETA A RIR

Machado de Assis

 

Taça d'água parece o lago ameno;
Têm os bambus a forma de cabanas,
Que as árvores em flor, mais altas, cobrem
Com verdejantes tetos.

As pontiagudas rochas entre flores,
Dos pagodes o grave aspecto ostentam...
Faz-me rir ver-te assim, ó natureza,
Cópia servil dos homens.


Poemas e Poesias sábado, 07 de setembro de 2019

ALERT (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

ALERT

Luís Turiba

 

I try to be afraid but I am not
I try to get depression and I cannot
I try to feel guilty and there is no guilt
I try to ignore reality
that strikes me constantly 

I try to try and I try
and nothing, nothing at all: I'm outraged
I try to feel the blood pulsing in my veins
I try to understand that today came from yesterday
and tomorrow will be another time in this
historic pendulum game of trying 

 

it seems that I read my country radiographically
(but I don't cry, my secret is that I am
a hard working poet)
 

 

they try to be honest and they cannot
they made an attempt on my hopes
now they try to bite their own tail with their tongue
it seems that I have been living with ghosts for a while
anyway I try and I do not give up on time
only one thing I have and I go ahead
living is our greatest temple
that's why I try, I try and try
while there is time to keep trying.


Poemas e Poesias sexta, 06 de setembro de 2019

DEMOCRACIA (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

DEMOCRACIA 

Jorge de Lima

 

 

Punhos
de redes embalaram o meu canto
Para adoçar o meu país, ó Whitman.
Jenipapo coloriu o meu corpo contra os maus-olhados,
Catecismo me ensinou a abraçar os hóspedes,
Carumã me alimentou quando eu era criança,
Mãe-negra me contou histórias de bicho,
Moleque me ensinou safadezas,
Massoca, tapioca,pipoca, tudo comi,
Bebi cachaça com caju para limpar-me,
Tive maleita, catapora e ínguas,
Bicho-de-pé, saudade, poesia;
Fiquei aluado, mal-assombrado, tocando maracá,
Dizendo coisas, brincando com as crioulas,
Vendo espiritos, abusões, mães-d água,
Conversando com os malucos, conversando sozinho,
Emprenhando tudo o que encontrava,
Abraçando as cobras pelos matos,
Me misturando, me sumindo, me acabando,
Apara salvar a minha alma benzida
E o meu corpo pintado de urucu,
Tatuado de cruzes, de corações, de mãos ligadas,
De nomes de amor em todas as línguas de branco
De mouro ou pagão.


Poemas e Poesias quinta, 05 de setembro de 2019

CATAR FEIJÃO (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

CATAR FEIJÃO

João Cabral de Melo Neto

 

1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

 


Poemas e Poesias quarta, 04 de setembro de 2019

AMOR (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

AMOR

Hilda Hilst

 

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.


Poemas e Poesias terça, 03 de setembro de 2019

ILUSÕES DA VIDA (POEMA DO CARIOCA FRANCISCO OTAVIANO DE ALMEIDA ROSA)

ILUSÕES DA VIDA

Francisco Otaviano de Almeida Rosa

Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.


Poemas e Poesias segunda, 02 de setembro de 2019

HOMEM COMUM (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

HOMEM COMUM 

Ferreira Gullar

 

 

Sou um homem comum 
de carne e de memória 
de osso e esquecimento. 
e a vida sopra dentro de mim 
pânica 
feito a chama de um maçarico 
e pode 
subitamente 
cessar. 

Sou como você 
feito de coisas lembradas 
e esquecidas 
rostos e 
mãos, o quarda-sol vermelho ao meio-dia 
em Pastos-Bons 
defuntas alegrias flores passarinhos 
facho de tarde luminosa 
nomes que já nem sei 
bandejas bandeiras bananeiras 
tudo 
misturado 
essa lenha perfumada 
que se acende 
e me faz caminhar 
Sou um homem comum 
brasileiro, maior, casado, reservista, 
e não vejo na vida, amigo, 
nenhum sentido, senão 
lutarmos juntos por um mundo melhor. 
Poeta fui de rápido destino. 
Mas a poesia é rara e não comove 
nem move o pau-de-arara. 
Quero, por isso, falar com você, 
de homem para homem, 
apoiar-me em você 
oferecer-lhe o meu braço 
que o tempo é pouco 
e o latifúndio está aí, matando. 

Que o tempo é pouco 
e aí estão o Chase Bank, 
a IT & T, a Bond and Share, 
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton, 
e sabe-se lá quantos outros 
braços do polvo a nos sugar a vida 
e a bolsa 
Homem comum, igual 
a você, 
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo. 
A sombra do latifúndio 
mancha a paisagem 
turva as águas do mar 
e a infância nos volta 
à boca, amarga, 
suja de lama e de fome. 

Mas somos muitos milhões de homens 
comuns 
e podemos formar uma muralha 
com nossos corpos de sonho e margaridas.


Poemas e Poesias domingo, 01 de setembro de 2019

ASSIM, SEM NADA FEITO E POR FAZER (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

ASSIM, SEM NADA FEITO E POR FAZER

Fernando Pessoa

 


Assim, sem nada feito e o por fazer 
Mal pensado, ou sonhado sem pensar, 
Vejo os meus dias nulos decorrer, 
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade 
Que a si mesma se sobrevive, a esperança, 
Mas a mesma esperança o tédio invade, 
E a mesma falsa mocidade cansa.

Tênue passar das horas sem proveito, 
Leve correr dos dias sem ação, 
Como a quem com saúde jaz no leito 
Ou quem sempre se atrasa sem razão.

Vadio sem andar, meu ser inerte 
Contempla-me, que esqueço de querer, 
E a tarde exterior seu tédio verte 
Sobre quem nada fez e nada quere.

Inútil vida, posta a um canto e ida 
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar, 
Obra solentemente por ser lida, 
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!


Poemas e Poesias sábado, 31 de agosto de 2019

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 25 (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LIRICA E FILOSÓFICA - 25

Eno Teodoro Wanke

Por que espalhar nos caminhos

As pedras d e intransigência?

São as flores dos carinhos

Que dão sentido à existência!


Poemas e Poesias sexta, 30 de agosto de 2019

À LUZ DO POENTE (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

À LUZ DO POENTE

Da Costa e Silva

 

 

Há dias que se esquecem de repente 
Nesta vida de lutas e cuidados; 
E outros que passam, porém são gravados 
Na retina e no espírito da gente.

 

De entre os meus dias tristes já passados, 
Há um que a todo tempo está presente, 
Pois não me sai dos olhos, nem da mente, 
Desde o instante em que fomos separados.

 

Se pudesse ser sonho o que se sente, 
Julgara pensamentos desvairados 
O que revejo subjetivamente:

 

Vultos negros, solenes, desolados, 
Levando, lentamente, à luz do poente, 
Um caixão roxo de florões dourados.


Poemas e Poesias quinta, 29 de agosto de 2019

ADALZIZA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

ADALZIZA

Cruz e Sousa

Tens um olhar cintilante, 
Tens uma voz dulçurosa, 
Tens um pisar fascinante, 
Tens um olhar cintilante 
Cheio de raios, faiscante 
Ó criatura formosa, 
Tens um olhar cintilante, 
Tens uma voz dulçurosa!... 

Poemas e Poesias quarta, 28 de agosto de 2019

ANTIGUIDADES (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

ANTIGUIDADES

Cora Coralina

 

Quando eu era menina bem pequena,

em nossa casa,

certos dias da semana se fazia um bolo,

assado na panela

com um testo de borralho em cima.

Era um bolo econômico,

como tudo, antigamente.

Pesado, grosso, pastoso.

(Por sinal que muito ruim.)

Eu era menina em crescimento.

Gulosa, abria os olhos para aquele bolo

que me parecia tão bom e tão gostoso.

Era só olhos e boca e desejo daquele bolo inteiro.

Minha irmã mais velha governava.

Regrava.

Me dava uma fatia, tão fina, tão delgada…

E fatias iguais às outras manas.

E que ninguém pedisse mais !

E o bolo inteiro, quase intangível,

se guardava bem guardado,

com cuidado, num armário, alto, fechadl.

Era aquilo, uma coisa de respeito.

Não pra ser comido

assim, sem mais nem menos.

Destinava-se às visitas da noite,

certas ou imprevistas.

Detestadas da meninada.

Criança, no meu tempo de criança,

não valia mesmo nada.

A gente grande da casa usava e abusava

de pretensos direitos de educação.

Por dá-cá-aquela-palha, ralhos e beliscão.

Palmatória e chinelaltavam.

Quando não, sentada no canto de castigo

fazendo trancinhas, amarrando abrolhos.

“Tomando propósito”.

Expressão muito corrente e pedagógica.

Aquela gente antiga, passadiça, era assim:

severa, ralhadeira.

Não poupava as crianças.

Mas, as visitas…

– Valha-me Deus !…

As visitas… Como eram queridas,

recebidas, estimadas, conceituadas, agradadas !

Eu fazia força de ficar acordada

esperando a descida certa do bolo

encerrado no armário alto.

E quando este aparecia,

vencida pelo sono já dormia.

E sonhava com o imenso armário

cheio de grandes bolos ao meu alcance.

De manhã cedo quando acordava,

estremunhada, com a boca amarga,

– ai de mim – via com tristeza,

sobre a mesa: xícaras sujas de café,

O prato vazio, onde esteve o bolo, e um cheiro enjoado de rapé.

 


Poemas e Poesias terça, 27 de agosto de 2019

ÁBSONO (POEMA DO PERNAMBUCANO LUÍS TURIBA)

ÁBSONO

Luís Turiba

 

sambo espalhafatosamente

para dentro

como quem não quer nada

sambo parado

no espaço do meu corpo

com minhas víceras

meus testículos

meus intestinos

minhas moléculas

minhas cartilagens

minhas células em permanente renovação rumo à morte

meus glôbulos brancos vermelhos desbotados

meus neurônios

minha aura vital

minhas correntes sangüíneas

no trânsito intenso e interno de veias e vácuos

sambo com meus buracos

descalço

nu como nasci

meio preso meio solto

ábsono & absorto

quase com sono

sambo meio grogue

minha apoteose

é iogue

de mãos no bolso

 


Poemas e Poesias segunda, 26 de agosto de 2019

AMOR À TERRA (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR)

AMOR À TERRA

Clarice Lispector

 

Laranja na mesa.

Bendita a árvore

que te pariu.


Poemas e Poesias domingo, 25 de agosto de 2019

AS MENINAS (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

AS MENINAS

Cecília Meireles

 

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
"Bom dia!"

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina,
a mais sábia menina.

E Maria
apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;

uma que se chamava Arabela,

uma que se chamou Carolina.

Mas a profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,

que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!"


Poemas e Poesias sexta, 23 de agosto de 2019

HISTÓRIA DE UM CRIME (21ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

HISTÓRIA D EUM CRIME

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

"Fazem hoje muitos anos

Que de uma escura senzala

Na estreita e lodosa sala

Arquejava u'a mulher.

Lá fora por entre as urzes

O vendaval s'estorcia...

E aquela triste agonia

Vinha mais triste fazer.

 

"A pobre sofria muito.

Do peito cansado, exangue,

Às vezes rompia o sangue

E lhe inundava os lençóis.

Então, como quem se agarra

Às últimas esperanças,

Duas pávidas crianças

Ela olhava... e ria após.

 

"Que olhar! que olhar tão extenso!

Que olhar tão triste e profundo!

Vinha já de um outro mundo,

Vinha talvez lá do céu.

Era o raio derradeiro.

Que a lua, quando se apaga,

Manda por cima da vaga

Da espuma por entre o véu.

 

"Ainda me lembro agora

Daquela noite sombria,

Em que u'a mulher morria

Sem rezas, sem oração!...

Por padre — duas crianças...

E apenas por sentinela

Do Cristo a face amarela

No meio da escuridão.

 

"Às vezes naquela fronte

Como que a morte pousava

E da agonia aljofrava

O derradeiro suor...

Depois acordava a mártir,

Como quem tem um segredo...

Ouvia em torno com medo,

Com susto olhava em redor.

 

"Enfim, quando noite velha

Pesava sobre a mansarda,

E somente o cão de guarda

Ladrava aos ermos sem fim,

Ela, nos braços sangrentos

As crianças apertando,

Num tom meigo, triste e brando

Pôs-se a falar-lhes assim.

 


Poemas e Poesias quinta, 22 de agosto de 2019

CLARA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

CLARA

Casimiro de Abreu

 

Não sabes, Clara, que pena
eu teria se – morena
tu fosses em vez de clara!
Talvez… quem sabe… não digo…
mas refletindo comigo
talvez nem tanto te amara!

A tua cor é mimosa,
brilha mais da face a rosa
tem mais graça a boca breve.
O teu sorriso é delírio…
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!

A morena é predileta,
mas a clara é do poeta:
assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
mas a morena é da terra
enquanto a clara é dos anjos!

Mulher morena é ardente:
prende o amante demente
nos fios do seu cabelo;
– A clara é sempre mais fria,
mas dá-me licença um dia
que eu vou arder no teu gelo!

A cor morena é bonita,
mas nada, nada te imita
nem mesmo sequer de leve.
– O teu sorriso é delírio…
És alva da cor do lírio,
és clara da cor da neve!

 


Poemas e Poesias quarta, 21 de agosto de 2019

A PRAIA - GUIA PRÁTICO DA CIDADE DO RECIFE (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

A PRAIA - GUIA PRÁTICO DA CIDADE DO RECIFE 

Carlos Pena Filho

No ponto onde o mar se extingue
E as areias se levantam
Cavaram seus alicerces
Na surda sombra da terra
E levantaram seus muros.
Depois armaram seus flancos:
Trinta bandeiras azuis
Plantadas no litoral.
Hoje, serena, flutua,
Metade roubada ao mar,
Metade à imaginação,
Pois é do sonho dos homens
Que uma cidade se inventa.


Poemas e Poesias terça, 20 de agosto de 2019

A HORA DO CANSAÇO (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

A HORA DO CANSAÇO

Carlos Drummond de Andrade

 


As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.


Poemas e Poesias segunda, 19 de agosto de 2019

SONETO 038 - ÁRVORE, CUJO POMO, BELO E BRANDO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

ÁRVORE,  CUJO POMO, BRELO E BRANDO

Soneto 038

Luís de Camões

 

Árvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruito debuxando.

Que pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando-te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.


Poemas e Poesias domingo, 18 de agosto de 2019

SONETO DO CARALHO POTENTE (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA Du BOCAGE

SONETO DO CARALHO POTENTE

Bocage

 

Porri-potente herói, que uma cadeira
Susténs na ponta do caralho teso,
Pondo-lhe em riba mais por contrapeso
A capa de baetão da alcoviteira:
 
Teu casso é como o ramo da palmeira,
Que mais se eleva, quando tem mais peso;
Se o não conservas açaimado e preso,
É capaz de foder Lisboa inteira!
 
Que forças tens no hórrido marsapo,
Que assentando a disforme cachamorra
Deixa conos e cus feitos num trapo!
 
Quem ao ver-te o tesão há não discorra
Que tu não podes ser senão Priapo,
Ou que tens um guindaste em vez de porra?


Poemas e Poesias sábado, 17 de agosto de 2019

VOZES DA MORTE (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

VOZES DA MORTE

Augusto dos Anjos

 

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!


Poemas e Poesias sexta, 16 de agosto de 2019

CATIMBÓ (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

CATIMBÓ

Ascenso Ferreira

 

Mestre Carlos, rei dos mestres,
aprendeu sem se ensinar…
– Ele reina no fogo !
– Ele reina na água !
– Ele reina no ar !

Por isto, em minha amada, acenderá a paixão que consome !
Umedecerá sempre, em sua lembrança, o meu nome !
Levar-lhe-á os perfumes do incenso que lhe vivo a queimar.

E ela há de me amar.
Há de me amar…
Há de me amar…
– Como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar !

À luz do sete-estrelo nós havemos de casar !
E há de ser bem perto.
Há de ser tão certo.
como que este mundo tem de se acabar…

Foi a jurema da sua beleza que embriagou os meus sentidos !
Eu vivo tão triste como os ventos perdidos
que passam gritando na noite enorme…

Porque quero gozar o viço que no seu lábio estua !
Quero sentir sua carícia branda como um raio da lua !
Quero acordar a volúpia que no seu seio dorme …
E hei de tê-la,
hei de vencê-la,
ainda mesmo contra seu querer …
– Porque de Mestre Carlos é grande o poder !

Pelas três-marias… Pelos três reis magos … Pelo sete-estrelo…
Eu firmo esta intenção,
bem no fundo do coração,
e o signo-de-salomão
ponho como selo…

E ela há de me amar…
Há de me amar…
Há de me amar…
– Como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar !

Porque Mestre Carlos, rei dos mestres,
reina no fogo… reina na água… reina no ar…
– Ele aprendeu sem se ensinar…


Poemas e Poesias quarta, 14 de agosto de 2019

A MOÇA CAETANA - A MORTE SERTANEJA (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA)

A MOÇA CAETANA - A MORTE SERTANEJA 

Ariano Suassuna

 

Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,

pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.


Poemas e Poesias terça, 13 de agosto de 2019

PALÁCIO DA VENTURA (POEMA DO PORTUGUÊS ANTERO DE QUENTAL)

PALÁCIO DA VENTURA

Antero de Quental

 

Sonho que sou um cavaleiro andante. 
Por desertos, por sóis, por noite escura, 
Paladino do amor, busco anelante 
O palácio encantado da Ventura! 

Mas já desmaio, exausto e vacilante, 
Quebrada a espada já, rota a armadura... 
E eis que súbito o avisto, fulgurante 
Na sua pompa e aérea formosura! 

Com grandes golpes bato à porta e brado: 
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... 
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais! 

Abrem-se as portas d'ouro com fragor... 
Mas dentro encontro só, cheio de dor, 
Silêncio e escuridão - e nada mais! 


Poemas e Poesias segunda, 12 de agosto de 2019

AMOR (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

AMOR

Álvares de Azevedo

 

Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!


Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
 
Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!


Poemas e Poesias domingo, 11 de agosto de 2019

FILHOS (POEMA DO MINEIRO ALPHONSUS GUIMARAENS

FILHOS

Alphonsus Guimaraens

 

O amor, a cada filho, se renova.
Mesmo no inverno, brilha a primavera...
E o coração dos pais, sedento, prova
O néctar suave de quem tudo espera.

Vai-se a lua, e vem outra lua nova...
Ai! os filhos... (e quem os não quisera?)
São frutos que criamos para a cova.
Melhor fora que Deus no-los não dera.

Frutos de beijos e de abraços, frutos
Dos instantes fugazes, voluptuosos,
Rosário interminável de noivados...

Filhos... São flores para velhos lutos.
Por que Jesus nos fez tão venturosos,
Para sermos depois tão desgraçados?


Poemas e Poesias sábado, 10 de agosto de 2019

FRUTO PROIBIDO (POEMA DO MARANHENSE ADELINO FONTOURA)

FRUTO PROIBIDO

Adelino Fontoura

Escravo dessa angélica meiguice
por uma lei fatal, como um castigo,
não abrigara tanta dor comigo,
se este afeto que sinto não sentisse.
 
Que te não doa, entanto, isto que digo
nem as magoadas falas que te disse.
Não tas dissera nunca, se não visse
que por dizê-las minha dor mitigo
 
 
Longe de ti, sereno e resoluto,
irei morrer, misérrimo, esquecido,
mas hei de amar-te sempre, anjo impoluto.
 
És para mim o fruto proibido:
não pousarei meus lábios nesse fruto;
mas morrerei sem nunca ter vivido.

Poemas e Poesias sexta, 09 de agosto de 2019

AMOR FEINHO (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

AMOR FEINHO

Adélia Prado

 

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.


Poemas e Poesias quinta, 08 de agosto de 2019

A BOMBA ATÔMICA - I (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A BOMBA ATÔMICA - I

Vinícius de Moraes

 

e = mc2
Einstein

Deusa, visão dos céus que me domina
… tu que és mulher e nada mais!

(Deusa, valsa carioca.)

Dos céus descendo
Meu Deus eu vejo
De paraquedas?
Uma coisa branca
Como uma forma
De estatuária
Talvez a forma
Do homem primitivo
A costela branca!
Talvez um seio
Despregado à lua
Talvez o anjo
Tutelar cadente
Talvez a Vênus
Nua, de clâmide
Talvez a inversa
Branca pirâmide
Do pensamento
Talvez o troço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
Não sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA.

Vem-me uma angústia.

Quisera tanto
Por um momento
Tê-la em meus braços
A coma ao vento
Descendo nua
Pelos espaços
Descendo branca
Branca e serena
Como um espasmo
Fria e corrupta
Do longo sêmen
Da Via Láctea
Deusa impoluta
O sexo abrupto
Cubo de prata
Mulher ao cubo
Caindo aos súcubos
Intemerata
Carne tão rija
De hormônios vivos
Exacerbada
Que o simples toque
Pode rompê-la
Em cada átomo
Numa explosão
Milhões de vezes
Maior que a força
Contida no ato
Ou que a energia
Que expulsa o feto
Na hora do parto.

II

A bomba atômica é triste
Coisa mais triste não há
Quando cai, cai sem vontade
Vem caindo devagar
Tão devagar vem caindo
Que dá tempo a um passarinho
De pousar nela e voar...
Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar!

Coitada da bomba atômica
Que não gosta de matar
Mas que ao matar mata tudo
Animal e vegetal
Que mata a vida da terra
E mata a vida do ar
Mas que também mata a guerra...
Bomba atômica que aterra!
Pomba atônita da paz!

Pomba tonta, bomba atômica
Tristeza, consolação
Flor puríssima do urânio
Desabrochada no chão
Da cor pálida do helium
E odor de radium fatal
Lœlia mineral carnívora
Radiosa rosa radical.

Nunca mais, oh bomba atômica
Nunca, em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houve morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
Sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!

III

Bomba atômica, eu te amo! és pequenina
E branca como a estrela vespertina
E por branca eu te amo, e por donzela
De dois milhões mais bélica e mais bela
Que a donzela de Orleans; eu te amo, deusa
Atroz, visão dos céus que me domina
Da cabeleira loura de platina
E das formas aerodivinais
— Que és mulher, que és mulher e nada mais!
Eu te amo, bomba atômica, que trazes
Numa dança de fogo, envolta em gazes
A desagregação tremenda que espedaça
A matéria em energias materiais!
Oh energia, eu te amo, igual à massa
Pelo quadrado da velocidade
Da luz! alta e violenta potestade
Serena! Meu amor, desce do espaço
Vem dormir, vem dormir no meu regaço
Para te proteger eu me encouraço
De canções e de estrofes magistrais!
Para te defender, levanto o braço
Paro as radiações espaciais
Uno-me aos líderes e aos bardos, uno-me
Ao povo, ao mar e ao céu brado o teu nome
Para te defender, matéria dura
Que és mais linda, mais límpida e mais pura
Que a estrela matutina! Oh bomba atômica
Que emoção não me dá ver-te suspensa
Sobre a massa que vive e se condensa
Sob a luz! Anjo meu, fora preciso
Matar, com tua graça e teu sorriso
Para vencer? Tua enérgica poesia
Fora preciso, oh deslembrada e fria
Para a paz? Tua fragílima epiderme
Em cromáticas brancas de cristais
Rompendo? Oh átomo, oh neutrônio, oh germe
Da união que liberta da miséria!
Oh vida palpitando na matéria
Oh energia que és o que não eras
Quando o primeiro átomo incriado
Fecundou o silêncio das Esferas:
Um olhar de perdão para o passado
Uma anunciação de primaveras!

Poemas e Poesias quarta, 07 de agosto de 2019

DIAMBA (POEMA DO GAÚCHO RAUL BOPP)

DIAMBA

Raul Bopp

Negro velho fuma diamba

para amassar a memória

O que é bom fica lá longe...

Os olhos vão-se embora pra longe
O ouvido de repente parou

Com mais uma pitada
o chão perdeu o fundo
Negro escorregou
Caiu no meio da África

Então apareceu do fundo da floresta
uma tropa de elefantes enormes
trotando
Cinqüenta elefantes
puxando uma lagoa

– Para onde vão levar esta lagoa?
Está derramando água no caminho

A água no caminho juntou
correu correu
fez o rio Congo

Águas tristes gemeram
e as estrelas choraram

– Aquele navio veio buscar o rio Congo!
Então as florestas se reuniram
e emprestaram um pouco de sombras pro rio Congo dormir

Os coqueiros debruçaram-se na praia
para dizer adeus
 


Poemas e Poesias segunda, 05 de agosto de 2019

O VAQUÊRO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

O VAQUÊRO

Patativa do Assaré

 

Eu venho dêrne menino, 
Dêrne munto pequenino, 
Cumprindo o belo destino 
Que me deu Nosso Senhô. 
Eu nasci pra sê vaquêro, 
Sou o mais feliz brasilêro, 
Eu não invejo dinhêro, 
Nem diproma de dotô.

Sei que o dotô tem riquêza, 
É tratado com fineza, 
Faz figura de grandeza, 
Tem carta e tem anelão, 
Tem casa branca jeitosa 
E ôtas coisa preciosa; 
Mas não goza o quanto goza 
Um vaquêro do sertão.

Da minha vida eu me orgúio, 
Levo a Jurema no embrúio 
Gosto de ver o barúio 
De barbatão a corrê, 
Pedra nos casco rolando, 
Gaios de pau estralando, 
E o vaquêro atrás gritando, 
Sem o perigo temê.

Criei-me neste serviço, 
Gosto deste reboliço, 
Boi pra mim não tem feitiço, 
Mandinga nem catimbó. 
Meu cavalo Capuêro, 
Corredô, forte e ligêro, 
Nunca respeita barsêro 
De unha de gato ou cipó.

Tenho na vida um tesôro 
Que vale mais de que ôro: 
O meu liforme de côro, 
Pernêra, chapéu, gibão. 
Sou vaquêro destemido, 
Dos fazendêro querido, 
O meu grito é conhecido 
Nos campo do meu sertão.

O pulo do meu cavalo 
Nunca me causou abalo; 
Eu nunca sofri um galo, 
pois eu sei me desviá. 
Travesso a grossa chapada, 
Desço a medonha quebrada, 
Na mais doida disparada, 
Na pega do marruá.

Se o bicho brabo se acoa, 
Não corro nem fico à tôa: 
Comigo ninguém caçoa, 
Não corro sem vê de quê. 
É mêrmo por desaforo 
Que eu dou de chapéu de côro 
Na testa de quarqué tôro 
Que não qué me obedecê.

Não dou carrêra perdida, 
Conheço bem esta lida, 
Eu vivo gozando a vida 
Cheio de satisfação. 
Já tou tão acostumado 
Que trabaio e não me enfado, 
Faço com gosto os mandado 
Das fia do meu patrão.

Vivo do currá pro mato, 
Sou correto e munto izato, 
Por farta de zelo e trato 
Nunca um bezerro morreu. 
Se arguém me vê trabaiando, 
A bezerrama curando, 
Dá pra ficá maginando 
Que o dono do gado é eu.

Eu não invejo riqueza 
Nem posição, nem grandeza, 
Nem a vida de fineza 
Do povo da capitá. 
Pra minha vida sê bela 
Só basta não fartá nela 
Bom cavalo, boa sela 
E gado pr'eu campeá.

Somente uma coisa iziste, 
Que ainda que teja triste 
Meu coração não resiste 
E pula de animação. 
É uma viola magoada, 
Bem chorosa e apaxonada, 
Acompanhando a toada 
Dum cantadô do sertão.

Tenho sagrado direito 
De ficá bem satisfeito 
Vendo a viola no peito 
De quem toca e canta bem. 
Dessas coisa sou herdêro, 
Que o meu pai era vaquêro, 
Foi um fino violêro 
E era cantadô tombém.

Eu não sei tocá viola, 
Mas seu toque me consola, 
Verso de minha cachola 
Nem que eu peleje não sai, 
Nunca cantei um repente 
Mas vivo munto contente, 
Pois herdei perfeitamente 
Um dos dote de meu pai.

O dote de sê vaquêro, 
Resorvido marruêro, 
Querido dos fazendêro 
Do sertão do Ceará. 
Não perciso maió gozo, 
Sou sertanejo ditoso, 
O meu aboio sodoso 
Faz quem tem amô chorá.


Poemas e Poesias domingo, 04 de agosto de 2019

ENCONTRO DAS ÁGUAS (POEMA DO CEARENSE QUINTINO CUNHA)

ENCONTRO DAS ÁGUAS

Quintino Cunha

 


Vê bem, Maria aqui se cruzam: este
É o Rio Negro, aquele é o Solimões.
Vê bem como este contra aquele investe,
como as saudades com as recordações.

Vê como se separam duas águas,
Que se querem reunir, mas visualmente;
É um coração que quer reunir as mágoas
De um passado, às venturas de um presente.

É um simulacro só, que as águas donas
D'esta região não seguem o curso adverso,
Todas convergem para o Amazonas,
O real rei dos rios do Universo;

Para o velho Amazonas, Soberano
Que, no solo brasílio, tem o Paço;
Para o Amazonas, que nasceu humano,
Porque afinal é filho de um abraço!

Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.

Aquela outra parece amarelaça,
Muito, no entanto é também limpa, engana:
É direito a virtude quando passa
Pela flexível porta da choupana.

Que profundeza extraordinária, imensa,
Que profundeza, mais que desconforme!
Este navio é uma estrela, suspensa
Neste céu d'água, brutalmente enorme.

Se estes dois rios fôssemos, Maria,
Todas as vezes que nos encontramos,
Que Amazonas de amor não sairia
De mim, de ti, de nós que nos amamos!...


Poemas e Poesias sábado, 03 de agosto de 2019

ÁRVORE SOLITÁRIA (POEMA DO CEARENSE PADRE ANTÔNIO TOMÁS)

ÁRVORE SOLITÁRIA

Padre Antônio Tomás

 


“Há cem anos ou mais, surgindo da abertura
De um penhasco, nasceu franzino arbusto, e agora,
Gigante vegetal, às nuvens se alcandora, 
Banhando à luz do sol a coma verde-escura. 

Nenhuma clara fonte em seu redor murmura,
Nem a abelha, zumbindo, a agreste flor lhe explora,
Nem lhe soam na fronde, ao clarear da aurora,
Da passarada alegre os cantos de doçura.

Qual mísero galé ao solo acorrentado,
Exposto fatalmente aos golpes do machado,
Às injúrias do tempo e à sanha das procelas,

Pranteia o velho angico a sua ingrata sina,
Do âmago vertendo o choro da resina,
Por sobre o tronco rude, em bagas amarelas”.


Poemas e Poesias sexta, 02 de agosto de 2019

DESTERRO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

DESTERRO

Olavo Bilac

 

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado 
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho. 
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho 
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado! 

Em ti, como num vale, adormeci deitado, 
No meu sonho de amor, em meão do caminho... 
Beijo-te inda uma vez, num último carinho, 
Como quem vai sair da pátria desterrado... 

Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo! 
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio, 
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo! 

Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto 
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio, 
Amassado com fel e embebido de pranto... 


Poemas e Poesias quinta, 01 de agosto de 2019

AMOR (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA) VÍDEO


Poemas e Poesias quarta, 31 de julho de 2019

A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ (POEMA DO PAULISTA MÁRIO DE ANDRADE)

A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ

Mário de Andrade

 

  Água do meu Tietê,
      Onde me queres levar?
      ─ Rio que me entras pela terra
      E que me afastas do mar...
 
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como si a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto. De repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas, 
Ruas, ruas, por onde os dinosauros caxingam
Agora, arranhacéus valentes donde saltam
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude.
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
É um rumor de germes insalubres pela noite insone e humana.
Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,
Onde me queres levar?...
Por que me proíbes assim praias e mar, por que
Me impedes a fama das tempestades do Atlântico
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais voltar?
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,
Me induzindo com a tua insistência turrona paulista
Para as tempestades humanas da vida, rio, meu rio!...


Poemas e Poesias terça, 30 de julho de 2019

A ESTRELA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

A ESTRELA

Manuel Bandeira

 

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.


Poemas e Poesias segunda, 29 de julho de 2019

ÁRVORE (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

ÁRVORE

Manoel de Barros

 


Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só serve pra poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com muitas borboletas.


Poemas e Poesias domingo, 28 de julho de 2019

O MEU VIVER (POEMA DO CARIOCA MACHADO DE ASSIS)

O MEU VIVER

Machado de Assis

 

Chama-se a vida a um martírio certo
Em que a alma vive se morrer não pode,
É crer que há vida p'ra o arbusto seco,
Que as folhas todas para o chão sacode.

Dizer que eu vivo... e minha mãe perdi,
Minha alma geme e o coração de amores,
É crer que um filho, sem a mãe... sozinho,
Também existe, com pungentes dores.

Dizer que vivo, se ausente existo
Da amante terna, tão formosa e pura,
E crer que triste desgraçado preso
Vive também lá na masmorra escura.

Quero despir-me desta vida má,
Quero ir viver com minha mãe nos céus,
Quero ir cantar os meus amores todos,
Quero depois em ti pensar, meu Deus!


Poemas e Poesias sábado, 27 de julho de 2019

CRISTO REDENTOR DO CORCOVADO (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

CRISTO REDENTOR DO CORCOVADO

Jorge de Lima

 

O avô
de minha avó
Morreu também corcovado
Carregando um cristo de maçaranduba
Que protegia os passos vagarosos da família.

Arranjei velocidade.
Virei homem de cimento armado.

Adoro esse Cristo turista
De braços abertos
Que procura equilíbrio
Na montanha brasileira.

Os homens de fé têm esperança n Ele,
Porque Ele é ligeiro, porque Ele é ubíquo,
Porque Ele é imutável.

Ele acompanha o homem de cimento armado
Através de todas as substancias,
Através de todas as perspectivas,
Através de todas as distancias.


Poemas e Poesias sexta, 26 de julho de 2019

ALGUNS TOUREIROS (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

ALGUNS TOUREIROS

João Cabral de Melo Neto

 

Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida.


Poemas e Poesias quinta, 25 de julho de 2019

AMAVISSE (POEMA DA PAULISTA HILDA HILST)

AMAVISSE

Hilda Hilst

 

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.


Poemas e Poesias quarta, 24 de julho de 2019

O AÇÚCAR (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

O AÇÚCAR

Ferreira Gullar

 

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça,
água na pele,
flor que se dissolve na boca.
Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina
e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há
hospital nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viria a ser o açúcar.

Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura
produziram este açúcar branco e puro
com que adoço meu café esta manha em Ipanema.
                       Ferreira Gullar


Poemas e Poesias terça, 23 de julho de 2019

AS MINHAS ANSIEDADES (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

AS MINHAS ANSIEDADES

Fernando Pessoa

As minhas ansiedades caem 
Por uma escada abaixo. 
Os meus desejos balouçam-se 
Em meio de um jardim vertical. 

Na Múmia a posição é absolutamente exata. 

Música longínqua, 
Música excessivamente longínqua, 
Para que a Vida passe 
E colher esqueça aos gestos. 


Poemas e Poesias segunda, 22 de julho de 2019

TROVAS LÍRICAS E FILOSÓFICAS - 24 (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

TROVA LÍRICA E FILOSÓFICA - 24

Eno Teodoro Wanke

 

O meu destino se encerra

Num grave e eterno conflito

Meu corpo é feito de terra

Meu coração, de infinito

– 


Poemas e Poesias domingo, 21 de julho de 2019

A LÂMPADA DE PRANTO (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

A  LÂMPADA DE PRANTO

Da Costa e Silva

 


Tíbia a lâmpada apagava-se 
E, antes que o óleo se extinguisse, 
Tentei, desolado e triste, 
Alimentá-la com lágrimas. 
E ei-la com o bojo ainda úmido 
De pranto amargo e silente, 
A alumiar para sempre 
A solidão do teu túmulo. 

Nem o vento frio e ríspido 
A chama oscilante apaga, 
Porque esta luz é a saudade, 
E a lâmpada o meu espírito.


Poemas e Poesias sábado, 20 de julho de 2019

O BOTÃO DE ROSA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

O BOTÃO DE ROSA

 Cruz e Sousa

 

O campo abrira o seio às expansões frementes 
das árvores senis, dos galhos viridentes. 
Caía a tarde fresca 
Loira, gentil, vivaz como a canção tudesca. 
A iluminada esfera 
Calma, profunda, azul como um sonhar de virgem, 
Dava um brilho-cetim às verdes folhas d'hera. 
No ar uma harmonia avigorada e casta, 
No crânio uma vertigem 
Duma idéia viril, duma eloqüência vasta. 

Tardes formosíssimas, 
Ó grande livro aberto aos geniais artistas, 
Como tanto alargais as crenças panteístas, 
Como tanto esplendeis e como sois riquíssimas. 

Quanta vitalidade indefinida, quanta, 
Na pequenina planta, 
No doce verde-mar dos trêmulos arbustos, 
Que misticismo, justos, 
Bebia a alma inteira ao devassar o arcano 
Das árvores titãs, das árvores fecundas 
Que tinham, como o oceano, 
Febris palpitações intérminas, profundas. 

Esplêndidas paisagens, 
Opunha o largo campo às vistas deslumbradas. 
As múrmuras ramagens, 
À luz serena e terna, à luz do sol - que espadas 
De fogo arremessava, em frêmitos nervosos, 
Pelo côncavo azul dos céus esplendorosos, 
Tinham falas de amor, segredos vacilantes 
Finos como os brilhantes. 

A música das aves 
Cortava o éter calmo, em notas multiformes, 
Límpidas e graves 
Que estouravam no ar em convulsões enormes. 
Aqui e além um rio 
Serpejava na sombra, em meio de um rochedo 
Áspero e sombrio. 
O olhar perscrutador, o grande olhar, sem medo 
E o espírito mudo, 
Como um herói gigante avassalavam tudo... 

Nuns madrigais risonhos 
Abria-se o país fantástico dos sonhos. 
Alavam-se os aromas 
Leais, inexauríveis 
Das largas e invisíveis Selváticas redomas. 

A seiva rebentava 
Em ondas - irrompia 
Na doce e maviosa e plácida alegria 
De uma ave que cantava, 
Dos belos roseirais 
Que ostentavam a flux as rosas virginais. 

E as jubilosas franças 
Dos arvoredos altos, 
Rígidos, atléticos, 
Derramavam no campo uns fluidos magnéticos 
Dumas vontades mansas. 

A doce alacridade ia explosindo aos saltos. 
E toda a natureza 
Robusta de saúde e estrênua de grandeza 
Libérrima e vital, 
Erguia-se pujante, audaz e redentora, 
No gérmen material da força criadora, 
Dentre a vida selvagem, mística, animal... 

Dos roseirais preciosos 
Nos renques primorosos, 
Numa linda roseira abria castamente, 
Como um sonho de luz numa cabeça ardente, 
O mais belo, o mais puro entre os botões de rosa. 
Tinha essa cor formosa, 
Tinha essa cor da aurora, 
Quando ensangüenta em rubro a vastidão sonora. 

Era um botão feliz 
Sorrindo para o Azul, zombando da matéria. 
Tinha o leve quebranto e a maciez etérea 
Que uma estrofe não diz. 
Das pétalas macias, 
Das pétalas sanguíneas, 
Doces como harmonias 
Brandas e velutíneas 
Uns perfumes sutis se espiralavam, raros, 
Pela mansão do Bem, pelos espaços claros. 
Perfumes excelentes, 
Perfumes dos melhores 
Perfumes bons de incógnitos Orientes. 

Matéria, não deplores 
O viver natural dos vegetais alegres; 
Eles são mais ditosos 
Que os nababos e reis nos seus coxins pomposos; 
E por mais que tu regres 
O matéria fatal, a tua vida inteira, 
No rigor da higiene; 
E por mais que a maneira 
Do teu grande existir, desse existir - perene 
De ironias e pasmos, 
Explosões de sarcasmos 
Tu completes, matéria - ó humanidade ousada 
Com a ciência altanada; 
E por mais que no século, 
Tu mergulhes a idéia, o prodigioso espéculo, 
Será sempre maior e exuberante e forte, 
Ó matéria fatal, 
Essa vida tão rica 
Que se corporifica 
Na valente coorte 
Do poder vegetal. 

Era um botão feliz, 
Cuia roseira, impávida, 
Ébria de aromas bons, ébria de orgulhos - ávida 
De completa fragrância, 
Palpitava com ânsia 
Desde a própria raiz. 

E entanto o sol tombara e triunfantemente 
Como um supremo Rubens, 
Jorrando à curvidade etérea do poente, 
O ouro e o escarlate, aprimorando as nuvens, 
Numa distribuição simpática de cores, 
De tintas e de luzes 
De galas e fulgores 
Rubros como o estourar dos férvidos obuses. 

O cérebro em nevrose, 
No pasmo que precede a augusta apoteose 
De uma excelsa visão perfeitamente bela, 
De uma excelsa visão em límpidos docéis, 
Exaltava o acabado artístico da Tela 
E o gosto dos pincéis. 

Caíam da amplidão em névoas singulares 
Os pálidos crepúsculos. 
Os fúlgidos altares 
Do homem primitivo - a relva, o prado, o campo 
Onde ele ia buscar a força de uma crença 
Que então lhe iluminasse a alma escura e densa, 
Morriam de clarões - os poderosos músculos 
Da fértil mãe de tudo - a natureza ingente - 
Deixavam de bater. - O olhar do pirilampo 
Oscilava, tremia - azul, fosforescente. 

As sombras vinham, vinham, 
Lembrando um batalhão d'espectros que caminham 
E a casta nitidez sintética das cousas 
Tomava a proporção das funerárias lousas. 
Completara-se então o mais extraordinário, 
O mais extravagante, 
Dos fenômenos todos: 
A noite. - Enfim descera a treva do Calvário, 
A treva que envolveu o Cristo agonizante. 

Coaxavam negras rãs nos charcos e nos lodos. 
A abóbada espaçosa, a física amplitude, 
Mostrava a profundez da angústia de ataúde 
De um operário pobre, 
Quando se escuta o dobre 
Amplíssimo e funéreo, 
Sinistro e compassado, 
Rolar pela mansão gloriosa do mistério, 
Assim com um soluço aflito, estrangulado. 

Devia ser, devia 
Por uma noite assim, 
Como esta noite igual, 
Que derramou Maria 
A lágrima da dor, - que o célebre Caim 
Sentiu dentro do crânio as convulsões do Mal. 

Mas o botão de rosa, 
Traído pelo estranho zéfiro da sorte, 
Rolou como uma cisma 
Intensa e luminosa 
Ardente e jovial em que a razão se abisma 
E foi cair, cair no pélago da morte, 
Em um dos mais raivosos, 
Em um dos mais atrozes 
Rios impetuosos, 
Cheios de surdas vozes, 
Sozinho, em desamparo, assim como um proscrito, 
Em meio à placidez 
Dos astros no infinito 
E à mesma irracional e fúnebre mudez. 

Depois e além de tudo, 
Além do grave aspecto inteiramente mudo, 
Ao tempo que morria 
O cândido botão - em um dos tantos galhos 
Virentes da roseira - alegre no ar se abria 
Um outro que ostentava as pétalas sedosas, 
As pétalas gracis de cores deliciosas, 
De cores ideais. 
As auras musicais 
Passavam-lhe de leve, 
Nos tímidos rumores, 
De um ósculo mais breve. 

E dentre a exposição das delicadas flores, 
Das rosas - o botão 
Aberto ultimamente às cúpulas austeras, 
Às plagas da esperança, a irmã das primaveras, 
Pendido um quase nada, esbelto na roseira, 
Mostrava aquela unção, 
A ínclita maneira 
De quem se glorifica 
Subindo ao céu azul da majestade pura, 
Da eterna exuberância, 
Da fonte sempre rica, 
Da esplêndida fartura 
Da luz imaculada - a egrégia substância 
Que faz das almas claras 
Pela fecundidade olímpica do amor, Magníficas searas, 
De onde se difunde à vida sempiterna, 
À vida essencial, à lei que nos governa, 
À idéia varonil do poeta sonhador. 

A arte especialmente, esse prodígio, atriz, 
Como o botão de rosa 
Tão meigo e tão feliz, 
Pode ser arrojada e brutalmente, ao pego, 
Na treva silenciosa, 
Onde o espírito vai, atordoado e cego, 
Cair, entre soluços, 
Como um colosso ideal tombado ao chão de bruços, 
Ou pode equilibrar-se em admirável base 
Estética e profunda, 
Assim, bem como o outro, à mais radiosa altura. 

Deves sondá-la bem nesta segunda fase. 
Precisas para isso uma alma mais fecunda. 
Precisas de sentir a artística loucura...
 O campo abrira o seio às expansões frementes 
das árvores senis, dos galhos viridentes. 
Caía a tarde fresca 
Loira, gentil, vivaz como a canção tudesca. 
A iluminada esfera 
Calma, profunda, azul como um sonhar de virgem, 
Dava um brilho-cetim às verdes folhas d'hera. 
No ar uma harmonia avigorada e casta, 
No crânio uma vertigem 
Duma idéia viril, duma eloqüência vasta. 

Tardes formosíssimas, 
Ó grande livro aberto aos geniais artistas, 
Como tanto alargais as crenças panteístas, 
Como tanto esplendeis e como sois riquíssimas. 

Quanta vitalidade indefinida, quanta, 
Na pequenina planta, 
No doce verde-mar dos trêmulos arbustos, 
Que misticismo, justos, 
Bebia a alma inteira ao devassar o arcano 
Das árvores titãs, das árvores fecundas 
Que tinham, como o oceano, 
Febris palpitações intérminas, profundas. 

Esplêndidas paisagens, 
Opunha o largo campo às vistas deslumbradas. 
As múrmuras ramagens, 
À luz serena e terna, à luz do sol - que espadas 
De fogo arremessava, em frêmitos nervosos, 
Pelo côncavo azul dos céus esplendorosos, 
Tinham falas de amor, segredos vacilantes 
Finos como os brilhantes. 

A música das aves 
Cortava o éter calmo, em notas multiformes, 
Límpidas e graves 
Que estouravam no ar em convulsões enormes. 
Aqui e além um rio 
Serpejava na sombra, em meio de um rochedo 
Áspero e sombrio. 
O olhar perscrutador, o grande olhar, sem medo 
E o espírito mudo, 
Como um herói gigante avassalavam tudo... 

Nuns madrigais risonhos 
Abria-se o país fantástico dos sonhos. 
Alavam-se os aromas 
Leais, inexauríveis 
Das largas e invisíveis Selváticas redomas. 

A seiva rebentava 
Em ondas - irrompia 
Na doce e maviosa e plácida alegria 
De uma ave que cantava, 
Dos belos roseirais 
Que ostentavam a flux as rosas virginais. 

E as jubilosas franças 
Dos arvoredos altos, 
Rígidos, atléticos, 
Derramavam no campo uns fluidos magnéticos 
Dumas vontades mansas. 

A doce alacridade ia explosindo aos saltos. 
E toda a natureza 
Robusta de saúde e estrênua de grandeza 
Libérrima e vital, 
Erguia-se pujante, audaz e redentora, 
No gérmen material da força criadora, 
Dentre a vida selvagem, mística, animal... 

Dos roseirais preciosos 
Nos renques primorosos, 
Numa linda roseira abria castamente, 
Como um sonho de luz numa cabeça ardente, 
O mais belo, o mais puro entre os botões de rosa. 
Tinha essa cor formosa, 
Tinha essa cor da aurora, 
Quando ensangüenta em rubro a vastidão sonora. 

Era um botão feliz 
Sorrindo para o Azul, zombando da matéria. 
Tinha o leve quebranto e a maciez etérea 
Que uma estrofe não diz. 
Das pétalas macias, 
Das pétalas sanguíneas, 
Doces como harmonias 
Brandas e velutíneas 
Uns perfumes sutis se espiralavam, raros, 
Pela mansão do Bem, pelos espaços claros. 
Perfumes excelentes, 
Perfumes dos melhores 
Perfumes bons de incógnitos Orientes. 

Matéria, não deplores 
O viver natural dos vegetais alegres; 
Eles são mais ditosos 
Que os nababos e reis nos seus coxins pomposos; 
E por mais que tu regres 
O matéria fatal, a tua vida inteira, 
No rigor da higiene; 
E por mais que a maneira 
Do teu grande existir, desse existir - perene 
De ironias e pasmos, 
Explosões de sarcasmos 
Tu completes, matéria - ó humanidade ousada 
Com a ciência altanada; 
E por mais que no século, 
Tu mergulhes a idéia, o prodigioso espéculo, 
Será sempre maior e exuberante e forte, 
Ó matéria fatal, 
Essa vida tão rica 
Que se corporifica 
Na valente coorte 
Do poder vegetal. 

Era um botão feliz, 
Cuia roseira, impávida, 
Ébria de aromas bons, ébria de orgulhos - ávida 
De completa fragrância, 
Palpitava com ânsia 
Desde a própria raiz. 

E entanto o sol tombara e triunfantemente 
Como um supremo Rubens, 
Jorrando à curvidade etérea do poente, 
O ouro e o escarlate, aprimorando as nuvens, 
Numa distribuição simpática de cores, 
De tintas e de luzes 
De galas e fulgores 
Rubros como o estourar dos férvidos obuses. 

O cérebro em nevrose, 
No pasmo que precede a augusta apoteose 
De uma excelsa visão perfeitamente bela, 
De uma excelsa visão em límpidos docéis, 
Exaltava o acabado artístico da Tela 
E o gosto dos pincéis. 

Caíam da amplidão em névoas singulares 
Os pálidos crepúsculos. 
Os fúlgidos altares 
Do homem primitivo - a relva, o prado, o campo 
Onde ele ia buscar a força de uma crença 
Que então lhe iluminasse a alma escura e densa, 
Morriam de clarões - os poderosos músculos 
Da fértil mãe de tudo - a natureza ingente - 
Deixavam de bater. - O olhar do pirilampo 
Oscilava, tremia - azul, fosforescente. 

As sombras vinham, vinham, 
Lembrando um batalhão d'espectros que caminham 
E a casta nitidez sintética das cousas 
Tomava a proporção das funerárias lousas. 
Completara-se então o mais extraordinário, 
O mais extravagante, 
Dos fenômenos todos: 
A noite. - Enfim descera a treva do Calvário, 
A treva que envolveu o Cristo agonizante. 

Coaxavam negras rãs nos charcos e nos lodos. 
A abóbada espaçosa, a física amplitude, 
Mostrava a profundez da angústia de ataúde 
De um operário pobre, 
Quando se escuta o dobre 
Amplíssimo e funéreo, 
Sinistro e compassado, 
Rolar pela mansão gloriosa do mistério, 
Assim com um soluço aflito, estrangulado. 

Devia ser, devia 
Por uma noite assim, 
Como esta noite igual, 
Que derramou Maria 
A lágrima da dor, - que o célebre Caim 
Sentiu dentro do crânio as convulsões do Mal. 

Mas o botão de rosa, 
Traído pelo estranho zéfiro da sorte, 
Rolou como uma cisma 
Intensa e luminosa 
Ardente e jovial em que a razão se abisma 
E foi cair, cair no pélago da morte, 
Em um dos mais raivosos, 
Em um dos mais atrozes 
Rios impetuosos, 
Cheios de surdas vozes, 
Sozinho, em desamparo, assim como um proscrito, 
Em meio à placidez 
Dos astros no infinito 
E à mesma irracional e fúnebre mudez. 

Depois e além de tudo, 
Além do grave aspecto inteiramente mudo, 
Ao tempo que morria 
O cândido botão - em um dos tantos galhos 
Virentes da roseira - alegre no ar se abria 
Um outro que ostentava as pétalas sedosas, 
As pétalas gracis de cores deliciosas, 
De cores ideais. 
As auras musicais 
Passavam-lhe de leve, 
Nos tímidos rumores, 
De um ósculo mais breve. 

E dentre a exposição das delicadas flores, 
Das rosas - o botão 
Aberto ultimamente às cúpulas austeras, 
Às plagas da esperança, a irmã das primaveras, 
Pendido um quase nada, esbelto na roseira, 
Mostrava aquela unção, 
A ínclita maneira 
De quem se glorifica 
Subindo ao céu azul da majestade pura, 
Da eterna exuberância, 
Da fonte sempre rica, 
Da esplêndida fartura 
Da luz imaculada - a egrégia substância 
Que faz das almas claras 
Pela fecundidade olímpica do amor, Magníficas searas, 
De onde se difunde à vida sempiterna, 
À vida essencial, à lei que nos governa, 
À idéia varonil do poeta sonhador. 

A arte especialmente, esse prodígio, atriz, 
Como o botão de rosa 
Tão meigo e tão feliz, 
Pode ser arrojada e brutalmente, ao pego, 
Na treva silenciosa, 
Onde o espírito vai, atordoado e cego, 
Cair, entre soluços, 
Como um colosso ideal tombado ao chão de bruços, 
Ou pode equilibrar-se em admirável base 
Estética e profunda, 
Assim, bem como o outro, à mais radiosa altura. 

Deves sondá-la bem nesta segunda fase. 
Precisas para isso uma alma mais fecunda. 
Precisas de sentir a artística loucura...
 


Poemas e Poesias sexta, 19 de julho de 2019

ANINHA E SUAS PEDRAS (POEMA DA GOIANA CORA CORALINA)

ANINHA E SUAS PEDRAS

Cora Coralina

 


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.


Poemas e Poesias quinta, 18 de julho de 2019

ALMA LUZ (POEMA DA UCRANIANA-BRASILEIRA CLARICE LISPECTOR

ALMA LUZ

Clarice Lispector

 

Minha alma tem o peso da luz
Tem o peso da música
Tem o peso da palavra nunca dita,
Tem o peso de uma lembrança
Tem o peso de uma saudade
Tem o peso de um olhar
Pesa como pesa uma ausência
E a lágrima que não se chorou
Tem o imaterial peso de uma solidão no meio de outros.


Poemas e Poesias quarta, 17 de julho de 2019

A LÍNGUA DO NHEM (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

 

A LÍNGUA DO NHEM

Cecília Maireles

Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,

ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…


Poemas e Poesias segunda, 15 de julho de 2019

DESESPERO (20ª PARTE DO POEMA A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO, DO BAIANO CASTRO ALVES)

DESESPERO

Castro Alves

(Do poema A Cachoeira de Paulo Afonso)

 

"Crime! Pois será crime se a jibóia
Morde silvando a planta, que a esmagara?
Pois será crime se o jaguar nos dentes
Quebra do índio a pérfida taquara?

"E nós que somos, pois? Homens? — Loucura!
Família, leis e Deus lhes coube em sorte.
A família no lar, a lei no mundo...
E os anjos do Senhor depois da morte.

"Três leitos, que sucedem-se macios,
Onde rolam na santa ociosidade...
O pai o embala... a lei o acaricia...
O padre lhe abre a porta à eternidade.

"Sim! Nós somos reptis... Quimporta a espécie?
— A lesma é vil, — o cascavel é bravo.
E vens falar de crimes ao cativo ?
Então não sabes o que é ser escravo! ...

"Ser escravo — é nascer no alcoice escuro
Dos seios infamados da vendida...
— Filho da perdição no berço impuro
Sem leite para a boca ressequida...
"É mais tarde, nas sombras do futuro,
Não descobrir estrela foragida...
É ver — viajante morto de cansaço —
A terra — sem amor!... sem Deus - o espaço!

"Ser escravo — é, dos homens repelido,
Ser também repelido pela fera;
Sendo dos dois irmãos pasto querido,
Que o tigre come e o homem dilacera...
— É do lodo no lodo sacudido
Ver que aqui ou além nada o espera,
Que em cada leito novo há mancha nova...
No berço... após no toro... após na cova!...

"Crime! Quem falou, pobre Maria,
Desta palavra estúpida?... Descansa!
Foram eles talvez?! ... É zombaria...
Escarnecem de ti, pobre criança!
Pois não vês que morremos todo dia,
Debaixo do chicote, que não cansa?
Enquanto do assassino a fronte calma
Não revela um remorso de sua alma?

"Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade
É que os infames tudo me roubaram ...
Esperança, trabalho, liberdade
Entreguei-lhes em vão... não se fartaram.
Quiseram mais... Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor espedaçaram...
Maria! Última estrela de minhalma!
O que é feito de ti, virgem sem palma?

"Pomba — em teu ninho as serpes te morderam.
Folha — rolaste no paul sombrio.
Palmeira — as ventanias te romperam.
Corça — afogaram-te as caudais do rio.
Pobre flor — no teu cálice beberam,
Deixando-o depois triste e vazio...
— E tu, irmã! e mãe! e amante minha!
Queres que eu guarde a faca na bainha!

"Ó minha mãe! ó mártir africana,
Que morreste de dor no cativeiro!
Ai! sem quebrar aquela jura insana,
Que jurei no teu leito derradeiro,
No sangue desta raça ímpia, tirana
Teu filho vai vingar um povo inteiro!...

Vamos, Maria! Cumpra-se o destino...
Dize! dize-me o nome do assassino!..."

"Virgem das Dores,
Vem dar-me alento,
Neste momento
De agro sofrer!
Para ocultar-lhe
Busquei a morte...
Mas vence a sorte,
Deve assim ser.

....................................

"Pois que seja! Debalde pedi-te,
Ai! debalde a teus pés me rojei...
Porém antes escuta esta história...
Depois dela... O seu nome direi!"


Poemas e Poesias domingo, 14 de julho de 2019

SEGREDOS (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

SEGREDOS

Casimiro de Abreu

 

Eu tenho uns amores — quem é que os não tinha
Nos tempos antigos! — Amar não faz mal;
As almas que sentem paixão como a minha
Que digam, que falem em regra geral.
— A flor dos meus sonhos é moça e bonita
Qual flor entreaberta do dia ao raiar,
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero, não posso, não devo contar!

Seu rosto é formoso, seu talhe elegante,
Seus lábios de rosa, a fala é de mel,
As tranças compridas, qual livre bacante,
O pé de criança, cintura de anel;
— Os olhos rasgados são cor das safiras,
Serenos e puros, azuis como o mar;
Se falam sinceros, se pregam mentiras,
Não quero, não posso, não devo contar!

Oh! ontem no baile com ela valsando
Senti as delícias dos anjos do céu!
Na dança ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu!
— Que noite e que baile! — Seu hálito virgem
Queimava-me as faces no louco valsar,
As falas sentidas que os olhos falavam
Não posso, não quero, não devo contar!

Depois indolente firmou-se em meu braço,
Fugimos das salas, do mundo talvez!
Inda era mais bela rendida ao cansaço,
Morrendo de amores em tal languidez!
— Que noite e que festa! e que lânguido rosto
Banhado ao reflexo do branco luar!
A neve do colo e as ondas dos seios
Não quero, não posso, não devo contar!

A noite é sublime! — Tem longos queixumes,
Mistérios profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os gemidos, do prado os perfumes,
De amor me mataram, de amor suspirei!
— Agora eu vos juro... Palavra! — não minto!
Ouvi-a formosa também suspirar;
Os doces suspiros que os ecos ouviram
Não quero, não posso, não devo contar!

Então nesse instante nas águas do rio
Passava uma barca, e o bom remador
Cantava na flauta: — "Nas noites d'estio
O céu tem estrelas, o mar tem amor!" —
— E a voz maviosa do bom gondoleiro
Repete cantando: — "viver é amar!" —
Se os peitos respondem à voz do barqueiro...
Não quero, não posso, não devo contar!

Trememos de medo... a boca emudece
Mas sentem-se os pulos do meu coração!
Seu seio nevado de amor se entumece...
E os lábios se tocam no ardor da paixão!
— Depois... mas já vejo que vós, meus senhores,
Com fina malícia quereis me enganar.
Aqui faço ponto; — segredos de amores
Não quero, não posso, não devo contar!


Poemas e Poesias sábado, 13 de julho de 2019

A PALAVRA (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

A PALAVRA

Carlos Pena Filho

 


Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco, 
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma


Poemas e Poesias sexta, 12 de julho de 2019

A FALTA QUE AMA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

A FALTA QUE AMA

Carlos Drummond de Andrade

 

Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se, inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É a falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?


Poemas e Poesias quinta, 11 de julho de 2019

SONETO 116 - AQUELES CLAROS OLHOS QUE CHORANDO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)

AQUELES CLAROS OLHOS  QUE CHORANDO

Soneto 116

Luís de Camões

 

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam, quando deles me partia,
agora que farão? Quem mo diria?
Se porventura estarão em mim cuidando?

Se terão na memória, como ou quando
deles me vim tão longe de alegria?
Ou se estarão aquele alegre dia,
que torne a vê-los, na alma figurando?

Se contarão as horas e os momentos?
Se acharão num momento muitos anos?
Se falarão co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos
que, nesta ausência, tão doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!


Poemas e Poesias quarta, 10 de julho de 2019

SONETO DO PADRE PATIFE (POEMA DO PORTUGUÊS MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE)

SONETO DO PADRE PATIFE

Bocage

Aquele semi-clérigo patife,
Se eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara contigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife:
 
Célebre traste! É justo que se rife;
Eu também pronto estou, se disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife:
 
Parece hermafrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que apeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!
 
Mas desta errada opinião me desço;
Pois que traz a criança no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso.


Poemas e Poesias terça, 09 de julho de 2019

VERSOS A UM COVEIRO (POEMA DO CAPIXABA AUGUSTO DOS ANJOS)

VERSOS A UM COVEIRO

Augusto dos Anjos

 


Numerar sepulturas e carneiros,

Reduzir carnes podres a algarismos,

Tal é, sem complicados silogismos,

A aritmética hedionda dos coveiros!

 

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos

Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,

Na progressão dos números inteiros

A gênese de todos os abismos!

 

Oh! Pitágoras da última aritmética,

Continua a contar na paz ascética

Dos tábidos carneiros sepulcrais:

 

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,

Porque, infinita como os próprios números,

A tua conta não acaba mais!


Poemas e Poesias segunda, 08 de julho de 2019

BLACKOUT (POEMA DO PERNAMBUCANO ASCENSO FERREIRA)

BLACKOUT

Ascenso Ferreira

 

   

A BOCA-DA-NOITE passou no papo todas as luzes!
Há Cabras-Cabriolas lá fora a berrar...
        (Transeunte, abriga-te!)

O Pai-da-Mata dá gritos de alarmes:
— Quem vem lá?
— Quem vem lá?
— Quem vem lá?

E pelos descampados dos céus sombrios,
gigantes de bota-de-sete-léguas
apostam carreiras sobre a Terra e o Mar.
........................................................


 Oh! O pavor das criancinhas atônitas:
— Mamãe, o mundo vai se acabar?!

 


Poemas e Poesias sábado, 06 de julho de 2019

A INFÂNCIA (POEMA DO PARAIBANO ARIANO SUASSUNA)

A INFÂNCIA

Ariano Suassuna

 

Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,
vi o mundo rugir. Tigre maldoso.

O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.

E veio o Sonho: e foi despedaçado!
E veio o Sangue: o marco iluminado,
a luta extraviada e a minha grei!

Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo,
na Cadeia que estive e em que me acho,
a Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!


Poemas e Poesias sexta, 05 de julho de 2019

COM OS MORTOS (POEMA DO PORTUGUÊS ANTERO DE QUENTAL)

COM OS MORTOS

Antero de Quental

 

Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.


Poemas e Poesias quinta, 04 de julho de 2019

AI, JESUS! (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

AI, JESUS!

Álvares de Azevedo

 

Ai, Jesus! não vês que gemo,
Que desmaio de paixão
Pelos teus olhos azuis?
Que empalideço, que tremo,
Que me expira o coração?
Ai, Jesus!
 
Que por um olhar, donzela,
Eu poderia morrer
Dos teus olhos pela luz?
Que morte! que morte bela!
Antes seria viver!
Ai, Jesus!
 
Que por um beijo perdido
Eu de gozo morreria
Em teus níveos seios nus?
Que no oceano dum gemido
Minh'alma se afogaria?
Ai, Jesus!


Poemas e Poesias quarta, 03 de julho de 2019

ESTÂNCIA XII (POEMA DO MINEIRO ALPHONSUS GUIMARAENS)

ESTÂNCIA XII

Alponsus Guimaraens

 

 

 

Vinha nascendo a aurora como nasce
O sorriso na face
De quem nunca sofreu.
Um jorro de rubis e de topázios
Tombara sobre o vale angelical, onde eu
Colhia flores que eram crisoprásios
Orvalhados pelo céu…
Da minha mocidade os sonhos mortos
(Da minha morta mocidade) vinham
Ante mim como naus buscando portos,
E bem longe se detinham.
Por que, depois de tantas esperanças,
Esse caos de infortúnio?
Alma, é bem certo que jamais alcanças
A paz sagrada do teu plenilúnio!

E contemplei o céu, onde surgia
O dia…
Sol, ó sol! Astro rei dos espaços,
Rubra tulipa imperial,
Iluminai no ocaso os meus cansados braços,
Com toda a vossa luz de púrpura real,
Para que eles possa,
Cheios de clarões dos olhos teus
(São beijos que pelos meus lábios roçam),
Erguer-se a Deus!


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