Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias quinta, 16 de novembro de 2023

PÓRTICO (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

PÓRTICO

Raul de Leôni

 

 

 

Alma de origem ática, pagã,
Nascida sob aquele firmamento
Que azulou as divinas epopéias,
Sou irmão de Epicuro e de Renan,
Tenho o prazer sutil do pensamento
E a serena elegância das idéias...

Há no meu ser crepúsculos e auroras,
Todas as seleções do gênio ariano,
E a minha sombra amável e macia
Passa na fuga universal das horas,
Colhendo as flores do destino humano
Nos jardins atenienses da Ironia...

(...)

Meu pensamento livre, que se achega
De ideologias claras e espontâneas,
É uma suavíssima cidade grega,
Cuja memória
É uma visão esplêndida na história
Das civilizações mediterrâneas.

Cidade da Ironia e da Beleza,
Fica na dobra azul de um golfo pensativo,
Entre cintas de praias cristalinas,
Rasgando iluminuras de colinas,
Com a graça ornamental de um cromo vivo:
Banham-na antigas águas delirantes,
Azuis, caleidoscópicas, amenas,
Onde se espelha, em refrações distantes,
O vulto panorâmico de Atenas...

Entre os deuses e Sócrates assoma
E envolve na amplitude do seu gênio
Toda a grandeza grega a que remonto;
Da Hélade dos heróis ao fim de Roma,
Das cidades ilustres do Tirreno
Ao mistério das ilhas do Helesponto...

Cidade de virtudes indulgentes,
Filha da Natureza e da Razão,
— Já eivada da luxúria oriental, —
Ela sorri ao Bem, não crê no Mal,
Confia na verdade da Ilusão
E vive na volúpia e na sabedoria,
Brincando com as idéias e com as formas...

(...)

Revendo-se num século submerso.
Meu pensamento, sempre muito humano,
É uma cidade grega decadente,
Do tempo de Luciano,
Que, gloriosa e serena,
Sorrindo da palavra nazarena,
Foi desaparecendo lentamente,
No mais suave crepúsculo das coisas...


Poemas e Poesias quarta, 15 de novembro de 2023

KREMME (POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

KREMME

Olegário Mariano

 

 

 

Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá três prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.

Inté os sinos dizia
Na matriz da freguezia
Que embora o tempo corresse,
Que embora o tempo passasse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.

Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha si eu te falasse...
Si eu te beijasse na face...
Tu me dás-se um beijo? — Dou-se.

E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamos pro quê?

Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.

— Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
— Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.

E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra... Dezembro...
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.

Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.

Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.


Poemas e Poesias terça, 14 de novembro de 2023

AS ÍNDIAS (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

AS ÍNDIAS

Olavo Bilac

 

 

 

Se a atração da ventura os sonhos te arrebata,

Conquistador, ao largo! A tua alma sedenta

Quer a glória, a conquista, o perigo, a tormenta?

Ao largo! saciarás a ambição que te mata!

Bela, verás surgir, da água azul que a retrata,

Catai, a cujos pés o mar em flor rebenta;

E Cipango verás, fabulosa e opulenta,

Apunhalando o céu com as torres de ouro e prata.

Pisarás com desprezo as pérolas mais belas!

De mirra, de marfim, de incenso carregadas,

Se arrastarão, arfando, as tuas caravelas.

E, a aclamar-te Senhor das Terras e dos Mares,

Os régulos e os reis das ilhas conquistadas

Se humilharão, beijando o solo que pisares...


Poemas e Poesias segunda, 13 de novembro de 2023

OS ARROIOS (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

OS ARROIOS

Mário Quintana

 

 

 

Os arroios são rios guris…
Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d’água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,
às belas morenas,
curiosos das pernas das belas morenas.
E às vezes vão tão devagar
que conhecem o cheiro e a cor das flores
que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam
e onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção
como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão
de um Anjo…
Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.
Os rios tresandam óleo e alcatrão
e refletem, em vez de estrelas,
os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,
os inocentes arroios…


Poemas e Poesias domingo, 12 de novembro de 2023

O PERSONAGEM - RETRATO DE IRMÃO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

O PERSONAGEM
RETRATO DE IRMÃO

Manoel de Barros

 

 


Era um ente irresolvido entre vergôntea e lagarto. 
Tordos que externam desterro sentavam nele. Sua voz era 
curva pela forma escura da boca. (Voz de sótão com 
baratas luminosas.) Dava sempre a impressão que 
estivesse saindo de um bueiro cheio de estátuas. 
— Conforme o viver de um homem, seu ermo cede — ensinava. 
Era a cara de um lepidóptero de pedra. E tinha um 
modo de lua entrar em casa. 
Deixou-nos um TRATADO DE METAMORFOSES 
cuja Parte XIX, Livro de pré-coisas, transcrevemos.


Poemas e Poesias sábado, 11 de novembro de 2023

ESTRELA DA MANHÃ (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

ESTRELA DA MANHÃ

Manuel Bandeira

 

 

 

Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
      [comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

 


Poemas e Poesias sexta, 10 de novembro de 2023

A SERTANEJA (POEMA DO CARIOCA LUÍS GUIMARÃES JÚNIOR)

A SERTANEJA

Luís Guimarães Júnior

 

 

 

        Eu sou a virgem morena,
        Robusta, lesta, pequena,
        Como a cabrita montês;
        Vivo cercada de amores,
        E Aquele que fez as flores,
        Irmã das flores me fez.

        Vinde ver, oh boiadeiros,
        Meus vestidos domingueiros,
        Meus braços limpos e nus:
        Ah! vinde ver-me enfeitada
        Com minha saia engomada,
        Com meus tamancos azuis.

        Sertanejos, sertanejos,
        Pedis debalde os meus beijos,
        Em vão pedis meu amor!
        Eu sou a agreste cotia,
        Que se expõe à pontaria,
        E ri-se do caçador!

        A sertaneja morena
        Bonita, forte, pequena,
        Não cai na armadilha, não;
        A jaçanã corre e voa
        Quando vê sobre a lagoa
        A sombra do gavião.

        Sou órfã, donzela e pobre,
        Vistosa telha não cobre
        O lar que herdei de meus pais;
        Que importa? Vivo contente;
        Ser moça, bela e inocente
        É ter fortuna demais!

        Quem tece e protege o ninho,
        Quem defende o passarinho,
        Quem das mãos espalha o bem,
        Quem fez o sol e as estrelas,
        Dando a virtude às donzelas
        Deu-lhes a força também.

        A Virgem nunca se esquece
        Da mais tosca e simples prece
        Que voa ao seio de Deus:
        Por cada infeliz que chora
        Abre na terra uma aurora,
        Crava uma estrela nos céus.

        Sertanejos, sertanejos,
        Podeis morrer de desejos
        Que eu não me temo de vós!
        A sertaneja faceira
        É mais que a paca ligeira
        Mais que a andorinha veloz.

        Sou viva, arisca, medrosa,,,
        Bem como a onça raivosa
        Pronta ao mais leve rumor!
        No meu cabelo selvagem
        Sente-se a morna bafagem
        Das matas virgens em flor.

        No samba quem puxa a fieira
        Melhor, melhor que a trigueira
        Maravilha dos sertões?
        Que peito mais brando anseia,
        Quem mais gentil sapateia,
        Quem pisa mais corações?

        Ai gentes! Ai boiadeiros!
        Não sois decerto os primeiros
        Que o meu olhar cativou:
        Desta morena a doçura
        É como frecha segura:
        Peito que encontra — rasgou!

        Minha rede é perfumada
        Como a folha machucada
        De verde malva maçã;
        Nela me embalo sonhando,
        E dela salto cantando
        Quando vem rindo a manhã.

        Sonho com jambos e rosas,
        Co´as madrugadas formosas
        Deste formoso sertão;
        Meu sonho é como a canoa,
        Que voa, que voa e voa
        Nas águas do ribeirão.

Trago no seio guardado
O rosário abençoado
Que minha mãe me deixou;
Ai! gentes! ai! pastorinhas!
Foi que meu pranto as lavou.

Quem é mais feliz na terra?
Quem mais delícias encerra,
Quem mais feitiço contém?
Vem, moreno boiadeiro,
Desafiar meu pandeiro
Com tua guitarra, — vem!

Raiou domingo! Que festa!
Que barulho na floresta!
Quanto rumor no sertão!
Que céu! que matas cheirosas!
Quanto perfume nas rosas,
E quantas rosas no chão!

Vinde ouvir-me na guitarra;
Não há nas brenhas cigarra
Que me acompanhe, — não há!
Trazei, trazei, boiadeiros,
As violas, os pandeiros,
Os búzios, o maracá.

Eu sou a virgem morena
Robusta, lesta, pequena,
Como a cabrita montês;
Vivo cercada de amores,
E Aquele que fez as flores
Irmã das flores me fez. 

 


Poemas e Poesias quinta, 09 de novembro de 2023

NOVA VÊNUS (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

NOVA VÊNUS

Júlio Dinis

 

 

 

Salta aos ventos as tranças douradas,
Meiga filha das bordas do mar,
E no meio das vagas iradas
Solta aos ventos o alegre cantar.

Não, não temas as nuvens sombrias,
Que uma a uma se elevam d´além,
Qe rodeado d´amor e alegrias,
O teu céu dessas nuvens não tem.

Canta sempre, de noite as estrelas,
De manhã ao luzir do arrebol,
Ao passarem no mar as procelas,
Ao sorrir nos outeiros o sol.

Canta sempre, ó alcione d´estas vagas
Nova filha da espuma do mar,
Canta sempre, e eu sentado nas fragas,
Voltarei para ouvir-te cantar.

 


Poemas e Poesias quarta, 08 de novembro de 2023

IDEAL DE AMOR (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

IDEAL DE AMOR

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Odeio aquelas almas onde encontro escrita
uma história que um outro antes de mim viveu...
Dentro de um grande amor, o amor-próprio se irrita
encontrando um romance que não seja o seu ...
Quero uma alma que seja inteiramente pura,
simples, e onde não haja escrita uma só linha,
onde possa ir deixar um poema de ventura
aquela que procuro e que há de ser só minha...
Quero um amor de egoísta todo meu, inteiro,
que não traga um vestígio de afeição sequer...
- se para ele eu não for o seu sonho primeiro
desde já renuncio a outro lugar qualquer...
Somente assim desejo e quero ser amado
e um grande amor somente assim posso sentir...
- hei de ser seu presente... hei de ser seu passado
e a esperança feliz que doure o seu porvir...
Para um perfeito ideal... para encher a minha vida
ser toda a minha crença em meu viver de ateu,
não quero a alma que foi por outro amor possuída
nem quero aquele amor que um dia não foi meu!
Quero o amor em botão... fechado, pequenino,
e ao calor do meu beijo há de florir então,
- para ser a razão do meu próprio destino
e a grandeza imortal da minha inspiração!...


Poemas e Poesias terça, 07 de novembro de 2023

PRELÚDIOS INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

PRELÚDIOS INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

Hilda Hilst

 

 

 

I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.


Poemas e Poesias segunda, 06 de novembro de 2023

MOEMA (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

MOEMA

Hermes Fontes

 

 

 

Rosa rubra dos Trópicos... Moema!
Alma-virgem das lendas brasileiras!
Irmã — pela constância — de Iracema...

Romântica-selvagem! flor de idílio,
antes havido só nas verdadeiras
Amorosas de Homero e de Virgílio!

Predestinada, passional Moema!
Amor sacrificado! dor vivida
nos sete espinhos de amoroso poema!

Virginal Dido-Elissa das florestas,
mais do que abandonada — incompreendida
no amor de sacrifício, a que te aprestas!

Caramuru partiu... E, como Enéas,
foi para sempre! Mas, não foi sozinho,
arrebatado a novas epopéias.

Foi entre os braços de outra — amante e amado —
abrindo sobre as ondas o caminho
à galera feliz do seu noivado.

Vendo esbater-se, no horizonte, a nave,
tentou-te o Mar. E, entregue à tua sorte,
foste boiando à correnteza suave...

Oh! que desgraça! e que beleza, a tua!
— "Tanto era bela, no seu rosto, a Morte",
e, no seu corpo, a virgindade nua!


Poemas e Poesias domingo, 05 de novembro de 2023

INDFERENÇA (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

INDIFERENÇA

Guilherme de Almeida

 

 

 

Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado passo.

E eu, baixo os meus olhos se te avisto.

E assim fazemos, como se com isto,

pudéssemos varrer nosso passado.

 

Passo esquecido de teu olhar, coitado!

Vais, coitada, esquecida de que existo.

Como se nunca me tivesses visto,

como se eu sempre não te houvesse amado.

 

Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,

se quando passo, teu olhar me alcança,

se meus olhos te alcançam quando vais

 

Ah! Só Deus sabe! Só nós sabemos.

Volta-nos sempre a pálida lembrança

Daqueles tempos que não voltam mais!


Poemas e Poesias sábado, 04 de novembro de 2023

RUÍNAS (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

RUÍNAS

Guerra Junqueiro

 

 

 

«E é triste ver assim ir desfolhando,
Vê-las levadas na amplidão do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mães, o eterno altar.

 

Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vão perdidas, vão boiando
Nesta corrente eléctrica do mar!...

 

Ó ciência, minha amante, é sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo...
Nunca o teu lábio conheceu piedade!

 

Mas caia embora o velho paraíso,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.

 
II
 
Morreu-me a luz da crença - alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.
 
A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razão.
 
Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herói antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.
 
A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a Providência,
Mas, deixando-me Deus, deixou-me tudo».

 


Poemas e Poesias sexta, 03 de novembro de 2023

INVERNO (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

INVERNO

Francisca Júlia

 

 

 

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
Ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
Debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
O ar enchiam de sons e queixas misteriosas.

Tudo era queixa e amor. As árvores copiosas
Mexiam-se, de manso, ao resfôlego brando
Da brisa que passava em tudo derramando
O perfume sutil dos cravos e das rosas…

Mas veio o inverno; e vida e amor foram-se em breve…
O ar se encheu de rumor e de uivos desolados…
As árvores do campo, enroupadas de neve,

Sob o látego atroz da invernia que corta,
São esqueletos que, de braços levantados,
Vão pedindo socorro à primavera morta.

 


Poemas e Poesias quinta, 02 de novembro de 2023

OLHANDO O MAR (POEMA DA CARIOCA GILKA MACHADO)

OLHANDO O MAR

Gilka Machado

 

 

 

Sempre que fito o mar
tenho a ilusão de achar-me diante
de um silêncio amplo, ondulante,
de um silêncio profundo,
onde vozes lutassem por gritar,
por lhe fugirem do invisível fundo.

Diante do mar eu fico triste,
nessa mudez de quem assiste
reproduções do próprio dissabor;
diante do mar eu sou um mar,
a outro de apor
e a se indeterminar.

O mar é sempre monotonia,
na calmaria
ou na tempestade.
Fujo de ti, ó mar que estrondas!
porque a tristeza que me invade
tem a continuidade
das tuas ondas…

Mas te amo, ó mar, porque minha alma e a tua
são bem iguais: ambas profundamente
sensíveis, e amplas, e espelhantes;
nelas o ambiente
atua
apenas superficialmente…

Calma de cismas, de êxtases, de sonhos,
desesperos medonhos,
ânsias de azul, de alturas…
– Longos ou rápidos instantes
em que me transfiguro, em que te transfiguras…
Nos nossos sentimentos sem represa,
nas nossas almas, quanta afinidade!
– Tu sentindo por toda a natureza!
– Eu sentindo por toda a humanidade!

Nos dias muito azuis, o meu olhar,
atento,
a descer e a se elevar,
supõe o mar um espreguiçamento
do céu e o céu um êxtase do mar.

Há nos ritmos da água
marinha uma poesia, a mais completa,
essa poesia universal da mágoa.

O mar é um cérebro em laboração,
um cérebro de poeta;
nas suas ondas, vêm e vão
pensamentos, de roldão.

O mar,
imperturbavelmente, a rolar, a rolar…
O mar… – Concluo sempre que metido
em sua profundeza e em sua vastidão:
– o mar é o corpo, é a objetivação
do espaço, do infinito.


Poemas e Poesias quarta, 01 de novembro de 2023

DE JOELHOS (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

DE JOELHOS

Florbela Espanca

 

 

 

 

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer…
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te ver…

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem,
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!


Poemas e Poesias segunda, 30 de outubro de 2023

DIGO SIM (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

DIGO SIM

Ferreira Gullar

 

 

 

Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperança entre pulmões
e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no Carnaval
da Avenida.
Mas não. O poeta mente.

A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à fome
e dizendo sim
– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Thereza
pelo meu filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela
tampouco me nego a ela:
– digo sim


Poemas e Poesias domingo, 29 de outubro de 2023

DE QUEM É O OLHAR (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

DE QUEM É O OLHAR

Feranndo Pessoa

 

 

 

De quem é o olhar

Que espreita por meus olhos?

Quando penso que vejo,

Quem continua vendo

Enquanto estou pensando?

Por que caminhos seguem,

Não os meus tristes passos,

Mas a realidade

De eu ter passos comigo?

 

Às vezes, na penumbra

Do meu quarto, quando eu

Para mim próprio mesmo

Em alma mal existo,

Toma um outro sentido

 

Em mim o Universo —

É uma nódoa esbatida

De eu ser consciente sobre

Minha ideia das coisas.

 

Se acenderem as velas

E não houver apenas

A vaga luz de fora —

Não sei que candeeiro

Aceso onde na rua —

Terei foscos desejos

De nunca haver mais nada

No Universo e na Vida

De que o obscuro momento

Que é minha vida agora.

 

Um momento afluente

Dum rio sempre a ir

Esquecer-se de ser,

Espaço misterioso

Entre espaços desertos

Cujo sentido é nulo

E sem ser nada a nada.

 

E assim a hora passa

Metafisicamente.


Poemas e Poesias sábado, 28 de outubro de 2023

RIMAS (POEMA DO FLUMINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

RIMAS

Euclides da Cunha

 

 

 

Ontem – quando, soberba, escarnecias
Dessa minha paixão – louca – suprema
E no teu lábio, essa rósea algema,
A minha vida – gélida – prendias…

Eu meditava em loucas utopias,
Tentava resolver grave problema…
Como engastar tua alma num poema?
E eu não chorava quando tu te rias…

Hoje, que vivo desse amor ansioso
E és minha – és minha, extraordinária sorte,
Hoje eu sou triste sendo tão ditoso!

E tremo e choro – pressentindo – forte,
Vibrar, dentro em meu peito, fervoroso,
Esse excesso de vida – que é a morte…


Poemas e Poesias sexta, 27 de outubro de 2023

TROVAS HUMORÍSTICAS - 23 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

 

TROVA HUMORÍSTICA 23

Eno Teodoro Wanke

 

Na casa número tanto

Na rua que sempre esqueço

Se vende não sei por quanto

Alguma coisa sem preço

 

 

 


Poemas e Poesias quinta, 26 de outubro de 2023

O SINAL DA CRUZ (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

O SINAL DA CRUZ

Da Costa e Silva

 

 

 

Se é preciso lutar para ser forte,
Se é preciso sofrer para ser puro,
Em luta e sofrimento a vida apuro, 
Para tranqüilo merecer a morte.

Hei lutado e sofrido de tal sorte
Que, a tantas provações, meu ser impuro
Sonha atingir a perfeição que auguro
Em resignado e místico transporte.

A existência de lutas e de penas,
Como um cardo florindo entre os abrolhos,
Vou bendizendo pelo bem que faço.

E quando a morte vier, resta-me apenas
Juntar as mãos e levantar os olhos
Para o que exista em luz além do espaço.

 


Poemas e Poesias terça, 24 de outubro de 2023

O SENTIMENTO OCIDENTAL - HORAS MORTAS (POEMA DO PORTUGUÊS CESÁRIO VERDE)

O SENTIMENTO OCIDENTAL - HORAS MORTAS

Cesário Verde

 

 

 

O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
 
Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
 
E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
 
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
 
Ó nossos filhoes! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
 
Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
 
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

Poemas e Poesias segunda, 23 de outubro de 2023

RECADO AOS AMIGOS DISTANTES (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

RECADO AOS AMIGOS DISTANTES

Cecília Meireles

 

 

 

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.


Poemas e Poesias sábado, 21 de outubro de 2023

PEDRO IVO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

PEDRO IVO

Castro Alves 

(Grafia original)

 

 

Sonhava nesta geração bastarda,
     Glorias e liberdade!...
.......................................
Era um leão sangrento que rugia,
Da gloria nos clarins se embriagava,
E vossa gente pallida recuava,
     Quando ele apparecia.
   (Alvares de Azevedo)

 

I

Rebramam os ventos... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corsel...
Relincha... troveja... galgando no espaço
Mil raios desperta co′as patas revel.

É noite de horrores... nas grunas celestes,
Nas naves ethereas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual bando de garças
Das aguas revoltas do lago do céo. 

E a terra é medonha... As arvores núas
Espectros semelham fincados de pé,
Com os braços de mumias, que os ventos retorcem,
Tremendo a esse grito, que estranho lhes é.

Desperta o infinito... Co′a boca entreaberta
Respira a borrasca do largo pulmão.
Ao longe o oceano sacode as espaduas
— Encélado novo calcado no chão.

É noite de horrores... Por invio caminho
Um vulto sombrio sósinho passou,
Co′a noite no peito, co′a noite no busto
Subiu pelo monte... nas cimas parou.

Cabellos esparsos ao sopro dos ventos,
Olhar desvairado, sinistro, fatal.
Dirieis estatua roçando nas nuvens,
P′ra qual a montanha se fez pedestal.

Rugia a procella — nem elle escutava!...
Mil raios choviam — nem elle os fitou!
Com a dextra apontando bem longe a cidade.
Após largo tempo sombrio fallou!

..........
 
II

Dorme, cidade maldicta,
Teu somno de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os cochins do Sultão!...
Dorme, filha da Georgia.
Prostituta em negra orgia,
Sê hoje Lucrecia Borgia
Da deshonra no balcão!...

Dormir?!... Não! Que a infame grita
Lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a deshonra
Na orgia descommunal...
Na fronte já tens um laço...
Cadêas de ouro no braço,
De perolas um baraço,
— Adornos da satural!

Louca!... Nem sabe que as luzes,
Que accendeu p′ra as saturnaes,
São do enterro de seus brios
Tristes cirios funeraes...
Que o seu grito de alegria
É o estertor da agonia,
A que responde a ironia.
Do riso de Satanaz!... 

Morreste... E ao teu sahimento
Dobra a procella no céo,
E os astros — olhar dos mortos —
A mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa
Mão de espectro, que destampa
Com dedos de ossos a campa,
Onde a gloria adormeceu.

E erguem-se as lapidas frias,
Saltam bradando os heróes:
«Quem ousa da eternidade
Roubar-nos o somno a nós?»
Responde o espectro; — A desgraça!
Que a realeza que passa,
Com o sangue de vossa raça,
Cospe lodo sobre vós!...»

Fugi, fantasmas augustos!
Caveiras que coram mais
Do que essas faces vermelhas
Dos infames pariás!...
Fugi do solo maldicto!...
Embuçai-vos no infinito!...
E eu por detrás do granito
Dos montes occidentaes.

Eu tambem fujo... Eu... fugindo!...
Mentira desses vilões!

Não foge a nuvem trevosa
Quando em azas de tufões
Sobe dos céos á esplanada,
Para tomar emprestada
De raios uma outra espada,
A luz das constellações...

Como o tigre na caverna
Afia as garras no chão,
Como em Elba amola a espada
Nas pedras — Napoleão,
Tal eu — vaga encapellada,
Recúo de uma passada,
P′ra levar de derribada
Rochedos, reis, multidão...!

III

«Pernambuco! Um dia eu vi-te
Dormido immenso ao luar,
Com os olhos quasi cerrados,
Com os labios — quasi a fallar...
Do braço o clarim suspenso,
— O punho no sabre extenso
De pedra — recife immenso.
Que rasga o peito do mar...

E eu disse: — Silencio, ventos!
Cala a boca, furacão!

No sonho daquelle somno
Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
Stá fito em — Oitenta e Nove
Lê Homero — escuta Jove...
Robespierre — Dantão.

Naquelle craneo entra em ondas
O verbo de Mirabeau...
Pernambuco sonha a escada,
Que tambem sonhou Jacob;
Scisma a Republica alçada,
E pega os copos da espada,
Emquanto em su′alma brada:
«Somos irmãos, Vergniaud!»

Então repeti ao povo:
— Desperta do somno teu!
Samsão! derroca as columnas!
Quebra os ferros, Prometheu!
Vesuvio curvo — não pares,
Ignea coma solta aos ares,
Em lavas inunda os mares,
Mergulha o gladio no céo.

Republica!... Vòo ousado
Do homem feito condor!

Raio de aurora inda occulta.
Que beija a fronte ao Thabor
Deus! Porqu′emquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No valle envolto em negror?!...

Inda me lembro... Era ha pouco
A lucta!... horror!... confusão!...
A morte vôa rugindo
Da garganta do canhão!...
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...
E o fumo — o corvo da guerra —
Com as azas cobre a amplidão...

Cheguei!... Como nuvens tontas,
Ao bater no monte... além,
Topam, rasgam-se, recuam...
Taes a meus pés vi tambem
Hostes mil na lucta ingloria...
Da pyramide da gloria
São degráos... Marcha a victoria,
Porque este braço a sustem.

Foi uma lucta de bravos,
Como a lucta do jaguar,

De sangue enrubesce a terra,
De fogo enrubesce o ar!...
Oh!... mas quem faz que eu não vença?
— O acaso... — avalanche immensa.
Da mão do Eterno suspensa,
Que a idéa esmaga ao tombar!...

Não importa! A liberdade
É como a hydra, o Antheu.
Se no chão rola sem forças,
Mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
Gladios terriveis, sedentos...
E da cinza solta aos ventos
Mais um Graccho appareceu!...

..........


Dorme, cidade maldicta,
Teu somno de escravidão!
Porém no vasto sacrario
Do templo do coração,
Atêa o lume das lampas,
Talvez que um dia dos pampas
Eu, surgindo, quebre as campas,
Onde te colam no chão.

Adeus! Vou por ti, maldicto,
Vagar nos ermos paúes.

Tu ficas morta, na sombra,
Sem vida, sem fé, sem luz!...
Mas quando o povo acordado
Te erguer do tredo vallado,
Virá livre, grande, ousado,
De pranto banhar-me a cruz!...

IV

Assim fallara o vulto errante e negro,
Como a estatua sombria do revez.
Uiva o tufão nas dobras de seu manto,
Como um cão do senhor ulula aos pés...

Inda um momento esteve solitario
Da tempestade semelhante ao deus,
Trocando phrases com os trovões no espaço,
Raios com os astros nos sombrios céos...

Depois sumiu-se dentre as brumas densas
Da negra noite — de su′alma irmã...
E longe... longe... no horizonte immenso
Resonava a cidade cortezã!...

Vai!... Do sertão esperam-te as Thermopylas;
A liberdade inda pulula ali...
Lá não vão vermes perseguir as aguias,
Não vão escravos perseguir a ti!

 

Vai!... Que o teu manto de mil balas roto
É uma bandeira que não tem rival.
— Desse suor é que Deus faz os astros.
Tens uma espada, que não foi punhal.

Vai, tu que vestes do bandido as roupas
Mas nâo te cobres de uma vil libré.
Se te renega teu paiz ingrato,
O mundo, a gloria tua pátria é!...

..........
V

E foi-se... E inda hoje nas horas errantes,
Que os cedros farfalham, que ruge o tufão,
E os labios da noite murmuram nas selvas
E a onça vaguêa no vasto sertão.

Se passa o tropeiro nas ermas devezas,
Caminha medroso, figura-lhe ouvir
O infrene galope d′Espectro soberbo.
Com um grito de gloria na boca a rugir.

Que importa se o tum′lo ninguem lhe conhece?
Nem tem epitaphio, nem leito, nem cruz!...
Seu tumulo é o peito do vasto universo,
Do espaço — por cupola — as conchas azues!... 

Mas contam que um dia rolara o oceano
Seu corpo na praia, que a vida lhe deu...
Emquanto que a gloria rolava sua alma
Nas margens da historia, na arêa do céo!...

Recife, Maio de 1865.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 20 de outubro de 2023

MINH*ALMA É TRISTE (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

MINH'ALMA É TRISTE

Casimiro de Abreu

(Grafia original)

 

 

 

Minh'alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como a rôla que perdeu o esposo,
Minhalma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.

E como notas de chorosa endeixa
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.

Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minhaalma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou o estio.

Dizem que há, gozos nas mundanas galas,
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
— Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque — mas a minh'alma é triste!


Poemas e Poesias quinta, 19 de outubro de 2023

SONETO DAS DEFNIÇÕES (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PENA FILHO)

SONETO DAS DEFINIÇÕES

Carlos Pena Filho

 

 

 

Não falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito,
à música das cores e do vento.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.


Poemas e Poesias quarta, 18 de outubro de 2023

CARTA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

CARTA

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelhecí: olha em relevo
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.

A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
"Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.

É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.


Poemas e Poesias terça, 17 de outubro de 2023

SONETO 082 - DOCES LEMBRANÇAS DA PASSADA GLÓRIA (POEMA DO PORTUGUÈS LUÍS DE CAMÕES)

 

 

DOCES LEMBRANÇAS DA PASSADA GLÓRIA

Soneto 082

Luís de Camões 

 

Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz hum'hora,
Que comigo ganhais pouca victoria.

Impressa tenho na alma larga historia
Deste passado bem, que nunca fôra;
Ou fôra, e não passára: mas ja agora
Em mi não póde haver mais que a memoria.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devêra ser lembrado,
Se lhe lembrára estado tão contente.

Oh quem tornar pudéra a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.


Poemas e Poesias segunda, 16 de outubro de 2023

CEM TROVAS - 013 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
)
 

TROVA 013

Belmiro Braga

                

 

Quantos mortos trago vivos

No fundo do coração,

E dentro em mim quantos vivos

Há muiito mortos estão!


Poemas e Poesias domingo, 15 de outubro de 2023

A JANGADA (POEMA DO CARIOCA JUÍS GUIMARÃES JÚNIOR)

A JANGADA

Luís Guimarães Júnior

 

 

 

Cinco paus mal seguros e enlaçados
Vão através dos ventos tormentosos:
Neles confiam mais que jubilosos
Dois pescadores nus e desgraçados.

Essa prancha que em saltos arrojados
Corta o mar como os lenhos poderosos,
Resume a vida, a fé — resume os gozos
Dos miseráveis rotos e esfaimados.

Nós também, alma minha, as desventuras
Bem conhecemos: — forte e esperançada
Sulcas do mundo o pranto e as vagas duras.

Que importa! A crença é tudo e a morte é nada,
E neste fundo abismo de amarguras
Uma esperança vale uma jangada.


Poemas e Poesias sábado, 14 de outubro de 2023

POEMA NEGRO (POEMA DO PARAIBANO AUGUSTO DOS ANJOS)

POEMA NEGRO

Augusto dos Anjos

 

 

 

Para iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!


Poemas e Poesias sexta, 13 de outubro de 2023

MEU DESEJO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZVEDO)

MEU DESEJO

Álvares de Azevedo

 

 

 

Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta:
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta….

Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra….
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra….

Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro….

Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!


Poemas e Poesias quinta, 12 de outubro de 2023

OS CINCO SENTIDOS (POEMA DO PORTUGUÊS ALMEIDA GARRETT)

OS CINCO SENTIDOS

Almeida Garrett

 

 

 

 

São belas — bem o sei, essas estrelas,
Mil cores — divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti — a ti!

Divina — ai!, sim, será a voz que afina
Saudosa — na ramagem densa, umbrosa,
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti — a ti!

Que entre as flores gira,
Celeste — incenso de perfume agreste.
Sei… não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti — de ti!

Formosos — são os pomos saborosos,
É um mimo — de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede …sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão… mas é de beijos,
É só de ti — de ti!

Macia — deve a relva luzidia
Do leito — ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti — em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.


Poemas e Poesias quarta, 11 de outubro de 2023

LIÇÃO QUOTIDIANA (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

LIÇÃO QUOTIDIANA

Alberto de Oliveira

 

 

 

Cada manhã ressuscito
Do sono, esse irmão da Morte,
Que é minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.

Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.

E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,

À noite estou moribundo...
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!


Poemas e Poesias terça, 10 de outubro de 2023

INTERVALO AMOROSO (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

INTERVALO AMOROSO

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

 

O que fazer entre um orgasmo e outro,
quando se abre um intervalo
sem teu corpo?

Onde estou, quando não estou
no teu gozo incluído?
Sou todo exílio?

Que imperfeita forma de ser é essa
quando de ti sou apartado?

Que neutra forma toco
quando não toco teus seios, coxas
e não recolho o sopro da vida de tua boca?

O que fazer entre um poema e outro
olhando a cama, a folha fria?


Poemas e Poesias segunda, 09 de outubro de 2023

PARÂMETRO (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

PARÂMETRO

Adélia Prado

 

 

 

Deus é mais belo que eu.

E não é jovem.

Isto sim, é consolo.


Poemas e Poesias domingo, 08 de outubro de 2023

A MORTE DO PINTAINHO (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A MORTE DO PINTAINHO

Vinícius de Moraes

 

 

 

Quem matou o pintainho? 
Eu, disse o pato 
Com meu pé chato 
Eu matei o pintainho. 

Quem viu ele morto? 
Eu, disse o mocho 
Com meu olho torto 
Eu vi ele morto. 

Quem chupou seu sangue? 
Eu, disse o morcego 
Que não sou cego 
Eu chupei seu sangue. 

Quem lhe deu mortalha? 
Eu, disse a aranha 
Com teia e artimanha 
Eu lhe dei mortalha 

Quem vai ser o padre? 
Eu, o louva-a-deus 
Em nome de Deus 
Eu serei o padre. 

Quem será o sacrista? 
Eu, disse o frango 
Com a minha crista 
Eu serei o sacrista. 

Que leva o caixão? 
Eu, disse o gavião 
Sei bem porque não 
Eu levo o caixão 

Quem será o coveiro? 
Eu, a toupeira 
Eu que sou coveira 
Eu serei o coveiro. 

Quem fará o túmulo? 
Eu, disse o joão-de-barro 
Pois que tenho barro 
Eu farei o túmulo. 

Quem leva a vela? 
Eu, o vaga-lume 
Eu acendo o lume 
E eu levo a vela. 

Quem vai cantar? 
Eu, o pardal 
La-la-ri-la-ra 
Eu sei cantar. 

Quem leva as coroas? 
Eu, disse o cisne 
Já que não dou rima 
Eu levo as coroas. 

Quem toca o sino? 
Disse o suíno: 
Eu mais o boi 
Nós tocamos o sino. 

Quem vai na frente? 
Eu, o periquito 
Porque sou bonito 
Eu vou na frente. 

Todo o pássaro do ar 
Foi chorar lá no seu ninho 
Ao ouvir tocar o sino 
Pelo pobre pintainho.

 


Poemas e Poesias sábado, 07 de outubro de 2023

SPLEEN (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CARVALHO)

SPLEEN

Vicente de Carvalho

 

 

Fora, na vasta noute, um vento de procela
Erra, aos saltos, uivando, em rajadas e em fúria;
E num rumor de choro, uma voz de lamúria,
Ouço a chuva a escorrer nos vidros da janela.

No desconforto do meu quarto de estudante,
Velo. Sinto-me como insulado da vida.
Eu imagino a morte assim, aborrecida
Solidão numa sombra infinita e constante...

Tu, que és forte, rebrame em fúria, natureza!
Eu, caído num fundo abismo de tristeza,
Invejo-te a expansão livre do temporal;

E, no tédio feroz que me assalta e me toma,
Sinto ansiarem-me n'alma instintos de chacal...
E compreendo Nero incendiando Roma.

 


Poemas e Poesias sexta, 06 de outubro de 2023

ZABELÊ (POEMA DO PIAUIENSE TORQUATO NETO)

ZABELÊ

Torquato Neto

 

 

 

minha sabiá
minha zabelê
toda meia noite
eu sonho com você
se você duvida
eu vou sonhar pra você ver

minha sabiá
vem me dizer por favor
o quanto que eu devo amar
pra nunca morrer de amor
minha zabelê
vem correndo me dizer
porque eu sonho toda noite
e sonho só com você
se você não me acredita
vem pra cá
vou lhe mostrar
que riso largo é o meu sonho
quando eu sonho
com você
mas anda logo
vem que a noite
já não tarda a chegar
vem correndo
pro meu sonho escutar
que eu sonho falando alto
com você no meu sonhar


Poemas e Poesias quinta, 05 de outubro de 2023

MEMÓRIA DA ESPERASNÇA (POEMA DO AMAZONENSE THIAGO DE MELLO)

MEMÓRIA DA ESPERANÇA

Thiago de Mello

 

 

 

Na fogueira do que faço
por amor me queimo inteiro.
Mas simultâneo renasço
para ser barro do sonho
e artesão do que serei.
Do tempo que me devora
me nasce a fome de ser.
Minha força vem da frágil
flor ferida que se entreabre
resgatada pelo orvalho
da vida que já vivi.
Qual a flama que darei
para acender o caminho
da criança que vai chegar?
Não sei. Mas sei que já dança,
canção de luz e de sombra,
na memória da esperança.


Poemas e Poesias quarta, 04 de outubro de 2023

HARPA XXXII (POEMA DO MARANHENSE SOUSÂNDRDE)

HARPA XXXII

Sousândrade

 

 

 

Dos rubros flancos do redondo oceano
Com suas asas de luz prendendo a terra
O sol eu vi nascer, jovem formoso
Desordenando pelos ombros de ouro
A perfumada luminosa coma,
Nas faces de um calor que amor acende
Sorriso de coral deixava errante.
Em torno a mim não tragas os teus raios,
Suspende, sol de fogo! tu, que outrora
Em cândidas canções eu te saudava
Nesta hora d'esperança, ergue-te e passa
Sem ouvir minha lira. Quando infante
Nos pés do laranjal adormecido,
Orvalhado das flores que choviam
Cheirosas dentre o ramo e a bela fruta,
Na terra de meus pais eu despertava,
Minhas irmãs sorrindo, e o canto e aromas,
E o sussurrar de rúbida mangueira —
Eram teus raios que primeiro vinham
Roçar-me as cordas do alaúde brando
Nos meus joelhos tímidos vagindo.
Ouviste, sol minha'alma tênue d'anos
Toda inocente e tua, como o arroio
Em pedras estendido, em seus soluços
Andando, como o fez a natureza:
De uma luz piedosa me cercavas
Aquecendo-me o peito e a fronte bela.
Inda apareces como antigamente,
Mas o mesmo eu não sou: hoje me encontras
À beira do meu túmulo assentado
Com a maldição nos lábios branquecidos,
Azedo o peito, resfriada cinza
Onde resvalas como em rocha lôbrega:
Escurece essa esfera, os raios quebra,
Apaga-te p'ra mim, que tu me cansas!
A flor que lá nos vales levantaste
Subindo o monte, já na terra inclina.

Eu vi caindo o sol: como relevos
Dos etéreos salões, nuvens bordaram
As cintas do horizonte, e nas paredes
Estátuas negras para mim voltadas,
Tristes sombras daquelas que morreram;
Logo depois de funerais cobriu-se
Toda amplidão do céu, que recolheu-me.

 


Poemas e Poesias terça, 03 de outubro de 2023

PANDÊMICAS BOLHAS (POEMA DO BAIANO RICARDO LIMA)

PANDÊMICAS BOLHAS

Ricardo Lima

 

 

 

Bolhas, bolhas!

Aclama bolha, estoura, tola.

Murchas bolhas, não vindouras, poucas.

 

Estoura, bolhas.

Pandêmicas bolhas.

Poéticas bolhas.

 

Bolhas anis, bolhas viris.

“Rai-o-mundo” das bolhas sutis, “veronis”.

Reflexivas bolhas.

Pandêmicas bolhas.


Poemas e Poesias segunda, 02 de outubro de 2023

PLATÔNICO (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

PLATÔNICO

Raul de Leôni

 

 

 

As idéias são seres superiores,
— Almas recônditas de sensitivas —
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.

Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores
E sofrem mais que as outras cousas vivas.

Colhe-as na solidão... são obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,

Para com ela teceres, na subida,
A coroa votiva do teu Sonho
E a legenda imperial da tua Vida.


Poemas e Poesias domingo, 01 de outubro de 2023

CHIUITA E MÃE VÉIA, VÍDEO, COM PATATIVA DO ASSARÉ

CHIQUITA E MÃE VÉIA

Patativa do Assaré

 


Poemas e Poesias sábado, 30 de setembro de 2023

FULANINHA (POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

FULANINHA

Olegário Mariano

 

 

 

Foxtrotando pela rua
Vai Fulaninha, seminua,
Tem movimentos de onda do mar.
O corpo moço, a pele fresca,
Futurista, bataclanesca,
Chi! Eu gosto! Nem é bom falar...

Pisa a calçada, toc... toc...
No seu encalço vão a reboque
Peralvilhos, gênios do mal.
E ela nem liga... Continua
Foxtrotando pela rua...
Gentes, Que coisa mais fatal!

Figurino de dia cálido!
O seu semblante moreno-pálido
A mão de um gênio foi que compôs.
Como se chama? Vera? Estefânia?
Meu Luluzinho da Pomerânia,
Meu Luluzinho número 2!

Aonde vais, lindo vagalume?
— Vou ao Bazin comprar perfume...
Guerlain, Houbigant, Coty?
Todo o perfume é o mesmo, ardente,
E alucinante, e estuante, e quente,
Quando o perfume vem de ti.

— Meu bizarro João da Avenida!
Já ficou bom daquela ferida
Que lhe abriram no coração?
— Há muito tempo estou curado.
Por que falar-me do Passado?
E ela pôs os olhos no chão.

E dizer que tu foste... Perdoa...
— Pr'a que dizer? A lembrança é boa
— Lembrar é falta de educação.
— Mas a saudade purifica...
O sofrimento é o único bem que fica
Para a volúpia do perdão!


Poemas e Poesias sexta, 29 de setembro de 2023

AS CRUZADAS (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

AS CRUZADAS

Olavo Bilac

 

 

 

Fulge-te o morrião sobre o cabelo louro,
E avultas na moldura, alto, esbelto e membrudo,
Guerreiro que por Deus abandonaste tudo,
Desbaratando o Turco, o Sarraceno e o Mouro!
Brilha-te a lança à mão, presa ao guante de couro.
Nos peitorais de ferro arfa-te o peito ossudo,
E alça-se-te o brasão sobre a chapa do escudo,
Nobre: - em campo de blau sete besantes de ouro.
"Diex le volt!" E, barão entre os barões primeiros
Foste, através da Europa, ao Sepulcro ameaçado.
Dentro de um turbilhão de pajens e escudeiros...
E era-te o gládio ao punho um relâmpago ardente!
E o teu pendão de guerra ondeou, glorioso, ao lado
Do pendão de Balduíno, imperador do Oriente.

Poemas e Poesias quinta, 28 de setembro de 2023

O TEMPO (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA) - VÍDEO, NARRAÇÃO DE MARCELL MENDONÇA

 


Poemas e Poesias quarta, 27 de setembro de 2023

ESTRADA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

ESTRADA

Manuel Bandeira

 

 

 

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.

Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! Que a vida passa!
E a mocidade vai acabar.


Poemas e Poesias terça, 26 de setembro de 2023

O PALHAÇO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

O PALHAÇO

Manoel de Barros

 

 

 

Gostava só de lixeiros crianças e árvores
Arrastava na rua por uma corda uma estrela suja.
Vinha pingando oceano!
Todo estragado de azul.


Poemas e Poesias segunda, 25 de setembro de 2023

NO ALTAR DA PÁTRIA (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

NO ALTAR DA PÁTRIA

Júlio Dinis

 

 

 

 

(Ao meu amigo João Marques Nogueira
Uma)

1

Tinge do oriente as serras
O matutino alvor;
E do clarim das guerras
Se ouve o mortal clangor.

— «Ai, grata paz dos lares, Adeus, força é partir.
Ó sombra dos pomares! Ó rosas a florir!

«As hostes reunidas Chamam-me a combater, Ai, longas avenidas, Tornar-vos-ei
a ver ?

«Adeus, loucos amores! Adeus, beijos febris, Adeus, mudos verdores,
Que em sombras os encobris.»
— «Ô mãe, dá-me uma espada
Oiço da Pátria a voz!»
— «Ei-la. É imaculada, Era a de teus avós!»

— «Pura a trarei, voltando… Se não morrer ali.»
— «Vai! disse a mãe, chorando, Eu rezarei por ti.»

— «Filho, meu filho, espera! Não me ouve já. Partiu!»
E o ardor que a sustivera
De todo se extinguiu.

No campo já se escuta Das alas o marchar. Que agigantada luta Além
se vai travar?

Dá-se o sinal! Furiosas Partem as legiões; Encontram-se raivosas
Bramem como os leões.

Ai, que tinir de espadas! Que estrépito fatal!
Que vozes angustiadas
Se escutam no arraial!

O sangue rutilante Inunda e tinge o chão; Aos ais do agonizante
Responde a imprecação.

 

Em pé, os combatentes, Perdidos os corcéis, Cingem-se quais
serpentes Em pérfidos anéis.

A luta é braço a braço, A golpes de punhais;
Se caem de cansaço, Não se levantam mais.

A luta é peito a peito, Terrível e cruel!
Às cãs não há respeito, À dor não
há quartel

Findou! Tranqüilo é tudo… Já tudo emudeceu.
O campo é triste e mudo; É triste e escuro o céu!

A custa de mil vidas Salvou-se a Pátria enfim! Mas porque são
sentidas As vozes do clarim?

As hostes vitoriosas Porque tão tristes vêm? Ai, que ânsias
dolorosas Sentia a pobre mãe!

Passa a primeira fila… Mísera, que o não vês!… Outra,
outra mais. Vacila… Cresce-lhe a palidez!

Olha-as uma por uma, E a última passou;
E delas em nenhuma
Inquieta o filho achou!

E o céu mais se escurece ; O campo é envolto em pó
; E a triste permanece Absorta, muda e só I

Que solidão de morte! Que erma a planície jaz! Dorme no campo
o forte, Sono de glória e paz.

Dorme a valente raça
De intrépidos heróis!
Cegos, ao sol que passa
Saúdam novos sóis.

Que sepulcral figura
Se adianta além subtil;
Tão cheio de amargura
O gesto e o olhar febril!

À ensangüentada arena Os passos seus conduz; Raiou sobre esta
cena Da Lua a tarda luz.

Súbito em desvario
Solta um sentido ai,
Junto a um cadáver frio
Desfeita em pranto cai

«És tu! és tu? ai, filho! Ai, como te encontrei!
Como estão já sem brilho
Os olhos que eu beijei!

«Vai, sombra idolatrada, À tua Pátria, aos Céus!»
Cinge-lhe ao peito a espada; Morre ao dizer-lhe: < Adeus!»


Poemas e Poesias domingo, 24 de setembro de 2023

ZUMBI (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LMA)

ZUMBI

Jorge de Lima

 

Em meu torrão natal — Imperatriz —,

nas serras da Barriga e da Juçara,

um homem negro, muito negro, quis

mostrar ao mundo que tinha alma clara.

 

E tem o sonho que Platão sonhara: —

que um sonho nobre não possui matiz.

(O sol d’Egina é o mesmo sol do Saara,

da Senegâmbia, de qualquer país).

 

Em mil seiscentos e noventa e sete,

galgam o topo da montanha a pique,

os homens brancos de Caetano e Castro.

 

E o negro herói que não se curva e inflete,

faz-se em pedaços para que não fique

com os homens brancos, o seu negro rastro…

 


Poemas e Poesias sábado, 23 de setembro de 2023

UMA FACA SÓ LÁMINA (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

UMA FACA SÓ LÂMINA

João Cabral de Melo Neto

 

 

 

 

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado

qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso,
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.

A.
Seja bala, relógio,
ou a lâmina colérica,
é contudo uma ausência
o que esse homem leva.

Mas o que não está
nele está como bala:
tem o ferro do chumbo,
mesma fibra compacta.

Isso que não está
nele é como um relógio
pulsando em sua gaiola,
sem fadiga, sem ócios.

Isso que não está
nele está como a ciosa
presença de uma faca,
de qualquer faca nova.

Por isso é que o melhor
dos símbolos usados
é a lâmina cruel
(melhor se de Pasmado):

porque nenhum indica
essa ausência tão ávida
como a imagem da faca
que só tivesse lâmina,

nenhum melhor indica
aquela ausência sôfrega
que a imagem de uma faca
reduzida à sua boca,

que a imagem de uma faca
entregue inteiramente
à fome pelas coisas
que nas facas se sente.

B.
Das mais surpreendentes
é a vida de tal faca:
faca, ou qualquer metáfora,
pode ser cultivada.

E mais surpreendente
ainda é sua cultura:
medra não do que come
porém do que jejua.

Podes abandoná-la,
essa faca intestina:
jamais a encontrarás
com a boca vazia.

Do nada ela destila
a azia e o vinagre
e mais estratagemas
privativos dos sabres.

E como faca que é,
fervorosa e energética,
sem ajuda dispara
sua máquina perversa:

a lâmina despida
que cresce ao se gastar,
que quanto menos dorme
quanto menos sono há,

cujo muito cortar
lhe aumenta mais o corte
e se vive a se parir
em outras, como fonte.

(Que a vida dessa faca
se mede pelo avesso:
seja relógio ou bala,
ou seja faca mesmo.)

C.
Cuidado com o objeto,
com o objeto cuidado,
mesmo sendo uma bala
desse chumbo ferrado,

porque seus dentes já
a bala os traz rombudos
e com facilidade
se em botam mais no músculo.

Mais cuidado porém
quando for um relógio
com o seu coração
aceso e espasmódico.

É preciso cuidado
por que não se acompasse
o pulso do relógio
com o pulso do sangue,

e seu cobre tão nítido
não confunda a passada
com o sangue que bate
já sem morder mais nada.

Então se for faca,
maior seja o cuidado:
a bainha do corpo
pode absorver o aço.

Também seu corte às vezes
tende a tornar-se rouco
e há casos em que ferros
degeneram em couro.

O importante é que a faca
o seu ardor não perca
e tampouco a corrompa
o cabo de madeira.

D.
Pois essa faca às vezes
por si mesma se apaga.
É a isso que se chama
maré-baixa da faca.

Talvez que não se apague
e somente adormeça.
Se a imagem é relógio,
a sua abelha cessa.

Mas quer durma ou se apague:
ao calar tal motor,
a alma inteira se torna
de um alcalino teor

bem semelhante à neutra
substância, quase feltro,
que é a das almas que não
têm facas-esqueleto.

E a espada dessa lâmina,
sua chama antes acesa,
e o relógio nervoso
e a tal bala indigesta,

tudo segue o processo
de lâmina que cega:
faz-se faca, relógio
ou bala de madeira,

bala de couro ou pano,
ou relógio de breu,
faz-se faca sem vértebras,
faca de argila ou mel.

(Porém quando a maré
já nem se espera mais,
eis que a faca ressurge
com todos seus cristais.)

E.
Forçoso é conservar
a faca bem oculta
pois na umidade pouco
seu relâmpago dura

(na umidade que criam
salivas de conversas,
tanto mais pegajosas
quanto mais confidências).

Forçoso é esse cuidado
mesmo se não é faca
a brasa que te habita
e sim relógio ou bala.

Não suportam também
todas as atmosferas:
sua carne selvagem
quer câmaras severas.

Mas se deves sacá-los
para melhor sofrê-los,
que seja em algum páramo
ou agreste de ar aberto.

Mas nunca seja ao ar
que pássaros habitem.
Deve ser a um ar duro,
sem sombra e sem vertigem.

E nunca seja à noite,
que esta tem as mãos férteis.
Aos ácidos do sol
seja, ao sol do Nordeste,

à febre desse sol
que faz de arame as ervas,
que faz de esponja o vento
e faz de sede a terra.

F.
Quer seja aquela bala
ou outra qualquer imagem,
seja mesmo um relógio
a ferida que guarde,

ou ainda uma faca
que só tivesse lâmina,
de todas as imagens
a mais voraz e gráfica,

ninguém do próprio corpo
poderá retirá-la,
não importa se é bala
nem se é relógio ou faca,

nem importa qual seja
a raça dessa lâmina:
faca mansa de mesa,
feroz pernambucana.

E se não a retira
quem sofre sua rapina,
menos pode arrancá-la
nenhuma mão vizinha.

Não pode contra ela
a inteira medicina
de facas numerais
e aritméticas pinças.

Nem ainda a polícia
com seus cirurgiões
e até nem mesmo o tempo
como os seus algodões.

E nem a mão de quem
sem o saber plantou
bala, relógio ou faca,
imagens de furor.

G.
Essa bala que um homem
leva às vezes na carne
faz menos rarefeito
todo aquele que a guarde.

O que um relógio implica
por indócil e inseto,
encerrado no corpo
faz este mais desperto.

E se é faca a metáfora
do que leva no músculo,
facas dentro de um homem
dão-lhe maior impulso.

O fio de uma faca
mordendo o corpo humano,
de outro corpo ou punhal
tal corpo vai armando,

pois lhe mantendo vivas
todas as molas da alma
dá-lhes ímpeto de lâmina
e cio de arma branca,

além de ter o corpo
que a guarda crispado,
insolúvel no sono
e em tudo quanto é vago,

como naquela história
por alguém referida
de um homem que se fez
memória tão ativa

que pôde conservar
treze anos na palma
o peso de uma mão,
feminina, apertada.

H.
Quando aquele que os sofre
trabalha com palavras,
são úteis o relógio,
a bala e, mais, a faca.

Os homens que em geral
lidam nessa oficina
têm no almoxarifado
só palavras extintas:

umas que se asfixiam
por debaixo do pó
outras despercebidas
em meio a grandes nós;

palavras que perderam
no uso todo o metal
e a areia que detém
a atenção que lê mal.

Pois somente essa fraca
dará a tal operário
olhos mais frescos para
o seu vocabulário

e somente essa faca
e o exemplo de seu dente
lhe ensinará a obter
de um material doente

o que em todas as facas
é a melhor qualidade:
a agudeza feroz ,
certa eletricidade,

mais a violência limpa
que elas têm, tão exatas,
o gosto do deserto,
o estilo das facas.

I.
Essa lâmina adversa,
como o relógio ou a bala,
se torna mais alerta
todo aquele que a guarda,

sabe acordar também
os objetos em torno
e até os próprios líquidos
podem adquirir ossos.

E tudo o que era vago,
toda frouxa matéria,
para quem sofre a faca
ganha nervos, arestas.

Em volta tudo ganha
a vida mais intensa,
com nitidez de agulha
e presença de vespa.

Em cada coisa o lado
que corta se revela,
e elas que pareciam
redondas como a cera

despem-se agora do
caloso da rotina,
pondo-se a funcionar
com todas suas quinas.

Pois entre tantas coisas
que também já não dormem,
o homem a quem a faca
corta e empresta seu corte,

sofrendo aquela lâmina
e seu jato tão frio,
passa, lúcido e insone,
vai fio contra fios.

*

De volta dessa faca,
amiga ou inimiga,
que mais condensa o homem
quanto mais o mastiga;

de volta dessa faca
de porte tão secreto
que deve ser levada
como o oculto esqueleto;

da imagem em que mais
me detive, a da lâmina,
porque é de todas elas
certamente a mais ávida;

pois de volta da faca
se sobe à outra imagem,
àquela de um relógio
picando sob a carne,

e dela àquela outra,
a primeira, a da bala,
que tem o dente grosso
porém forte a dentada

e daí à lembrança
que vestiu tais imagens
e é muito mais intensa
do que pôde a linguagem,

e afinal à presença
da realidade, prima,
que gerou a lembrança
e ainda a gera, ainda,

por fim à realidade,
prima, e tão violenta
que ao tentar apreendê-la

toda imagem rebenta.

 


Poemas e Poesias sexta, 22 de setembro de 2023

HOJE, ESTOU TRISTE (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

HOJE, ESTOU TRISTE

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Amor… Hoje, estou triste… Nesses dias
a vida de repente se reduz
a um punhado de inúteis fantasias…
… Sou uma procissão só de homens nus…

Olho as mãos, minhas pobres mãos vazias
sem esperas, sem dádivas, sem luz,
que hão semear vagas melancolias
que ninguém vai colher, mas que compus…

Amor, estou cansado, e amargo, e só…
Estou triste mais triste e pobre do que Jó,
– por que tentar um gesto? E para quê?

Dê-me, por Deus, um trago de esperança…
Fale-me, como se fala a uma criança
do amor, do mar, das aves… de você!


Poemas e Poesias quinta, 21 de setembro de 2023

PORQUE HÁ DESEJO EM MIM (POEMA DA PAULISTA HILDA HIST)

PORQUE HÁ DESEJO EM MIM

Hilda Hilst

 

 

 

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


Poemas e Poesias quarta, 20 de setembro de 2023

MESTRE SILÊNCIO (POEMA DO SERGIPANO HERMES FONTES)

MESTRE SILÊNCIO

Hermes Fontes

 

 

 

É a ti, Silêncio, amigo e mestre! é a ti que devo
a glória! a ti e à tua esposa, a Solidão!
Pois, indiretamente, é teu todo esse enlevo
das flores que ando a abrir, dos frutos que elas dão!
 
Procuro em ti, contigo, o quatrifólio trevo
da Arte! tudo o que penso, é ouro do teu filão.
Silêncio, vêm de ti o que falo e o que escrevo,
meu professor de calma e de meditação!
 
Paraninfas o idílio oculto à alma que cisma;
paraninfas a fé, no êxtase religioso
e elaboras a luz no sonho, a luz do Ideal!
 
E a luz é mais cambiante e irial sob o teu prisma;
e a paz é mais feliz… ó Silêncio! ó repouso
dos nervos! ó crysol da Vida-Espiritual!
 

Poemas e Poesias terça, 19 de setembro de 2023

HUMORISMO (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

HUMORISMO

Guilherme de Almeida

 

 

 

 

Sossego macio da tarde.
Um sol cansado
passa pelo rosto suado
uma nuvenzinha alva como um lenço
para enxugar as primeiras estrelas.
Silêncio.

E o sol vai caminhando sobre os montes tranqüilos
vai cochilando. E de repente
tropeça e cai redondamente
sob a pateada dos sapos e a vaia dos grilos.


Poemas e Poesias segunda, 18 de setembro de 2023

REGRESSO AO LAR (POEMA DO PORTUGUÊS GUERRA JUNQUEIRO)

 

REGRESSO AO LAR

Guerra Junqueiro

 

 

 

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?...há trinta? Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh! a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!...

Trago damargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!...

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias dastros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

Cante-me cantigas, manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minhalma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, ma vier buscar!...


Poemas e Poesias domingo, 17 de setembro de 2023

EM SONDA (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

EM SONDA

Francisca Júlia

 

 

 

Quieta, enrolada a um tronco, ameaçadora e hedionda,
A boa espia ... Em cima estende-se a folhagem
Que um vento manso faz oscilar, de onda em onda,
Com a sua noturna e amorosa bafagem.

Um luar mortiço banha a floresta de Sonda,
Desde a copa da faia à esplêndida pastagem;
O ofidiano, escondido, olhos abertos, sonda ...
Vai passando, tranqüilo, um búfalo selvagem.

Segue o búfalo, só ... mas suspende-lhe o passo
O ofidiano cruel que o ataca de repente,
E que o prende, a silvar, com suas roscas de aço.

Tenta o pobre lutar; os chavelhos enresta;
Mas tomba de cansaço e morre ... Tristemente
No alto se esconde a lua, e cala-se a floresta ..


Poemas e Poesias sábado, 16 de setembro de 2023

ODOR DOS MANACÁS (POEMA DA CARIOCA GILKA MACHADO)

ODOR DOS MANACÁS

Gilka Machado

 

 

 

De onde vem esta voz, este fundo lamento
com vagas vibrações de violino em surdina?
De onde vem esta voz que, nas asas, o vento
me traz, na hora violácea em que o dia declina?

Esta voz vegetal, que o meu olfato atento
ouve, certo é a expansão de uma mágoa ferina,
é o odor que os manacás soltam, num desalento,
sempre que a brisa os plange e as frondes lhes inclina.

Creio, aspirando-o, ouvir, numa metempsicose,
a alma errante e infeliz de uma extinta criatura
chamar ansiosamente outra alma que a despose...

Uma alma que viveu sozinha e incompreendida,
mas que, mesmo gozando uma vida mais pura,
inda chora a ilusão frustada noutra vida.


Poemas e Poesias sexta, 15 de setembro de 2023

DA MINHA JANELA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

DA MINHA JANELA

Florbela Espanca

 

 

 

Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito, murmurado..
Voo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como um branco lilás que se desfaça!

Amor! Teu coração traga-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...


Poemas e Poesias quinta, 14 de setembro de 2023

PRIMEIROS ANOS (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

PRIMEIROS ANOS

Ferreira Gullar

 

 

 

 

Para uma vida de merda
nasci em 1930
na rua dos prazeres

Nas tábuas velhas do assoalho
por onde me arrastei
conheci baratas, formigas carregando espadas
caranguejeiras
que nada me ensinaram
exceto o terror

Em frente ao muro negro no quintal
as galinhas ciscavam, o girassol
Gritava asfixiado
longe longe do mar
(longe do amor)

E no entanto o mar jazia perto
detrás de mirantes e palmeiras
embrulhado em seu barulho azul

E as tardes sonoras
rolavam
sobre nossos telhados
sobre nossas vidas.
Do meu quarto
ouvia o século XX
farfalhando nas árvores lá fora.

Depois me suspenderam pela gola
me esfregaram na lama
me chutaram os colhões
e me soltaram zonzo
em plena capital do país
sem ter sequer uma arma na mão.

 
 
 
 

Poemas e Poesias quarta, 13 de setembro de 2023

DE ONDE É QUASE O HORIZONTE (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

DE ONDE É QUASE O HORIZONTE

Fernando Pessoa

 

 

 

De onde é quase o horizonte

Sobe uma névoa ligeira

E afaga o pequeno monte

Que pára na dianteira.

 

E com braços de farrapo

Quase invisíveis e frios

Faz cair seu ser de trapo

Sobre os contornos macios.

 

Um pouco de alto medito

A névoa só com a ver.

A vida? Não acredito.

A crença? Não sei viver.


Poemas e Poesias terça, 12 de setembro de 2023

REBATE (AOS PADRES) - (POEMA D FLUINENSE EUCLIDES DA CUNHA)

REBATE (AOS PADRES)

Euclides da Cunha

 

 

 

Rebate (Aos padres)

 

Sonnez! sonnez toujours, clairons de la pensée.

  1. Hugo

 

Ó pálidos heróis! ó pálidos atletas _

Que co'a razão sondais a profundez dos Céus _

Enquanto do existir no vasto Saara enorme

Embalde procurais essa miragem _ Deus!...

A postos!... É chegado o dia do combate...

_ As frontes levantai do seio das so'idões _

E as nossas armas vede _ os cantos e as idéias,

E vede os arsenais _ cérebros e corações.

De pé... a hora soa... esplêndida a Ciência

Com esse elo _ a idéia _ as mentes prende à luz

E ateia já, fatal, a rubra lavareda

Que vai _ de pé heróis! _ queimar a vossa Cruz...

Vos pesa sobre a fronte um passado de sangue.

_ A vossa veste negra a muit'alma envolveu!

E tendes que pagar _ ah! dívidas tremendas!

Ao mundo: João Huss _ e à Ciência: Galileu.

Vós sois demais na terra!... e pesa, pesa muito

O lívido bordel das almas, das razões,

Sobre o dorso do globo _ sabeis _ é o Vaticano,

Do qual a sombra faz a noite das nações...

Depois... o século expira e... padres, precisamos

Da ciência c'o archote _ intérmino, fatal _

A vós incendiar _ aos báculos e às mitras,

A fim de iluminar-lhe o grande funeral!

Já é, já vai mui longa a vossa fria noite,

Que em frente à Consciência, soubestes, vis, tecer...

Oh treva colossal _ partir-te-á a luz...

Oh noite, arreda-te ante o novo alvorecer...

Oh vós que a flor da Crença _ esquálidos _ regais

Co'as lágrimas cruéis _ dos mártires letais _

Vós, que tentais abrir um santuário _ a cruz,

Da multidão no seio a golpe de punhais...

O passado trazeis de rastro a vossos pés!

Pois bem _ vai-se mudar o gemer em rugir _

E a lágrima em lava!... ó pálidos heróis,

De pé! que conquistar-vos vamos _ o porvir!...


Poemas e Poesias segunda, 11 de setembro de 2023

TROVAS HUMORÍSTICAS - 22 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 22

Eno Teodoro Wanke

 

 

 Há gente que casa e embroma

Sem dar multiplicação

Mas simplemente se soma

À espera da divisão


Poemas e Poesias domingo, 10 de setembro de 2023

O HOMEM QUE VOLTA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

O HOMEM QUE VOLTA

Da Costa e Silva

 

 

 

Quando fui, com o meu sonho ingênuo e lindo,
Pelas estradas amplas, luminosas,
Vinham as Graças desfolhando rosas.

Ergui os olhos para os céus, sorrindo,
A beleza da vida pressentindo...

Quando vim, com o meu tédio miserando,
Pelos estreitos e áridos caminhos,
Iam as Parcas espalhando espinhos...

Baixei o olhos para o chão, chorando,
E fiquei para sempre meditando...


Poemas e Poesias sábado, 09 de setembro de 2023

BELEZA MORTA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

BELEZA MORTA

Cruz e Sousa

 

 

 

De leve, louro e enlanguescido heliantho
Tens a flórea dolencia contristada…
Ha no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura desthronada.

No corpo, de um lethargico quebranto,
Corpo de essência fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.


Sente-se o canto errante, as harmonias
Quasi apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarão de Estrella accêsa…

Corno que ainda os derradeiros haustos
De opulências, de pompas e de faustos,
As relíquias saudosas da belleza.


Poemas e Poesias sexta, 08 de setembro de 2023

SONETO V (POEMA DO CARIOCA CLÁUDIO MANUEL DA COSTA)

SONETO V

Cláudio Manuel da Costa

 

 

 

Se sou pobre pastor, se não governo

Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;

Se em frio, calma, e chuvas inclementes

Passo o verão, outono, estio, inverno;

 

Nem por isso trocara o abrigo terno

Desta choça, em que vivo, coas enchentes

Dessa grande fortuna: assaz presentes

Tenho as paixões desse tormento eterno.

 

Adorar as traições, amar o engano,

Ouvir dos lastimosos o gemido,

Passar aflito o dia, o mês, e o ano;

 

Seja embora prazer; que a meu ouvido

Soa melhor a voz do desengano,

Que da torpe lisonja o infame ruído.


Poemas e Poesias quinta, 07 de setembro de 2023

NUM BAIRRO MODERNO (CRÔNICA DO ORTUGUÊS CESÁRIO VERDE)

NUM BAIRRO MODERNO

Cesário Verde

 

 

 

Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.

Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama do papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.

Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.

E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho da horta aglomerada
Pousara, ajoelhando, a sua giga.

E eu, apesar do sol, examinei-a.
Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais." È muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.

Subitamente - que visão de artista! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do Sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!

Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.

E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, ao bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injetados.

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas - os rosários de olhos.

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que lembrou um ventre.

E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.

O Sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;
E, pelas duas asas a quebrar,
Nós levantamos todo aquele peso
Que ao chão de pedra resistia preso,
Com um enorme esforço muscular.

"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida,
As forças, a alegria, a plenitude,
Que brotam dum excesso de virtude
Ou duma digestão desconhecida.

E enquanto sigo para o lado oposto,
E ao longe rodam umas carruagens,
A pobre, afasta-se, ao calor de agosto,
Descolorida nas maçãs do rosto,
E sem quadris na saia de ramagens.

Um pequerrucho rega a trepadeira
Duma janela azul; e, com o ralo
Do regador, parece que joeira
Ou que borrifa estrelas; e a poeira
Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.

Chegam do gigo emanações sadias,
Ouço um canário - que infantil chilrada!
Lidam ménages entre as gelosias,
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

E pitoresca e audaz, na sua chita,
O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,
Duma desgraça alegre que me incita,
Ela apregoa, magra, enfezadita,
As suas couves repolhudas, largas.

E, como as grossas pernas dum gigante,
Sem tronco, mas atléticas, inteiras,
Carregam sobre a pobre caminhante,
Sobre a verdura rústica, abundante,
Duas frugais abóboras carneiras.


Poemas e Poesias quarta, 06 de setembro de 2023

QUARTO MOTIVO DA ROSA (POEMA DA CARIOCA CECÍLIA MEIRELES)

QUARTO MOTIVO DA ROSA

Cecília Meireles

 

 

 

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.


Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.


Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.


E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.


Poemas e Poesias segunda, 04 de setembro de 2023

A MACIEL PINHEIRO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

A MACIEL PINHEIRO

Castro Alves

 

 

 

Dieu soit en aide au pieux pèlerin.
BOUCHARD

Partes, amigo, do teu antro de águias,
Onde gerava um pensamento enorme,
Tingindo as asas no levante rubro,
Quando nos vales inda a sombra dorme...
Na fronte vasta, como um céu de idéias,
Aonde os astros surgem mais e mais...
Quiseste a luz das boreais auroras...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Verás a terra da infeliz Moema,
Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Esparta, Atenas, que não tem rivais...
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E quando o barco atravessar os mares,
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
Há de surgir-tesse gigante imenso,
Que sobre os morros campeando vela...
Símblo de pedra, que o cinzel dos raios
Talhou nos montes, que se alteiam mais...
Atlas com a forma do gigante povo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

Vai nas planícies dos infindos pampas
Erguer a tenda do soldado vate...
Livre... bem livre a Marselhesa aos ecos
Soltar bramindo no feroz combate
E após do fumo das batalhas tinto
Canta essa terra, canta os seus gerais,
Onde os gaúchos sobre as éguas voam...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E nesse lago de poesia virgem,
Quando boiares nas sutis espumas,
Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço — como o bardo errante —
Teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo...
Deus acompanhe o peregrino audaz.

E eu, cujo peito como ua harpa homérica
Ruge estridente do que é grande ao sopro,
Saúdo o artista, que ao talhar a glória,
Pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pégada:
No chão da história o passo teu verás...
Deus, que o Mazeppa nos estepes guia...
Deus acompanhe o peregrino audaz.


Poemas e Poesias domingo, 03 de setembro de 2023

O BAILE! (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

O BAILE!

Casimiro de Abreu

 

 

 

Se junto de mim te vejo
Abre-te a boca um bocejo,
Só pelo baile suspiras!
Deixas amor - pelas galas,
E vais ouvir pelas salas
Essas douradas mentiras!

Tens razão! Mais valem risos
Fingidos, desses Narcisos
- Bonecos que a moda enfeita -
Do que a voz sincera e rude
De quem, prezando a virtude,
Os atavios rejeita.

Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela,
E a vida dura tão pouco!
No burburinho das salas,
Cercada de amor e galas,
Sê tu feliz - eu sou louco!

E quando eu seja dormido
Sem luz, sem voz, sem gemido,
No sono que a dor conforta;
Ao concertar tuas tranças
No meio das contradanças
Diz tu sorrindo: "- Qu'importa?..

"Era um louco, em noites belas
"Vinha fitar as estrelas
"Nas praias, co'a fronte nua!
"Chorava canções sentidas
"E ficava horas perdidas
"Sozinho, mirando a lua!

"Tremia quando falava
"E - pobre tonto - chamava
"O baile - alegrias falsas!
"- Eu gosto mais dessas falas
"Que me murmuram nas salas
"No ritornelo das valsas. - "

Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela
E a vida dura tão pouco!
P'ra que fez Deus as mulheres,
P'ra que há na vida prazeres?
Tu tens razão... eu sou louco!

Sim, valsa, é doce a alegria,
Mas ai! que eu não veja um dia
No meio de tantas galas -
Dos prazeres na vertigem,
A tua coroa de virgem
Rolando no pó das salas!...


Poemas e Poesias sábado, 02 de setembro de 2023

SONETO DA BUSCA (POEMA DO PERNAMBUCANO CARLOS PELA FILHO)

SONETO DA BUSCA

Carlos Pena Filho

 

 

Eu quase te busquei entre os bambus

para o encontro campestre de janeiro

porém, arisca que és, logo supus

que há muito já compunhas fevereiro.

 

Dispersei-me na curva como a luz

do sol que agora estanca-se no outeiro

e assim também, meu sonho se reduz

de encontro ao obstáculo primeiro.

 

Avançada no tempo, te perdeste

sobre o verde capim, atrás do arbusto

que nasceu para esconder de mim teu busto.

 

Avançada no tempo, te esqueceste

como esqueço o caminho onde não vou

e a face que na rua não passou.


Poemas e Poesias sexta, 01 de setembro de 2023

CANTO ESPONJOSO (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

CANTO ESPONJOSO

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Bela
esta manhã sem carência de mito,
e mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela,
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.


Poemas e Poesias quinta, 31 de agosto de 2023

SONETO 006 - DOCES AGUAS E CLARAS DO MONDEGO (POEMA DO PORTUGUÈS LUÍS DE CAMÕES)
SONETO 006- DOCES ÁGUAS E CLARAS DO MONDEGO (POEMA DO PORTUGUÈS LUÍS DE CAMÕES)

 

DOCES ÁGUAS E CLARAS DO MONDEGO

Soneto 006

Luís de Camões 

 

Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apos si me trouxe cego,

De vós me aparto, si; porém não nego
Que inda a longa memoria, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego

Bem poderá a Fortuna este instrumento
Da alma levar por terra nova e estranha,
Offerecido ao mar remoto, ao vento.

Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas azas do ligeiro pensamento
Para vós, águas, vôa, e em vós se banha.


Poemas e Poesias quarta, 30 de agosto de 2023

CEM TROVAS - 012 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 012

Belmiro Braga

                

Eu não lamento o revés           
do morto que se fez pó;                             

do vivo, que espera a vez                                 
desse sim, eu tenho dó.  

 


Poemas e Poesias terça, 29 de agosto de 2023

MATER (POEMA DO PARAIBANO AUGUSTO DOS ANJOS)

MATER

Augusto dos Anjos

 

 

 

Como a chrysalida emergindo do ovo
Para que o campo flórido a concentre,
Assim, oh! Mãe, sujo de sangue, um novo
Ser, entre dôres, te emergiu do ventre!

E puzeste-lhe, haurindo amplo deleite,
No labio roseo a grande têta farta
— Fecunda fonte desse mesmo leite
Que amamentou os éphebos de Sparta. —

Com que avidez elle essa fonte suga!
Ninguem mais com a Belleza está de accordo,
Do que essa pequenina sanguesuga,
Bebendo a vida no teu seio gordo!

Pois, quanto a mim, sem pretenções, comparo,
Essas humanas cousas pequeninas
A um biscuit de quilate muito raro
Exposto ahi, á amostra, nas vitrinas.

 

Mas o ramo fragilimo e venusto
Que hoje nas debeis gemmulas se esboça,
Ha de crescer, ha de tornar-se arbusto
E álamo altivo de ramagem grossa.

Clara, a atmosphera se encherá de aromas,
O Sol virá das epochas sadias.
E o antigo leão, que te esgotou as pomas,
Ha de beijar-te as mãos todos os dias!

Quando chegar depois tua velhice
Batida pelos barbaros invernos,
Relembrarás chorando o que eu te disse,
Á sombra dos sycomoros eternos!


Poemas e Poesias segunda, 28 de agosto de 2023

MALVA-MAÇÃ (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

MALVA-MAÇÃ

Álvares de Azevedo

 

 

 

De teus seios tão mimosos
Dá que eu goze o talismã!
Dá que ali repouse a fronte
Cheia de amoroso afã!
E louco nele respire
A tua malva-maçã!

Dá-me essa folha cheirosa
Que treme no seio teu!
Dá-me a folha... hei de beijá-la
Sedenta no lábio meu!
Não vês que o calor do seio
Tua malva emurcheceu?...

A pobrezinha em teu colo
Tantos amores gozou,
Viveu em tanto perfume
Que de enlevos expirou!
Quem pudera no teu seio
Morrer como ela murchou!

Teu cabelo me inebria,
Teu ardente olhar seduz,
A flor de teus olhos negros
De tu'alma raia à luz...
E sinto nos lábios teus
Fogo do céu que transluz!

O teu seio que estremeceme
Enlanguesce-me de gozo:
Há um quê de tão suave
No colo voluptuoso...
Que num trêmulo delíquio
Faz-me sonhar venturoso!

Descansar nesses teus braços
Fora angélica ventura...
Fora morrer... nos teus lábios
Aspirar tu'alma pura!
Fora ser Deus dar-te um beijo
Na divina formosura!

Mas o que eu peço, donzela,
Meus amores, não é tanto!
Basta-me a flor do seio
Para que eu viva no encanto
E em noites enamoradas
Eu verta amoroso pranto!

Oh! virgem dos meus amores,
Dá-me essa folha singela!
Quero sentir teu perfume
Nos doces aromas dela...
E nessa malva-maçã
Sonhar teu seio, donzela!

Uma folha assim perdida
De um seio virgem no afã
Acorda ignotas doçuras
Com divino talismã!
Dá-me do seio esta folha
A tua malva-maçã!

Quero apertá-la a meu peito
E beijá-la com ternura...
Dormir com ela nos lábios
Desse aroma na frescura...
Beijando-a a sonhar contigo
E desmaiar de ventura!

A folha que tens no seio
De joelhos pedirei...
Se posso viver sem ela
Não o creio! bem o sei...
Dá-ma pelo amor de Deus,
Que sem ela morrerei!...

Pelas estrelas da noite,
Pelas brisas da manhã,
Por teus amores mais puros,
Pelo amor de tua irmã,
Dá-me essa folha cheirosa...
- A tua malva-maçã!


Poemas e Poesias domingo, 27 de agosto de 2023

NAU CATARINETA (POEMA DO PORTUGUÊS ALMEIDA GARRETT)

NAU CATARINETA

Almeida Garrett

 

 

 

Lá vem a Nau Catrineta,
que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia,
que iam na volta do mar.
Já não tinham que comer,
nem tão pouco que manjar.
Deitaram sola de molho,
para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
que a não puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura
qual se havia de matar;
Logo a sorte foi cair
no capitão general.

"Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal."
"Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão para te matar."

"Acima, acima, gajeiro,
acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal."
"Alvíssaras, capitão,
meu capitão general!
Já vejo terras de Espanha
areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas,
debaixo de um laranjal.
Uma sentada a coser,
outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas,
está no meio a chorar."

"Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar."
"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar."
(...)


Poemas e Poesias sábado, 26 de agosto de 2023

SONH HUMILDE (POEMA DO GAÚCHO ALCEU WAMOSY)

SONHO HUMILDE

Alceu Wamosy

 

 

Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
e que teu corpo ideal não seja, para mim,
mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.

Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
mais alta do que o mal, para além do pecado.

O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
à ilusão, que nos torna o desejo risonho.

Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
é ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!


Poemas e Poesias sexta, 25 de agosto de 2023

HORAS MORTAS (PLEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

HORAS MORTAS

Alberto de Oliveira

 

 

 

Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

 


Poemas e Poesias quinta, 24 de agosto de 2023

HOMENAGEM AO ITABIRANO (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

HOMENAGEM AO ITABIRANO

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Teu aniversário, Poeta, no escuro
não se comemora. Antes, se celebra
no claro enigma das horas.

Tentas nos fugir. Em vão.
Tua poesia nos persegue
e revertida te alcança
como o sonho persegue
o sonhador fujão.

Podes te alojar — barroco e torto —
dentro de um santo de pau oco,
como aqueles que, em Minas,
ocultam a riqueza clandestina
de seu dono. Podes fingir
a indiferença do corpo
quando se refugia no sono.

Podes partir para Buenos Aires
Bombaim
ou Tapajós.
Não te deixaremos a sós,
pois ensinaste ao leitor mudo
a emoção da própria voz.

Independente de ti,
na luz renascente do dia,
como tua poesia, teu aniversário
se irradia.
Neste dia
não há vanguarda e academia,
prosa e poesia, nem à direita
e à esquerda, ideologia.
Teus versos se instalaram
nas dobras dos lençóis e cartas,
se infiltraram nos jornais,
viraram slogans, provérbios
e senhas matinais.
Não há quem te não saiba de cor.
A abelha de teus versos
segrega em nós o nosso mel melhor.

Hoje o jornaleiro
entregará na esquina
um jornal mais leve e limpo
onde a poesia abre espaço
nas guerras do dia-a-dia.
O porteiro de teu prédio
amanhecerá engalanado
como guarda da rainha,
protegendo-te do assédio
de quem quer te ver de perto.

O carteiro de tua rua
qual hércules moderno
trará pacotes, malotes
e pirâmides de afeto.

Certo, hoje não sairás à beira-mar, puro recato.
Mas as ondas, sabidas, guardarão para amanhã
as cabriolas e saltos, que brincalhonas
darão à tua passagem
— no calçadão da avenida.

Quando nasceu o poeta? Em 1902?
No ontem de Itabira? Ou depois
que alguma poetisa se iluminou
em reunião e epifania?
Como nasceu o poeta? Antes
do primeiro poema, quando ele ardia
a dor do mundo sozinho? Ou no dia
da primeira topada da crítica
com a "pedra no meio do caminho"?

Quem é esse poeta ambíguo e exilado
no umbigo do grande mundo
como um avesso Crusoé?
Qual a sua melhor máscara?
A de Carlos? O elefante de paina?
A letra K? Ou o absurdo José?

Ah, drummontanhosa criatura,
difícil esfinge de orgulho e ferro,
ostra enrodilhada no inexistente mar de Minas.

Pena que não te veja teu pai,
nesta hora nacional. Imagino-o
chegando de chapéu, com as botas dos currais
e encontrando na sala da fazenda
essa multidão de brasileiros
a louvar o filho gauche
— franzino e tímido —
num canto do salão.

Poeta, pai involuntário
de tantos poetas voluntários.
Teus descendentes literários te saúdam
e te beijam vivo
com aquele amor, que, em Minas, contido,
só se exibe diante do morto, no imaginário.

Não podemos esperar que partas em ausências
para te amar melhor. Nosso amor
se ilumina à luz de tua presença.
O amor, como a poesia, tem urgências.
Te amamos e não te ocultamos nosso gesto.
Te amamos como indivíduo — sozinhos e discretos
ou como um grande país
— com alarde e afeto.

 


Poemas e Poesias quarta, 23 de agosto de 2023

PARA O ZÉ (POEMA DA MINEIRA ADÉLIA PRADO)

PARA O ZÉ

Adélia Prado

 

 

 

Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe – os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.


Poemas e Poesias terça, 22 de agosto de 2023

SONETO (POEMA DA PORTUGUESA VIRGÍNIA VICTORINO)

SONETO

Virgínia Victorino

 

 

 

Pelo sagrado amor que vem de ti,
amor que eu amo com amor sagrado;
pelo Ideal descoberto e realizado,
- bendita seja a hora em que te vi!

Pelas malditas horas que vivi
no desejo de amor tão desejado;
pelas horas benditas. ao teu lado,
- bendita seja a hora em que nasci!

Pelo triunfo enorme; pelo encanto
que me trouxeste, é que eu bendigo tanto
a hora suave que te viu nascer...

Amor do meu amor! Amor tão forte,
que se um dia sentir a tua morte,
será bendita a hora em que eu morrer!


Poemas e Poesias segunda, 21 de agosto de 2023

A MORT DE MEU CARNEIRNHO (POEMA DE VINÍCIUS DE MORAES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A MORTE DE MEU CARNERINHO

Vinícius de Moaes

 

 

 

Não teve flores 
Não teve velas 
Não teve missa 
Caixão também… 
Foi enterrado 
Junto à maré 
Por operários 
Mesmos do trem… 

A flor do orvalho 
Pendeu da nuvem 
E pelo chão 
Despetalou… 
O céu ergueu 
A hóstia do sol 
E o mar em ondas 
Se ajoelhou… 

Cortejo lindo 
Maior não houve 
Desse amiguinho: 
Iam vestidas 
Com a lã das nuvens 
Todas as almas 
Dos carneirinhos! 

Os gaturamos 
Trinaram hinos 
No altar esplêndido 
Da madrugada; 
E o vento brando 
Desfeito em rimas 
Foi badalando 
Pelas estradas!


Poemas e Poesias domingo, 20 de agosto de 2023

SONHO PÕSTUMO - I (POEMA DO PAULISTA VICENTE DE CAVALHO)

SONHO PÓSTUMO - I

Vicente de Carvalho

 

 

 

 

 

Poupem-me, quando morto, à sepultura: odeio

A cova, escura e fria.

Ah! deixem-me acabar alegremente, em meio

Da luz, em pleno dia. 

 

O meu último sono eu quero assim dormi-lo:

- Num largo descampado,

Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo

E a primavera ao lado. 

 

Bailem sobre o meu corpo asas trêmulas, asas

Palpitando de leve,

De insetos de ouro e azul, ou rubros como brasas,

Ou claros como neve. 

 

De entre moitas em flor, oscilantes na aragem,

Húmidas e cheirosas,

Espalhando em redor frescuras de folhagem,

E perfume de rosas. 

 

Subam, jovializando o ar, canções suaves

A música sonora

Em que parece rir a alegria das aves,

Encantadas da aurora. 

 

E cada flor que um galho acaso dependura

À beira dos caminhos

Entreabra o seio ao sol, às brisas, à doçura

De todos os carinhos. 

 

Passe em redor de mim um frêmito de gozo

E um calor de desejo,

E soe o farfalhar das árvores, moroso

Como o rumor de um beijo. 

 

Palpite a natureza inteira, bela e amante,

Voluptuosa e festiva.

E tudo vibre e esplenda, e tudo fulja e cante,

E tudo sonhe e viva. 

 

A sepultura é noite onde rasteja o verme...

Ó luz que eu tanto adoro,

Amortalha-me tu! E possa eu desfazer-me

No ar claro e sonoro!


Poemas e Poesias sábado, 19 de agosto de 2023

TRÊS DA MADRUGADA (POEMA DO PIAUIENSE TORQUATO NETO)

TRÊS DA MADRUGADA

Torquato Neto

 

 

 

Três da madrugada
Quase nada
Na cidade abandonada
Nessa rua que não tem mais fim
três da madrugada
tudo é nada
a cidade abandonada
e essa rua não tem mais
nada de mim...
nada
noite alta madrugada
na cidade que me guarda
e esta cidade me mata
de saudade
é sempre assim...
triste madrugada
tudo é nada
minha alegria cansada
e a mão fria mão gelada
toca bem leve em mim
saiba:
meu pobre coração não vale nada
pelas três da madrugada
toda palavra calada
nesta rua da cidade
que não tem mais fim
que não tem mais fim

 


Poemas e Poesias sexta, 18 de agosto de 2023

FLOR D AÇUCENA (POEMA DO AMAZONENSE THIAGO DE MELLO)

FLOR DE AÇUCENA

Thiago de Mello

 

 

 

Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos.

 


Poemas e Poesias quinta, 17 de agosto de 2023

HARPA XXIV - O INVERNO (POEMA DO MARANHENSE SOUSÂNDRADE)

HARPA XXIV - O INVERNO

Sousândrade

 

 

 

(...)

Salve! felicidade melancólica,
Doce estação da sombra e dos amores-
Eu amo o inverno do equador brilhante!
A terra me parece mais sensível.
Aqui as virgens não se despem negras
À voz do outono desdenhoso e déspota,
Ai delas fossem irmãs, filhas dos homens!
Aqui dos montes não nos foge o trono
Dessas aves perdidas, nem do prado
Desaparece a flor. A cobra mansa,
Cor d'azougue, tardia, umbrosa e dúctil,
No marfim do caminho endurecido
Serpenteia, como onda de cabelos

Da formosura no ombro. À noite a lua,
Qual minha amante d'inocente riso,
Co'a face branca assenta-se nas palmas
Da montanha estendendo os seus candores,
Mãe da poesia, solitária, errante:
O sol nem queima o céu como os desertos,
Simpáticas manhãs é sempre o dia.

Geme às canções d'aldeia apaixonadas
Mui saudoso violão: as vozes cantam
Com náutico e celeste modulado.
Chama às tácitas asas o silêncio
Ao repouso, aos amores: as torrentes
Prolongam uma saudade que medita:
Vaga contemplação descora um pouco
O adolescente e o velho: doce e triste
Eu vejo o meu sentir a natureza
Respirar do equador, selvagem bela
De olhos alados de viver, à sombra
Adormecendo d'árvore espaçosa.

(...)


Poemas e Poesias quarta, 16 de agosto de 2023

CALA, ALMA CALMA (POEMA DO BAIANO RICARDO LIMA)

CALA, ALMA CALMA

Ricardo Lima

 

 

 

Intenso, eferve!

Reclama, afaga a alma.

Raza calma, maltrata a alma.

Cala, alma calma.

Insatifeita alma, acalma alma.


Poemas e Poesias terça, 15 de agosto de 2023

PARA A VERTIGEM (POEMA DO FLUMINENSE RAUL DE LEÔNI)

PARA  A VERTIGEM!

Raul de Leôni

 

 

 

Alma em teu delirante desalinho,
Crês que te moves espontaneamente,
Quando és na Vida um simples rodamoinho,
Formado dos encontros da torrente!

Moves-te porque ficas no caminho
Por onde as cousas passam, diariamente:
Não é o Moinho que anda, é a água corrente
Que faz, passando, circular o Moinho...

Por isso, deves sempre conservar-te
Nas confluências do Mundo errante e vário.
Entre forças que vem de toda parte.

Do contrário, serás, no isolamento,
A espiral, cujo giro imaginário
É apenas a Ilusão do Movimento!...


Poemas e Poesias segunda, 14 de agosto de 2023

VACA ESTRELA E BO FUBÁ (POEMA DO CEASRENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

VACA ESTRELA E BOI FUBÁ

Patativa do Assaré

 

 

 

Seu doutó me dê licença pra minha história contar.
Hoje eu tô na terra estranha e é bem triste o meu penar
Mas já fui muito feliz vivendo no meu lugar.
Eu tinha cavalo bão, gostava de campear.
E todo dia aboiava na porteira do currá.

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Eu sou fio do Nordeste , não nego meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar,

Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Não nasceu capim no campo para o gado sustentar
O sertão esturricou, fez os açude secar
Morreu minha Vaca Estrela, se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto tinha, nunca mais pude aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.

Hoje nas terra do sul, longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente uma boiada passar,
As água corre dos óio, começo logo a chorá
Lembro a minha Vaca Estrela e o meu lindo Boi Fubá
Com saudade do Nordeste, dá vontade de aboiar

Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá.


Poemas e Poesias domingo, 13 de agosto de 2023

DESLUMBRAMENTO (POEMA DO PERNABUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

 

DESLUMBRAMENTO

Olegário Mariano

 

 

É amor? Não sei. Esta intranquilidade,
Este gozo na dor, esta alegria
Triste que vem de manso e que me invade
A alma, enchendo-a e tornando-a mais vazia;

Este cansaço extremo, esta saudade
De uma cousa que falta à vida… O dia
Sem sol, as noites ermas, a ansiedade
Que exalta e a solidão que anestesia,

É amor. Egoísmo de sofrer sozinho,
De as penas esconder do humano açoite,
De transformar as pedras do caminho

Em carícias sutis para colhê-las
E andar como um sonâmbulo, na noite,
Escancarando os olhos às estrelas …


Poemas e Poesias sábado, 12 de agosto de 2023

OS BÁRBAROS (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

OS BÁRBAROS

Olavo Bilac

 

 

 

Ventre nu, seios nus, toda nua, cantando
Do esmorecer da tarde ao ressurgir do dia,
Roma lasciva e louca, ao rebramar da orgia,
Sonhava, de triclínio em triclínio rolando.

Mas já da longe Cítia e da Germânia fria,
Esfaimado, rangendo os dentes, como um bando
De lobos o sabor da presa antegozando,
O tropel rugidor dos Bárbaros descia.

Ei-los! A erva, aos seus pés, mirra. De sangue cheios
Turvam-se os rios. Louca, a floresta farfalha…
E ei-los, – torvos, brutais, cabeludos e feios!

Donar, Pai da Tormenta, à frente deles corre;
E a ígnea barba do deus, que o incêndio ateia e espalha,
Ilumina a agonia a esse império que morre…


Poemas e Poesias sexta, 11 de agosto de 2023

O MORTO (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

O MORTO

Mário Quintana

 

 

 

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco…
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!


Poemas e Poesias quinta, 10 de agosto de 2023

EPÍGRAFE (POEMA DO PERNAAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

EPÍGRAFE

Manuel Bandeira

 

 

 

Sou bem-nascido. Menino,

Fui, como os demais, feliz.

Depois, veio o mau destino

E fez de mim o que quis.

 

Veio o mau gênio da vida,

Rompeu em meu coração,

Levou tudo de vencida,

Rugiu como um furacão,

 

Turbou, partiu, abateu,

Queimou sem razão nem dó -

Ah, que dor!

                      Magoado e só,

- Só! - meu coração ardeu:

 

Ardeu em gritos dementes

Na sua paixão sombria...

E dessas horas ardentes

Ficou esta cinza fria.

- Esta pouca cinza fria.


Poemas e Poesias quarta, 09 de agosto de 2023

O MURO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

O MURO

Manoel de Barros

 

 

 

Não possuía mais a pintura de outros tempos.
Era um muro ancião e tinha alma de gente.
Muito alto e firme, de uma mudez sombria.

Certas flores do chão subiam de suas bases
Procurando deitar raízes no seu corpo entregue ao tempo.
Nunca pude saber o que se escondia por detrás dele.
Dos meus amigos de infância, um dizia ter violado tal
segredo,
E nos contava de um enorme pomar misterioso.

Mas eu, eu sempre acreditei que o terreno que ficava atrás
do muro era um terreno abandonado!


Poemas e Poesias terça, 08 de agosto de 2023

MORENA (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

MORENA

Júlio Dinis

 

 

 

Morena, morena
Dos olhos castanhos,
Quem te deu morena,
Encantos tamanhos?

 

Encantos tamanhos

Não vi nunca assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.

 

Morena, morena
Dos olhos rasgados,
Teus olhos, morena,
São os meus pecados.

 

São os meus pecados

Uns olhos assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.

 

Morena, morena

Dos olhos galantes,

Teus olhos morena
São dois diamantes.

 

São dois diamantes

Olhando-me assim.

Morena, morena

Tem pena de mim.

 

Morena, morena
Dos olhos morenos,
O olhar desses olhos
Concede-me ao menos.

 

Concede-me ao menos

Não sejas assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.


Poemas e Poesias segunda, 07 de agosto de 2023

VEREIS QUE O OEMA CRESCE INDEPENDENTE (POEMA DO ALAGOANO JORGE DE LIMA)

VEREIS QUE O POEMA CRESCE INDEPENDENTE

Jorge de Lima

 

 

 

Vereis que o poema cresce independente

e tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas,

algas e peixes lívidos sem dentes,

veleiros mortos, coisas imprecisas,

 

coisas neutras de aspecto suficiente

a evocar afogados, Lúcias, Isas,

Celidônias... Parai sombras e gentes!

Que este poema é poema sem balizas.

 

Mas que venham de vós perplexidades

entre as noites e os dias, entre as vagas

e as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...

 

Qualquer poema é talvez essas metades:

essas indecisões das coisas vagas

que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.


Poemas e Poesias domingo, 06 de agosto de 2023

TECENDO A MANHÃ (POEMA DO PERNAMBUCANO JOÃO CABRAL DE MELO NETO)

TECENDO A MANHÃ

João Cabral de Melo Neto

 

 

 

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


Poemas e Poesias sábado, 05 de agosto de 2023

GOSTO QUANDO ME FALAS DE TI (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

GOSTO QUANDO ME FALAS DE TI

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos
[tranqüilos

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino o teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti... porque percebo que te
[desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrola inútil como um novelo
que nos cai no chão..."


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