Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 07 de março de 2018

1817: O IDEÁRIO LIBERAL PERNAMBUCANO

 

O século XVIII, também conhecido como o Século do Iluminismo, teve a sua segunda metade tomada por uma total revisão no âmbito social das ideias, a partir da Declaração de Independência das treze colônias inglesas, que vieram constituir-se nos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776, com repercussões nos movimentos que antecederam a Revolução Francesa de 1789.

Autores de várias nacionalidades propagavam os seus princípios democráticos e nacionalistas, pondo em discussão o direito divino dos reis e despertando a burguesia para os conceitos da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, mais tarde consagrados na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Filósofos, como o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que em 1762 fez publicar Du Contrat Social (Do Contrato Social), formulando uma nova teoria do Estado, com suporte no princípio da soberania popular, e Charles Louis de Secondat Montesquieu (1689-1755), autor de L’ Esprit des Lois (O Espírito das Leis), eram lidos e discutidos não somente na França, mas, também, em outros países.

As obras poéticas e filosóficas de Voltaire (1694-1778), pseudônimo de François Marie Arouet, autor do Dicionário Filosófico, juntamente com as de Denis Diderot (1713-1784), editor da Enciclopédia Diderot e do italiano Cesare Beccaria (1738-1794), autor do clássico Dos delitos e das penas (1764), despertavam a juventude para um novo comportamento.

A esse movimento de ideias não ficaram alheios os estudantes da Universidade de Coimbra que, levados pela atuação das Lojas Maçônicas presentes em Portugal desde 1740, tornaram-se ávidos leitores daqueles filósofos, cujas obras eram proibidas em Portugal.

O ambiente em que viviam os estudantes daquela universidade portuguesa e as discussões motivadas pela influência das diversas correntes de ideias se depreendem das páginas do Processo n.º 8094 da Inquisição de Coimbra. Nele foram denunciados nove estudantes daquela cidade, dentre os quais Antônio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro, que vem a ser o primeiro dicionarista da língua portuguesa e que, em 1817, seria nomeado membro do Conselho de Estado da “República de Pernambuco”. O Processo é fruto da denúncia do estudante de Geometria Francisco Cândido Chaves, 23 anos, perante o Tribunal da Inquisição de Coimbra em 17 de maio de 1779, onde afirma que na casa do também estudante Antônio de Moraes Silva, “se discutiam pontos de religião e eram citados autores como Helvécio, Voltaire e Rousseau, a quem chamavam de profundíssimos filósofos” e dizia-se que alguns estudantes “eram aliciadores da seita dos Pedreiros Livres” (maçons). (1)

 

Ao depor em sua defesa, no processo movido contra si e mais oito colegas, Antônio Moraes Silva, na audiência de 28 de maio, declarou estar cursando o quinto ano do curso jurídico, sendo filho de Antônio de Moraes e Silva e de Rosa Maria de Carvalho, com idade de 23 anos, morador da Rua do Loureiro, Freguesia do Salvador, naquela cidade. Nas audiências de 12 e 18 de junho, 6 e 7 de julho, disse ainda ser aplicado no estudo das línguas francesa, inglesa e italiana, sendo leitor de obras do Conde de Mirabeau (Honoré Gabriel Riqueti, 1749-1791), de quem lera o Sistema da Natureza e Instituições Políticas, bem como das obras de Montesquieu, Cavaleiro de Milagan (sic) e Quadro da História Moderna (sic), Beccaria, Tratado dos delitos e das penas, Voltaire, Obras poéticas, e Rousseau.

Defendendo-se, em seu depoimento, diz “não entender, nem entende, que toque ao Santo Ofício o punir por essa razão, pois que o conhecimento [de tal matéria] está reservado à Real Mesa Censória”. Disse ainda ter emprestado a obra de Mirabeau a José Antônio de Mello, que tinha o apelido de “Misantropo”, o qual afirmara ser “a dita obra perigosíssima e capaz de enganar a todos que não soubessem Filosofia, mas que ele não deixara de achar alguma preciosidade”. Concluindo o curso de Medicina, em 1778, José Antônio se transfere para Pernambuco, no mês de novembro daquele ano, levando consigo a obra de Mirabeau. (Processo n.º 8094/ ANTT). (2)

Mas a Inquisição do final do século XVIII não era a mesma de tempos passados. Os seus segredos já vazavam para o mundo exterior…

Sabedor por um informante da sentença do inquisidor José Antônio Ribeiro de Moura, prolatada em 20 de julho de 1779, condenando a si e a todos os demais companheiros por crime de heresia e apostasia, Antônio de Moraes Silva fugiu com destino a Lisboa, escondido numa carroça de feno. Dias depois, contando novamente com o concurso de amigos, transfere-se para Londres onde permaneceu sob a proteção do embaixador de Portugal na Grã-Bretanha, tenente–general Luís Pinto de Souza Coutinho, futuro Conde de Balsemão, a quem ele dedica a primeira edição do seu Diccionário da Língua Portugueza (1789).

No mesmo processo, o também estudante Vicente Júlio Fernandes, filho de Júlio Fernandes, 25 anos de idade, natural da Ilha da Madeira, então condenado por heresia e apostasia, depondo em 30 de agosto de 1779, afirma que seu colega Francisco de Mello Franco “levara de sua casa dois ou mais tomos das Cartas do Marquês d’ Argent para ler, os quais lhe emprestara Antônio de Moraes Silva, que lhe disse ter lido o Sistema da Natureza”, obtido por empréstimo a José Antônio da Silva Mello a quem tratava por “Misantropo”.

Depois de exercer atividades diplomáticas em Londres, Roma, e Paris, Antônio de Moraes e Silva regressa a Portugal. Em Lisboa, novamente comparece ao Tribunal do Santo Ofício, em 21 de janeiro de 1785, Processo n.º 2015, apresentando atestado de ter procedido como bom católico, assinado pelo padre Ricardo a Sto. Silvano, vice provincial dos Carmelitas Descalços na Inglaterra, datado de 23 de novembro de 1784. Em sua confissão diz que, quando estudante em Coimbra, discutia com vários colegas acerca de matérias da religião, “reduzindo todos os dogmas aos ditames da razão, desprezando as verdades reveladas pelo lume da fé”; que lera livros anticatólicos, como Emile, de Rousseau. Absolvido, em 23 de dezembro de 1785, teve como pena de levi a de confessar-se nas quatro festas do ano – Natal, Páscoa da Ressurreição, Pentecostes e Assunção de Nossa Senhora – e o preceito de certas e determinadas orações.

Novamente indiciado pela Inquisição de Lisboa (Processo n.º 14.215), Antônio de Moraes Silva se vê compelido a retornar ao Brasil e assim tentar nova vida. Já casado com Narcisa Pereira da Silva, filha do tenente-coronel José Roberto Pereira da Silva, transfere-se para Pernambuco (Paranambuco), em 30 de abril de 1788, segundo denúncia de Escolástica Maurizia. (3)

Estabelecido no Recife, morador da Rua Nova, a partir de 1796, se transforma em proprietário do Engenho Novo da Muribeca, que recebera de seu sogro, onde veio a escrever a segunda e mais importante edição do seu Dicionário da Língua Portuguesa (1813) – “recompilada, emendada e muito acrescentada” –, a partir da qual passa o seu nome a figurar como autor.

O Poder das Ideias

Com a chegada do século XIX as ideias liberais, introduzidas em Pernambuco pelos estudantes e bacharéis da Universidade de Coimbra, alguns deles simpatizantes da maçonaria e outros pertencentes ao clero regular e secular, começaram a despertar na população antigos sentimentos nativistas.

A fundação do Seminário de Olinda, em 16 de fevereiro de 1800 pelo bispo Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, em muito contribuiu para que as ideias liberais republicanas, divulgadas pelos teóricos da Revolução Francesa (1789), fossem debatidas nos púlpitos e entre os alunos do novo centro de estudos.

O antigo Colégio dos Jesuítas foi logo transformado em um Seminário cuja finalidade era “dar instruções à mocidade em todos os principais ramos da literatura, própria não só de um eclesiástico, mas também de um grande cidadão que se propõe a servir ao Estado”.

Quando da abertura dos portos às nações amigas pelo Príncipe Regente Dom João em 1808, o Recife, que possuía uma população de cerca de 25 mil habitantes, veio se transformar no porto de maior movimento comercial da colônia, chegando a exportar no ano seguinte 12.801 caixas de açúcar. Os altos preços obtidos por este produto, que em 1817 atingiu a quantia de 17 francos a arroba, e também pelo algodão, “então com um aumento de 500 por cento”, fez surgir na província grandes fortunas e um maior intercâmbio com os Estados Unidos e a Europa.

As sociedades secretas continuavam sua marcha doutrinária, “a fim de tornar conhecido o estado geral da Europa, os estremecimentos e destroços dos governos absolutos, sob os influxos das ideias democráticas”, tornando-se verdadeiros celeiros de liberais.

Paralelamente os lentes e seminaristas do Seminário de Olinda se encarregavam de difundir os princípios dos filósofos franceses, particularmente Jean Jacques Rousseau e Montesquieu, juntamente com preceitos da Constituição dos Estados Unidos da América e da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, fermentando assim princípios liberais que viriam mudar o cenário político dos anos que se seguiram.

Em 1801, fora sustada a misteriosa conspiração dos Suassunas – que tinha por fim transformar Pernambuco em uma República sob a proteção de Napoleão Bonaparte – com a prisão dos irmãos Francisco de Paula, Luís e José Francisco Cavalcanti de Albuquerque.

Quando da deflagração da República de Pernambuco, em 6 de março de 1817, os sentimentos nativistas, forjados por ocasião da Restauração Pernambucana de 1654, continuavam bem presentes nos pronunciamentos dos “patriotas” de então. Assim é que O Preciso etc., o primeiro jornal a circular nesta província, redigido por José Luiz de Mendonça, (4) narrando os fatos acontecidos quando da eclosão do movimento, tem como impressor “a Off. da República de Pernambuco, 2ª vez restaurado”, numa alusão clara à Restauração Pernambucana de 27 de janeiro de 1654.

No meio da populaça ainda permanecia o espírito nativista difundido pelos Restauradores de Pernambuco, em 1654, e posto em prática na deposição do Xumbergas (Jerônimo de Mendonça Furtado) em 1666, e na chamada Guerra dos Mascates, movimento republicano de caráter separatista encabeçado por Bernardo Vieira de Melo em 1710. Escrevendo em 20 de janeiro de 1818 o desembargador Escrivão do Tribunal da Alçada no Recife, João Osório de Castro Souza Falcão, enfatiza:

Que todos os filhos do país, ricos, e com postos de ordenanças e milícias, que não estavam doentes até o bloqueio, com exceção, de bem poucos, que talvez não chegassem a dez nas duas comarcas do Recife e Olinda, foram rebeldes mais ou menos entusiasmados, dos quais muitos escaparam à formação da culpa, pelo que as testemunhas pela maior parte vêm prevenidas como vêm ainda ocupando os mesmos postos; testemunhas, porém apontadas além das que se pedira, aos ouvidores e estes aos juízes têm declarado fatos e feito referimentos que têm estendido a diligência.

… … … … … … … … … … … … … … … … … … … …

A idéia que os rebeldes fizeram ter aos seus chamados patrícios ignorantes da história de que esta terra, sendo conquistada pelos seus passados aos holandeses, ficou sendo propriedade sua e que a doaram a El-Rei nosso senhor, debaixo de condições que ele não tem cumprido, pela imposição de novos tributos e que os europeus que têm vindo aqui estabelecer-se têm enriquecido à custa deles patrícios e se têm feito senhores do país, e eles escravos; …(5)

Nos cenáculos das cinco Lojas Maçônicas, principalmente as localizadas nas residências de Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, e de Domingos José Martins, se conspirava com banquetes “estritamente nacionalistas” contra o governo de Dom João, “a tirania real”, e a influência dos portugueses, “marinheiros”, no comércio e nas forças armadas, ao mesmo tempo em que o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro era taxado de fraco e irresoluto. Segundo testemunho do Monsenhor Francisco Muniz Tavares, autor do clássico História da Revolução de Pernambuco em 1817, editada pela primeira vez em 1840:

Entre os amantes da república, figuravam alguns mações, ou pedreiros livres. Esta sociedade secreta respeitada por ser misteriosa, e condenada cegamente como tal, disse que em tempo assaz remoto fora instituída com o louvável fim de confraternizar os homens, e excitá-los à prática das virtudes morais: concedendo aos seus membros plena garantia de pensar, oferecendo mútua comunicação de ideias, e socorros, facilitando a correspondência por todos os lugares, e exigindo inviolável segredo do seu procedimento, a concessão do projeto, que ali é julgado vantajoso, prossegue com perseverança o seu curso. Nenhuma instituição apresentando melhores vantagens ao trabalho da regeneração nacional, aqueles mações principalmente em 1809 a organizar cada um na cidade de seu domicílio várias lojas, e erigiu o Grande oriente, ou Governo Supremo da Sociedade, na Bahia, residência do maior número dos sócios que tenham sido iniciados, e elevados aos altos graus na Europa. (6)

Nos púlpitos das igrejas, espalhadas por toda a província, as novas ideias eram debatidas e exaltadas pelos padres recém-saídos do Seminário de Olinda, alguns com estudos na Europa, criando um clima por demais favorável à revolta, que a tradição popular veio denominar de Revolução de Padres. (7)

“O capitão-general, escreve Muniz Tavares, pouca ou nenhuma atenção prestava aos intrigantes, e se algum procurava indispô-lo falando das Lojas Maçônicas, respondia: se divertem, nada poderão fazer”.

Em março de 1817, o Ouvidor da Comarca do Sertão, magistrado José da Cruz Ferreira, comparece perante o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, a fim de narrar a denúncia, recebida da parte do português Manuel de Carvalho Medeiros, sobre a nova conspiração encabeçada pelo padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, por Domingos José Martins e Antônio Gonçalves da Cruz, além de alguns oficiais dos regimentos de 1ª linha”.

Imediatamente foram convocados os Oficiais Generais Portugueses, que se encontravam no Recife, e determinada a prisão dos civis e militares envolvidos, entre eles os capitães de Artilharia Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa, José de Barros Lima e Pedro da Silva Pedroso, tenente-secretário do mesmo Corpo, José Mariano de Albuquerque, e a do ajudante de Infantaria, Manuel de Souza Teixeira.

A prisão dos implicados dar-se-ia no dia seguinte, 6 de março, tendo sido destacado o marechal José Roberto Pereira da Silva para efetuar a dos civis e o comandante de cada um dos Corpos a dos militares.

Na mesma ocasião o brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de Castro, chefe da Artilharia, “português, orgulhoso, altivo, violento e severo”, no dizer de Muniz Tavares, reuniu a tropa e resolveu desacatar os oficiais suspeitos acusando-os de agitadores. Domingos Teotônio Jorge o repeliu, tendo o brigadeiro, imediatamente, ordenado ao capitão Antônio José Vitoriano que efetuasse a sua prisão na Fortaleza das Cinco Pontas.

De maneira diferente procedeu o capitão José de Barros Lima, conhecido pela alcunha de Leão Coroado, que ao ser intimado com voz de prisão desembainhou a sua espada e desferiu-a contra o brigadeiro português, dando assim início à revolta.

A República de 1817

Dos quartéis às ruas, foi apenas questão de minutos…

Os sinos tocavam rebate [som de sino tocado com golpes apressados e redobrados, para soar o alarme]; o enviado do governador foi morto a tiros; um jovem tenente de Artilharia, Antônio Henriques, dirigiu-se à cadeia a fim de libertar Domingos José Martins e demais presos comuns que ali se encontravam, enquanto o capitão Manuel D’Azevedo entrava em negociações para soltura dos oficiais recolhidos à Fortaleza das Cinco Pontas. O governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro recolheu-se ao Forte do Brum, juntamente com seus familiares e demais oficiais, enquanto caíam os últimos redutos da resistência, com a rendição das tropas comandadas pelo marechal José Roberto Pereira da Silva que guarneciam o Campo do Erário (hoje Praça da República), às 16h do mesmo dia.

Destacamento comandado pelo tenente José Mariano foi enviado à Olinda e no dia seguinte os 800 milicianos de Domingos Teotônio Jorge fizeram o cerco da Fortaleza do Brum. Um ultimatum, assinado por Domingos Teotônio Jorge, padre João Ribeiro e Domingos José Martins, foi levado pelo advogado José Luiz de Mendonça ao governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro exigindo, de logo, a rendição.

As condições foram imediatamente aceitas pelos oficiais portugueses e pelo governador, ali recolhidos, e a rendição foi de pronto assinada, enquanto os revoltosos providenciavam o transporte dos presos e familiares para o Rio de Janeiro.

Com gritos de regozijo pela vitória, os oficiais revoltosos retiraram das barretinas e dos pavilhões as insígnias do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, sendo o gesto seguido pela soldadesca.

Uma bandeira toda branca veio a surgir, no meio da tropa, substituindo a real.

As tropas e o povo marcharam para o Campo do Erário, onde foram escolhidos os eleitores para a nomeação do novo governo, sendo posteriormente lavrado o seguinte termo:

Nós abaixo assinados, presentes para votarmos na nomeação de um governo provisório para cuidar na causa da pátria, declaramos à face de Deus que temos votado e nomeado os cinco patriotas seguintes: da parte do eclesiástico, o Patriota João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro; da parte militar, o patriota capitão Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa; da parte da magistratura, o patriota José Luís de Mendonça; da parte da agricultura, o patriota coronel Manuel Correia de Araújo; e da parte do comércio, o patriota Domingos José Martins e ao mesmo tempo todos firmamos esta nomeação, e juramos de obedecer a este governo em todas as suas deliberações e ordens. Dado na Casa do Erário, às doze horas do dia 7 de março de 1817. E eu Maximiano Francisco Duarte escrevi. Assinados – Luis Francisco de Paula Cavalcanti – José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima – Joaquim Ramos de Almeida – Francisco de Brito Bezerra Cavalcanti de Albuquerque – Joaquim José Vaz Salgado – Antônio Joaquim Ferreira de S. Paio – Francisco de Paula Cavalcanti – Felipe Néri Ferreira – Joaquim da Anunciação e Siqueira – Tomás Ferreira Vila Nova – José Maria de Vasconcelos Bourbon – Francisco de Paula Cavalcanti Júnior – Tomás José Alves de Siqueira – João de Albuquerque Maranhão – João Marinho Falcão.

A essa junta agregou-se um Conselho, formado pelos notáveis da nova república, que incluía o desembargador Antônio Carlos de Andrade e Silva (8), o dicionarista Antônio Moraes Silva e o Deão da Sé, Dr. Bernardo Luís Ferreira Portugal.

Imediatamente concedeu-se aumento de soldo aos militares e aboliram-se alguns impostos. Proclamações e pastorais impressas, além de cerimônias públicas, procuraram evitar os choques dos nativos com os europeus e conquistar a confiança da população de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Comarca das Alagoas, capitanias que tinham espontaneamente aderido à República Pernambucana.

Estava, pois, consolidado o movimento que Manuel de Oliveira Lima veio denominar de “a única revolução brasileira digna deste nome, instrutiva pelas correntes de opinião, que no seu seio se desenharam, atraente pelas peripécias, simpática pelos caracteres e tocante pelo desenlace”.

________________

1) “Pedreiros livres; membros de uma sociedade secreta, espalhada por todo o globo, e que se supõe ter principiado por uma associação de arquitetos de diversas nações, na idade média, outros pretendem que teve origem na construção do templo de Salomão”; Diccionário da Língua Portugueza , composto por Antônio de Moraes Silva. Lisboa, 1858. 6ª ed.

2) Antônio de Moraes Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 1º de agosto de 1755, transferindo-se para Portugal, em 1774, onde matriculou-se no Curso de Leis da Universidade de Coimbra, tendo concluído em 1779. Em 1789 publica o primeiro Dicionário da Língua Portuguesa, cujos direitos autorais vendera aos livreiros Borel & Cia. por 2 000 cruzados, recebendo ainda uma gratificação de 600.000 reis. Vem a falecer no Recife, em 11 de abril de 1824, sendo o seu corpo sepultado na igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, na Rua Nova.

3) Inquisição de Lisboa Processo n.º 14. 215/1788 – ANTT (Lisboa).

4) Ao depor no Processo n.º 7058, Inquisição de Lisboa, em que figura como denunciado o padre Bernardo Luiz Ferreira Portugal, diz ser “advogado dos Auditórios Eclesiástico e Secular, tenente do Regimento de Cavalaria de Olinda, casado, natural de Porto Calvo (Alagoas), morador na Vila de Santo Antônio do Recife, 31 anos de idade”. No “Livro [1º] dos Termos das Entradas de Irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento do Bairro de Santo Antônio 1791-1833”, o seu nome aparece nas fls. 36: “13 de abril de 1799, José Luiz de Mendonça e sua mulher D. Vitoriana Pereira da Silva”. Condenado por sua participação na República de Pernambuco veio a ser arcabuzado, em 12 de junho de 1817, juntamente com os patriotas Domingos José Martins e o padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro, no Campo da Pólvora da cidade do Salvador (Bahia).

5) Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: MEC, 1954, v. 103, p. 127.

6) TAVARES, Francisco Muniz. História da Revolução de Pernambuco de 1817. Recife: Imprensa Industrial, 1917. 3ª ed., p. 37. Oliveira Lima, comentando na nota XXIII, desta mesma edição, afirma que “as ideias republicanas no Brasil são, pode dizer-se sem risco de incorrer em inexatidão, o resultado direto de suas sociedades secretas…” (p. 274). Vide também: F. A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, vol. VII, p. 92.

7) Segundo se depreende dos Autos da Devassa de 1817, nada menos de 73 padres aparecem como simpatizantes da causa republicana.

8) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845). Irmão de José Bonifácio Andrada e Silva, na época ouvidor e corregedor em Olinda (PE), tendo sido preso após participar da República de Pernambuco de 1817. Levado a ferros para a Bahia, permanece encarcerado até ser eleito deputado das Cortes de Lisboa em 1821. Em Portugal revela-se notável orador parlamentar, defendendo a autonomia brasileira e recusando-se a assinar a Constituição que recolocava o país em situação colonial. Em seguida à Independência do Brasil torna-se líder da Assembleia Constituinte de 1823, que vem a ser dissolvida por dom Pedro I no ano seguinte.


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros