Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Festejos Religiosos sábado, 06 de agosto de 2022

NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO
NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

 

Imagem entronizada no Santuário

 

                        Loreto é uma tranquila, simpática e acolhedora cidade do sertão sul-maranhense, localizada à margem esquerda do Rio Balsas, a 720 km de São Luís, a capital, com população urbana em torno de 7.500 habitantes. Sendo a terra natal de Dona Maria Bezerra, minha saudosa santa mãezinha, e da Madrinha Ritinha, mulher do Tio Cazuza, considero-a uma extensão de Balsas.

 

Paisagens de Loreto: Igreja Matriz e detalhe do Balneário Santa Fé

 

                        Na história de sua fundação, há registro de disputa entre o Padre Lopes, que desejava a localização às margens do Rio Balsas, com navegação até o Oceano Atlântico, e a família Pereira, vencedora, que iniciou a construção das casas às margens do Riacho Teles, distante 3 km do rio. Afastada a povoação da única via de transporte e de escoamento da produção, só o marasmo poderia sobrevir-lhe. Loreto foi elevada a cidade no dia 29 de março de 1938, mas, com o passar dos anos, decresceu de importância, eis que isolada de outras artérias principais de comunicação com a capital e com os demais municípios em derredor.

 

                        Hoje, com o crescimento horizontal das edificações urbanas, a cidade alcançou as margens do rio, onde se localiza o bairro Balneário Santa Fé e onde foi construída uma ponte suspensa de madeira, para pedestres, e instalado um pontão, para passagem de veículos automotores.

 

                        A atração maior do município é o tradicional Festejo de Nossa Senhora, de 6 a 15 de agosto, na localidade denominada Coco da Aparecida, à margem direita do Rio Balsas, mata adentro, distante 73 km da sede e 14 km da cidade piauiense de Ribeiro Gonçalves. Depois do Festejo balsense de Santo Antônio, é a maior atração religiosa daquele sertão.

 

 

Detalhes do Santuário do Coco da Aparecida

 

                        Durante sua realização, acorrem ao Coco romeiros, não só das cidades próximas, como também de todo o país. Cerca de 15 mil pessoas fazem com que a população flutuante do arraial seja o dobro da urbana loretense.

 

Coco da Aparecida: detalhes da romaria

 

                        Há um esquema itinerante composto de camelôs, marreteiros, vendedores de bijuterias, quinquilharias, discos e aparelhos eletrônicos de toda a espécie, que se desloca da Bahia, passando por todas as festas religiosas sertanejas e atingindo até as comunidades paraenses. Tal esquema está presente, com toda sua pujança, no Festejo do Coco da Aparecida, dando-lhe colorido especial.

                        Como em todo o Interior Nordestino, a Alvorada marca o início do Festejo, seguindo-se Missas matinais, Terço nas novenas, retretas e Procissão no último dia. A Quermesse completa o cenário, com barraquinhas a cargo dos habitantes do lugar, nas quais não faltam as comidas típicas da terra, bebidas e a animação por conta dos trios nordestinos e bandas que para ali se dirigem em busca do garantido faturamento.

                         A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada pelo IBGE, informa-nos que, em passado remoto, o ponto pitoresco dos festejos loretenses constituía-se nas danças ao ar livre, ao som de sanfona e outros instrumentos, assim descritas: “um dos cavalheiros saca de sua arma, dando vários tiros para cima, provocando, desse modo, um tiroteio entre os próprios dançantes, de vez que estes acompanham a atitude do primeiro. Com todo esse movimento, os festejos prosseguem normalmente, ficando eles com uma das mãos sobre o ombro das damas, enquanto a outra permanece com a arma.”.

 

                        A história da devoção é narrada por tradição oral. Os moradores antigos do Arraial do Coco contam que, há mais de 200 anos, num dia 15 de agosto, a imagem de Nossa Senhora apareceu ali para duas meninas, no meio de uma rocha, lugar onde foi construída uma capela. As meninas videntes, ao falecerem, foram sepultadas ao pé da escadaria do santuário. Romeiros que participam dos Festejos ou em caravanas de devotos garantem que vários milagres já foram realizados pela Santa, que ficou conhecida como Nossa Senhora do Coco da Aparecida.

                         A partir de 1992, após a chegada do Padre Ugo Montagner – pároco de Loreto até pouco tempo e do Coco da Aparecida até hoje –, a festa ficou mais bem organizada, com a construção de uma capelinha em forma de asa delta, conforme se vê nas fotos acima, e com a chegada de água encanada e luz elétrica à região.

 

                        Meu amigo Dom Enemésio Lazzaris, Bispo Diocesano de Balsas, a quem está subordinada a Paróquia de Loreto, acha que é preciso fazer-se um projeto para expandir a romaria, visando, em primeiro lugar, à preservação do meio ambiente. Devido à ausência de moradias em volta da capela, os romeiros improvisam acampamentos, devastando a área. Nas proximidades do local, chama a atenção um grande desmatamento provocado por várias carvoarias.

 

                        Acredita o Bispo que, por seu tamanho e importância, o Governo do Estado deveria apoiar a festa e colocá-la no calendário turístico do Maranhão. A esse respeito, o Padre Ugo Montagner já fez várias solicitações aos governantes maranhense, não obtendo resposta alguma.

 

                        É do Padre Ugo Montagner a inspirada Oração de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, que adiante transcrevo:

 

“Mãe querida, Nossa Senhora do Coco da Aparecida, como é bom estar aqui junto a teus pés, te louvando, te agradecendo, te amando, te implorando, pedindo tua proteção, tua graça, tua misericórdia, teu perdão, tua bondade, teu amor, tua paz, tua justiça, tua bênção, tua mão eterna, para encontrar a eterna felicidade junto com teu filho Jesus. Amém!”

 

 

Padre Ugo Montagner com catequizandos de Loreto

 

                        A seguir, o Hino de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, composição do Padre Ugo Montagner e partitura da Professora Silvana Teixeira, de Brasília:

 

 

 

                        Desejando, de todo o coração, que Loreto, agora ligada por asfalto às principais rodovias brasileiras, venha a conhecer o progresso e a prosperidade, anseio de toda aquela boa gente loretense, disponibilizo-lhes um vídeo com o bonito Hino, na voz de Mário Cardoso, artista de nosso sertão:

 

 


Festejos Religiosos quinta, 28 de julho de 2022

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO BALSENSE E SEU HINO

 

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO BALSENSE E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

 

Atual imagem de Bom Jesus da Lapa

 

                        Quando saí de Balsas para estudar e conquistar o Mundo, em fevereiro de 1949, a cidade, com população em torno de 3.500 habitantes, era bem provida de três templos católicos. No centro, a Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja festa se encontra narrada neste e em meu penúltimo livro, De Balsas para o Mundo, no episódio Moreninha, a Rainha Santa do Festejo; ao norte, na hoje Praça Dr. Roosevelt Kury, a Igreja de São Sebastião, de cujo Festejo já lhes falei; e, ao sul, a Capela de Bom Jesus da Lapa, localizada na esquina das hoje Ruas Bom Jesus e Edísio Silva, tema central deste episódio que ora lhes escrevo.

 

Capela de Bom Jesus da Lapa, depois da reconstrução

 

                        A Capela fora erigida por dona Inês Maria de Jesus, sua fervorosa devota, mulher de Severino Lira, no grande quintal de sua casa. Dona Inês era proprietária de sortida quitanda, com os rendimentos da qual mantinha a Capela, contando também com o apurado no Festejo, que ia de 28 de julho a 6 de agosto.

 

Dona Inês Maria de Jesus

 

                        A festa transcorria em ambiente genuinamente sertanejo, à noite, quando se rezavam o Terço, benditos e ladainhas, e se cantavam hinos sacros, sendo o mais importante deles o Hino de Bom Jesus da Lapa, de autor desconhecido, cuja letra e melodia me foram resgatadas pelas devotas Ana Lúcia Leite Castro e Maria de Jesus Pereira Reis, como adiante se vê, com partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, daqui de Brasília:

 

 

                        Cantava-se também o Ofício de Nossa Senhora. Lembro-me ainda da voz que mais se destacava, a de Dona Josefa da Berada, ao entoar: “...Agora, lábios meus, dizei e anunciai/Os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus...”

 

                        Na frente da Capela, eram vendidas comidas típicas, tais como maria-isabel, frito de galinha ou carne de porco, panelada, rabada, chambaril, farofa de torresmo, café, beiju, bolo de arroz, cacete, rosca, peta, brevidade, bolo de puba, orelha-de-macaco, rapadura batida, alfenins, tijolos de laranja e mamão e outras iguarias, além de um tipo de bebida que eu só conheci naquele Festejo: a gengibirra, feita de frutos fermentados. Em pequenas bancas eram vendidas bebidas quentes, não faltando o conhaque e uma boa cachacinha. Tudo iluminado a lamparina de um, dois e até três bicos.

 

                        Quando falo sobre essa festa para meus contemporâneos, todos se lembram imediatamente dos suspiros – chamado merengues em outras paragens – feitos por Dona Inês, acondicionados em artísticos invólucros recortados de papel de seda e vendidos pelo Zé da Inês, um de seus filhos de criação, mulato também conhecido por Zé Quebra-Coco, irmão do Pedro, criado pelo Odilon Botelho. Esse apelido, segundo dizem, devia-se à perícia e prática com que o Zé rachava um coco-da-praia utilizando-se apenas de cabeçadas.

 

                        Todas as noites, havia leilão, com joias ofertadas por pessoas das redondezas: capões cheios, leitoas assadas, bolos diversos, doces em compota e em pasta, e até produtos artesanais ou manufaturados. Luz elétrica não havia. A mesa do leilão e seu derredor eram iluminadas por petromax, tipo de candeeiro possante, a querosene e camisa, esta fazendo as vezes de lâmpada.

 

                        A parte musical ficava a cargo de Mestre Pedro Novais – o Pedro Rabequeiro – na rabeca, Velho Cego no bombo e Domingos Bolor no reco-reco. Às vezes, apareciam por lá o Olavo e o Velho, pai do Mestre Riba, ambos com seus foles de oito baixos.

                       

                        Domingos Bolor era outro filho de criação de Dona Inês. Sarará invocado, gostava de fazer ginásticas e acrobacias dependurando-se nos galhos dos pés de pau. Um dia, incorporou-se a pequeno circo que passou em Balsas, como trapezista e ajudante de palhaço, e nunca mais dele se teve notícia.

 

                        A Procissão, no último dia do Festejo, era somente em volta do quarteirão da Capela. Missa? Nem pensar! Padre Clóvis, vigário da freguesia, não celebrava ali, devido a Dona Inês e Seu Severino serem casados apenas civilmente. No início dos Anos 1950, com a vinda dos Missionários Combonianos para Balsas, essa restrição acabou, e até a Capela foi reconstruída e ampliada, como se vê acima. Nessa reconstrução, muito valeram os esforços de Dona Perolina Coelho, de sua filha Socorrinha e de meu Primo João Ribeiro, de quem adiante falarei.

 

                        Delzenir Cavalcante, também filha de criação de Dona Inês, gentilmente me forneceu as duas fotos de sua mãe que ilustram este episódio. Disse-me que ela, contando os de pouca e os de longa duração, criou mais de 20 filhos.

 

                        Para demonstrar a força da devoção de Dona Inês a Bom Jesus da Lapa, quero contar-lhes importante fato ocorrido em minha família.

 

                        Meu avô, o Capitão Pedro José da Silva, nasceu com um pé torto, e essa herança genética se transmitiu para alguns netos e até bisnetos. Meu primo João Ribeiro da Silva Sobrinho – o João Ribeiro –, filho do meu Tio Cazuza e Madrinha Ritinha, por exemplo, nasceu com os pés tortos. Dona Inês, muito apegada a ele, era sua Madrinha de Batismo por procuração. A titular era sua tia, Lourdes Pereira. João Ribeiro considerava as duas como Madrinhas, sem distinção, mas nutria por Dona Inês um amor quase filial.

 

                        Naquele longínquo sertão, sem médico ou recurso algum no âmbito da Ortopedia, meus tios envidaram todos os esforços e recursos para que o menino se visse curado da citada anomalia. Quase toda semana era confeccionado um novo par de sapatos, por sapateiros dali mesmo, na esperança de, aos poucos, corrigir a imperfeição.

 

                        Muitas promessas foram feitas, como uma viagem a pé à cidade de Riachão, distante 72 quilômetros, em comitiva que contou com a participação de Tio Cazuza, Madrinha Ritinha, Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, e Dona Inês, que não se desgarrava do afilhado. “Faze tua parte, que eu te ajudarei”, diz a Sabedoria Popular.

 

                        Em 1942, quando João Ribeiro estava com 9 anos, Dona Inês jogou sua cartada maior. Comunicou a meus tios que fizera uma promessa para levá-lo a Bom Jesus da Lapa, na Bahia, distante 1.500 quilômetros, e solicitou-lhes permissão para que a viagem fosse feita. Nessas alturas, Dona Inês já era uma pessoa da família.

 

                        Meus tios concordaram com o pagamento da promessa e organizaram a comitiva, provida de uma tropa de cavalos e burros de carga para transporte do pessoal, redes, alimentos não perecíveis, lenha e utensílios de cozinha.  Dentre as pessoas que fizeram parte dessa romaria, é lembrado Seu Francisco Oliveira, o Chico Banha, que, depois de alguns dias, abandonou-a, por achar que a viagem estava muito devagar, seguindo sozinho a cavalo.

 

                        João Ribeiro viajou montado num burro. Dona Inês cumpriu todo o percurso a pé, três meses de ida e volta.

 

                        O resultado disso é que o menino ficou completamente curado. É claro que teve de usar ainda muito calçado ortopédico: “Faze tua parte...”. A graça foi alcançada!

                       

                        João Ribeiro, hoje, aos 81 anos de idade, já não sofre de qualquer imperfeição nos pés, é vitorioso na vida profissional, com uma família bem constituída, cheio de filhos e netos, feliz, enfim, com as bênçãos de Deus!

 

                        A imagem de Bom Jesus da Lapa que Dona Inês segura na foto a seguir foi-lhe presenteada por meus Tios Cazuza e Madrinha Ritinha, quando tudo começou, e foi substituída há bem pouco tempo por outra maior, mostrada no início deste capítulo, depois da reconstrução da Capela.

 

Dona Inês com a imagem tradicional

 

                        Dona Inês nasceu em Babilônia (MA), a 7 de fevereiro de 1909, e muito cedo mudou-se para Balsas. Nem bem chegara, ao assistir a uma Missa em louvor do Padroeiro Santo Antônio, com a igreja repleta de romeiros, ambiente muito abafado e calorento, sentiu-se mal, sendo levada por Madrinha Ritinha para receber socorro em sua casa, que ficava na Praça da Matriz. Daí surgiu uma forte amizade entre as duas, no que resultou essa bonita história que acabo de contar.

 

                        A 6 de novembro de 1989, com 80 anos de idade, a maioria deles devotada a Bom Jesus da Lapa, Dona Inês descansou em paz!

 

Ana Lúcia e Maria de Jesus: resgate da letra e da melodia

 

                        No ano de 2012, contratei o Estúdio Verbo Vivo, de Brasília, para os serviços de gravação do Hino de Bom Jesus da Lapa, o que foi feito na voz das cantoras Mércia Cairis e Renata Vasconcelos.

 

Mércia Cairis e Renata Vasconcelos: gravando no estúdio

 

                        De posse da melodia, foi montado um Youtube, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, que deixo agora à disposição dos leitores:

 

 


Festejos Religiosos sábado, 19 de março de 2022

REISADO DE SÃO JOSÉ, CANTA CLEMILDA

Reisado de São José,  gravação de Clemilda:

 


Festejos Religiosos terça, 11 de janeiro de 2022

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO
 
 

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

 

São Sebastião

 

                        As comemorações religiosas no final de 1948, em Balsas, prolongaram-se pelo mês de janeiro de 1949, último ano em que assisti ali ao Festejo de São Sebastião, antes de sair para estudar fora. Todo ano era assim.

 

                        No Natal, à meia-noite de 24 para 25 de dezembro, assistia-se à Missa do Galo e entoava-se a canção Noite Feliz, celebrando o nascimento de Jesus. No dia seguinte, começava o Reis, no Sudeste e no Centro-Oeste conhecido como Folia de Reis, que ia de 25 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. Consistia na peregrinação noturna dos brincantes de casa em casa, cantando temas sacros, folclóricos e profanos, relembrando a jornada dos Reis Magos na trilha da Estrela Guia até chegarem ao presépio – estábulo – onde nascera o Menino Deus.

 

                        No dia 7, a Rua do Frito – atual 11 de Julho –, onde eu morava, a Praça de São Sebastião e ruas adjacentes eram impregnadas por um delicioso e inesquecível cheiro de mato, produzido pelo trabalho dos presos de bom comportamento, escoltados pelo Soldado Peteca, roçando a vegetação que crescera durante todo o ano anterior – malva, fedegoso, tiririca, carrapicho, mata-pasto, malícia, urtiga, ciúme, melão-de-são-caetano –, alcançando quase metro e meio de altura. Deixavam eles as vias e a praça completamente limpas e prontas para o que ansiosa e fervorosamente esperávamos: o Festejo de São Sebastião, que ia de 11 a 20 de janeiro. Depois disso, iniciavam-se os ensaios das músicas carnavalescas – marchinhas, sambas e frevos – recém-lançados, para que os foliões as cantassem nos três dias de Carnaval, numa animação que só acabava mesmo na Quarta-feira de Cinzas, com a chegada da Quaresma. No ano de 1949, foram estes alguns dos sucessos mais cantados: Chiquita Bacana, Jacarepaguá, Maior É Deus, Pedreiro Valdemar e Zé Carioca no Frevo, este apenas instrumental.

 

                        A igreja de São Sebastião fora construída pelo comerciante e industrial Hygino Pedro de Farias, o Seu Pequeno, devoto do Santo, e o Festejo tinha em sua família e pessoas das vizinhanças os principais organizadores, administradores e obreiros. Foi nela que as catequistas Alice Farias, Tonica Moura, Jacy Gomes e Regina Miranda me transmitiram os primeiros rudimentos do ensino religioso.

 

                         Deus me agraciou com fabulosa memória para até hoje guardar os nomes – como desconheço os sobrenomes da maioria, aqui não os relaciono – e as fisionomias dos quase 200 coleguinhas daquele hoje esquecido e abandonado recanto sebastianino de minha infância, companheiros de catecismo ou de brincadeiras.

 

                        Num tremendo esforço de reportagem, e com a perícia do artista plástico Juarez Leite, consegui reproduzir a Praça de São Sebastião no ano de 1949, como abaixo se vê, roçada, quando a cidade não conhecia asfalto nem calçamento.

 

Praça de São Sebastião - Vista aérea

 

                        Havia duas datas marcantes. O dia 10, véspera do início do Festejo, quando começava o furdunço, por ser o aniversário do adolescente Zé Farias, filho de Seu Pequeno, pau-pra-toda-obra, que fazia um tudo de muito, batendo o sino, soltando foguetes, carregando peso, quebrando qualquer galho e levando carão do pai, que só o chamava, quando nervoso, de “seu corno” – embora fosse ele um burro de carga, nos serviços domésticos, nas oficinas e o único mecânico da usina. No futuro, viria o Zé a ser o primeiro eletricista balsense e o projecionista do primeiro cinema da cidade. No dia 20, o último do Festejo, era o aniversário de Washington Tourinho, filho de Seu Isidoro e Dona Febrônia, outra das nossas afamadas quituteiras, que traziam muitas joias para o leilão.

 

                        No primeiro e no último dia, a cidade era acordada com a Alvorada, constando de repicar do sino, queima de foguetes e música a cargo de Martinho Mendes e Seu Conjunto – Martinho no sax, Barroso na clarineta, Toinho Farias na bateria, Enoc no banjo, e pandeiristas eventuais –, quando não faltavam o dobrado Padre Cícero, de autoria do Martinho, valsas, boleros, forrós e sucessos carnavalescos. Diariamente, ao meio-dia, era tocada a Retreta, com o mesmo esquema.

 

                        Nas manhãs do dia 11 e do dia 20, era celebrada Missa à qual comparecia todo o povo da cidade. Desencadeando-se a Novena, todas as noites, quando era rezado o Terço. Tanto na Missa quanto na Novena, era cantado o Hino de São Sebastião, de autoria do maranhense Eleutério Rezende, cuja letra conta sua história, aqui reproduzida, com a partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília, seguindo canto que me foi entoado pela Professora Maria da Consolação de Oliveira Andrade, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro:

 

 

                        Depois do Terço, realizavam-se a venda de bebidas e comidas típicas na barraca e o leilão, com joias – capões cheios, leitoas assadas, bolos, doces, artesanatos – trazidas pelas devotas do Santo, dentre elas Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, Dona Nelsa Farias, Dona Delfina, mulher de Seu Pequeno, com o Conjunto do Martinho animando a função. Naquele tempo, ainda não existia por lá o serviço de som.

 

                        Além da barraca oficial, muitas pessoas traziam suas banquinhas, onde vendiam cachaça e outras bebidas quentes, café, bolos de arroz e de puba, orelha-de-macaco, panelada, maria-isabel e outras guloseimas. Não podiam faltar Luiz Piauí, com sua bandeja de puxas e rebuçados, e Manoel do Pempém, com sua tábua de pirulitos. Nas quitandas do Enoc Miranda, de Dona Brígida e de Dona Domitila, era grande o consumo de rapaduras recém-saídas do engenho, alfenins, batidas, tijolos de mamão verde e casca de laranja, pamonhas, melancias e outras frutas da época.

 

                        No último dia, a Procissão saía pelas principais ruas da cidade, com São Sebastião à frente, no andor, e duas fileiras, homens de um lado e mulheres do outro.

 

                        Nós, a criançada, divertíamo-nos a valer, principalmente fazendo judiação com os romeiros que vinham de fora para a festa, botando-lhes rabo de carrapicho, ou praticando muitas travessuras. Uma delas era o biloto, constituído de bolota de cera de abelha, do tamanho de bola de pingue-pongue, fixada na ponta dum cordão de 50 centímetros, para darmos chapuletadas na cabeça dos matutos, sem que eles percebessem, pois éramos rápidos no gatilho para esconder o artefato.

 

                        No início dos Anos 1950, Seu Pequeno faleceu, mais ou menos quando foi criada a Prelazia de Balsas, com Missionários Combonianos vindos da Itália. Esses não deram continuidade ao Festejo de São Sebastião nem cuidaram da conservação de sua igreja que, aos poucos, pela ação do tempo, foi-se desintegrando, até ruir por completo.

 

                        Muitos anos depois, já na era do asfalto, foi construído outro templo para São Sebastião, no Bairro Cajueiro, onde é festejado nos moldes de antigamente, com o mesmo fervor e devoção:

 

Capela do Cajueiro

 

São Sebastião, imagem entronizada na Capela do Cajueiro

 

                        Embora a tradição do Festejo permaneça, falta o item que encantava os meninos de meu tempo e até hoje permanece em nossas mentes como das melhores recordações da infância:

 

                        O cheiro de mato!

 

                        Há muito tempo, eu desejava efetuar a gravação dos Hinos de Santo Antônio, de Bom Jesus da Lapa e de São Sebastião, para que não se perdessem na memória do povo balsense, tão curta nos tempos atuais, como venho observando em minhas pesquisas.

 

                        Para o Hino de São Sebastião, contei com a prestimosa colaboração da amiga Socorro Vieira, minha Assessora Cultural em Balsas, que obteve o registro do canto simples com a Professora Maria da Consolação, possibilitando-me a concretização do projeto. A Interpretação ficou a cargo dos cantores Felipe Rodrigues e Mércia Cairis, do Estúdio Verbo Vivo, de Brasília:

 

Felipe Rodrigues e Mércia Cairis

 

                        Complementando esta homenagem a São Sebastião, produzi também, como apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, este vídeo, agora à disposição de vocês:

 

 

 

 


Festejos Religiosos domingo, 31 de maio de 2020

FESTEJO BALSENSE DE SANTO ANTÔNIO EM 2020

 

FESTEJO BALSENSE DE SANTO ANTÔNIO EM 2020

Padre Genivaldo Ribeiro

Padre Genivaldo Ribeiro

 

É com grande alegria que apresentamos o cartaz do Festejo de Santo Antônio/2020.

.Este ano, devido à pandemia da Covid-19, teremos uma programação diferente. A festa será acompanhada de casa, pelos meios de comunicações da paróquia.

Vamos juntos fazer uma grande festa para nosso padroeiro Santo Antônio.

.Após a pandemia, em um momento em que estivermos todos seguros, e com a autorização das equipes sanitárias e de saúde, a paróquia irá realizar o festejo aberto ao público..

festejodesantoantonio #fé #devoção

 

 

Nota do Redator - Padre Genivaldo Ribeiro é o Pároco da Paróquia de Santo Antônio, Padroeiro de Balsas.

HINO DE SANTO ANTÔNIO:

 

 

 

 

 


Festejos Religiosos sábado, 11 de janeiro de 2020

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

 

 

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

São Sebastião

 

                        As comemorações religiosas no final de 1948, em Balsas, prolongaram-se pelo mês de janeiro de 1949, último ano em que assisti ali ao Festejo de São Sebastião, antes de sair para estudar fora. Todo ano era assim.

 

                        No Natal, à meia-noite de 24 para 25 de dezembro, assistia-se à Missa do Galo e entoava-se a canção Noite Feliz, celebrando o nascimento de Jesus. No dia seguinte, começava o Reis, no Sudeste e no Centro-Oeste conhecido como Folia de Reis, que ia de 25 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. Consistia na peregrinação noturna dos brincantes de casa em casa, cantando temas sacros, folclóricos e profanos, relembrando a jornada dos Reis Magos na trilha da Estrela Guia até chegarem ao presépio – estábulo – onde nascera o Menino Deus.

 

                        No dia 7, a Rua do Frito – atual 11 de Julho –, onde eu morava, a Praça de São Sebastião e ruas adjacentes eram impregnadas por um delicioso e inesquecível cheiro de mato, produzido pelo trabalho dos presos de bom comportamento, escoltados pelo Soldado Peteca, roçando a vegetação que crescera durante todo o ano anterior – malva, fedegoso, tiririca, carrapicho, mata-pasto, malícia, urtiga, ciúme, melão-de-são-caetano –, alcançando quase metro e meio de altura. Deixavam eles as vias e a praça completamente limpas e prontas para o que ansiosa e fervorosamente esperávamos: o Festejo de São Sebastião, que ia de 11 a 20 de janeiro. Depois disso, iniciavam-se os ensaios das músicas carnavalescas – marchinhas, sambas e frevos – recém-lançados, para que os foliões as cantassem nos três dias de Carnaval, numa animação que só acabava mesmo na Quarta-feira de Cinzas, com a chegada da Quaresma. No ano de 1949, foram estes alguns dos sucessos mais cantados: Chiquita Bacana, Jacarepaguá, Maior É Deus, Pedreiro Valdemar e Zé Carioca no Frevo, este apenas instrumental.

 

                        A igreja de São Sebastião fora construída pelo comerciante e industrial Hygino Pedro de Farias, o Seu Pequeno, devoto do Santo, e o Festejo tinha em sua família e pessoas das vizinhanças os principais organizadores, administradores e obreiros. Foi nela que as catequistas Alice Farias, Tonica Moura, Jacy Gomes e Regina Miranda me transmitiram os primeiros rudimentos do ensino religioso.

 

                         Deus me agraciou com fabulosa memória para até hoje guardar os nomes – como desconheço os sobrenomes da maioria, aqui não os relaciono – e as fisionomias dos quase 200 coleguinhas daquele hoje esquecido e abandonado recanto sebastianino de minha infância, companheiros de catecismo ou de brincadeiras.

 

                        Num tremendo esforço de reportagem, e com a perícia do artista plástico Juarez Leite, consegui reproduzir a Praça de São Sebastião no ano de 1949, como abaixo se vê, roçada, quando a cidade não conhecia asfalto nem calçamento.

 

Praça de São Sebastião - Vista aérea

 

                        Havia duas datas marcantes. O dia 10, véspera do início do Festejo, quando começava o furdunço, por ser o aniversário do adolescente Zé Farias, filho de Seu Pequeno, pau-pra-toda-obra, que fazia um tudo de muito, batendo o sino, soltando foguetes, carregando peso, quebrando qualquer galho e levando carão do pai, que só o chamava, quando nervoso, de “seu corno” – embora fosse ele um burro de carga, nos serviços domésticos, nas oficinas e o único mecânico da usina. No futuro, viria o Zé a ser o primeiro eletricista balsense e o projecionista do primeiro cinema da cidade. No dia 20, o último do Festejo, era o aniversário de Washington Tourinho, filho de Seu Isidoro e Dona Febrônia, outra das nossas afamadas quituteiras, que traziam muitas joias para o leilão.

 

                        No primeiro e no último dia, a cidade era acordada com a Alvorada, constando de repicar do sino, queima de foguetes e música a cargo de Martinho Mendes e Seu Conjunto – Martinho no sax, Barroso na clarineta, Toinho Farias na bateria, Enoc no banjo, e pandeiristas eventuais –, quando não faltavam o dobrado Padre Cícero, de autoria do Martinho, valsas, boleros, forrós e sucessos carnavalescos. Diariamente, ao meio-dia, era tocada a Retreta, com o mesmo esquema.

 

                        Nas manhãs do dia 11 e do dia 20, era celebrada Missa à qual comparecia todo o povo da cidade. Desencadeando-se a Novena, todas as noites, quando era rezado o Terço. Tanto na Missa quanto na Novena, era cantado o Hino de São Sebastião, de autoria do maranhense Eleutério Rezende, cuja letra conta sua história, aqui reproduzida, com a partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília, seguindo canto que me foi entoado pela Professora Maria da Consolação de Oliveira Andrade, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro:

 

 

                        Depois do Terço, realizavam-se a venda de bebidas e comidas típicas na barraca e o leilão, com joias – capões cheios, leitoas assadas, bolos, doces, artesanatos – trazidas pelas devotas do Santo, dentre elas Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, Dona Nelsa Farias, Dona Delfina, mulher de Seu Pequeno, com o Conjunto do Martinho animando a função. Naquele tempo, ainda não existia por lá o serviço de som.

 

                        Além da barraca oficial, muitas pessoas traziam suas banquinhas, onde vendiam cachaça e outras bebidas quentes, café, bolos de arroz e de puba, orelha-de-macaco, panelada, maria-isabel e outras guloseimas. Não podiam faltar Luiz Piauí, com sua bandeja de puxas e rebuçados, e Manoel do Pempém, com sua tábua de pirulitos. Nas quitandas do Enoc Miranda, de Dona Brígida e de Dona Domitila, era grande o consumo de rapaduras recém-saídas do engenho, alfenins, batidas, tijolos de mamão verde e casca de laranja, pamonhas, melancias e outras frutas da época.

 

                        No último dia, a Procissão saía pelas principais ruas da cidade, com São Sebastião à frente, no andor, e duas fileiras, homens de um lado e mulheres do outro.

 

                        Nós, a criançada, divertíamo-nos a valer, principalmente fazendo judiação com os romeiros que vinham de fora para a festa, botando-lhes rabo de carrapicho, ou praticando muitas travessuras. Uma delas era o biloto, constituído de bolota de cera de abelha, do tamanho de bola de pingue-pongue, fixada na ponta dum cordão de 50 centímetros, para darmos chapuletadas na cabeça dos matutos, sem que eles percebessem, pois éramos rápidos no gatilho para esconder o artefato.

 

                        No início dos Anos 1950, Seu Pequeno faleceu, mais ou menos quando foi criada a Prelazia de Balsas, com Missionários Combonianos vindos da Itália. Esses não deram continuidade ao Festejo de São Sebastião nem cuidaram da conservação de sua igreja que, aos poucos, pela ação do tempo, foi-se desintegrando, até ruir por completo.

 

                        Muitos anos depois, já na era do asfalto, foi construído outro templo para São Sebastião, no Bairro Cajueiro, onde é festejado nos moldes de antigamente, com o mesmo fervor e devoção:

 

Capela do Cajueiro

 

São Sebastião, imagem entronizada na Capela do Cajueiro

 

                        Embora a tradição do Festejo permaneça, falta o item que encantava os meninos de meu tempo e até hoje permanece em nossas mentes como das melhores recordações da infância:

 

                        O cheiro de mato!

 

                        Há muito tempo, eu desejava efetuar a gravação dos Hinos de Santo Antônio, de Bom Jesus da Lapa e de São Sebastião, para que não se perdessem na memória do povo balsense, tão curta nos tempos atuais, como venho observando em minhas pesquisas.

 

                        Para o Hino de São Sebastião, contei com a prestimosa colaboração da amiga Socorro Vieira, minha Assessora Cultural em Balsas, que obteve o registro do canto simples com a Professora Maria da Consolação, possibilitando-me a concretização do projeto. A Interpretação ficou a cargo dos cantores Felipe Rodrigues e Mércia Cairis, do Estúdio Verbo Vivo, de Brasília:

 

Felipe Rodrigues e Mércia Cairis

 

                        Complementando esta homenagem a São Sebastião, produzi também, como apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, este vídeo, agora à disposição de vocês:

 

 

 

 


Festejos Religiosos quinta, 13 de junho de 2019

ARRAIAL DO JUBILEU - PARÓQUIA SAGRADO MERCÊS - 14, 15 E 16 DE JUNHO


Festejos Religiosos terça, 19 de setembro de 2017

HOJE É DIA DE SANTO REIS

HOJE É DIA DE SANTO REIS

Raimundo Floriano

 

Reis Magos no Presépio

 

                        Em minha infância sertaneja sul-maranhense, no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, a meninada balsense saía, de porta em porta, declamando, na esperança de ganhar alguma prenda, o que faço agora para vocês também:

 

Eu plantei um pé de rosa

Pra nascer no dia seis

Ele nasce, e eu lhes peço

Ano-bom, Festas e Reis

 

                        A recompensa era certa, geralmente algo comestível: bolo, doce, fruta. Dinheiro era raridade.

 

                        O dia 6 de janeiro marcava também o encerramento da peregrinação dos Reis que, desde o dia 25 de dezembro, saíam pelos terreiros de cada residência da cidade.

 

                        Lembro-me de dois: o Reis do Mestre Andrelino, rabequeiro, que contava apenas com quatro tiradoras das cantorias, com ele na rabeca, e o do Antônio Velho, o Antõe Velho, e Heliodora, ele também conhecido como Antõe Perninha, pelo fato de lhe faltar uma perna. Esse era composto de pastoras, caretas, boi e burrinha. As cantigas já se perderam no tempo, mas vou aqui relembrar algumas que me vêm à memória:

 

Senhora dona da casa

Já que mandou nos chamar

Chegamos na sua porta

Vamos Santo Reis cantar

 

Quando eu vim de lá de casa

Eu vinha com noite escura

Santo Reis já me dizia

Que a jornada era segura

 

Cá estamos nesta porta

Cantando com devoção

Não precisa que dê nada

Mas o dar é grande ação

 

Esta casa é bem-feita

Por dentro, por fora não

Por dentro, cravos e rosas

Por fora, manjericão

 

Somos pobres peregrinos

Que de muito longe vêm

Caminhando sem descanso

Até chegar em Belém

 

Nós seguimos uma estrela

Que no céu apareceu

Seu clarão nos levará

Aonde Jesus nasceu

 

Os Três Magos do Oriente

Seguindo a Estrela-guia

Louvaram o Deus Menino

Na Sagrada Epifania

 

Pastores em serenata

Idolatraram com fé

A santíssima Família

Jesus, Maria e José

 

Eles viram o Deus-Menino

Na manjedoura deitado

Em seu rosto se espelhava

O seu cabelo dourado

 

 

Belchior veio da Pérsia

Da Etiópia, Baltazar

E Gaspar veio da Índia

Todos a Jesus saudar

 

Belchior portando ouro

Com mirra veio Gaspar

Baltazar trouxe o incenso

Pra Jesus presentear

 

O cantar do Santo Reis

É um cantar excelente

Acorda quem está dormindo

Consola quem está doente

 

Senhora dona da casa

Em sua porta tivemos

Pagando uma promessa

Que pra Santo Reis fizemos

 

O dono desta promessa

Tava de vela na mão

Se não fosse Santo Reis

Tava debaixo do chão

 

Senhora dona da casa

Imagem da alegria

É a cara mais bonita

Que pisou na freguesia

 

Senhora dona da casa

É uma fulô de roseira

Quando venta, se embalança

Quando se embalança, cheira

 

As mocinhas desta casa

Têm perfume incensador

Cheiram a cravo e loção

Brilhantina Flor de Amor

 

Senhora dona da casa

Por Santo Reis protetor

Que seu lar seja coberto

De benção e de amor

 

E pra terminar a festa

Cheia de paz e harmonia

Nesta salva prateada

Lançai-nos qualquer quantia

 

Senhora dona da casa

No terreiro nós cantamos

Santo Reis lhe agradece

As prendas que nós ganhamos

 

É hora da despedida

Pro pessoal que aqui mora

Senhora dona da casa

Santo Reis já vai embora

 

Vamos seguindo o caminho

Da Estrela de Belém

Para o ano a gente volta

Nas Graças de Deus, amém

 

                        Tanto o Reis do Mestre Andrelino quanto o do Antõe Velho e Heliodora eram compostos por pessoas de baixa renda que, além de prestar sua homenagem aos Reis Magos de sua devoção, contavam com a arrecadação para reforçar seus parcos ganhos que lhes proviam a subsistência.

 

 

Reis típico do sertão sul-maranhense

 

                        Em minha rua, fazíamos, depois do Dia de Reis, o Reis dos Meninos, imitação do Reis do Antõe Velho e Heliodora, com boi, burrinha, caretas e tendo como pastoras as empregadas domésticas da vizinhança. A Folia durava até o dia 11 de janeiro, quando começava o Festejo de São Sebastião, e o dinheiro arrecadado era todo gasto num piquenique, à sombra de mangueiras, comuns em qualquer quintal daquele tempo.

 

                        A Memória Balsense dá-nos conta de um Reis diferente dos demais, que durou por todos os Anos 1940. Organizado por Antônia Albuquerque Aguiar, minha Tia Antônia, modista e Professora de Costura – casada com Raimundo Nunes de Aguiar, o Raimundo Lopes, dentista e ourives –, e minha irmã Maria Isaura de Albuquerque e Silva, Professora Primária e bandolinista. Era o famoso Reis da Dona Antônia!

 

 

Tia Antônia e Raimundo Lopes


Maria Isaura

 

                        A diferença consistia no fato de que, enquanto nos Reis do Velho Andrelino e do Antõe Velho os brincantes provinham de faixas mais desapercebidas e carentes da periferia, o Reis da Dona Antônia compunha-se de moças e meninas da fina flor da elite balsense.

 

                        Esvaíram-se no decorrer do tempo as canções desse Reis. Seu formato era uma combinação de Auto de Natal, pois contava até com soldados romanos, e Pastoril, tendo, inclusive, uma Velha em seu elenco.

 

                        A foto a seguir é de 1940 e transmite-nos uma ideia de sua formação. Para identificar as pastorinhas dela constantes – algumas faltaram à tomada do flagrante, como minha prima Iracy e –, vali-me de duas memórias invejáveis, cabeças privilegiadas, não obstante já serem ambas octogenárias: minhas primas Violeta, filha do Tio Cazuza, e Zélia, filha de Tia Antônia, que participaram desse Reis:

 

Reis de Dona Antônia 

Na fileira ao alto: Maria Augusta Borges, Dona Silva e Zilda Fonseca, soldados romanos; Dendém Evelim, Marica Botelho e Nadir Botelho, marinheiros;

Na fileira do meio: Magnólia, Chafia Bucar e Juracy Fonseca, vivandeiras; Yolanda Borges e Lourdinha Fernandes, sempre-vivas; Totó Pereira e Mariinha Martins, crisântemos; Nair Botelho, a Velha; Ari Bucar e Maria Alice Silva, ciganas.

Na frente, ajoelhadas: Crizeida Pires e Zélia Albuquerque, saudades; Eunice Câmara, violeta; Violeta Silva, rosa; Maria da Graça Santos e Terezinha Evelim, lírios; e Conceição Borges e Lourdinha Evelim, açucenas.

 

                        Para vocês, as Cantigas de Reis mais conhecidas:

 

                        Reisado de São José, de Raimundo Monte Sant, na voz da forrozeira Clemilda:

 

                        Canto de Saudação ao Presépio, de Téo Azevedo e Toni Agreste, com Téo Azevedo e o Terno de Folia de Reis de Alto Belo, Minas Gerais:

 

                        A Festa de Santo Reis, de Márcio Leonardo, na interpretação de Tim Maia:

 

                        Folia de Reis, de Raul Torres e Rubens Ferreira, na voz de Pavão do Norte, Damião e Basílio:

 

                        Folia de Reis, adaptação folclórica, com o Trio Parada Dura (Creonte, Barreirito e Mangabinha):

 

 


Festejos Religiosos domingo, 19 de março de 2017

REISADO DE SÃO JOSÉ, CANTA CLEMILDA

Reisado de São José,  gravação de Clemilda:

 


Festejos Religiosos domingo, 16 de outubro de 2016

NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO

NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Imagem entronizada no Santuário

 

                        Loreto é uma tranquila, simpática e acolhedora cidade do sertão sul-maranhense, localizada à margem esquerda do Rio Balsas, a 720 km de São Luís, a capital, com população urbana em torno de 7.500 habitantes. Sendo a terra natal de Dona Maria Bezerra, minha saudosa santa mãezinha, e da Madrinha Ritinha, mulher do Tio Cazuza, considero-a uma extensão de Balsas.

 

Paisagens de Loreto: Igreja Matriz e detalhe do Balneário Santa Fé

 

                        Na história de sua fundação, há registro de disputa entre o Padre Lopes, que desejava a localização às margens do Rio Balsas, com navegação até o Oceano Atlântico, e a família Pereira, vencedora, que iniciou a construção das casas às margens do Riacho Teles, distante 3 km do rio. Afastada a povoação da única via de transporte e de escoamento da produção, só o marasmo poderia sobrevir-lhe. Loreto foi elevada a cidade no dia 29 de março de 1938, mas, com o passar dos anos, decresceu de importância, eis que isolada de outras artérias principais de comunicação com a capital e com os demais municípios em derredor.

 

                        Hoje, com o crescimento horizontal das edificações urbanas, a cidade alcançou as margens do rio, onde se localiza o bairro Balneário Santa Fé e onde foi construída uma ponte suspensa de madeira, para pedestres, e instalado um pontão, para passagem de veículos automotores.

 

                        A atração maior do município é o tradicional Festejo de Nossa Senhora, de 6 a 15 de agosto, na localidade denominada Coco da Aparecida, à margem direita do Rio Balsas, mata adentro, distante 73 km da sede e 14 km da cidade piauiense de Ribeiro Gonçalves. Depois do Festejo balsense de Santo Antônio, é a maior atração religiosa daquele sertão.

 

Detalhes do Santuário do Coco da Aparecida

 

                        Durante sua realização, acorrem ao Coco romeiros, não só das cidades próximas, como também de todo o país. Cerca de 15 mil pessoas fazem com que a população flutuante do arraial seja o dobro da urbana loretense.

 

Coco da Aparecida: detalhes da romaria

 

                        Há um esquema itinerante composto de camelôs, marreteiros, vendedores de bijuterias, quinquilharias, discos e aparelhos eletrônicos de toda a espécie, que se desloca da Bahia, passando por todas as festas religiosas sertanejas e atingindo até as comunidades paraenses. Tal esquema está presente, com toda sua pujança, no Festejo do Coco da Aparecida, dando-lhe colorido especial.

                        Como em todo o Interior Nordestino, a Alvorada marca o início do Festejo, seguindo-se Missas matinais, Terço nas novenas, retretas e Procissão no último dia. A Quermesse completa o cenário, com barraquinhas a cargo dos habitantes do lugar, nas quais não faltam as comidas típicas da terra, bebidas e a animação por conta dos trios nordestinos e bandas que para ali se dirigem em busca do garantido faturamento.

 

                        A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada pelo IBGE, informa-nos que, em passado remoto, o ponto pitoresco dos festejos loretenses constituía-se nas danças ao ar livre, ao som de sanfona e outros instrumentos, assim descritas: “um dos cavalheiros saca de sua arma, dando vários tiros para cima, provocando, desse modo, um tiroteio entre os próprios dançantes, de vez que estes acompanham a atitude do primeiro. Com todo esse movimento, os festejos prosseguem normalmente, ficando eles com uma das mãos sobre o ombro das damas, enquanto a outra permanece com a arma.”.

 

                        A história da devoção é narrada por tradição oral. Os moradores antigos do Arraial do Coco contam que, há mais de 200 anos, num dia 15 de agosto, a imagem de Nossa Senhora apareceu ali para duas meninas, no meio de uma rocha, lugar onde foi construída uma capela. As meninas videntes, ao falecerem, foram sepultadas ao pé da escadaria do santuário. Romeiros que participam dos Festejos ou em caravanas de devotos garantem que vários milagres já foram realizados pela Santa, que ficou conhecida como Nossa Senhora do Coco da Aparecida.

 

                        A partir de 1992, após a chegada do Padre Ugo Montagner – pároco de Loreto até pouco tempo e do Coco da Aparecida até hoje –, a festa ficou mais bem organizada, com a construção de uma capelinha em forma de asa delta, conforme se vê nas fotos acima, e com a chegada de água encanada e luz elétrica à região.

 

                        Meu amigo Dom Enemésio Lazzaris, Bispo Diocesano de Balsas, a quem está subordinada a Paróquia de Loreto, acha que é preciso fazer-se um projeto para expandir a romaria, visando, em primeiro lugar, à preservação do meio ambiente. Devido à ausência de moradias em volta da capela, os romeiros improvisam acampamentos, devastando a área. Nas proximidades do local, chama a atenção um grande desmatamento provocado por várias carvoarias.

 

                        Acredita o Bispo que, por seu tamanho e importância, o Governo do Estado deveria apoiar a festa e colocá-la no calendário turístico do Maranhão. A esse respeito, o Padre Ugo Montagner já fez várias solicitações aos governantes maranhense, não obtendo resposta alguma.

 

                        É do Padre Ugo Montagner a inspirada Oração de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, que adiante transcrevo:

 

“Mãe querida, Nossa Senhora do Coco da Aparecida, como é bom estar aqui junto a teus pés, te louvando, te agradecendo, te amando, te implorando, pedindo tua proteção, tua graça, tua misericórdia, teu perdão, tua bondade, teu amor, tua paz, tua justiça, tua bênção, tua mão eterna, para encontrar a eterna felicidade junto com teu filho Jesus. Amém!”

 

Padre Ugo Montagner com catequizandos de Loreto

 

                        A seguir, o Hino de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, composição do Padre Ugo Montagner e partitura da Professora Silvana Teixeira, de Brasília:

 

                        Desejando, de todo o coração, que Loreto, agora ligada por asfalto às principais rodovias brasileiras, venha a conhecer o progresso e a prosperidade, anseio de toda aquela boa gente loretense, disponibilizo-lhes um vídeo com o bonito Hino, na voz de Mário Cardoso, artista de nosso sertão:

 

 


Festejos Religiosos domingo, 16 de outubro de 2016

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO BALSENSE E SEU HINO

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO BALSENSE E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Atual imagem de Bom Jesus da Lapa

 

                        Quando saí de Balsas para estudar e conquistar o Mundo, em fevereiro de 1949, a cidade, com população em torno de 3.500 habitantes, era bem provida de três templos católicos. No centro, a Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja festa se encontra narrada neste e em meu penúltimo livro, De Balsas para o Mundo, no episódio Moreninha, a Rainha Santa do Festejo; ao norte, na hoje Praça Dr. Roosevelt Kury, a Igreja de São Sebastião, de cujo Festejo já lhes falei; e, ao sul, a Capela de Bom Jesus da Lapa, localizada na esquina das hoje Ruas Bom Jesus e Edísio Silva, tema central deste episódio que ora lhes escrevo.

 

Capela de Bom Jesus da Lapa, depois da reconstrução

 

                        A Capela fora erigida por dona Inês Maria de Jesus, sua fervorosa devota, mulher de Severino Lira, no grande quintal de sua casa. Dona Inês era proprietária de sortida quitanda, com os rendimentos da qual mantinha a Capela, contando também com o apurado no Festejo, que ia de 28 de julho a 6 de agosto.

 

Dona Inês Maria de Jesus

 

                        A festa transcorria em ambiente genuinamente sertanejo, à noite, quando se rezavam o Terço, benditos e ladainhas, e se cantavam hinos sacros, sendo o mais importante deles o Hino de Bom Jesus da Lapa, de autor desconhecido, cuja letra e melodia me foram resgatadas pelas devotas Ana Lúcia Leite Castro e Maria de Jesus Pereira Reis, como adiante se vê, com partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, daqui de Brasília:

 

 

                        Cantava-se também o Ofício de Nossa Senhora. Lembro-me ainda da voz que mais se destacava, a de Dona Josefa da Berada, ao entoar: “...Agora, lábios meus, dizei e anunciai/Os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus...”

 

                        Na frente da Capela, eram vendidas comidas típicas, tais como maria-isabel, frito de galinha ou carne de porco, panelada, rabada, chambaril, farofa de torresmo, café, beiju, bolo de arroz, cacete, rosca, peta, brevidade, bolo de puba, orelha-de-macaco, rapadura batida, alfenins, tijolos de laranja e mamão e outras iguarias, além de um tipo de bebida que eu só conheci naquele Festejo: a gengibirra, feita de frutos fermentados. Em pequenas bancas eram vendidas bebidas quentes, não faltando o conhaque e uma boa cachacinha. Tudo iluminado a lamparina de um, dois e até três bicos.

 

                        Quando falo sobre essa festa para meus contemporâneos, todos se lembram imediatamente dos suspiros – chamado merengues em outras paragens – feitos por Dona Inês, acondicionados em artísticos invólucros recortados de papel de seda e vendidos pelo Zé da Inês, um de seus filhos de criação, mulato também conhecido por Zé Quebra-Coco, irmão do Pedro, criado pelo Odilon Botelho. Esse apelido, segundo dizem, devia-se à perícia e prática com que o Zé rachava um coco-da-praia utilizando-se apenas de cabeçadas.

 

                        Todas as noites, havia leilão, com joias ofertadas por pessoas das redondezas: capões cheios, leitoas assadas, bolos diversos, doces em compota e em pasta, e até produtos artesanais ou manufaturados. Luz elétrica não havia. A mesa do leilão e seu derredor eram iluminadas por petromax, tipo de candeeiro possante, a querosene e camisa, esta fazendo as vezes de lâmpada.

 

                        A parte musical ficava a cargo de Mestre Pedro Novais – o Pedro Rabequeiro – na rabeca, Velho Cego no bombo e Domingos Bolor no reco-reco. Às vezes, apareciam por lá o Olavo e o Velho, pai do Mestre Riba, ambos com seus foles de oito baixos.

                       

                        Domingos Bolor era outro filho de criação de Dona Inês. Sarará invocado, gostava de fazer ginásticas e acrobacias dependurando-se nos galhos dos pés de pau. Um dia, incorporou-se a pequeno circo que passou em Balsas, como trapezista e ajudante de palhaço, e nunca mais dele se teve notícia.

 

                        A Procissão, no último dia do Festejo, era somente em volta do quarteirão da Capela. Missa? Nem pensar! Padre Clóvis, vigário da freguesia, não celebrava ali, devido a Dona Inês e Seu Severino serem casados apenas civilmente. No início dos Anos 1950, com a vinda dos Missionários Combonianos para Balsas, essa restrição acabou, e até a Capela foi reconstruída e ampliada, como se vê acima. Nessa reconstrução, muito valeram os esforços de Dona Perolina Coelho, de sua filha Socorrinha e de meu Primo João Ribeiro, de quem adiante falarei.

 

                        Delzenir Cavalcante, também filha de criação de Dona Inês, gentilmente me forneceu as duas fotos de sua mãe que ilustram este episódio. Disse-me que ela, contando os de pouca e os de longa duração, criou mais de 20 filhos.

 

                        Para demonstrar a força da devoção de Dona Inês a Bom Jesus da Lapa, quero contar-lhes importante fato ocorrido em minha família.

 

                        Meu avô, o Capitão Pedro José da Silva, nasceu com um pé torto, e essa herança genética se transmitiu para alguns netos e até bisnetos. Meu primo João Ribeiro da Silva Sobrinho – o João Ribeiro –, filho do meu Tio Cazuza e Madrinha Ritinha, por exemplo, nasceu com os pés tortos. Dona Inês, muito apegada a ele, era sua Madrinha de Batismo por procuração. A titular era sua tia, Lourdes Pereira. João Ribeiro considerava as duas como Madrinhas, sem distinção, mas nutria por Dona Inês um amor quase filial.

 

                        Naquele longínquo sertão, sem médico ou recurso algum no âmbito da Ortopedia, meus tios envidaram todos os esforços e recursos para que o menino se visse curado da citada anomalia. Quase toda semana era confeccionado um novo par de sapatos, por sapateiros dali mesmo, na esperança de, aos poucos, corrigir a imperfeição.

 

                        Muitas promessas foram feitas, como uma viagem a pé à cidade de Riachão, distante 72 quilômetros, em comitiva que contou com a participação de Tio Cazuza, Madrinha Ritinha, Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, e Dona Inês, que não se desgarrava do afilhado. “Faze tua parte, que eu te ajudarei”, diz a Sabedoria Popular.

 

                        Em 1942, quando João Ribeiro estava com 9 anos, Dona Inês jogou sua cartada maior. Comunicou a meus tios que fizera uma promessa para levá-lo a Bom Jesus da Lapa, na Bahia, distante 1.500 quilômetros, e solicitou-lhes permissão para que a viagem fosse feita. Nessas alturas, Dona Inês já era uma pessoa da família.

 

                        Meus tios concordaram com o pagamento da promessa e organizaram a comitiva, provida de uma tropa de cavalos e burros de carga para transporte do pessoal, redes, alimentos não perecíveis, lenha e utensílios de cozinha.  Dentre as pessoas que fizeram parte dessa romaria, é lembrado Seu Francisco Oliveira, o Chico Banha, que, depois de alguns dias, abandonou-a, por achar que a viagem estava muito devagar, seguindo sozinho a cavalo.

 

                        João Ribeiro viajou montado num burro. Dona Inês cumpriu todo o percurso a pé, três meses de ida e volta.

 

                        O resultado disso é que o menino ficou completamente curado. É claro que teve de usar ainda muito calçado ortopédico: “Faze tua parte...”. A graça foi alcançada!

                       

                        João Ribeiro, hoje, aos 81 anos de idade, já não sofre de qualquer imperfeição nos pés, é vitorioso na vida profissional, com uma família bem constituída, cheio de filhos e netos, feliz, enfim, com as bênçãos de Deus!

 

                        A imagem de Bom Jesus da Lapa que Dona Inês segura na foto a seguir foi-lhe presenteada por meus Tios Cazuza e Madrinha Ritinha, quando tudo começou, e foi substituída há bem pouco tempo por outra maior, mostrada no início deste capítulo, depois da reconstrução da Capela.

 

Dona Inês com a imagem tradicional

 

                        Dona Inês nasceu em Babilônia (MA), a 7 de fevereiro de 1909, e muito cedo mudou-se para Balsas. Nem bem chegara, ao assistir a uma Missa em louvor do Padroeiro Santo Antônio, com a igreja repleta de romeiros, ambiente muito abafado e calorento, sentiu-se mal, sendo levada por Madrinha Ritinha para receber socorro em sua casa, que ficava na Praça da Matriz. Daí surgiu uma forte amizade entre as duas, no que resultou essa bonita história que acabo de contar.

 

                        A 6 de novembro de 1989, com 80 anos de idade, a maioria deles devotada a Bom Jesus da Lapa, Dona Inês descansou em paz!

 

Ana Lúcia e Maria de Jesus: resgate da letra e da melodia

 

                        No ano de 2012, contratei o Estúdio Verbo Vivo, de Brasília, para os serviços de gravação do Hino de Bom Jesus da Lapa, o que foi feito na voz das cantoras Mércia Cairis e Renata Vasconcelos.

 

Mércia Cairis e Renata Vasconcelos: gravando no estúdio

 

                        De posse da melodia, foi montado um Youtube, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, que deixo agora à disposição dos leitores:

 

 


Festejos Religiosos domingo, 16 de outubro de 2016

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

São Sebastião

 

                        As comemorações religiosas no final de 1948, em Balsas, prolongaram-se pelo mês de janeiro de 1949, último ano em que assisti ali ao Festejo de São Sebastião, antes de sair para estudar fora. Todo ano era assim.

 

                        No Natal, à meia-noite de 24 para 25 de dezembro, assistia-se à Missa do Galo e entoava-se a canção Noite Feliz, celebrando o nascimento de Jesus. No dia seguinte, começava o Reis, no Sudeste e no Centro-Oeste conhecido como Folia de Reis, que ia de 25 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. Consistia na peregrinação noturna dos brincantes de casa em casa, cantando temas sacros, folclóricos e profanos, relembrando a jornada dos Reis Magos na trilha da Estrela Guia até chegarem ao presépio – estábulo – onde nascera o Menino Deus.

 

                        No dia 7, a Rua do Frito – atual 11 de Julho –, onde eu morava, a Praça de São Sebastião e ruas adjacentes eram impregnadas por um delicioso e inesquecível cheiro de mato, produzido pelo trabalho dos presos de bom comportamento, escoltados pelo Soldado Peteca, roçando a vegetação que crescera durante todo o ano anterior – malva, fedegoso, tiririca, carrapicho, mata-pasto, malícia, urtiga, ciúme, melão-de-são-caetano –, alcançando quase metro e meio de altura. Deixavam eles as vias e a praça completamente limpas e prontas para o que ansiosa e fervorosamente esperávamos: o Festejo de São Sebastião, que ia de 11 a 20 de janeiro. Depois disso, iniciavam-se os ensaios das músicas carnavalescas – marchinhas, sambas e frevos – recém-lançados, para que os foliões as cantassem nos três dias de Carnaval, numa animação que só acabava mesmo na Quarta-feira de Cinzas, com a chegada da Quaresma. No ano de 1949, foram estes alguns dos sucessos mais cantados: Chiquita Bacana, Jacarepaguá, Maior É Deus, Pedreiro Valdemar e Zé Carioca no Frevo, este apenas instrumental.

 

                        A igreja de São Sebastião fora construída pelo comerciante e industrial Hygino Pedro de Farias, o Seu Pequeno, devoto do Santo, e o Festejo tinha em sua família e pessoas das vizinhanças os principais organizadores, administradores e obreiros. Foi nela que as catequistas Alice Farias, Tonica Moura, Jacy Gomes e Regina Miranda me transmitiram os primeiros rudimentos do ensino religioso.

 

                         Deus me agraciou com fabulosa memória para até hoje guardar os nomes – como desconheço os sobrenomes da maioria, aqui não os relaciono – e as fisionomias dos quase 200 coleguinhas daquele hoje esquecido e abandonado recanto sebastianino de minha infância, companheiros de catecismo ou de brincadeiras.

 

                        Num tremendo esforço de reportagem, e com a perícia do artista plástico Juarez Leite, consegui reproduzir a Praça de São Sebastião no ano de 1949, como abaixo se vê, roçada, quando a cidade não conhecia asfalto nem calçamento.

 

Praça de São Sebastião - Vista aérea

 

                        Havia duas datas marcantes. O dia 10, véspera do início do Festejo, quando começava o furdunço, por ser o aniversário do adolescente Zé Farias, filho de Seu Pequeno, pau-pra-toda-obra, que fazia um tudo de muito, batendo o sino, soltando foguetes, carregando peso, quebrando qualquer galho e levando carão do pai, que só o chamava, quando nervoso, de “seu corno” – embora fosse ele um burro de carga, nos serviços domésticos, nas oficinas e o único mecânico da usina. No futuro, viria o Zé a ser o primeiro eletricista balsense e o projecionista do primeiro cinema da cidade. No dia 20, o último do Festejo, era o aniversário de Washington Tourinho, filho de Seu Isidoro e Dona Febrônia, outra das nossas afamadas quituteiras, que traziam muitas joias para o leilão.

 

                        No primeiro e no último dia, a cidade era acordada com a Alvorada, constando de repicar do sino, queima de foguetes e música a cargo de Martinho Mendes e Seu Conjunto – Martinho no sax, Barroso na clarineta, Toinho Farias na bateria, Enoc no banjo, e pandeiristas eventuais –, quando não faltavam o dobrado Padre Cícero, de autoria do Martinho, valsas, boleros, forrós e sucessos carnavalescos. Diariamente, ao meio-dia, era tocada a Retreta, com o mesmo esquema.

 

                        Nas manhãs do dia 11 e do dia 20, era celebrada Missa à qual comparecia todo o povo da cidade. Desencadeando-se a Novena, todas as noites, quando era rezado o Terço. Tanto na Missa quanto na Novena, era cantado o Hino de São Sebastião, de autoria do maranhense Eleutério Rezende, cuja letra conta sua história, aqui reproduzida, com a partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília, seguindo canto que me foi entoado pela Professora Maria da Consolação de Oliveira Andrade, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro:

 

 

                        Depois do Terço, realizavam-se a venda de bebidas e comidas típicas na barraca e o leilão, com joias – capões cheios, leitoas assadas, bolos, doces, artesanatos – trazidas pelas devotas do Santo, dentre elas Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, Dona Nelsa Farias, Dona Delfina, mulher de Seu Pequeno, com o Conjunto do Martinho animando a função. Naquele tempo, ainda não existia por lá o serviço de som.

 

                        Além da barraca oficial, muitas pessoas traziam suas banquinhas, onde vendiam cachaça e outras bebidas quentes, café, bolos de arroz e de puba, orelha-de-macaco, panelada, maria-isabel e outras guloseimas. Não podiam faltar Luiz Piauí, com sua bandeja de puxas e rebuçados, e Manoel do Pempém, com sua tábua de pirulitos. Nas quitandas do Enoc Miranda, de Dona Brígida e de Dona Domitila, era grande o consumo de rapaduras recém-saídas do engenho, alfenins, batidas, tijolos de mamão verde e casca de laranja, pamonhas, melancias e outras frutas da época.

 

                        No último dia, a Procissão saía pelas principais ruas da cidade, com São Sebastião à frente, no andor, e duas fileiras, homens de um lado e mulheres do outro.

 

                        Nós, a criançada, divertíamo-nos a valer, principalmente fazendo judiação com os romeiros que vinham de fora para a festa, botando-lhes rabo de carrapicho, ou praticando muitas travessuras. Uma delas era o biloto, constituído de bolota de cera de abelha, do tamanho de bola de pingue-pongue, fixada na ponta dum cordão de 50 centímetros, para darmos chapuletadas na cabeça dos matutos, sem que eles percebessem, pois éramos rápidos no gatilho para esconder o artefato.

 

                        No início dos Anos 1950, Seu Pequeno faleceu, mais ou menos quando foi criada a Prelazia de Balsas, com Missionários Combonianos vindos da Itália. Esses não deram continuidade ao Festejo de São Sebastião nem cuidaram da conservação de sua igreja que, aos poucos, pela ação do tempo, foi-se desintegrando, até ruir por completo.

 

                        Muitos anos depois, já na era do asfalto, foi construído outro templo para São Sebastião, no Bairro Cajueiro, onde é festejado nos moldes de antigamente, com o mesmo fervor e devoção:

 

Capela do Cajueiro

 

São Sebastião, imagem entronizada

na Capela do Cajueiro

 

                        Embora a tradição do Festejo permaneça, falta o item que encantava os meninos de meu tempo e até hoje permanece em nossas mentes como das melhores recordações da infância:

 

                        O cheiro de mato!

 

                        Há muito tempo, eu desejava efetuar a gravação dos Hinos de Santo Antônio, de Bom Jesus da Lapa e de São Sebastião, para que não se perdessem na memória do povo balsense, tão curta nos tempos atuais, como venho observando em minhas pesquisas.

 

                        Para o Hino de São Sebastião, contei com a prestimosa colaboração da amiga Socorro Vieira, minha Assessora Cultural em Balsas, que obteve o registro do canto simples com a Professora Maria da Consolação, possibilitando-me a concretização do projeto. A Interpretação ficou a cargo dos cantores Felipe Rodrigues e Mércia Cairis, do Estúdio Verbo Vivo, de Brasília:

 

Felipe Rodrigues e Mércia Cairis                       

 

                        Complementando esta homenagem a São Sebastião, produzi também, como apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, este vídeo, agora à disposição de vocês:

 

 

 

                        

 

 


Festejos Religiosos sábado, 08 de outubro de 2016

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Santo Antônio

 

                        Santo Antônio, Padroeiro de Balsas, minha terra natal, sertão sul-maranhense, tem seu Festejo no período que vai de 1º a 13 de junho. É ele o Santo mais popular do Brasil, venerado como Padroeiro dos Pobres e Santo Casamenteiro, com seu nome sempre invocado para se achar objetos perdidos.

 

                        Fernando Bulhões – nome de batismo – nasceu em Lisboa, Portugal, em 15 de agosto de 1195, numa família de muitas posses, e veio a falecer na cidade italiana de Pádua, no dia 13 de junho de 1231. Conhecido como Antônio de Pádua, pela morte, e Antônio de Lisboa, pelo nascimento, seria mais apropriado chamá-lo apenas de Antônio de Lisboa, assim como a cidade de Assis, na Itália, deu nome a São Francisco.

 

                        Aos 15 anos, entrou para um convento agostiniano, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde se ordenou. Em 1220, trocou o nome para Antônio, ao ingressar na Ordem Franciscana, esperando, a exemplo dos mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos.

 

                        Após um ano de catequese em Marrocos, teve de deixá-lo, devido a uma enfermidade, e seguiu para a Itália. Indicado Professor de Teologia pelo próprio São Francisco de Assis, lecionou nas Universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome como orador sacro em Portugal, no Sul da França e na Itália.

 

                        Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares, suas prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos prodigiosos e milagres, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.

 

                        A saúde sempre precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913.

 

                        Antônio faleceu, como foi dito, a 13 de junho de 1231, vítima de uma crise de hidropisia – acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em cavidades do corpo. A 13 de maio de 1232, apenas 11 meses depois de sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

 

                        Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída a Basílica a ele dedicada.

 

                        A profundidade de seus textos doutrinários fez com que, em 1946, o Papa Pio XII o declarasse Doutor da Igreja. Mesmo com esse pomposo título, o monge franciscano conhecido como Santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao longo dos séculos, objeto de grande devoção popular. Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em Portugal e no Brasil.

 

                        Sua instituição como Padroeiro de Balsas deu-se com a chegada àquela região do baiano Antônio Jacobina, no final do Século XIX, considerado o verdadeiro fundador da cidade, que, por ser devoto de Santo Antônio, ali construiu sua primeira capela, dando início aos festejos anuais, aos quais acorriam moradores das redondezas, surgindo daí o povoamento com o nome de Vila Nova, depois mais conhecido como Santo Antônio de Balsas.

 

Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas

 

                        Muito se tem escrito sobre as festas religiosas de nosso sertão. Escolhi um poema do saudoso conterrâneo Sileimann Kalil Botelho, falecido a 24.4.13, aos 86 anos de idade, em Sobradinho (DF), como símbolo dessa nossa literatura:

 

FESTAS DE JUNHO

 

Na minha terra, tempo de menino,

Junho era festa pelo mês inteiro.

Sem importar se noite ou sol a pino,

Trezena a Santo Antônio vindo primeiro.

 

 Treze dias de festa ao peregrino

E milagroso Santo Padroeiro;

Moças solteiras, quase em desatino,

Pedindo noivos ao casamenteiro.

 

Depois vinha o São João das bandeirolas:

Multicores balões subiam ao espaço

Simbolizando sonhos e esperanças.

E enamorados jovens e moçoilas

Soltavam fogos com desembaraço,

Iam às quadrilhas, se entreter nas danças.

 

Depois vinha o São João dos Caipiras,

Das fogueiras brilhantes, das Quadrilhas

Onde todos dançavam com fervor,

As tradições das gentes dos Timbiras,

Os doces, os petiscos-maravilhas,

Incontrastáveis relações de amor.

 

A TRADIÇÃO DO FESTEJO DE SANTO ANTÔNIO

 

                        Saí de Balsas no dia 5 de fevereiro de 1949, para estudar em Floriano, aos 12 anos de idade, e as lembranças do Festejo de Santo Antônio, que guardo ainda bem vivas, indeléveis no coração, remontam-se, hoje, ao período de minha venturosa infância balsense.

 

                        Padre Clóvis era o Vigário da Paróquia e, no Festejo, era auxiliado pelas mãos laboriosas de senhoras mães de família, algumas delas que ora menciono: Tia Antônia Albuquerque, Naninha Soares, Febrônia Tourinho, Zefinha Rocha, Naninha Cansanção, Ceci Florentino, Laura Rocha, Luzia Félix, Sindá Borba, Eva Solino, Milu Fonseca, Dolores Lima, Esperança Souza, Maria Luísa Solino, Petronilha Matos, Jesus Reis, Munduca Noleto, Alzira Barbosa, Emília Câmara, Justina Pires. Madrinha Ritinha, mulher de meu Tio Cazuza, sempre provia a mesa dos leilões com pratos de sua refinada culinária. Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãe, entregava-se de corpo e alma à operosidade da festa, fazendo guloseimas, angariando joias e donativos, isto é, trabalhando dia e noite sem descanso. Esse fervor e essa dedicação transmitiram-se, mais tarde, para a Maria Alice, minha irmã, e, posteriormente, para a Isaurinha, sua filha.

 

                        O Festejo de nosso Padroeiro era esperado por toda a população urbana e rural, e os sertanejos de fora aproveitavam-no para levarem seus produtos, ansiosamente esperados, destacando-se frutas raras na cidade, como abacate, jaca e tangerina. Havia também as delícias vindas dos engenhos: garapa, rapadura, batida, tijolo, alfenim.

 

                        Os botequins, todos de palha, armados em frente à Igreja Matriz, exibiam, além das frutas da época, miudezas em geral, como cintos, linhas de pesca, sapatos, chapéus, utensílios domésticos, lanternas, bijuterias, espelhos e bugigangas diversas.

 

                        Em adição aos itens já citados, os botequineiros vendiam comidas e bebidas, destacando-se a gengibirra – produto regional –, conhaque e cachaça, muita cachaça. Cerveja, só nos raros botequins que possuíam geladeira a querosene. Não fazia diferença se a bebida fosse quente ou fria. No Festejo, Balsas transformava-se no maior exportador brasileiro de garrafas vazias.

 

                        Havia, também, vários tipos de jogo, como o do bicho, na roleta, e o do caipira, este bancado pelo Cadete, simpático e popular cidadão conterrâneo, que apregoava:

 

                        – Olha o jogo do caipira, quem mais bota, menos tira!

 

                        Na barba-de-são-severino, certo tipo de pescaria, com um molho de linhas, cada qual amarrada a objetos de pequeno valor, mas, no meio deles, um grande prêmio. O jogador pagava e escolhia a ponta da linha para puxar. Ganhava aquilo que tivesse a sina de arrastar. O marreteiro anunciava:

 

                        – Aqui é a barba-de-são-severino, jogam homens, mulheres e meninos e o povo aviciado. O homem que apanha da mulher, não vai dar parte ao delegado!

 

                        Ladeando a Matriz de Santo Antônio, as duas barracas da Paróquia, de madeira e tecido, nas quais eram oferecidas comidas típicas, saladas de fruta, café, chocolate, bolos da região, cerveja, refrigerante e refresco, que nós chamávamos de “gelado”. A renda maior, toda revertida para a Matriz, provinha dos leilões e da venda de votos para a Rainha da Festa. Luiz da Iaiá era o mais competente leiloeiro, apregoando as joias na força do gogó.

 

                        Nas madrugadas do primeiro e do último dia do Festejo, eram realizadas, no patamar da Matriz, as alvoradas festivas, com muito foguete, tendo a música a cargo do Martinho Mendes e Seu Conjunto. No mesmo molde, diariamente, ao meio-dia, depois do Terço, realizava-se a retreta.

 

                        A Missa era celebrada apenas no dia 1º, aos domingos e no dia 13 de junho, Dia do Padroeiro, e final do Festejo, quando a população se esmerava no trajar – “quebrar a tigela”, se vestindo roupa nova –, para louvar em grande estilo o Santo de sua devoção. Ao cair da noite do dia 13, saía a Procissão pelas ruas da cidade, com o andor do Padroeiro seguindo à frente, ladeado por duas colunas: à direita, os homens; à esquerda, as mulheres. A seguir, rezava-se a última trezena, depois da qual se dava a última quermesse, com a coroação da Rainha do Festejo.

 

                        Em 1999, decorridos 50 anos, voltei a assistir ao Festejo de Santo Antônio. Quanta coisa mudara!

 

                        A barraca era uma só. Acabara-se a disputa para ver qual a mais rendosa e também qual elegeria a Rainha. Os botecos, à frente da Matriz, agora num espaço denominado Iraque, esmeravam-se apenas na venda de cerveja e refrigerantes. As tendas dos camelôs substituíram os botequins com produtos sertanejos. O leilão e toda a animação da quermesse estavam sob a batuta do criativo Likuta, com seu serviço de som, preferido por sua habilidade no trato, versatilidade e simpatia. Eram os sinais evidentes do progresso, marcado pelas novidades advindas com o passar do tempo.

 

                        Algo não mudou. A religiosidade do povo balsense permanece forte, decidida, incondicional. E isso pode ser confirmado na Procissão do dia 13. Na última vez em que dela participei, calculei uma multidão de devotos que ultrapassava a casa dos dez mil!

 

                        E outro aspecto permanece igualmente imutável: a retreta ao meio-dia, na hora do Terço. A cargo do Mestre Riba e sua turma, essa retreta me leva como num passe de mágica a minha infância distante, o que me faz dela participar todos os dias, quando por lá me encontro. Em que pese a insensibilidade dos tempos modernos, é uma tradição que não pode se acabar.

 

                        Tenho praticado minha devoção a Santo Antônio com pequenos gestos, no intuito de cada vez mais divulgar seu santo nome sempre que me surge a oportunidade. Em frente à Igreja Matriz, lancei os quatro mais conhecidos de meus livros: Do Jumento ao Parlamento, na noite de 12 de junho de 2003, e De Balsas para o Mundo, Memorial Balsense e Caindo na Gandaia, na noite de 12 de junho de 2010.

 

                        A gravação do Hino de Santo Antônio, composição de Eleutério Rezende, a duas vozes, acompanhadas por instrumentos de sopro e bateria, num andamento vibrante, como deve ser todo hino de louvor, era um sonho que acalentei por muitos anos e só em 2013 consegui realizar. Eis a letra e a partitura, esta elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília:

 

 

                        Aqui, a letra em sua íntegra:

 

 

                        A gravação ficou a cargo dos cantores brasilienses Mércia Cairis e Felipe Rodrigues, do Estúdio Verbo Vivo:

 

Mércia Cairis e Felipe Rodrigues

 

                        E, fechando com chave de ouro esse preito a Santo Antônio, produzi também, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, um vídeo, ao qual vocês poderão assistir, clicando neste link:

 

 

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