Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José Domingos Brito - Memorial domingo, 21 de abril de 2024

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes I (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO!

 

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes I

José Domingos Brito

Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu em 19/10/1913, no Rio de Janeiro. Diplomata, jornalista, advogado, cantor, compositor, dramaturgo, crítico de cinema e essencialmente poeta lírico notabilizado pelos seus sonetos. Ficou célebre, também, como boêmio inveterado, “casadoiro” e um grande conquistador.

Filho de Lydia Cruz de Moraes, pianista amadora, e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário público, poeta e violinista amador, teve os primeiro estudos na Escola Afrânio Peixoto, onde rabiscou os primeiros poemas. Em 1924 ingressou no Colégio Santo Inácio; entrou no coral e começou a fazer pequenas peças de teatro. Em seguida fez amizade com os irmãos Campos e Paulo Tapajós e compôs os primeiros poemas.

Ingressou na Faculdade Nacional de Direito em 1929 e graduou-se advogado em 1933. Durante o curso tornou-se amigo do escritor Otávio de Faria, que estimulou sua carreira literária e promoveu seu ingresso no movimento nacionalista “Ação Integralista Brasileira”. Por um breve período, trabalhou como censor de cinema no Ministério da Educação e Saúde e em 1937 publicou Soneto de Katherine Mansfield, na revista Anauê! No ano seguinte ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford. Retornou ao Brasil em 1949 e passou a trabalhar no jornal A Manhã, como crítico de cinema.

Foi também colaborador da revista Clima e prestou concurso para diplomata no MRE-Ministério das Relações Exteriores, em 1942, mas não passou. Tentou de novo no ano seguinte e foi aprovado. Assumiu o posto de vice-cônsul em Los Ageles, EUA, em 1946, e retornu ao Brasil em 1950, com a morte do pai. Na década de 1950 atuou como diplomata em Paris e Roma, onde mantinha animados encontros na casa de seu amigo Sergio Buarque de Holanda.

Em fins de 1968 foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5 e afastado da diplomacia. O motivo alegado foi seu comportamento boêmio, que comprometia suas funções. Mas, foi anistiado (post-mortem) em 1998. Em 2010 recebeu promoção póstuma ao cargo de ministro de primeira classe do MRE. O cargo -o mais alto da carreira diplomática- equivale a embaixador. Sempre apaixonado, casou-se nove vezes e manteve uma vasta obra na literatura, teatro, cinema e música e dizia que a poesia foi sua primeira maior vocação. Dizia também que suas outras artes derivam do fato de ser poeta.

Na música teve como parceiros a nata da MPB: Tom Jobim, Chico Buarque, Toquinho, Baden Poweel, João Gilberto, Carlos Lyra, Antonio Maria… João Cabral de Melo Neto, que dizia não gostar de música, opinou: “se ele não fizesse tanta musiquinha, seria um poeta ainda maior”, que ganhou gargalhadas do poeta. Vinicius foi prolífico tanto como compositor como poeta. Em fins da década de 1920 compôs 10 canções gravadas pelos Irmãos Tapajós, em 1932. No ano seguinte lançou o primeiro livro de poemas: O Caminho para a distância e continuou produzindo canções e poemas simultaneamente.

Por esta época fez amizade com Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade e passou por uma fase mística, quando ganhou o “Prêmio Felipe D’Oliveira” pelo livro Forma e Exegese (1935). Em seguida lançou Ariana, a Mulher (1936), uma temática que passou a predominar em sua carreira. Na década de 1940 deu-se uma mudança de fase e passou a escrever em linguagem mais simples e sensual abordando, eventualmente, temas sociais. Publicou os livros Cinco Elegias (1943) e Poemas, Sonetos e Baladas (1946). Além de poeta e compositor, atuou como jornalista e crítico de cinema, chegando a lançar, em 1947, a revista Filme, junto com o cineasta Alex Vianny.

Pouco antes viajou pelo Nordeste junto o escritor americano Waldo Frank e, vendo a seca e a pobreza nordestina, passa a se influenciar pelos ideais comunistas. Em seguida foi para os EUA, como diplomata, numa curta temporada e retorna ao Brasil no inicio da década de 1950. Gravou seu primeiro samba – Quando tu passas por mim -, em 1953, com Aracy de Almeida em parceria com Antonio Maria. No mesmo ano foi para Paris trabalhar na embaixada brasileira.

No ano seguinte publicou Antologia Poética e a peça Orfeu da Conceição. Na busca de alguèm para musicar a peça, encontrou Antonio Carlos Jobim, um jovem pianista, dando origem a uma fecunda parceria, de onde sairam: Garota de Ipanema, Eu sei que vou te amar, Lamento no morro, Chega de Saudade entre outras. A peça deu origem a dois filmes (1): “Orfeu Negro”, uma produção ítalo-franco-brassileira, em 1959, dirigido por Marcel Camus, premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro e Palma de Ouro no Festival de Cannes e (2) “Orfeu”, em 1999, dirigido por Cacá Diegues.

 

Continua no próximo domingo

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 15 de abril de 2024

AS BRASILEIRAS: Aracy Rosa (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ COMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Aracy Rosa

José Domingos Brito

Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa nasceu em Rio Negro, PR, em 5/12/1908. Diplomata e poliglota, trabalhou no consulado brasileiro em Hamburgo, Alemanha. Ficou conhecida como “O Anjo de Hamburgo”, devido a ajuda que prestou a muitos judeus a entrarem ilegalmente no Brasil a partir de 1938, com a proibição estabelecida no Governo Vargas.

Filha de Sidonie Moebius de Carvalho e Amadeu Anselmo de Carvalho, dono do Grande Hotel de Guarujá, onde passou a infância. Casou-se aos 22 anos com Johann Eduard Ludwig Tess, com quem teve um filho e separou-se 5 anos depois, indo morar com a tia na Alemanha. Dominando 4 idiomas, foi trabalhar no consulado brasileiro, chefiando a Seção de Passaportes. Em 1938 passou a vigorar no Brasil a circular secreta nº 1.127, restringindo a entrada de judeus no País. Ela ignorou a restrição e não colocava a letra “J”, identificando quem era judeu, nos vistos de entrada, permitindo com isto a livre entrada no Brasil.

Por essa época conheceu João Guimarães Rosa, cônsul adjunto, e passaram viver juntos até 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e apoiou os países aliados na II Guerra Mundial. Devido a eclosão da guerra, o retorno ao Brasil teve algumas dificuldades. Ficaram 4 meses sob custódia do governo alemão e só foram liberados após uma troca por diplomatas alemães. Como ambos eram divorciados, tiveram que se casar no México.

Aracy ficou conhecida pela ajuda que prestou aos judeus, salvando-os do Holocausto. Mas pouco se fala de sua importância na vida do marido como escritor. As pesquisadoras Elza Miné, da USP-Universidade de São Paulo, e Neuma Cavalcanti, da UFC-Universidade Federal do Ceará, estudaram as cartas do casal e encontraram informações reveladoras: “Serás tudo para mim: mulher, amante e companheira. Sim, querida, hás de ajudar-me a escrever os nossos livros. Tu mesma não sabes o que vales. Eu sei. Serás, além de inspiradora, uma colaboradora valiosa, apesar ou talvez mesmo por não teres pretensões de ‘literata pedante”, escreveu Rosa em 1942.

Noutra carta, de 1946, escreveu: “O teu, o nosso Sagarana está quase pronto. Pegue um exemplar para nós. Seria uma alegria dupla: a chegada de ARA e SAGARANA. Mas em caso de perigo, joga fora o Sagarana e venha só a ARA, que é 300 bilhões de vezes mais importante para mim”. Sua obra prima Grande Sertão: Veredas foi dedicada a ela em 1956. Conta-se que ela não apenas revisava os textos do escritor; eventualmente modificava algumas partes.

Anos depois ela voltou a ajudar perseguidos políticos. Em 1964, após o Golpe Militar, deu guarida a alguns intelectuais e compositores, como Geraldo Vandré, de cuja tia Aracy era amiga. Em 8/7/1982, o governo de Israel incluiu seu nome no Jardim dos “Justos entre as Nações” do Museu do Holocausto, devido a sua bravura na salvação de muitos judeus do extermínio comandado pelo nazismo. A homenagem foi realizada, também, no Museu do Holocausto de Washington, nos EUA.

Ficou viúva em 1967 e mais tarde foi acometida pelo mal de Alzheimer, vindo a falecer em 28/2/2011, aos 102 anos. Foi sepultada no Mausoléu da ABL-Academia Brasileira de Letras, ao lado de seu marido. No mesmo ano a historiadora Mônica Schpun lançou sua biografia enfatizando o feito heroico: Justa: Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil, publicado pela editora Civilização Brasileira, em 2011.

A história de Aracy foi retratada também no documentário “Esse viver ninguém me tira”, de Caco Ciocler, produzido em 2014, à disposição no Youtube. O governo brasileiro entrou no rol das homenagens, em 2019, quando os Correios fizeram circular 54 mil selos especiais com sua imagem estampada. Mais tarde, a TV Globo em parceria com a Sony Pictures Television, exibiu a minissérie Passaporte para a liberdade, em 2021, mostrando sua trajetória.

 

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 31 de março de 2024

FELIZ PÁSCOA (REFLEXÃO DO COLUNISTA JOÃO PAULINO QUARTAROLA)

 

F E L I Z P Á S C O A
 
QUE NESTA PÁSCOA O CRISTO RESSUSCITADO FAÇA RENASCER EM CADA UM DE NÓS UM NOVO SER, COM MUITA SABEDORIA, PARA COLOCARMOS EM PRÁTICA O BEM E O AMOR A TODOS OS NOSSOS IRMÃOS DE JORNADA DO PLANETA TERRA!
João Paulino Quartarola
 
 
 
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José Domingos Brito - Memorial domingo, 31 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Ana Barandas (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Ana Barandas

José Domingos Btrito

Ana Belmira da Fonseca Barandas ou Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, seu nome literário, nasceu em Porto Alegre, RS, em 8/9/1806. Segundo a historiadora Hilda Flores, “é a primeira mulher poeta-cronista-novelista do Brasil”; para Maria Helena de Bairros “foi uma das introdutoras da forma narrativa na literatura sulina e brasileira” e segundo Sergio Barcelos Ximenes, Eugênia ou a filósofa apaixonada (1845) é a primeira história de ficção de escritora brasileira e Diálogos (1845), o primeiro texto feminista do teatro nacional”.

A pioneira da literatura feminina e feminista no País era filha de Ana Felícia do Nascimento e Joaquim da Fonseca Barandas, um casal de portugueses. O pai, cirurgião culto, amealhou considerável riqueza e possibilitou refinada educação literária e musical à filha. Casou-se em 1822 com o advogado português José Joaquim Pena Penalta e viveram alternadamente no Rio de Janeiro e Porto Alegre até 1843, quando se deu a separação do casal.

Após a morte do pai, em 1850, ela assumiu a chefia da família. Seu primeiro contato com o feminismo se deu com a leitura do livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832), escrito por Nísia Floresta (1810-1885), de quem se tornou amiga. Na Revolução Farroupilha (1835-1845, tomou partido a favor do Império contra o separatismo. Em 1845 publicou o livro O ramalhete, ou flores escolhidas no jardim da imaginação, reeditado pela historiadora Hilda Flores, em 1990, e lançado pela Editora Nova Dimensão/EDIPUCRS.

Trata-se de uma coletânea de poesias, crônicas e contos escritos ao longo da década anterior, onde expressa o amor, suas alegrias e desilusões; a experiência da guerra; o patriotismo numa reflexão filosófica e crítica social. Segundo os críticos, “registra-se em sua obra um certo grau de erudição e um desejo de filiar-se a uma tradição pelo fato de ter invocado figuras mitológicas para traduzir a fatalidade das situações e dos atos humanos”.

O caráter feminista de sua obra foi acentuado no texto Diálogos, uma argumentação que se contrapõe ao machismo dominante. Uma batalha intelectual entre os personagens Mariana (a própria autora), Huberto (o pai ultra-conservador) e Alfredo, o primo conciliador que aceita em parte as mudanças e inovações impostas pela Revolução Farroupilha. No conto Eugênia ou a filósofa apaixonada, ela se posiciona contra o casamento arranjado pelos pais, um costume comum na época.

No texto A filosofia por amor, defendeu que as mulheres passassem a participar das preocupações políticas, ou seja, daquilo que diretamente influenciava a vida da mulher, de seus maridos e filhos. De resto, uma preocupação compreensivel em tempos de guerra. Ainda segundo Maria Helena de Bairros Campos, em sua tese de doutorado “A produção de poesia lírica das mulheres sul-riograndenses: uma escrita amarfanhada” defendida em 2004, na PUC/RGS, ela “fez uso da temática da guerra como mote para a criação literária”.

Faleceu em 23/6/1863 e não dispomos de uma biografia da autora, mas contamos com um estudo bio-bibliográfico: Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, escrito por Hilda Agnes Flores, publicado em “Travessia – Revista de Literatura Brasileira”, nº 23, 1991. Clique aqui para acessar.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 24 de março de 2024

OS BRASILEIROS: Leonel Brizola (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Leonel Brizola

José Domingos Brito

Leonel de Moura Brizola nasceu em 22/1/1922, em Carazinho, RS. Engenheiro e político, exerceu destacada liderança como prefeito, secretário de obras públicas, deputado estadual e federal e, por fim, como governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro no final do século XX. Foi um dos principais políticos ligados ao movimento trabalhista e fundador do PDT-Partido Democrático Trabalhista.

 

 

Filho de Onívia de Moura e José Oliveira dos Santos Brizola, assassinado em 1923. A mãe perdeu o marido e as terras e passou por dificuldades para manter a família. Aos 10 anos Brizola foi morar num hotel, onde lavava os pratos e carregava malas em troca da moradia. Pouco depois ganhou uma bolsa de estudos e concluiu o curso primário no Colégio da Igreja Metodista. Aos 14 anos mudou-se para Porto Alegre, trabalhou como engraxate, ascensorista e fez um curso de técnico rural. Participou de concurso público e trabalhou no Ministério da Agricultura e Prefeitura de Porto Alegre entre outros empregos.

Aos 17 anos ingressou no curso de engenharia civil da UFRGS, concluído em 1949. Durante o curso, organizou a ala jovem do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro e conheceu Neusa Goulart -irmã do futuro presidente João Goulart-, com quem casou-se em 1950. O casamento em São Borja teve Getúlio Vargas como padrinho. Deputado estadual em 1947, foi secretário de Obras Públicas, em 1952, com atuação relevante no Primeiro Plano de Obras do estado, com obras de infraestrutura, rodovias e saneamento básico. Em 1954 foi eleito deputado federal com grande votação. No ano seguinte fundou e dirigiu o tabloide O Clarim, para comunicar e obter apoio aos seus projetos.

Em seguida foi eleito prefeito de Porto Alegre com o slogan “Nenhuma criança sem escola”. Ampliou o número de vagas na rede de ensino e urbanizou grande parte dos trechos próximos ao Rio Guaíba. Como governador do Estado, em 1959, recebeu o apelido de “lobisomem” por comandar, à noite, um programa na Rádio Farroupilha para prestar contas ao eleitorado. Era um orador articulado e se utilizou do poder de comunicação do rádio. Quando assumiu o governo, o déficit no ensino público era de 270 mil vagas. Assim, fez um acordo com as escolas privadas, em troca de professores do estado e verbas públicas, para disponibilizar vagas gratuitas aos mais pobres.

Ao término de seu mandado haviam sido construídos 6302 estabelecimentos, dos quais 5902 eram escolas primárias; 278 escolas técnicas e 122 ginásios (as chamadas “Brizoletas”). na época, o Rio Grande do Sul passou a ter a maior taxa de escolaridade do País. Seu governo priorizou também uma política de investimentos com capital nacional e encampou empresas multinacionais, como a Bond and Share (energia) e ITT-International Telephone and Telegraph, causando problemas nas relações Brasil-EUA. Criou também o IGRA-Instituto Gaúcho de Reforma Agrária para solucionar o problema da propriedade da terra no Estado, fornecendo recursos e equipamentos aos agricultores. Ampliou a reforma agrária doando mais de mil hectares de suas terras, na Fazenda Pangaré, a um grupo de famílias e deu início a uma cooperativa agrícola.

Em agosto de 1961, quando os militares tentaram impedir a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, ele criou a “Campanha da Legalidade”, através de um grupo de estações de rádio para garantir a posse do novo presidente. Para isso, fez do Palácio Piratini uma trincheira, contando com o apoio do Exército regional, e chegou a armar parte da população civil para impedir o golpe. Os militares ordenaram o bombardeio do Palácio, mas a ordem não foi cumprida pelos sargentos e suboficiais da Base Aérea de Canoas. Após doze dias de uma guerra civil iminente, Goulart aceitou a proposta dos militares e foi empossado presidente.

Em 1962 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde elegeu-se deputado federal e manteve-se até o Golpe Militar de 1964, quando foi exilado no Uruguai e pouco depois passou a viver na Europa. Após 15 anos de exílio, retornou ao Brasil com o decreto da Anistia em 1979. Lutou pela retomada da sigla PTB, mas perdeu-a para Ivete Vargas, e fundou o PDT-Partido Democrático Trabalhista. Foi eleito governador do Rio de Janeiro em 1982, tendo Darcy Ribeiro como vice e ocupando algumas secretarias. Em sua gestão foram construídos o “Sambódromo”, que abriga escolas de 1º e 2º grau. 127 CIEPs-Centro Integrado de Educação Pública, projetados por Oscar Niemayer, UENF-Universidade Estadual do Norte Fluminense, Biblioteca Pública Estadual entre outras destacadas obras. Foi candidato na eleição presidencial de 1989, sem êxito, e voltou a governar o Rio de Janeiro, em 1990, eleito no primeiro turno.

Para ele, o trabalhismo era uma doutrina política que se contrapunha ao comunismo, que surgia em Cuba na década de 1960. Já em 1958 deixou claro em seu manifesto que “o trabalhismo se inspira na doutrina social cristã; o comunismo é a abolição da propriedade; o trabalhismo defende a propriedade dentro de um fim social; o comunismo escraviza o homem ao Estado e prescreve o regime de garantia do trabalho; o trabalhismo é a dignificação do trabalho e não tolera a exploração do homem pelo Estado nem do homem pelo homem”. Faleceu em 21/6/2004 e foi incluído no “Livro de Heróis da Pátria”, em 2015. No mesmo ano em que faleceu, o PDT aprovou a incorporação de seu nome à Fundação que ajudou a criar, passando a se chamar Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.

Os gaúchos reverenciam seu legado com uma estátua de bronze em tamanho natural, exposta nas cercanias do Palácio Piratini, em Porto Alegre. Sua vida foi narrada em algumas biografias: El caudillo – Leonel Brizola: um perfil biográfico (2008), de Francisco das Chagas Leite Filho; A razão indignada: Leonel Brizola em dois tempos (1961-1964 e 1974-2004) (2016), de Américo Freire e Jorge Ferreira; Leonel Brizola: uma biografia política (2015), de Alexandre Brust e Nilton Nascimento e Brizola (2015), relato de memórias e fatos curiosos descritos pelos amigos Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 17 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Esperança Garcia (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Esperança Garcia

José Domingos Brito

Esperança Garcia nasceu numa fazenda de propriedade dos jesuítas, onde hoje fica o município de Nazaré do Piauí, PI, provavelmente em 1751. Escravizada e primeira mulher advogada brasileira, um título simbólico outorgado pela OAB-Ordem dos Advogados do Brasil, em 5/9/2017.

 

 

 

 

Com a expulsão dos jesuítas do Piauí, em 1759, por ordem do Marquês de Pombal, a menina de, aproximadamente, 8 anos, foi levada como escrava para a casa do capitão Antônio Vieira de Couto. Em 6/9/1770 escreveu uma carta ao então presidente da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço de Castro, denunciando maus-tratos contra ela e seu filho, pelo feitor da Fazenda Algodões. Pedia, ainda, para retornar à Fazenda, onde queria batizar sua filha.

Não se tem notícia de alguma providência tomada, mas sabe-se que pouco depois fugiu da fazenda e seu nome reapareceu numa relação de trabalhadores escravizados da Fazenda Algodões, datada de 1778, casada com o angolano Ignácio e com 7 filhos. Sua carta, redigida em 6/9/1770, é considerada a primeira petição de direito escrita por uma mulher. O documento foi descoberto no Arquivo Público do Estado do Piauí, em 1979. Devido ao caráter histórico da carta, o dia 6 de setembro é celebrado como o Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí.

Carta na íntegra:

“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que cai uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda aonde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha”

Aprendeu a ler e escrever provavelmente com os padres jesuítas. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil e a mudança da fazenda para outros senhores de escravo, foi transferida para as terras do capitão Antônio Vieira de Couto. Longe do marido e dos filhos maiores, usou a escrita para reivindicar seus direitos. Sua carta reclama as violações a que foi submetida, pois desrespeitavam a lei conforme Decreto 1.695 de 1869, que proíbe a venda de escravos debaixo de pregão, separar o marido da mulher, o filho do pai da mãe, salvo quando maiores de 15 anos.

Segundo os pesquisadores a carta é um de ato de resistência, um tipo específico de resistência: uma atuação como membro da sociedade escravocrata que denuncia e pede proteção do Estado, como um Habeas Corpus, numa expressão de exercício da advocacia em nome próprio e de outras mulheres que também sofriam maus-tratos. Em 2009 foi criado em São Paulo o “Coletivo Cultural Esperança Garcia”, formado por mulheres negras e periféricas, com a finalidade de fomentar ações de educação, arte e cultura negra para pessoas em situação de vulnerabilidade, conforme o blog http://esperanca-garcia.blogspot.com

Como homenagem e reconhecimento histórico, Esperança Garcia denomina uma maternidade na cidade de Nazaré do Piauí e o auditório da UnB-Universidade de Brasília. Em 2017, o Memorial Zumbi dos Palmares, em Teresina, passou a denominar-se Memorial Esperança Garcia.] No Carnaval de 2019, a Estação Primeira de Mangueira prestou-lhe homenagem com o samba-enredo “História pra Ninar Gente Grande”. No mesmo ano foi apresentado o Projeto de Lei nº 3.772-A inscrevendo seu nome no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria’, tendo como relatora a deputada Benedita da Silva.


José Domingos Brito - Memorial terça, 05 de março de 2024

OS BRASILEIROS: MÁRIO JURUNA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGODS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Mario Juruna

José Domingos Brito

 


 

Mário Juruna, batizado Mário Dzuruna Butsé, nasceu na aldeia Xavante Namakura, próximo a Barra do Garças, MT, em 3/9/1943. Líder indígena e político ligado ao PDT-Partido Democrático Trabalhista. Foi primeiro deputado federal indígena do Brasil.

Filho de Isaías Butsé, chefe da aldeia Namakura, o principal cacique do povo Xavante. Seu primeiro contato com os brancos se deu aos 17 anos, quando sucedeu o pai na liderança da aldeia. Pouco depois passou a viajar pelo Brasil e na década de 1970 passou a frequentar a sede da FUNAI, em Brasília, em busca da demarcação das terras indígenas e fazer denúncias contra o Estatuto do Índio.

 

Tal Estatuto, nos artigos 2, 17 e 22, permitia que os povos indígenas pudessem ser removidos de suas terras, de maneira permanente ou temporária, com as seguintes condições: por imposição da segurança nacional; para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. Sua atuação e visibilidade na imprensa denunciando a precária situação dos índios fizeram com que tomasse a decisão de adotar um posicionamento mais firme e efetivo em sua luta.

Assim, em 1982 telefonou para Leonel Brizola, dirigente do PDT-Partido Democrático Trabalhista, manifestando interesse em se candidatar a deputado federal. No ano seguinte foi eleito com 31 mil votos. Uma de suas primeiras iniciativas na Câmara dos Deputados foi a criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, em março de 1983, que dá  início a atual Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. A partir daí, amplifica sua atuação junto as comunidades e instituições de proteção aos povos indígenas.

Em seu primeiro discurso na Câmara Federal, declarou “Sou homem do povo, sou homem de campo, quando me criei não encontrei nem um branco, não encontrei nem um avião, nem automóvel, nem estrada; onde me criei era sertão, eu só escutava canto do passarinho, e hoje eu encontro muito pressão contra índio, e invasor, e estrada. A gente está recebendo muita pressão”.

 

Em 1980 foi convidado, junto com Darcy Ribeiro, a participar do Tribunal Bertrand Russel, na Holanda, onde denunciou os abusos que os indígenas do Brasil estavam sofrendo com a ocupação de suas terras pelos brancos e os assassinatos cometidos contra os índios. Ficou conhecido como um deputado combativo, tendo sempre um gravador portátil para registrar as conversas com políticos e autoridades, para cobrar depois o que era prometido. Não confiava nas promessas ou afirmações dos políticos. Em 1982 foi publicado o livro O Gravador do Juruna, organizado por Antônio Hofeld e Assis Hofman, publicado pela editora Mercado Aberto.

 

No prefácio, Darcy Ribeiro traça um breve perfil de Juruna:  “Como e por que este líder de uma aldeia indígena com menos de 100 pessoas se impõe, assim, a todos nós? Metade da resposta se encontra certamente na forte personalidade de Mário Juruna que faz sentir, de imediato, o seu carisma. A outra metade está na autenticidade de sua encarnação da causa indígena. Ele é a grande voz índia do Brasil que calou indigenistas, antropólogos e missionários que pretendiam interpretá-la. Depois de Rondon, os índios do Brasil têm pela primeira vez um representante incontestável: Mário Juruna”.

 

Foi um crítico ferrenho da FUNAI, que segundo ele não representava os povos indígenas adequadamente. Como Deputado, conseguiu a aprovação do projeto que alterava a composição de sua diretoria, incluindo pessoas indicadas pelas comunidades indígenas, que podiam ser índios ou indigenistas reconhecidos.

 

Em 29/3/1984, a Rede Globo dedicou o programa “Globo Repórter” à análise da questão indígena no Brasil, onde Juruna foi apresentado junto com uma entrevista realçando sua luta pela demarcação das terras. Em 1986 tentou se reeleger na Câmara Federal. Não conseguiu, mas continuou participando na política mesmo sem cargo político. Em 1994 houve nova tentativa, mas não foi eleito. No ano seguinte atuou como assessor parlamentar na Câmara dos Deputados. Sua saúde era precária -sofrendo de diabetes e artrose infecciosa- e veio a falecer em 17/7/2002.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 04 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Lota de Macedo Soares (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Lota de Macedo Soares

José Domingos Brito

 

Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, mais conhecida como Lota, nasceu 16/3/1910, em Paris, França. Arquiteta, paisagista e urbanista autodidata, fez do aterro do Flamengo um jardim -Parque do Flamengo-, consagrando o Rio de Janeiro como “Cidade Maravilhosa” na gestão do governo Carlos Lacerda, em 1960. A empreitada evitou a construção de 4 avenidas com prédios à beira-mar.

Filha de Adélia de Carvalho Costallat e José Eduardo de Macedo Soares, Tenente da Marinha baseado na Europa. A família retornou ao Brasil em 1912 e o pai fundou o jornal O Imparcial, precursor do Diário Carioca. Na década de 1920, devido as críticas que o jornal fazia ao governo, o pai teve que fugir para a Europa, onde Lota estudou até os 18 anos num colégio interno na Suíça, e retornaram ao Brasil. Na década de 1930, teve aulas de arquitetura com Carlos Leão e pintura com Candido Portinari na Universidade do Distrito Federal.

Era fã da corredora de carros Mariette Hélène Delange e chegou a participar de algumas corridas do Circuito da Gávea. Por esta época ficou conhecida no meio intelectual e artístico do Rio. Em meados de 1942, passou uma temporada em Nova Iorque e fez alguns cursos no Museu de Arte Contemporânea. De volta ao Rio, foi vizinha e amiga do futuro governador Carlos Lacerda e conheceu, em 1951, a poeta Elizabeth Bishop com quem viveu até 1967. Bishop é uma das poetas mais famosas dos EUA, que veio para o Brasil passar 2 semanas e ficou por mais de 20 anos. Segundo os críticos este período em que ficaram juntas, foi o mais produtivo da poeta, tornando-a vencedora do Prêmio Pulitzer em 1956.

Quando Lacerda assumiu o governo do recém-criado estado da Guanabara, em 1960, convidou Lota para trabalhar num projeto de remodelação ao longo da Praia do Flamengo. Sua proposta ampliou bastante o aterro; impediu a construção de prédios e criou a Fundação Parque do Flamengo, da qual foi designada presidente. Na eleição seguinte Lacerda não foi eleito e a pressão dos sucessores levou-a a pedir demissão. Mas o Parque já estava pronto e foi inaugurado em 17/10/1965, contando com 1.200.000 metros quadrados.

O Parque passou a ser chamado oficialmente de Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (o trecho entre o Aeroporto e o Monumento aos Pracinhas) e de Parque Carlos Lacerda (área do Monumento aos Pracinhas até o Túnel do Pasmado). Lacerda formou um grupo de trabalho, sob o comando de Lota, visando a urbanização do aterro Glória-Flamengo a partir do desmonte do Morro de Santo Antonio. Ela montou a equipe contando com o arquiteto Affonso Reidy, que foi diretor do Departamento de Urbanismo na década de 1940 e alimentava a ideia de criação do Parque desde aquela época.

A equipe contou também com o paisagista Burle Marx e diversos engenheiros e arquitetos. Conta-se que ela era uma chefe durona e que Burle Marx chegou a chamá-la de prepotente e autoritária em entrevistas nos jornais. Lota e Bishop viveram juntas de 1951 a 1965. Dois anos após, Lota viajou a Nova Iorque para encontrar Bishop. No mesmo dia foi encontrada no sofá da sala com um vidro de antidepressivos na mão. Entrou em coma e faleceu pouco depois, em 25/9/1967.

Em 2008 Nadia Nogueira lançou o livro Invenções de si em histórias de amor: Lota-Bishop, pela editora Apicuri. Em 2011 Carmen L. Oliveira lançou o romance biográfico Flores raras e banalíssimas: a história de Lotta de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, pela editora Rocco. Em 2013 o livro foi transposto para o cinema com o filme Flores raras, dirigido por Bruno Barreto, tendo Glória Pires no papel de Lota.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de fevereiro de 2024

OS BRASILEIROS: Leopoldo Nachbin (CRÔNICA DO COLOUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Leopoldo Nachbin

José Domingos Brito

 

Leopoldo Nachbin nasceu em 7/1/1922, em Recife, PE. Professor, matemático e um dos fundadores do IMPA-Instituto de Matemática Pura e Aplicada e do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Ficou conhecido pela formulação do “Teorema de Nachbin”, usado para estabelecer um

limite no crescimento de uma função analític

Filho de Léa Drechter Nachbin e Jacob Nachbin, uma família judaica, vinda da Europa em princípios do século XX. Ainda criança demonstrava interesse pela matemática e estudou num colégio onde foi amigo inseparável de Clarice Lispector. Mais tarde, quando já era escritora famosa, ela relembrou a antiga amizade numa crônica – As grandes punições – publicada no Jornal do Brasil em 1967 e dizia que ele era “um dos maiores matemáticos que hoje existem no mundo”.

No colégio foi aluno do prof. Luís Freire, conhecido estimulador de talentos, que o aconselhou a estudar no Rio de Janeiro, para onde se mudou aos 17 anos. A partir de 1940 e, simultaneamente com o curso de engenharia, frequentou como ouvinte o curso de matemática, pois não era permitido a matrícula em dois cursos ao mesmo tempo. Ainda aluno, tornou-se auxiliar de ensino no curso de cálculo infinitesimal, em 1941, e no mesmo ano publicou seu primeiro trabalho acadêmico, aos 19 anos, nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. Em 1943 graduou-se em engenharia civil pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil.

Em 1947 foi contratado como professor da Faculdade Nacional de Filosofia e no ano seguinte prestou concurso de Livre Docência em Análise Matemática na mesma faculdade. Mais tarde tornou-se professor titular do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e UFRJ-Universidade federal do Rio de Janeiro. Em 1948 foi estudar nos EUA, na Universidade de Chicago e manteve contatos com renomados matemáticos, como André Weil, Jean Dieudonné, Marshall Harvey Stone e Laurent Schwartz.

Na década de 1950 foi empossado na Academia Brasileira de Ciências. Lindolpho de Carvalho Dias, um dos primeiros diretores o considerava “excelente matemático, extremamente competente”. Fundou, também, a ELAM-Escola Latino-Americana de Matemática, em 1967. Foi o primeiro matemático a receber o prêmio Moinho Santista, em 1962 e primeiro brasileiro a palestrar no Congresso Internacional de Matemáticos, na Suécia, naquele ano.

Publicou 10 livros, a maior parte no exterior e centenas de artigos em revistas especializadas. Foi editor da prestigiada série “Mathematical Studies”, publicada pela editora North Holand. Suas contribuições situam-se nas áreas de Análise Funcional, Análise Harmônica, Topologia, Álgebras Topológicas, Teoria da Aproximação e Holomorfia em Dimensão Infinita. Segundo ele mesmo, seu trabalho mais importante é o estudo dos espaços Hewit-Nachbin.

Foi professor visitante e conferencista em renomadas instituições: Institut des Hautes Études Scientifiques (IHES), as Universidades de Paris VI, Chicago, Oxford, professor titular da University of Rochester e da Escola Normal Superior de Pisa. Em 1970, recebeu uma medalha honorífica da Universidade de Liege e, em 1973, recebeu o título de professor Honoris Causa da Universidade Federal de Pernambuco. Recebeu, em 1982, o Prêmio de Ciências Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, nesse mesmo ano, por ocasião de seus 60 anos, foi homenageado com um simpósio internacional de matemática realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A UNICAMP-Universidade Estadual de Campinas concedeu-lhe o título de professor Honoris Causa em 17/8/1989. Faleceu ainda jovem aos 67 anos, em 3/4/1993, em plena atividade. Em agosto de 2014, a biblioteca do Instituto de Matemática da UFRJ passou a denominar-se “Biblioteca Professor Leopoldo Nachbin”.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 21 de fevereiro de 2024

AS BRASILEIRAS: Bartira (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Bartira

José Domingos Brito

Bartira (também conhecida como Potira) ou Isabel Dias foi uma indígena Tupiniquim e uma das primeiras colonizadoras de São Paulo, em princípios do século século XVI. Sua prole de 3 filhas e 5 filhos se constituiu nos formadores da elite colonial paulista.

 

 

 

 

 

Filha do cacique Tibiriça, líder Tupiniquim, casou-se com João Ramalho, o famoso degredado português, possivelmente, em 1515. Na época era comum a união de mulheres indígenas com brancos europeus, visando a manutenção de alianças politicas e familiares que favorecia tanto os nativos como os colonizadores. Ela foi batizada pelos jesuitas, recebendo o nome de Isabel Dias.

A Igreja viu no enlace uma boa oportunidade para a conversão dos nativos, visto que Bartira era filha de um respeitado cacique. Os brancos também viram ali uma facilidade para a conquista portuguesa do planalto paulista. Quase todos seus filhos se destacaram na política e economia da região. Joana Ramalho casou-se com Jorge Ferreira, capitão mor da capitania de Santo Amaro e depois ouvidor da capitania de São Vicente. Antônia Ramalho casou-se com Bartolomeu Dias Nunes Camacho, figura destacada na colonização do litoral paulista.

O filho mais velho – André Ramalho – ficou conhecido por ter acompanhado o padre Manuel da Nóbrega no trabalho de catequese dos índios pelo sertão. Alguns netos e bisnetos descendentes dos primeiros fihos também tiveram posição de destaque no periodo colonial. Além dos 8 filhos com Bartira, conta a história que João Ramalho tinha uma numerosa prole com outras mulheres. Atualmente o nome Bartira anda negligenciado na historiografia do Brasil. Seu nome consta em alguns relatos, mas poucos citam o fato dela ter sido uma mulher indígena influente, guerreira e que falava outras línguas. Sua imagem está sempre ligada ao pai Tibiriçá e ao marido João Ramalho, restringindo seu protagonismo na História.

Na década de 1930 havia uma estátua em bonze de Bartira (foto acima) localizada no Jardim Helena, Zona Leste de São Paulo, esculpida por João Batista Ferri, próxima de um casarão do século XVI, que ficou abandonado por um longo periodo. Mario de Andrade, que além de escritor, foi um dos fundadores do IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, defendeu arduamente o tombamento do local, que só veio ocorrer na década de 1990. A escultura foi estraviada ou roubada há muito tempo e atualmente a Prefeitura busca revitalizar o local. Porém sem uma proposta de refazer a estátua de Bartira.

Bartira teve trajetória semelhante a de outra índigena já incluida em nosso Memorial. Trata-se de Paraguaçu (1503-1583), filha do cacique Taparica, na região da Bahia e esposa do náufrago português Diogo Álvares, o Caramuru. Parece que nos primórdios do descobrimento havia o costume dos grandes caciques oferecerem suas filhas aos primeiros colonizadores.

Pouco se sabe acerca do falecimento de Bartira, algumas pesquisas apontam que ocorreu em 1559, quando teria completado 54 anos. Outro documento data sua morte no ano de 1550. Sua história, como a de tantos outros colonizadores do Brasil, é quase desconhecida. É mais uma vítima da falta de políticas de preservação e segurança do patrimônio público. Hoje sua memória resiste apenas na denominação de uma rua no Bairro Perdizes, em São Paulo.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quinta, 08 de fevereiro de 2024

OS BVRASILEIROS: ANTONIO MARIA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Antônio Maria

José Domingos Brito

 


 

Antônio Maria Araújo de Morais nasceu em 17/3/1921, em Recife, PE. Jornalista, locutor esportivo, cronista, poeta, compositor, apresentador, dramaturgo, cartunista, diretor de rádio e TV no ano de seu surgimento. Foi destacado “boêmio” e figura marcante das noites cariocas nos anos 1950 e 1960. É considerado o primeiro “multimídia” brasileiro.

 

Filho de uma tradicional família de usineiros. Na infância aprendeu em casa a tocar piano e ler francês; na adolescência perdeu o pai e a família passa por um perrengue financeiro. Estudou no colégio Marista, onde conheceu Fernando Lobo (pai de Edu Lobo), de quem será parceiro musical mais tarde e amigo por toda a vida. Era primo do poeta Vinicius de Moraes, uma descoberta feita  por acaso numa conversa familiar.

 

Aos 17 anos foi apresentador de programas musicais na Rádio Clube de Pernambuco; aos 19  mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como locutor esportivo. Morava num prédio, onde tinha como vizinhos Abelardo Barbosa, o futuro Chacrinha, Dorival Caummy, o pintor Augusto Rodrigues e seu velho amigo Fernando Lobo. Mas não conseguiu se estabelecer no Rio; retorna ao Recife em 1944 e casa-se com Maria Gonçalves Ferreira.

 

Em seguida mudou-se para Fortaleza, onde foi locutor na Rádio Clube do Ceará. No ano seguinte foi morar em Salvador; assume a direção das Emissoras Associadas e passa a conviver com Jorge Amado e Di Cavalcanti. Com 2 filhos, voltou a morar no Rio em 1947 e foi contratado como diretor artístico da Rádio Tupi. Com a chegada da Televisão, Assis Chateaubriand promoveu-o a diretor de produção, em 1951. A partir daí passa a escrever crônicas diárias na imprensa, mantendo as colunas “A Noite é Grande”, “O Jornal de Antonio Maria” (O Jornal e Última Hora), “Mesa de Pista” (O Globo) e manteve o “Romance Policial de Copacabana” no jornal Ultima Hora, com crônicas e reportagens.

 

Tais crônicas foram reunidas e publicadas em livros após sua morte, em 15/10/1964: O Jornal de Antônio Maria (Ed. Saga, 1968); Com vocês, Antônio Maria (Ed. Paz e Terra, 1994), Benditas sejam as moças: As crônicas de Antônio Maria. (Ed. Civilização Brasileira, 2002) e O diário de Antônio Maria (Ed. Civilização Brasileira, 2002). Pouco depois foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga, com um salário de 50 mil cruzeiros, e alavancou a vida boêmia com a compra de um cadillac. Continuou trablhando no Rádio e, em 1957, manteve parceria com Ary Barroso no programa da TV Rio “Rio, Eu gosto de você”. Manteve também shows nas boates “Casablanca” e “Night and Day” e compunha jingles publicitários.

 

Como compositor emplacou diversos sucessos, como Manhã de Carnaval, Ninguém me ama, Samba do Orfeu, Valsa de uma cidade, As suas mãos, Se eu morresse amanhã, frevo nº 2  num repertório de 62 gravações. Entre seus intérpretes, contava com Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lucio Alves, Ângela Maria, Dircinha Batista..., além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e As suas mãos. Em fins de 1950, apaixonou-se por Danusa Leão, mulher de Samuel Wainer, dono do jornal e seu patrão. Decidiram morar juntos até 1964, quando veio o Golpe Militar e Danusa resolveu voltar a viver com Wainer e acompanhá-lo ao exílio.

 

O golpe foi duro e pouco depois não resistiu ao segundo enfarte e faleceu em 15/10/1964. Tinha problemas cardíacos desde a infância. Era um “cardisplicente”, como ele mesmo se descrevia. Em 2006 Joaquim Ferreira dos Santos publicou a excelente biografia Um homem chamado Maria, pela Editora Objetiva. Na contracapa, Sergio Augusto disse: “No melhor dos mundos Antonio Maria, o menino grande, estaria ainda vivo, fazendo aquilo que nenhum de seus contemporâneos sabia fazer melhor: inebriar de charme uma conversa”.

 

Um pouco mais do bom Antonio Maria

 

 

 

ANTONIO MARIA

Publicado em 17 de março de 2021 no jbf

 

 

Lembra-me o colunista fubânico Jessier Quirino que hoje, 17 de março, é o dia de nascimento do notável pernambucano Antônio Maria.

Antônio Maria Araújo de Morais foi cronista, comentarista esportivo, poeta e compositor brasileiro.

Nasceu em Recife no ano de 1921, e encantou-se no Rio de Janeiro, em 1964.

Na flor da idade, com apenas 43 anos.

Uma figura pela qual sempre tive uma grande admiração, desde os meus tempos de adolescência.

Está feito o registro, meu Poeta.

Grato por ter me lembrado

Cliquem aqui e leiam um texto publicado na página da Fundação Joaquim Nabuco sobre esta figura extraordinária

 

Nat King Cole interpretando “Ninguém de Ama”, de Antônio Maria

 



José Domingos Brito - Memorial quarta, 31 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: LAURA RUSSO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Laura Russo

José Domingos Brito

 

 

Laura Garcia Moreno Russo nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20/2/1915. Advogada e bibliotecária pioneira no exercício da profissão no Brasil. Teve atuação destacada na elaboração e regulamentação da legislsção profissional do bibliotecário no País, em 1962. Colaborou na implantação dos cursos de biblioteconomia e criou a FEBAB-Federação Brasileira das Associações de Bibliotecários.

 

Diplomada em Biblioteconomia pela Escola Livre de Sociologia e Política (atual Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), em 1942 e em Documentação pela mesma institutição, em 1959. Trabalhou na seção de Aqusição e Registro da Biblioteca Mário de Andrade no periodo 1942-1959. Em seguida foi chefe da seção de Psicologia Infantil da Biblioteca Monteiro Lobato por 3 anos e retornou ao antigo cargo em 1961-1968, quando foi promovida a diretora da biblioteca.

 

Igressou no magistério, em 1954, através do curso de Formação Profissional de Professor na Escola Normal Dr. Veiga Filho. Realizou o curso de especialização na Biblioteca Nacional de Madrid, onde obteve o título de mestre  em Biblioteconoomia e Arquivística em 1958. Trabalhou na criação da biblioteca da Santa Casa de Misericórdia, Academia Paulista de Letras e do Centro Cervantes, atual Centro Universitário Ibero-Americano, onde foi homenageada com uma placa de prata. Na década de 1960 realizou cursos de especialização nos EUA e em 1975 foi diplomada advogada pela USP-Universidade de São Paulo.

 

Em fins da década de 1950 iniciou um movimento dos bibliotecários reunindo todas as associações profissionais e criou a FEBAB-Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, em 1959. O objetivo central da FEBAB foi obter a regulamentação da profissão. Tal objetivo foi conquistado em 1962 com a Lei 4.084/62, dispondo sobre a profissão de bbliotecário, enquadrada entre as profissões liberais, e regulamentando seu exercício. Alem deste objetivo, a função da FEBAB é congregar a categoria em âmbito nacional, o que vem sendo realizado através dos congressos anuais, e manter a atualização profissional, com a edição da Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, onde foi diretora da redação.

 

Em 1961 elaborou Código de Ética Profisssional do Bibliotecário, aprovado com poucas mudanças no IV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, que passou a ter status de lei, atribuindo ao CFB a responsabilidade pela fiscalização do exercício e da ética profissional. Em 1966 participou da criação do CFB-Conselho Federal de Biblioteconomia e dos conselhos regionais, assumindo a primeira gestão do CFB. Neste mesmo ano publicou um histórico e diagnóstico desta atividade no Brasil -A biblioteconomia no Brasil, 1915-1965- pelo Instituto Nacional do Livro.

 

Em 1979 foi criada a APBESP-Associação Profissional dos Bibliotecários do Estado de São Paulo, pré-requisito para criação do Sindicato da categoria, que veio ocorrer em 1985. Dona Laura foi uma grande apoiadora na criação do primeiro sindicato dos bibliotecários. Aos 71 anos participou entusiasmada da Assembléia de criação do Sindicato em São Paulo.

 

Dona Laura foi homenageada com uma placa de prata, pelo Centro Universitário Ibero-Americano, em 1957, e pela APB-Associação Paulista de Bibliotecários, em 1962, pelo trabalho em prol da regulamentação da pofisssão. Devido a sua atuação, o  Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo (CRB-8) criou o “Prêmio Laura Russo”, em 1998, com o objetivo de reconhecer iniciativas culturais dos bibliotecários, incentivo ao uso da biblioteca e estímulo à leitura. Faleceu em 30/4/2001.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 24 de janeiro de 2024

OS BRASILEIROS: Noel Nutels (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSSÉ DOMINGOS BITO

 

OS BRASILEIROS: Noel Nutels

 

 

Noel Nutels nasceu em 1913, na Ucrânia. Médico, etnólogo e indigenista, esteve na famosa “Expedição Roncador-Xingu”, junto com os irmãos Villas-Boas, em 1943, explorando o interior do País. Foi médico do SPI-Serviço de Proteção ao Índio, atual FUNAI e pioneiro no combate a malária e tuberculose no Brasil.

A família mudou-se para a Europa com o recém-nascido visando escapar da perseguição aos judeus durante a I Guerra Mundial. Mas o destino era o Brasil, onde foram morar em São José da Lage, AL. Em seguida estudou em Garanhuns, PE e mais tarde a família mudou-se para o Recife, onde foi estudar medicina e formou-se em 1938, ano em que se naturalizou brasileiro. Pouco depois mudou-se para Botucatu, SP para trabalhar no Instituto Experimental de Agricultura. 

Em 1943 integrou a primeira Expedição Roncador-Xingu, junto com os irmãos Villas-Boas, e passou a se dedicar à defesa dos índios e à erradicação das doenças oriundas do contato a “civilização”. Em 1957 idealizou e dirigiu o SUSA-Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas no âmbito do Ministério da Saúde. Utilizou a infraestrutura do correio aéreo para chegar a cidades onde não havia assistência médica. Seu feito maior foi criação do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, junto com os Irmãos Villas-Boas, em 1961. Foi a primeira terra indígena homologada pelo governo federal.

 

Pouco depois foi nomeado diretor do SPI no nos anos 1963-1964. Sua filha conta que ele costumava comparar o índio brasileiro com povo judeu. “A comunidade judaica existe até hoje porque soube preservar sua cultura. O Índio não conseguiu fazê-lo. Um povo sem cultura é marginalizado”. Além do trabalho de assistência aos índios, lecionou em diversas universidades nacionais e estrangeiras e deixou mais de 50 trabalhos científicos publicados em revistas especializadas. 

 

Foi acometido por diversas malárias e ainda jovem, aos 59 anos, em 10/2/1973. Na mesma semana seu amigo Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe sua coluna no Jornal do Brasil: “Valeu? Valeu a pena / teu cerne ucraniano / fundir-se em meiga argila brasileira / para melhor sentires / o primitivo apelo da terra”. Em Manaus foi homenageado com seu nome dado a avenida ligando as zonas Norte e Leste e no Rio ao LACEN-Laboratório Central de Saúde Pública do Rio de Janeiro Noel Nutels. Algumas escolas públicas e logradouros receberam seu nome.

 

Sua trajetória de vida inspirou Orígenes Lessa a escrever o romance biográfico O Índio cor-de-rosa: Evocação de Noel Nutels, publicado em 1978 pela Editora Codecri e vem sendo reeditado pela Ed. Record. Mais tarde, a mesma trajetória rendeu outro romance biográfico. Moacyr Scliar publicou A Majestade do Xingu, em 1997, enaltecendo seus feitos junto aos índios. Bem antes destas memórias romanceadas, Antonio Houaiss cuidou de organizá-las e publicou Noel Nutels: Memórias e depoimentos, lançado em 1974 pela Editora José Olympio.

 

Em 2019  o título do livro de Origenes Lessa -e seu apelido dado pelos amigos- foi adotado no filme-documentário  O Índio cor de rosa contra a fera invisível: a peleja de Noel Nutels, dirigido por Tiago Carvalho e lançado pela Fiocruz Vídeo.  Foi apresentado no Festival Biarritz, na França, onde obteve o prêmio de melhor documentário e encontra-se à disposição na  Internet/Youtube.

 

Os 100 anos de Noel Nutels

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 17 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: Adalgisa Nery (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Adalgisa Nery

José Domingos Brito

 

 

 

             

 

                    

 

Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira nasceu em 29/10/1905, no Rio de Janeiro, RJ. Poeta, escritora, tradutora, jornalista, embaixatriz e política. Contando apenas com o curso primário, única educação formal recebida, teve uma vida social intensa e atribulada e deixou uma expressiva obra literária, além de sua participação na política como deputada

 

Filha da portuguesa Rosa Cancela e do advogado Gualter Ferreira, ficou órfã da mãe aos 8 anos e não se deu bem com o temperamento da nova esposa de seu pai. Estudou como interna num colégio de freiras e se desentendeu com as professoras por defender as meninas órfãs, que eram maltratadas. Vista como “subversiva”, foi expulsa da escola. Aos 15 anos se apaixonou por seu vizinho, o pintor Ismael Nery, com quem se casou aos 16.

 

O casamento com um dos precursores do Modernismo no Brasil, proporcionou uma grande mudança em sua vida com a entrada num sofisticado circuito intelectual e artístico. Viveu por dois anos na Europa, adquiriu uma refinada cultura e tiveram 7 filhos homens, porém só o mais velho e o caçula sobreviveram. Foi uma vida marcada pelo glamour e pelo sofrimento com a perda dos filhos, acentuada pelos conflitos com o marido. Tais conflitos foram registrados no romance autobiográfico A Imaginária, seu maior sucesso editorial, publicado em 1959.

 

Em 1934 ficou viúva aos 29 anos, com poucos recursos financeiros. Trabalhou por um tempo na CEF-Caixa Econômica Federal e depois conseguiu um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em seguida publicou sua primeira coletânea de poesias: Poemas, em 1937, incentivada por seu amigo, o poeta Murilo Mendes. Sua vida começa tomar novo rumo, quando conheceu o jornalista Lourival Fontes, diretor do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas, e se casaram em 1940

 

No período 1943-1945 acompanhou o marido em missões diplomáticas em Nova York e México, onde conheceu e travou amizades com os artistas Diego Rivera, Frida Kahlo, José Orozco e David Siqueiros.  Pouco depois, retornou ao país como embaixatriz, representando o Brasil na posse do presidente Adolfo Ruiz Cortinez e recebeu a comenda da “Ordem da Águia Asteca’, devido às suas conferências sobre Juana Inés de la Cruz. Como poeta foi apreciada por seus colegas Carlos Drummond de Andrade, que a chamava de “indômita” e por Manuel Bandeira, que comparou sua poesia à obra da poeta grega Safo de Lesbos, pelo erotismo libertário, e do poeta português Antero de Quental, pelo tom trágico.

 

Em princípios da década de 1950, surge nova temporada de tormentas. Lourival se apaixonou por outra mulher, causando-lhe grande sofrimento com a separação. Mesmo sendo reconhecida como escritora no Brasil e na França, decidiu abdicar da própria fama e renegar sua obra. Passou a se dedicar ao jornalismo, em 1954, com uma coluna –“Retrato sem retoques”- no jornal Última Hora, tratando de temas políticos e econômicos nacionais e internacionais.  Em seguida entrou na política através do PSB-Partido Socialista Brasileiro, onde foi eleita deputada federal três vezes até 1969, quando foi cassada pela ditadura militar. 

 

Como havia doado todos seus bens aos filhos, passou a viver só e sem recursos numa casa cedida por seu amigo Flávio Cavalcanti, em Petrópolis. Contrariando o propósito de não mais escrever, publicou alguns livros de poesia e contos e um romance -Neblina (1972)-, dedicado ao amigo Cavalcanti em gratidão. Devido ao fato de seu amigo ser simpatizante da ditadura militar, o livro foi ignorado pela crítica.

 

Mais tarde foi morar na casa de seu filho mais moço, Emmanuel. Pouco depois, em maio de 1976, o filho não a encontrou em casa. Ela havia saído e deixou um bilhete de despedida: foi se  internar sozinha e por livre e espontânea vontade numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. No ano seguinte sofreu um acidente vascular cerebral; ficou afásica e hemiplégica; e faleceu 3 anos depois, aos 74 anos, em 7/6/1980.

 

Em 2023, o poeta Ramon Nunes Mello, estudioso de sua obra, organizou e publicou Do fim ao princípio: poesia completa (1937-1973), pela Editora José Olympio. Anos antes Ramon relançou pela mesma editora os romances A Imaginária (2015) e Neblina (2016). Ana Arruda Callado providenciou um belo ensaio biográfico e deu-lhe um título apropriado: Adalgisa Nery: muito amada e muito só, publicado em 1999,  incluído na Coleção Perfis do Rio, em convênio com a Secretaria Municipal de Cultura/RioArte e a editora Relume Dumará.

 

Poema Patrimônio

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 10 de janeiro de 2024

OS BRASILEIROS: JORGE TIBIRIÇÁ (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Jorge Tibiriçá

José Domingos Brito

 

 

 

Jorge Tibiriçá Piratininga nasceu em Paris, França, em 15/11/1855. Fazendeiro e político, foi um dos governadores mais progressitas de São Paulo. Filho de João Tibiriçá Piratininga, líder republicano, e Pauline Eberlé, veio para o Brasil aos 4 anos e fixou residência numa fazenda perto de Itu. Foi alfabetizado em casa pela mãe e concluiu os primeiros estudos no Colégio Barth. Aos 14 anos, viajou com a mãe para Zurique, afim de continuar os estudos.

 

O conflito na Europa na segunda metade do séc. XIX, com a guerra franco-alemã, dificultou sua estadia e causou a morte de sua mãe. Mas o pai, no Brasil, determinou que ele continuasse na Europa, onde concluiu o ensino médio no Colégio Riffel, em Zurique. Em seguida graduou-se em agronomia, concluiu o doutourado na Alemanha e emendou com um curso de filosofia em Zurique.  De volta ao Brasil em fins da década de 1870, foi tocar a fazenda do pai, nas redondezas de Campinas; conheceu Ana de Queiroz Teles, com quem se casou em 1880, e se estabeleceu como fazendeiro e agrônomo. Com o  falecimento do pai em 1888, herdou enormes extensões de terras. Seguindo os passos do pai, que foi presidente da Convenção de Itu e um dos fundadores do Partido Republicano Paulista-PRP e de seu sogro -Antonio de Queiroz Teles- que governou o Estado em 1886-87, logo ingressou na carreira política.   

 

Como republicano apoiou o fim da escravidão e se antecipou à Lei Áurea. Foi um dos primeiros fazendeiros a fixar os imigrantes em suas terras, tornando-os pequenos produtores rurais, porém servindo aos seus negócios. Assim, a abolição não afetou tanto sua situação econômica. Com a proclamação da República, em 1889, Deodoro da Fonseca elegeu Prudente de Morais como governador de São Paulo, que logo deixou o  cargo para se tornar senador do Congresso Constituinte. Assim, Tibiriçá chegou ao governo do Estado e iniciou o madato em outubro de 1890. Suas proridades foram a reconstrução da Estação Agronômica de Campinas e a organização das eleições para a Constituinte do estado.  Mas devido aos atritos com o governo Deodoro da Fonseca, foi exonerado em 4/3/1891.   

 

No plano estadual, os republicanos de São Paulo preparam as eleições de 1892. Jorge é eleito senador estadual, assume a vice-presidência do Senado e se torna membro da Comissão de Fazenda e Contas. No mesmo ano Bernardino de Campos foi eleito governador e convida-o para a Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, tomando posse em 12/12/1892. Sua gestão foi marcada por um grande impulso no desenvolviento do Estado com o aumento significativo do fornecimento de água na capital, que passou de 3,5 milhões de litros diários para 31,5 milhões. Impulsionou a formação de engenherios agronômos e, consequentemente, o desenvlvimento agroindustrial. Sua atuação nestas áreas tornaram a Escola Politécnica de São Paulo, a Escola Prática de Piracicaba e o Instituto Agricola de Campinas, referências em nível nacional na formação de técnicos agricolas e fez de São Paulo uma potência agricola. Ficou neste cargo até 1895.

 

Amigo do arquiteto Ramos de Azevedo, promoveu a construção de diversos palácios na capital paulista, incluindo o Teatro Municipal. Pouco depois voltou a ocupar uma cadeira no Senado Estadual e em 1896 voltou a integrar as comissões de Fazenda e Contas, onde permanceu até 1900, quando passou a integrar, também, as comissões de Terras Públicas e Minas. Em 1901 foi reeleito senador e tornou-se membro das comissões de Indústria, Comércio, Obras Públicas e Estatística. Foi um político articulado e dotado de grande capacidade administrativa. Mesmo assim, sofreu um abalo com a crise do sistema cafeeiro no mesmo ano, obrigando-o a hipotecar sua Fazenda e conceder parte de suas terras para a subsistência de seus colonos. Encontrou uma saída na exploração da pecuária. Com a ajuda da esposa, passou a utilizar seu rebanho de gado na produção de leite e derivados

 

A crise do café fez com que o PRP voltasse a apostar em seu nome para nova candidatura ao governo de São Paulo. Assim, em 1904 foi eleito pela segunda vez com um madato até 1908. Contando com Washington Luís na Secretaria de Justiça e Segurança Pública, trouxe especialistas de Paris para ajudar na modernização da “Força Pública”, atual Polícia Militar e instalou a Polícia Civil, em 1906, nomeando apenas funcionário público, formado em Direito, para delegado de polícia. Esta modernização acabou com as indicações dos coronéis e ficou conhecida como “polícia sem política”.    

 

Em sua gestão promoveu a aproximação com os governos do Rio de Janeiro e Minas Gerais, os maiores produtores de café, em prol de uma remodelação no sistema monetário. Com isso, teve que enfrentar o governo central de Rodrigues Alves e sua política de câmbio. Não podendo bater de frente com o governo central, promoveu, em agosto de 1905, uma reunião secreta com os governos do Rio e Minas Gerais ojetivando um pacto de proteção ao café com o aumento do seu preço no mercado internacional.  O pacto ficou conhecido como “Convênio de Taubaté”, que rendeu  uma expressiva lucratividade no setor. Isto se deu no ano de uma safra (20 milhões de sacas) que rendeu mais que o dobro das safras anteriores, O plano era que tais lucros fossem dirigidos à indústria, transformando-a no carro chefe da economia paulista.     

 

Após deixar o governo em 1908, voltou a ser eleito para o Senado Estadual em 1916 e assumiu também a presidência do PRP, mantendo-se nos dois cargos até 1924. No mesmo ano renunciou o mandato de senador para assumir o cargo de ministro do TCE-Tribunal de Contas do Estado, a convite do governador Carlos de Campos. Na sessão inaugural de instalação da corte, foi escolhido por aclamação presidente do TCE, cargo em que permaneceu até o falecimento em 29/9/1928, aos 71 anos. Não obstante sua competência, prolífica vida política e relevância no  desenvolvimento do Estado de São Paulo, hoje é uma figura pouco conhecida na história paulista. Sua vida e carreira política ficou registrada na biografia escrita por Rodrigo Soares Jr. Jorge Tibiriça e sua época, publicada por Rodrigo Soares Jr. pela Cia. Editora Nacional, em 1958.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 03 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: LAUDELINA DE CAMPOS (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Laudelina de Campos

José Domingos Brito

 


 

 

Laudelina de Campos Mello nasceu em 12/10/1904, em Poços de Caldas, MG. (1904-1991). Empregada doméstica, líder sindical de várias associações de classe em São Paulo, Santos e Campinas. Fundou o primeiro sindicato das trabalhadoras domésticas no Brasil, em 1988, além de destacada participação no movimento negro. 

Filha de pais alforriados pela Lei do Ventre Livre, em 1871, perdeu o pai aos 12 anos e foi obrigada a trabalhar desde os 7 anos. Teve que abandonar a escola para cuidar dos irmãos, enquanto a mãe trabalhava. Na adolescência ajudava a mãe a fazer doces caseiros para vender na cidade e aos 17 anos passou a dirigir o Clube 13 de Maio, uma agremiação que realizava atividades recreativas e políticas entre a população negra.

Pouco antes disso, foi empregada doméstica na casa da família do futuro presidente da República Juscelino Kubitschek. Aos 18 anos mudou-se para São Paulo e casou-se aos 20. Em seguida mudou-se para Santos, onde teve o primeiro filho. Junto com o marido -Geremias Henrique Campos Mello- participou da agremiação “Saudade de Campinas”, a fim de valorizar a cultura negra em Santos. Ao se separar do marido, em 1938, com 2 filhos, passou a atuar com mais frequência nos movimentos populares de cunho político.

Era filiada ao PCB-Partido Comunista Brasileiro desde 1936, ano em que fundou a primeira Associação de Trabalhadoras Domésticas do País, fechada durante o Estado Novo, e reativada em 1946.  Participou de outras associações e da fundação da Frente Negra Brasileira, uma entidade que chegou a ter 30 mil filiados ao longo da década de 1930. Em fins da década seguinte foi convidada por sua patroa para gerenciar um hotel fazenda em Mogi das Cruzes, onde permaneceu por 3 anos.

 

Logo mudou-se para Campinas, onde teve enfrentar o preconceito explícito nos jornais, que davam preferência às empregadas domésticas brancas. O fato levou-a a protestar no jornal Correio Popular, que veiculava os anúncios. Em meados da década de 1950 participou de diversas atividades culturais, incluindo o “Baile Pérola Negra”, de debutantes, no Teatro Municipal de Campinas, em 1957.

 

Em 1961, com o apoio do Sindicato da Construção Civil de Campinas, criou a Associação das Empregadas Domésticas em suas dependências, que pouco depois tornou-se Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, com atuação em diversas frentes e lutas. A fundação desta entidade se deu em 18/5/1961, contando com a presença de 1200 empregadas domésticas.  Em seguida foi convidada para participar da organização de diversas associações profissionais (pré-sindicato) da categoria em outros estados, além da participação nos movimentos negros e feministas.

 

Em 1964, com o Golpe de Estado, ela aceitou abrigar a entidade no partido UDN-União Democrática Nacional para que não fechasse. Em 1968, adoeceu e afastou-se da associação e só voltou à direção em 1982, por insistência das antigas companheiras. Em 1988 a associação foi transformada em sindicato, ampliando as atividades em defesa da categoria, contra a discriminação social e exigindo melhores condições de trabalho e igualdade de direitos trabalhistas. 

 

No ano seguinte foi criada a Ong “Casa Laudelina de Campos Mello” dedicada a celebrar sua atuação em defesa das empregadas domésticas, culminando com a conquista do direito à carteira de trabalho e a previdência social. Faleceu em 12/5/1991 e deixou sua casa para o sindicato da categoria, em Campinas. Em 2005, recebeu uma homenagem póstuma do presidente Lula, com a outorga da Ordem do Mérito do Trabalho, no grau de Cavaleira post-mortem. Em 2015 foi produzido, numa parceria entre o Museu da Cidade e o MIS-Museu da Imagem e do Som, de Campinas, o documentário Laudelina: Lutas e conquistas, contendo trechos de sua entrevista realizada em 1989.  Em 12/10/2020 foi homenageada pelo Google com um “Doodle”. Ainda não contamos com uma biografia sua, mas temos uma tese defendida na UNICAMP, em 1992, intitulada Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de D. Laudelina de Campos Mello.

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quinta, 28 de dezembro de 2023

OS BRASILEIROS: OLIVEIRA LIMA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Oliveira Lima

José Domingos Brito

 

 

 

Manuel de Oliveira Lima nasceu em 25/12/1867, em Recife, PE. Escritor, jornalista, crítico literário, professor, diplomata e destacado pesquisador da historia do Brasil. Antecipou temas como o feminismo, declarando: “quando as mulheres dispuserem algum dia da maioria parlamentar e do governo, a organização política será muito mais dotada de justiça social… e a legislação poderá, então, merecer a designação humana”.

 

Filho Maria Benedita de Oliveira Lima e Luís de Oliveira Lima, teve os primeiros estudos em Lisboa. Lá, aos 14 anos atuou como jornalista no Correio do Brazil, jornal fundado por ele mesmo. Realizou o curso de Humanidades no Colégio Lazarista e diplomou-se pela Faculdade de Letras de Lisboa, em 1887, dedicando-se aos estudos da história do Brasil. Entrou no serviço diplomático brasileiro em 1890, em Lisboa, e pouco depois foi transferido para Berlim e em seguida para Washington (1896) Por essa época publicou seus três primeiros livros: Sete anos de República (1895), Pernambuco: seu desenvolvimento histórico (1896) e Aspectos da literatura colonial brasileira (1896).

 

Mais tarde foi designado para Londres, onde conviveu com Joaquim Nabuco, Graça Arranha e Eduardo Prado. Integrou a primeira missão diplomática brasileira no Japão em princípios do séc. XX e atuou na Venezuela, em 1904, cuja nomeação desagradou-lhe bastante. A partir de 1907 passou a chefiar a legação do Brasil em Bruxelas, cumulativamente com a da Suécia. Em 1913 esteve perto  de voltar à Londres como chefe da legação, mas foi vetado pela interferência do senador Pinheiro Machado. Além disso, era mal-viso pelo governo britânico por defender a neutralidade do Brasil na 1ª Guerra Mundial e por sua afininidade intelectual com a Alemanha.

 

Em 1897 ingressou na ABL-Academia Brasileira de Letras na condição de membro-fundador. Leitor voraz, possuía o terceiro maior acervo de livros sobre o Brasil. Sua biblioteca, com 58 mil livros, foi doada à Universidade Católica da América, em Washington, EUA, em 1916, com a condição que ele fosse o primeiro bibliotecário e organizador do acervo. Em 1920 mudou-se para os EUA, onde passou a lecionar Direito Internacional, em 1924, na universidade que recebeu sua biblioteca. Neste mesmo ano foi designado professor honorário da Faculdade de Direito do Recife.

 

Entre os livros publicados destacam-se alguns importantes para a historiografia brasileiraHistória diplomática do Brasil: o reconhecimento do Império (1901), A Língua portuguesa, A Literatura brasileira (1909), Secretário Del-Rei (teatro) e Dom João VI no Brasil (1909), considerado um clássico por muitos estudiosos, devido a sua importância para o rearranjo da historiografia brasileira. Alguns autores como Gilberto Freyre, Otávio Tarquínio de Sousa e Wilson Martins escreveram sobre esta obra. Nela consta fatos importantes sobre a situação internacional de Portugal em 1808, a chegada da corte no Brasil, a formação do primeiro ministério e as primeiras providências, a respeito da emancipação do Brasil.

 

Mais tarde, este livro deu origem a outro esmiuçando nosso processo de independência. Um grupo de historiadores publicaram, em 2021, Oliveira Lima e a longa história da independência, pela Alameda Editorial. Trata-se do registro de um evento, com o mesmo título, realizado em 10 e 11 de setembro de 2019 na Biblioteca Brasilina Guita e José Mindlin, tendo como objetivo resgatar e revalorizar a obra de Oliveira Lima numa perspectiva histórica de “longa duração”. Ao final do evento chegou-se a conclusão que ele é “o grande historiador da independência do Brasil”.  

 

Além de suas contribuições para a História, teve forte influência no desenvolvimento da diplomacia brasileira. Tais  influências foram analisadas por Maria Theresa Diniz Foster no livro Oliveira Lima e as relações exteriores do Brasil: o legado de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira, publicado em 2011 pela FUNAG-Fundação Alexandre de Gusmão.

 

A publicação póstuma de seu livro Memórias, publicado em 1937, teve grande repercussão, devido as revelações íntimas e apreciações críticas. Após aposentar-se foi viver nos EUA, onde faleceu em 24/3/1928 e foi sepultado no cemitério Mont Olivet, Washington. Em sua lápide consta apenas a frase "Aqui jaz um amigo dos livros

 

Exibir vídeo sobre a biblioteca Oliveira Lima, nos EUA

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 20 de dezembro de 2023

AS BRASILEIRAS: BEATRIZ NASCIMENTO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Beatriz Nascimento

José Domingos Brito

 


 

Maria Beatriz Nascimento nasceu em 12/7/1942, em Aracaju, SE. Professora, historiadora, poeta, roteirista e militante em defesa dos direitos humanos de negros e mulheres. Realizou diversas pesquisas sobre os quilombos no Brasil e as condições de trabalho da população negra.

 

Filha de Rubina Pereira do Nascimento e Francisco Xavier do Nascimento, uma família humilde com 10 filhos. Aos 7 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde realizou os primeiros estudos. Em 1968 ingressou no curso de História, na UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante o curso, concluído em 1971, fez estágio no Arquivo Nacional, tendo como orientador o historiador José Honório Rodrigues.

 

Em seguida passou a lecionar História na escola Estadual Roma, em Copacabana e em 1978 iniciou o curso de pós-graduação na UFF-Universidade Federal Fluminense, concluído em 1981. Sua área de pesquisa abrangeu os sistemas alternativos organizados pelos negros nos quilombos e favelas. Tornou-se conhecida na área dos estudos das relações raciais e no movimento negro a partir do documentário Ô (1989). Trata-se de um “filme-tese” de longa metragem, dirigido por Raquel Gerber, baseado em suas narrações e pesquisas realizadas no período 1977-1988 sobre o movimento negro nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Alagoas.

 

O filme tem o quilombo como tema, permeado com a trajetória de sua própria vida. Uma síntese extraída da sinopse do filme relata a “abordagem de temas como corporeidade do negro, a perda da imagem que atingia os africanos escravizados e seus descendentes em diáspora e a situação das mulheres negras no Brasil, analisando sua condição social inferior devida ao amálgama de heranças escravistas com mecanismos racistas”.

Estreou em 4/3/1989 no Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ougadougou, em Burkina Fasso, recebendo o prêmio Paul Robeson e em Curitiba, em 5/10/1989.

 

Através de seus artigos, publicados em periódicos especializados, sobre o conceito de quilombo na história, raça, racismo e sexismo ficou conhecida também no meio acadêmico. Teve atuação destacada na criação do “Grupo de Trabalho André Rebouças”, na UFF-Universidade Federal Fluminense, em 1974, e o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras, em 1975. Segundo Lélia Gonzalez, Beatriz foi responsável pelo renascimento do movimento negro no Rio de Janeiro nos anos 1970. Participou de diversos eventos sobre cultura negra e quilombos no meio acadêmico e esteve 2 vezes em Angola afim de conhecer os territórios dos antigos quilombos.

 

Tinha uma consciência muito clara de sua condição e uma nítida visão do preconceito estrutural que permeia as relações sociais no Brasil: "Ser negro é enfrentar uma história de quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não existir, à prática de ainda não pertencer a uma sociedade em que consagrou tudo o que possuía, oferecendo ainda hoje o resto de si. Ser negro não pode ser reduzido a um "estado de espírito", "alma branca ou negra", aspectos de comportamento que certos brancos escolhem como sendo negros e assim os adotam como seus."

 

Em 1995, enquanto cursava mestrado em Comunicação Social na UFRJ, aconselhou uma amiga a se separar do companheiro   após ouvir várias reclamações de violência doméstica. Em 28 de janeiro daquele ano, o companheiro da amiga deu-lhe 5 tiros  por entender que ela interferia em sua vida privada. Em 19/4/1996, o assassino foi condenado a 17 anos de prisão pela morte de Maria Beatriz.

 

Em 2009, o pesquisador Alex Raatts publicou o livro Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Instituto Kuanza. Em 2015 o mesmo autor organizou e publicou Todas [as] distâncias: poemas, aforismos e ensaios de Beatriz Nascimento, publicado pela editora Ogum’s Toques Negros. Em seguida o senador Paulo Paim elaborou o PL 614/2022, que resultou na Lei 14.712/2023, incluindo-a no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.

 

Exibir vídeo: Beatriz Nascimento resgatou a verdadeira história dos Quilombos | série documental "Resíduo"

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 13 de dezembro de 2023

OS BRASILEIROS - TIBIRIÇÁ (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Tibiriçá

José Domingos Brito

 

 

 

Martim Afonso Tibiriçá, nome de batismo cristão dado pelo Padre Anchieta ao líder indígena tupiniquim, nasceu em fins do século XV em São Paulo, SP. O nome homenageia Martim Afonso de Souza, fundador da vila de São Vicente. É considerado na História como um dos fundadores da cidade de São Paulo, em 1554, devido a sua colaboração com os jesuítas Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Manuel de Paiva.

Seu nome significa “vigilante da terra” na língua tupi, e sua aproximação com os portugueses ocorreu por volta de 1510, quando João Ramalho chegou ao planalto, vindo do litoral. O cacique ofereceu (em casamento) ao náufrago ou degredado sua filha Bartira, com quem viveu 40 anos e teve uma grande família, constituindo-se na primeira geração dos colonizadores paulistas. Além do casamento desta filha, o cacique manteve boas relações de parentesco com os portugueses, concedendo-lhes o casamento com outras duas filhas.

O nome Tibiriçá está na raiz de 16 gerações de mamelucos, muitos deles tornando-se paulistas quatrocentões, constituindo um novo povo. Mais tarde uma ala da ilustre família Almeida Prado trocou o nome pelo do cacique e um destacado membro -Jorge Tibiriçá - foi governador do Estado em 2 ocasiões. Em 1554 colaborou com os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta no trabalho de fundação da vila de São Paulo e instalou-se com sua tribo próximo deles, no local onde hoje se encontra o Mosteiro de São Bento. Durante muito tempo, a rua São Bento foi chamada Rua Martim Afonso. Consta a História que o próprio cacique e seus índios ajudaram na construção do colégio ali instalado.

Assim naquele ponto da colina, onde de um lado temos o rio Tamanduateí e de outro tínhamos o riacho do Anhangaba. O que  havia na época da fundação da cidade (25/1/1554) era um colégio de padres rodeado de habitações indígenas sob o comando do cacique Tibiriçá. Segundo Roberto Pompeu de Toledo, em seu livro A capital da solidão: uma história de São Paulo (Ed. Objetiva, 2003), o padre Anchieta declarou que o cacique “não mereceria apenas o título de benfeitor, mas ainda o de fundador e conservador da Casa de Piratininga”.

Graças ao cacique, os jesuítas puderam agrupar seus primeiros neófitos naquela redondeza, atual centro antigo de São Paulo. A maior prova de sua fidelidade aos jesuítas se deu em 9/7/1562, quando o cacique liderou o povoado na defesa do maior ataque de índios de outras tribos. Articulou o apoio de três aldeias; formou um exército e venceu os inimigos numa luta sangrenta. O episódio -quase ignorado nos livros de História- ficou conhecido como a “Guerra de Piratininga”

O curioso nessa história é que o grupo dos índios invasores era comandado pelo cacique Araraiga, irmão de Tibiriçá. O plano   de invadir a vila dos jesuítas foi comunicado previamente pelo sobrinho Jaguanharon, a fim de salvar família do tio. Tibiriça logo avisou os padres, que tiveram tempo de pedir reforços em Santos e salvar a vila do ataque. Vê-se que não havia consenso entre todos os índios sobre a presença dos jesuítas naquele território. Entre os revoltosos encontravam-se alguns índios que já viviam nas aldeias próximas, que tinham como chefe o próprio irmão de Tibiriçá.  

Pouco depois desse combate, uma epidemia de peste negra abateu-se sobre a vila de São Paulo e algumas aldeias do planalto paulista e vitimando o velho cacique em 25/12/1562. Os jesuítas providenciaram um honroso funeral e seu corpo foi sepultado na igreja.  Hoje seu túmulo encontra-se na cripta da catedral da Sé, no mesmo local onde estão sepultadas outras importantes figuras da história paulista.

Foi homenageado com o nome dado a alguns logradouros da cidade e a rodovia estadual SP-031, ligando a região do ABC ao Alto Tietê. Consta também mais uma homenagem com um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados, que solicita a inscrição de seu nome no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, localizado no Panteão da Pátria e da Liberdade, ao lado da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

 

Construtores do Brasil: Tibiriçá

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de dezembro de 2023

AS BRASILEIRAS: ROSA EGIPICÍACA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Rosa Egipcíaca

José Domingos Brito

 


 

Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz nasceu em 1719, na Costa de Ajudá, atual Benin, África. Escravizada e autora do mais antigo livro escrito por uma mulher negra na história do Brasil: Sagrada teologia do amor divino das almas peregrinas. Capturada pelo tráfico negreiro, aos 6 anos, foi trazida para o Rio de Janeiro. O nome Egipcíaca foi dado em referência à Santa Maria Egipcíaca.

 

Viveu no Rio de Janeiro prestando serviços domésticos até 1733, quando foi vendida para a mãe do Frei José de Santa Rita Durão e levada para Minas Gerais. Pouco depois caiu na prostituição e teve uma enfermidade. Neste período passou a ter visões místicas, levando-a a deixar o meretrício e se tornar beata. Em 1748 se desfez de seus bens, distribuindo tudo aos pobres. Passou a se dedicar aos ofícios divinos e em diversas ocasiões foi tomada por espíritos, segundo o vigário, malignos. Foi exorcizada algumas vezes e fazia sermões edificantes alternados entre visões de Nossa Senhora da Conceição e comportamentos estranhos, como se estivesse possuída por demônios.

 

Tais sermões levaram-na a ficar conhecida em Mariana, Vila Rica e São João del-Rei. Levada ao Bispo de Mariana, foi acusada de embusteira, sendo açoitada no pelourinho da cidade. Sobreviveu aos castigos e teve o lado direito do corpo semiparalisado. Pouco depois foi novamente analisada pelo frei Manoel da Cruz; passou por uma série de testes e concluíram que tudo era fingimento. Com tal diagnóstico o povo passou a chamá-la de feiticeira, tornando sua vida insuportável, fazendo-a retornar ao Rio de Janeiro, em 1751, numa fuga a pé percorrendo 500 km.

 

Diz-se que, motivada por inspiração espiritual, aprendeu a ler e escrever e passou a revelar seus dons sobrenaturais ao Provincial dos Franciscanos, Agostinho de São José, que se tornou seu mentor espiritual. Sua devoção extrema, jejuns prolongados, comunhão frequente e autoflagelação levaram os franciscanos a chamarem-na de “Flor do Rio de Janeiro”.  Ainda em 1751 fundou uma casa com o nome de “Recolhimento do Parto”, destinado a receber ex-prostitutas e manter orações, que atraiu a atenção da população. Em pouco tempo passou a ser adorada por fiéis que a procuravam de joelhos, beijando-lhe os pés e venerando suas relíquias. Suas cerimônias católicas eram misturadas com ritos africanos, como o hábito de pitar cachimbo.   

 

Por esta época escreveu a Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas, um livro de cerca de 250 páginas, que foi considerado como heresia e parcialmente destruído pelo seu confessor e ex-exorcista Pe. Francisco Gonçalves Lopes, conhecido como Xota-Diabos, tendo em vista preservá-la da Inquisição. Conta a história que ela se indispôs com o clero ao “dizer-se mãe de Deus redentora do universo, superior a Santa Teresa, objeto de verdadeira e herética idolatria em seu recolhimento, além de capitanear rituais religiosos sincréticos igualmente suspeitos".

 

Tais histórias contadas pelo povo relatam que em dado momento, ela chegou a dizer que o menino Jesus diariamente ia pentear seus cabelos e, em agradecimento, dava-lhe de mamar. Certamente, tais declarações irritaram os padres, que a entregaram aos oficiais do Santo Ofício da Inquisição, em 1763. Foi enviada ao cárcere, em Lisboa, onde não desmentiu suas visões e experiências sobrenaturais e veio a falecer, em 12/10/1771.

 

Em fins da década de 1980, o antropólogo Luiz Mott realizou uma pesquisa de fôlego sobre o fenômeno e publicou, em 1993 o livro Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil pela Editora Bertrand Brasil. O livro despertou o interesse público em conhecer melhor a história dessa mulher, suscitando a publicação de diversos artigos em revistas acadêmicas.  Segundo ele, Rosa Egipcíaca "é certamente a mulher negra africana do século XVIII, tanto em África como na diáspora afro-americana e no Brasil, sobre quem se dispõe mais detalhes documentais sobre sua vida, sonhos, escritos e paixão".

 

Outro livro que alavancou o interesse por essa história foi o romance ficcional Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz: a incrível trajetória de uma princesa negra entre a prostituição e a santidade, publicado por Heloisa Maranhão, em 1997, pela Editora Rosa dos Tempos. Segundo o historiador John Russel-Wood, em seu livro Escravos e libertos no Brasil colonial (2005), "Rosa Egipcíaca abre uma janela para a história das mentalidades de uma sociedade escravocrata e também dá identidade e individualidade a uma mulher africana, escrava e depois livre, no mar de anonimidade conferido aos escravos e aos indivíduos de ascendência africana livres no Brasil".

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 29 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: FREI CANECA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Frei Caneca

José Domingos Brito

 


 

 

Joaquim da Silva Rabelo ou Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, após ordenar-se sacerdote aos 22 anos, nasceu no Recife, PE em 20/8/1779. Religioso, professor, jornalista, poeta e destacado líder revolucionário com participação na Revolução Pernambucana (1817) e mártir da Confederação do Equador (1824).

 

Filho de Francisca Maria Alexandrina de Siqueira e Domingos da Silva Rabelo, ingressou ainda jovem no Convento de Nossa Senhora do Carmo, onde foi noviço aos 17 anos. Ordenou-se aos 22 anos e obteve autorização para cursar outras disciplinas no Seminário de Olinda e frequentar sua biblioteca, além da biblioteca dos Oratorianos, formando sua notável erudição. Aos 24 anos foi nomeado professor de Retórica, Geometria, Filosofia e Moral em seu Convento. Em seguida ingressou na Loja Maçônica Academia de Suassuna e na Loja Maçônica Academia do Paraíso, passando a postular ideais libertários.

 

Por esta época as ideias liberais em defesa da república fervilhavam nas colônias espanholas e, também no Brasil, em Pernambuco. Enquanto isso Portugal insistia com o regime monárquico com a Côrte Real instalada no Rio de Janeiro, em 1808. Para se manter o fausto real foi preciso explorar mais os recursos da colônia. Nesse contexto Pernambuco era uma das províncias mais prósperas, cujos recursos eram desviados para manter o luxo e tudo o mais necessário à manutenção da família real. Tais ingredientes lançaram as bases da Revolução Pernambucana, em 6/3/1817.

 

Assim, foi proclamada a independência da Província, que deveria se estender por todo o País. Chegou a ter hino, bandeira e enviou o “embaixador” Cruz Cabugá aos EUA em busca de apoio à nascente república. Mas durou pouco e o movimento foi derrotado 72 dias depois. Segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, “a presença de Frei Caneca na insurreição só foi detectada ao final do levante, quando marchava para o sul da província a enfrentar as tropas do conde dos Arcos, ocasião em que, segundo a acusação, foi capitão de guerrilhas”, sob o comando do Coronel Suassuna.

 

Foi preso e enviado para Salvador; ficou detido por 4 anos; elaborou uma gramática da língua portuguesa e manteve aulas com os presos. Libertado em 1821, retornou à Pernambuco e voltou a se envolver com a política. Participou do “Movimento de Goiana”, contando com o apoio dos fazendeiros. Um exército de milícias marchou contra o Recife e chegou a expulsar os portugueses de Pernambuco, marcando o início da Guerra da Independência do Brasil. O episódio ficou conhecido como “Convenção de Beberibe”. Em setembro de 1821, a “Convenção” estabeleceu que as juntas do Recife e Goiana continuariam atuando nesta área e no mês seguinte foi realizada a eleição de uma Junta Provisória, instalando o primeiro governo autônomo da província. Frei Caneca apoiou esta primeira Junta Governativa de Pernambuco, presidida por Gervásio Pires Ferreira.  

 

Em 1822, entusiasmado com a Junta, redigiu a “Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria", visando dar uma base teórica ao movimento. No entanto, divergências internas levaram a deposição da Junta por um grupo de militares, em 23/9/1822, denominado “Junta dos matutos”, que se estendeu por um mês.   Foi neste período que Frei Caneca iniciou sua participação mais ativa no movimento através de seu jornal, o Typhis Pernambucano, que se tornou a trincheira do movimento. Era um jornal semanal, destinado a divulgar os ideais revolucionários dos filósofos franceses do Iluminismo, como Rousseau e  Montesquieu. O movimento tomou maior vulto em 1824, quando D. Pedro dissolveu a assembleia nacional constituinte e adotou uma nova constituição outorgada no Brasil. Frei Caneca foi chamado a opinar e fez algumas declarações: “Esta constituição peca pelo principal, pois não garante a independência do Brasil com a determinação e a dignidade necessária, e deixa uma fisga para se aspirar a reunião com Portugal... Além do mais, é a Nação que escolhe a forma de governo, e Sua Majestade não tem comissão dos brasileiros para isso”. Também acusou D. Pedro de querer impor sua vontade pela força, e concluiu: “por todas estas razões, sou de voto que se não se adote e muito menos se jure este projeto”.

 

Foi o estopim para os líderes pernambucanos romperem definitivamente com o poder central, em 2/7/1824, e anunciar a formação de uma nova república, a Confederação do Equador. Era um projeto para o Brasil que tinha os EUA como modelo, ou seja, um conjunto de províncias autônomas, reunidas numa grande federação republicana. O apoio esperado das províncias do Norte e Nordeste e de outros países não prosperou e o movimento foi sufocado após muitos combates. Dom Pedro suspendeu as garantias constitucionais na província e amputou a comarca do São Francisco, incorporada ao território da Bahia, diminuindo o tamanho da província pernambucana.

 

Recife sofreu um bloqueio naval; os canhões invadiram a cidade e em 12/9/1824 as tropas do Brigadeiro Lima e Silva ocuparam todo o território. Derrotado, Frei Caneca fugiu para o Ceará, mas logo foi preso e conduzido para o Recife, em 29/11/1824. Foram muitas as manifestações e petições de ordens religiosas para que não fosse executado. Foi acusado do crime de sedição e rebelião e condenado à morte por enforcamento, em 13/1/1825. Porém, três carrascos, sucessivamente, negaram-se a enforcá-lo. Assim, foi amarrado numa das hastes da forca e foi morto por fuzilamento diante dos muros do Forte das Cinco Pontas. Seu corpo foi deixado em frente ao Convento das Carmelitas e recolhido pelos padres que o enterraram num local até hoje não identificado. O muro frente ao qual foi fuzilado, continua de pé, marcado por um busto e uma placa alusiva, colocada em 1917.

 

Na Wikipedia consta uma frase síntese sobre sua importância na História. “Frei Caneca foi o principal pensador político do processo de emancipação do Brasil que se desenhou a partir de Pernambuco, saltando do convento para as trincheiras na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador, de 1824”. Como biografia vale citar, entre muitas, a realizada por Frei Tito -Frei Caneca: vida e escritos- publicada em 2017 pela CEPE-Companhia Editora de Pernambuco e Obras políticas e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca, organizada por Antônio Joaquim de Melo e publicada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, em 1972.

 

O poeta João Cabral de Melo Neto descreveu seu último dia no poema O Auto do Frade e seu irmão, o historiador Evaldo Cabral de Mello, organizou e redigiu a introdução ao livro Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, incluído na Coleção Formadores do Brasil, da Editora 34, em 2001. Em seguida e pela mesma editora lançou o livro a Outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, contando a história “na contramão da historiografia oficial”.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 22 de novembro de 2023

AS BRASILEIRAS: TERESA BENGUELA (CRÔNICA D COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Teresa de Benguela

José Domingos Brito

 


 

Teresa de Benguela nasceu em princípios de 1700, na região de Benguela, atual República de Angola. Líder quilombola, liderou uma revolta no Quilombo do Quariterê (ou Quilombo do Piolho) na Capitania de Mato Grosso;  tornou-se “rainha” no início dos anos 1750, e se manteve por 20 anos, quando o quilombo foi destruido em meados de 1770.

 

Sua origem é controversa. Há registros portugueses que afirmam se tratar de uma escravizada angolana, embarcada para o Brasil no porto de Benguela. Mas há historiadores que afirmam ter nascido no Brasil. O Quilombo foi criado em 1740 por seu marido José Piolho e tornou-se um núcleo de resistência de negros fungidos da escravidão. Sua localização na selva amazônica, além de dificil era perto da fronteira pemitindo fugas para o lado espanhol. Tais condições permitiram uma resistência mais prolongada.

 

Por volta de 1750, deu-se a morte de José Piolho e ela, na condição de rainha viúva, assume seu lugar. A mudança ocorrida no Quilombo não foi apenas no comando. A rainha Teresa passa a governar ao modo de um Parlamento, com um local apropriado e reuniões em dias fixos todas as semanas com seus “deputados” e os convidados, presididos pela rainha. Segundo a pesquisadora Edir Pina de Barros, junto ao aspecto “democrático’ era mantida uma rígida disciplina afim de garantir sua defesa e sobrevivência.  

 

Ainda segundo a pesquisadora, o Quilombo Quariterê contrastava com a escassez na região: “Tal abundância relacionava-se à forma de apropriação da terra (pelo trabalho), disponibilidade de mão de obra e, sobretudo, trabalho cooperativo e solidariedade social... Através de relações mantidas com a sociedade ‘branca’, obtinham ferro, além de sal e outros artigos”. A prosperidade e o crescimento do Quilombo alertaram o governo português, que passou a se preocupar com seu exemplo entre outros quilombos existentes no período colonial.

O Quilombo foi invadido pelos portugueses em 1770. A rainha Teresa comandou a resistência, mas após alguns combates muitos quilombolas morreram e 79 negros e 30 indígenas foram capturados e levados para Vila Bela da Santíssima Trindade, atual estado de Mato Grosso, e devolvidos aos seus proprietários. Entre eles estava a rainha, que, segundo o sociólogo Clóvis Moura, ingeriu umas ervas venenosas e faleceu. Teve a cabeça decepada e pendurada no centro do Quilombo para servir de exemplo.

Mas este ainda não foi o fim do Quilombo Quariterê. Muitos quilombolas que fugiram do ataque se esconderam na mata e se reorganizaram noutro assentamento. O final do quilombo se deu em 1795 com outra investida dos portugueses, guiados por um negro forro capturado na invasão de 1770. Por essa época ainda se falava na liderança da rainha Teresa. Mas aos poucos foi caindo no esquecimento e tornou-se umas das mártires menos conhecidas do período colonial. 

Sua memória foi resgatada pelos historiadores e em 1994 a Escola de Samba Viradouro, do Rio de Janeiro, desfilou no carnaval com o enredo “Teresa de Benguela, uma Rainha Negra no Pantanal”. Antes disso ela foi lembrada em 1992 no I Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado na República Dominicana. Em 2014, o dia 25 de julho foi instituído como “Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra”, através da Lei nº 12.987/2014.

 

Mais uma homenagem ocorreu em 2020, em São Paulo, feita pela Escola de Samba Barroca Zona Sul, no desfile de carnaval com o samba-enredo “Benguela... A Barroca Clama a Ti, Teresa’.  A historiadora Thais de Campos Lacerda realizou uma pesquisa que pode ser vista como um bom ensaio biográfico -Tereza de Benguela: identidade e representatividade negra-, publicado na Revista de Estudos Acadêmicos de Letras da UNEMAT, vol. 12, nº 2, de 2019, à disposição na Internet, link https://periodicos.unemat.br/index.php/reacl/article/view4113

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 15 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: JOSÉ LINS DO REGO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: José Lins do Rego

José Domingos Brito

 

 

José Lins do Rego Cavalcanti nasceu no Engenho Corredor, em Pilar, PB, em 3/6/1901. Advogado, romancista e jornalista, foi um autor destacado na geração de 1930 do modernismo brasileiro e um dos maiores romancistas regionalistas. Com um estilo despojado e direto, descreveu a decadência de uma época. Criado numa família de senhores de engenho, fez um relato nostálgico e crítico da transição da época em que viveu.

 

Filho de Amélia Lins Cavalcanti e João do Rego Cavalcanti e neto do famoso Coronel “Bubu do Corredor” (José Lins Cavalcanti de Albuquerque), senhor de 8 engenhos. concluiu os primeiros estudos em João Pessoa e Recife, onde ingressou na Faculdade de Direito e diplomou-se em 1923. Durante o curso, fundou o semanário Dom Casmurro e manteve contatos com o meio literário recifense, particularmente Gilberto Freyre, de quem recebeu forte influência.

 

Em 1924 casou-se com a prima Philomena Massa, filha do senador Antônio Massa e no ano seguinte ingressou no Ministério Público de Minas Gerais, como promotor em Manhuaçu, mas ficou pouco tempo no cargo. Mudou-se para Maceió, onde exerceu as funções de fiscal de bancos até 1930 e fiscal de consumo de 1931 a 1935. Neste período conviveu com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda e Jorge de Lima. Seus primeiros livros, integrantes do chamado “Ciclo da cana-de-açúcar” refletem a decadência do mundo rural nordestino: Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936).

 

Sua obra regionalista, contudo, não se encaixa somente na denúncia sociopolítica, mas, segundo Manuel Cavalcanti Proença, igualmente em sua “sensibilidade à flor da pele, na sinceridade diante da vida, na autenticidade que o caracterizavam”. Conforme alguns críticos, ele imprimiu uma nova forma de oralidade na literatura brasileira, praticada pelos modernistas de 1922. Após consolidar seu nome na literatura regional, transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1935, ampliando o leque de amigos, e passou a escrever para os Diários Associados e O Globo. Por essa época, revelou-se uma faceta pouco conhecida de sua personalidade: a paixão pelo futebol. Foi um grande torcedor do Flamengo e chegou a exercer o cargo de secretário-geral da CBD-Confederação Brasileira de Futebol no período 1942-1954.

 

Em 1956 entrou para a Academia Brasileira de Letras e logo depois estreou na literatura infanto-juvenil com Histórias da velha Totônia, seu único livro nesta área. Alguns de seus livros foram adaptados para o cinema e muitos deles foram traduzidos em diversos idiomas. Foi um escritor inteiramente despojado de atitudes ou artifícios literários. Ele mesmo se via como um escritor instintivo e espontâneo: “Quando imagino nos meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memória, com os jeitos e as maneiras simples dos cegos poetas”.

 

Faleceu em 12/9/1957 e deixou 23 livros publicados, além da imagem de um escritor comprometido com sua terra e seu tempo. Na avaliação dos críticos, deixou uma obra que “Bem examinadas as coisas… Nada há nele que não seja o espelho do que se passa na sociedade rural e nas cidades do Norte e do Sul do Brasil. É de todo o Brasil e um pouco de todo o mundo”, conforme José Ribeiro. Já Wilson Martins não gostou de Fogo Morto e afirmou que o “o livro não passa de simples reelaboração do Ciclo da Cana-de-Açúcar, sem nada lhe acrescentar e até tirando-lhe alguma coisa”. No entanto, Alfredo Bosi considerou Fogo Morto a verdadeira “superação” do ciclo da cana-de-açúcar.

 

Numa análise dos personagens, Antônio Candido declarou que “o que torna esse romance ímpar entre os publicados em 1943 é a qualidade humana dos personagens criados: aqui, os problemas se fundem nas pessoas e só têm sentido enquanto elementos do drama que elas vivem.” Outro respeitado crítico, Massaud Moisés, fez questão de colocar Fogo morto entre os livros dos anos 30, muito embora tenha sido lançado em 1943, pela razão da obra ser uma expressão “acabada do espírito do projeto estético e ideológico regionalista característico daquela década...é uma das mais representativas obras não só da ficção dos anos 30 como de todo o Modernismo”.

 

Entre os críticos, há um consenso, no qual sua obra caracteriza-se, particularmente, pelo extraordinário poder de descrição. “Reproduz no texto a linguagem do eito, da bagaceira, do nordestino, tornando-o o mais legítimo representante da literatura regional nordestina”. Segundo Luciana Stegagno Picchio, graças a José Lins "o regionalismo tornou-se um ato pessoal, um instrumento de realização literária". Sérgio Milliet disse que ele fez "uma imagem muito nítida do Nordeste dos últimos engenhos, evoluindo lentamente entre crises políticas e lutas domésticas, modorrento sob o sol das secas". Para Otto Maria Carpeaux todo o universo da casa-grande, da senzala, dos senhores de engenho e etc. "nunca mais existirá a não ser nos romances de José Lins do Rego".

 

 

Exibir vídeo “De lá pra cá”

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 08 de novembro de 2023

AS BRASILEIRAS: RUTH GUIMARÃES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ruth Guimarães

José Domingos Brito

 


 

Ruth Guimarães Botelho nasceu em 13/6/1920, em Cachoeira Paulista, SP. Escritora, poeta, cronista, professora, jornalista. teatróloga, folclorista e tradutora. Foi a primeira escritora brasileira negra a projetar-se em âmbito nacional com seu romance Água Funda, publicado em 1946 pela Editora Globo. O livro retrata aspectos da vida rural e o universo caipira do Vale do Paraíba Paulista e mineiro.

 

Filha de Maria Botelho e Christino Guimarães, concluiu os primeiros estudos em sua cidade natal e o curso Normal em Guaratinguetá. Morando com os avós maternos em Cachoeira Paulista, aos 10 anos publicou os primeiros versos nos jornais A Região e A Notícia. Em 1938 mudou-se para São Paulo, levando três irmãos menores que acabou de criar. Frequentou a famosa Farmácia Baruel, do farmacêutico e escritor mineiro Amadeu de Queiroz, travando contato com escritores da época, como os irmãos Amado, Jorge e James, Mário da Silva Brito, Jamil Almansur Haddad, Mário Donato entre outros. No início da década de 1940 conheceu Mário de Andrade, que orientou sua pesquisa sobre o diabo e suas manifestações no imaginário popular.

 

Sua carreira se consolidou com o segundo livro - Os Filhos do Medo-, publicado também pela Editora Globo em 1950. Tal livro rendeu-lhe um verbete na Encyclopédie Française de la Pléiade, tornando-a a única escritora latino-americana a merecer tal distinção. A partir desse livro, teve atuação destacada na pesquisa da literatura oral no Brasil e no conhecimento da cultura caipira. Foi uma das primeiras alunas do curso de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP; teve aulas com os professores Roger Bastide, Fidelino de Figueiredo, Silveira Bueno e Antonio Soares Amora, entre outros.

 
No início da década de 1960 frequentou a EAD-Escola de Arte Dramática da USP, especializando-se em Dramaturgia e Crítica. Trabalhou em algumas editoras como revisora e tradutora e publicou crônicas, artigos e crítica literária em jornais e revistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa. Foi repórter das revistas Noite Ilustrada, Quatro Rodas, Realidade, Carioca e Globo. Como professora, lecionou francês na Aliança Francesa de São Paulo; grego na Universidade de Taubaté; Psicologia da Arte e Literatura nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, em Lorena e Literatura na Faculdade de Ciências e Letras de Cruzeiro.

 
Passou anos pesquisando a medicina popular, as ervas, raízes e simpatias curativas, com a intenção de publicar uma enciclopédia em 12 volumes sobre medicina natural, que não chegou a ser concluída (os filhos estão completando esse trabalho). Seu legado é composto por mais de 50 livros, incluindo traduções do francês, italiano e latim. Ativa também fora da literatura, fundou o Museu de Folclore Valdomiro Silveira e a Guarda Mirim de Cachoeira Paulista. Participou da Sociedade Paulista de Escritores e da Associação Brasileira de Escritores (as duas entidades que se fundiram em 1958 para formar a UBE-União Brasileira de Escritores) e do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade. Foi membro da Comissão Estadual do Folclore, ao lado de Inezita Barroso, Oneyda Alvarenga e Rossini Tavares de Lima. Foi uma das fundadoras do IEV-Instituto de Estudos Valeparaibanos, que lhe concedeu o Prêmio Cultural Eugênia Sereno.
 
Na sua cidade natal, Cachoeira Paulista, fundou em 1972 a primeira academia de letras do Vale do Paraíba, a Academia Cachoeirense de Letras (hoje Academia Cachoeirense de Letras e Artes). Em 2008, eleita para a Academia Paulista de Letras, ocupou a cadeira 22, que foi de Guilherme de Almeida. Às vésperas de completar 89 anos, foi convidada pelo prefeito Fabiano Vieira para assumir a pasta da Cultura. Foi seu último cargo público e veio a falecer em 21/5/2014, aos 94 anos. Em 2019 foi criado em Cachoeira Paulista o Instituto Ruth Guimarães, um espaço cultural que mantém suas obras e memória.  
 

Segundo seu filho, Joaquim Maria Botelho, jornalista e  ex-presidente da UBE-União Brasileira de Escritores, no prefácio do livro Crônicas Valeparaibanas, “Ela gostaria de ter tempo para se dedicar à bruxaria... Ruth vive sem tempo, mas já é uma bruxa - a bruxa boa que o folclore valeparaibano representa nas suas histórias como a simpática velhinha que ensina o caminho às almas perdidas, que destrói com artimanhas geniais os monstros para deixar passar os príncipes que vão, por sua vez, salvar as princesas transformadas em rãs e as donzelas amaldiçoadas pelas feiticeiras malvadas. É assim que a Ruth quer continuar vivendo neste Vale do Paraíba que ela conta e reconta nos seus escritos deliciosos, pesquisados com o carinho de quem garimpa brilhantes. Na sua calma de cachoeirense, Ruth vem abrindo a alma, há 86 anos, para ser o relicário vivo das informações e da cultura valeparaibanas..." 

 

Quem é Ruth Guimarães?

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 01 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: MILLÔR FERNANDES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Millôr Fernandes

José Domingos Brito

 

 

 

Milton Viola Fernandes nasceu em 16/8/1923, no Rio de Janeiro, RJ. Escritor, poeta, jornalista, desenhista, humorista e dramaturgo, tornou-se o mais conhecido desenhista de humor gráfico da imprensa brasileira. Ficou célebre na sátira politica, filosófica e de costumes através das principais revistas e jornais em mais de 70 anos de atividade. Não era filófoso, mas recebeu título de “O pensador de Ipanema”.

 

Filho de Maria Viola Fernandes e do imigrante espanhol Francisco Fernandes, falecido quando Millôr ainda era bebê. A mãe, aos 27 anos, passou por uns perrengues financeiros e foi obrigada a alugar parte do casarão no Méier. Aos 11 anos, a mãe também faleceu e a família teve que viver separada, quando ele passou a ser criado pela

avó. Aos 14 anos conseguiu emprego fixo como entregador de remédio. Mas durou pouco e logo estava trabalhando na imprensa. Fã ardoroso de gibis, copiava os desenhos quadro por quadro e mais tarde declarou que esta foi sua “maior e mais legítima influência” em sua formação de humorista e escritor. Seu tio estimulou-o a enviar um desenho  para O Jornal, que foi aceito e lhe rendeu o pagamento de 10 mil réis.

 

Aos 15 anos foi trabalhar na revista O Cruzeiro e ingressou Liceu de Artes e Ofícios, onde estudou de 1938 a 1942. Aos 17 anos adotou o nome artístico Millôr Fernandes, devido à caligrafia do escrivão, transfomando o nome Milton em Millôr. Estreou na revista A Cigarra, em 1945, sob o pseudônimo Vão Gogo, com a seção “O Pif-Paf’, em parceria com cartunista Péricles. Pouco depois, lançou um livro em defesa do homem -Eva sem costela- com o nome Adão Júnior. Casou-se em 1948 com Wanda Rubino, com quem teve 2 filhos. No ano seguinte lançou o livro Tempo e contratempo, usando o nome Emmanuel Vão Gogo e produz seu primeiro roteiro de cinema Modelo 19.

 

Em 1953 estreou sua primeira peça teatral -Uma mulher em três atos- no Teatro Brasileiro de Comédia (SP). 4 anos depois já era um desenhista conhecido e realiza uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1957. No ano seguinte passa a manter sozinho a coluna “Pif-Paf” em página dupla semanal, assinada por Vão Gogo, mantida até 1962, quando assumiu o próprio nome. Mantiha intensa atividade intelectual junto com práticas esportivas. Junto com um gurpo de amigos, lançou um novo esporte de praia denominado “Frescobol”, em 1958. Segundo ele "o único esporte em que ninguém tem a obrigação de ganhar, e nem a vergonha de perder". Trata-se um esporte de estilo cooperativo, em oposição ao estilo competitivo do tênis de praia.

 

Em 1960 estreou a peça Um elefante no caos, no Teatro da Praça (RJ), que lhe rendeu o prêmio de melhor autor, pela Comissão Municipal de Teatro. Em seguida inicia uma coluna semanal no Diário Popular, de Lisboa, mantida por 10 anos. Em 1965, junto com Flávio Rangel, escreveu o musical Liberdade liberdade, um protesto contra o Golpe Militar, instaurado no ano anterior, apresentado no Teatro Opinião (RJ). Com o acirramento da ditadura militar em 1969, passou colaborar no jornal O Pasquim, tornando-se um de seus principais colaboradores.

 

No ano seguinte, com a redação desfalcada de muitos colegas presos, ele junto com Henfil e ajuda de Chico Buarque, Glauber Rocha e Odete Lara entre outros, procuram manter o jornal até 1972, quando assume a diretoria do jornal. Reorganizou as finanças salvando-o da falência e permanece até 1975. Em seguida escreveu para Fernanda Montenegro a peça É..., que veio a se tornar seu maior sucesso teatral. Aos 57 anos, em 1980, conheceu a jornalista Cora Rónai e mantiveram um relacionamento até o fim de sua vida. 20 anos depois, aos 77 anos, experimenta uma novidade profissional: lançou o Saite Millôr Onlline, publicando novos desenhos e resgatando antigos trabalhos. Foi um pioneiro na Internet alcancando grande sucesso.

 

Sua ironia fina e a sátira nos textos e desenhos sempre foram alvo dos censores de plantão, que não lhe davam trégua. A partir de 2010, aos 86 anos, a saúde já não era a mesma e sofreu AVC isquêmico no ano seguinte. Com a saúde fragilizada, veio a falecer em 27/3/2012. Bem antes disso, deixou um Poeminha com saudades de mim mesmo:

“Quando eu morrer / Vão lamentar minha ausência / Bagatela / Pra compensar o presente / Em que ningúem dá por ela”.  Pouco depois foi homenageado pelos cariocas com o nome dado ao seu local predileto entre as praias do Diabo e do Arpoador: o Largo do Millôr. Em 27/5/2013 o local ganhou um banco incorporado a um monumento com sua sihueta desenhada por Chico Caruso, batizado como “O Pensador de Ipanema”.

 

Em 2018 a atriz Fernanda Montenegro fez-lhe uma declaração comovente em seu livro Itinerário fotobiográfico: “Millôr – retrato 3x4 corajosamente à maneira do próprio: Millôr, duas sílabas fortes, desconcertantes e gentis, cuja rima pode ser flor e também dor. Os olhos eram de águia, mas, também de pintassilgo, colibri, sabiá...” Foi reconhecido como um dos melhores frasistas do País, exibindo irreverência, ironia, sagacidade e senso de humor: “A morte é compulsória, a vida não”. “Amor não é coisa para amador”. “A vida é uma doença terminal”. “O ruim das amizades eternas são os rompimentos definitivos. “Todo homem nasce original e morre plágio”. “Livrai-me da justiça, que dos malfeitores me livro eu”. Em 2002 lançou o livro Millôr definitivo – A Bíblia do Caos, reunindo mais de 5 mil frases, lançado e relançado pela Editora L&PM diversas vezes.

 

No mês de seu centenário -agosto de 2023- diversos amigos publicaram textos reverenciando sua memória. Entre eles os acadêmicos Geraldo Carneiro: “Costumo dizer que ele tinha um processador mental inigualável. Suas respostas eram anárquicas e engraçadíssimas. Era uma figura maravilhosa, não só pelo intelecto, mas também pela ética, pela retidão intelectual. Era um dos caras mais bacanas da história do Brasil”, e José Paulo Cavalcanti Filho, em artigo aqui publicado https://luizberto.com/millor-e-terno/#comments: “Millôr era amigo certo de amigos incertos. Homem reto, apesar do empeno da coluna. Que sentia dores e quase todos os seus derivativos ‒ sobretudo amores, andores e ardores. Apreciador de bolo de rolo; e, para ser justo, de outros bolos e outros rolos. Alguém que acreditava na bolsa dos valores e nas boas ações. Que não gostava de roubar nem o tempo dos outros. Magro, no corpo. E gordo, nos sentimentos. Pobre, mas não de espírito. E rico, até de ilusões perdidas. Homem justo, em uma vida injusta, onde os dias passam tão devagar e os anos passam tão depressa. Dizem que Millôr morreu? Impossível. Que Millôr é terno. Eterno. Viva Millôr”.

Como biografia, ele mesmo providenciou a sua em 1972 com o lançamento de 30 anos de mim mesmo, uma autobiografia bem-humorada em seu estilo próprio, como se dizia “um escritor sem estilo”. Em seu centenário foi programado o relançamento de 16 de seus livros, 13 deles pela Editora L&PM. Em meados de 2023 foi publicada a Coletânea Centenário de Millôr Fernandes, fruto de um concurso realizado pelo Projeto Apparere, contendo 86 textos selecionados de 152 textos inscritos, conforme se vê no link https://www.perse.com.br/Coletanea+Centenario+de+Millor+Fernandes-13686.htm

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 25 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: RENATA PALLOTTINI (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNSO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Renata Pallottini

José Domingos Brito

 

 

 

Renata Monachesi Pallottini nasceu em  São Paulo, SP, em 28/3/1931. Advogada, professora, escritora, poeta, tradutora e essencialmente dramaturga. Atuou também na televisão com a produção de programas relevantes na cultura brasileira. Foi uma das pioneiras ao questionar as limitações impostas à mulher na sociedade. Foi a primeira mulher a fazer, pensar e revolucionar o Teatro no Brasil.

 

Filha de Iracema M. Pereira de Souza e Pedro Pallottini, graduou-se em Filosofia na PUC/SP-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1951, e em Direito na USP-Universidade de São Paulo, em 1953. Em seguida ganhou uma bolsa de estudos do governo espanhol e ingressou na Universidade de Madrid (1959-1960), onde realizou cursos de História da arte e Literatura no Instituto de Cultura Hispânica. De volta ao Brasil, cursou Dramaturgia na EAD-Escola de Arte Dramática da USP (1961-1962) e concluiu o doutorado, em 1982, na ECA-Escola de Comunicações e Artes da USP, sob orientação de Sábato Magaldi.

 

Sua tese incluiu a peça O País do Sol, como parte da trilogia sobre a imigração italiana no Brasil, junto às peças Colônia e Tarantela. A parte teórica da tese resultou no livro Introdução à dramaturgia, publicado em 1983. Foi convidada por Sábato Magaldi para substituí-lo como docente na EAD/USP, ministrando aulas sobre História do teatro brasileiro. Lecionou também Artes Cênicas na ECA/USP, que lhe concedeu o título de professora emérita, em 2012.

 

Sua peça A Lâmpada (1960), foi pioneira ao abordar o tema da homossexualidade e trouxe inovações no campo teatral com uma nova dramaturgia nas décadas de 1960 e 1970. Destacou-se na nova geração de escritoras de teatro, junto com Hilda Hilst, Leilah Assumpção, Consuelo de Castro e Elza Câmara, entre outras, integrantes da chamada “Nova Dramaturgia”. Segundo Elza Cunha de Vicenzo, no livro Um teatro de mulher (1992), nascia ali uma nova proposta para o teatro brasileiro apresentado em São Paulo e que marcou de modo decisivo as gerações posteriores. Foi uma das autoras de vanguarda do movimento político-cultural que caracterizou a época e marcou as gerações posteriores.

 

Teve suas obras produzidas por diretores como Silnei Siqueira, Ademar Guerra, José Rubens Siqueira. Marcia Abujamra e Gabriel Vilela, entre outros. Traduziu o musical Hair, de James Rado e Gerome Ragni, traduziu e adaptou o romance Cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, entre as traduções e adaptações realizadas. Com tantas e variadas publicações, manteve-se fiel a poesia desde os primeiros livros, como na coletânea de poemas Acalanto (1952). O romance Mate é a cor da viuvez (1975), ganhou um comentário de Lygia Fagundes Telles opinou: “um belo e corajoso livro”. Para Carlos Dummond de Andrade, sua poesia “é uma das realizações mais vibrantes no campo do lirismo voltado para a vida real e imediata, a vida não pontada de sonho”.

 

Destacou-se também em cargos políticos e administrativos, tais como presidente da Comissão Estadual de Teatro da Secretaria de Cultura, fundadora e presidente da Associação Paulista de Autores Teatrais e presidente do Centro Brasileiro de Teatro, filiado ao International Theatre Institute, da UNESCO. Integrou entidades como a União Brasileira de Escritores, PEN Clube do Brasil, Clube de Poesia de São Paulo e Academia Paulista de Letras, a partir de 2013.

 

Foi premiada diversas vezes: Prêmio Juca Pato 2017, da União Brasileira de Escritores; Prêmio Jabuti 1996, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria poesia e o prêmio do Pen Clube de Poesia 1961, pela obra Livro de Sonetos. Em 1974 e 1976 foi premiada pela APCA-Associação Paulista dos Críticos de Arte com os prêmios Melhor Roteiro, com novela O Julgamento e Melhor Tradução, com a peça Lulu; Prêmio Anchieta da Comissão Estadual de Teatro, 1968; Prêmio Molière 1965, com a peça O Crime da Cabra. Em 2016 foi contemplada com o “Colar Guilherme de Almeida’, concedido pela Câmara Municipal de São Paulo. 

 

O legado de Renata Pallottini conta com dezenas de peças de teatro, adaptações e traduções, poemas, romances, estudos teóricos e trabalhos para a televisão. Faleceu em 8/7/2021 e ainda não contamos com uma biografia mais completa. Porém, pode-se contar com o ensaio biográfico escrito por Rita Ribeiro Guimarães -Renata Pallotini cumprimenta e pede passagem, incluido na Coleção Aplauso Brasil, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 2006.

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 18 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: LUÍS FREIRE (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO AMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Luís Freire

José Domingos Brito

 


 

 

Luís de Barros Freire nasceu em 16/3/1896, em Recife, PE. Engenheiro civil, professor, pioneiro da ciência no Brasil, catalisador de talentos em Pernambuco e estimulador de futuros cientistas do naipe de Mário Schenberg, Leopoldo Nachbin e José Leite Lopes, que o chamava de “arquiteto de valores humanos”.

 

Realizou os primeiros estudos no Recife e ingressou no curso de engenharia civil da Escola de Engenharia de Pernambuco. Diplomado em 1918, voltou-se para o magistério e passou a lecionar matemática na Escola Normal. Em 1920 foi contratado como professor da Escola de Engenharia, onde estudara. Em 1930 casou Branca Palmeira Freire e logo nasce o primeiro filho: Marcos Freire, que se destacou na política como deputado e senador de Pernambuco na década de 1970.

 

Em 1933 recebeu o título de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas e foi aprovado no concurso para professor catedrático de Física. Além de lecionar nos principais colégio do Recife, foi nomeado, em 1943, professor de Análise Matemática na Faculdade de Filosofia Manuel da Nóbrega, hoje incorporada a Universidade Católica de Pernambuco. Em seguida mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi lecionar na Faculdade de Ciências da Universidade do Distrito Federal, atual UFRJ, dirigida por Anísio Teixeira.

 

Em 1951, com a criação do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, foi nomeado membro, participando da Comissão de Ciências Físicas e Matemáticas até sua morte, em 17/7/1963. Seu grande sonho foi realizado em 1952: a implantação do Instituto de Física e Matemática, na Universidade do Recife. Sua ideia foi criar um centro de estudos nesta área altamente especializada. Para ele a universidade não devia apenas transmitir, mas também produzir conhecimento. Dirigiu o Instituto e manteve intercâmbio com instituições congêneres no País e no exterior, sobretudo em Paris, onde esteve em missão científica do CNPq, em 1958.

Entre suas contribuições como cientista consta a famosa expressão do chamado “Potencial Vetor”, utilizando a linguagem do cálculo vetorial com recursos dos operadores vetoriais. Pouco depois publicou um trabalho destacando a “Equação geral das escalas termoelétricas”, que obteve elogiosas referências do físico James Chappuis, professor da École Centrale des Arts et Manufactures de Paris.  Em 1977, o físico José Leite Lopes declarou: “Era a figura mais notável de todas porque era um homem de uma grande cultura em Matemática e em Física, um grande espírito filosófico e de crítica e dava as aulas de uma maneira muito elegante, muito atraente, Foi ele, exatamente, ao fazer já o curso no primeiro ano, que me desviou da Química Industrial”.

Ocupou vários cargos e participou de diversos eventos na área da Física, tais como membro do Conselho Orientador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada-IMPA, membro fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas físicas-CBPF, integrou o Comitê Internacional do Jubileu Científico do Professor Arnaud Denjoy, da Sorbonne, membro da American Mathematical Society, do Conimbrigensis Institut Academia e presidente do Instituto Tecnológico de Pernambuco.

Os brasileiros e principalmente os pernambucanos estão devendo a edição de uma biografia mais abrangente de Luís Freire, mas podemos contar com o excelente ensaio biográfico de duas professoras de Física -Ivone Freire da Mota e Albuquerque e Amélia Império Hamburger- apresentado em 1989 no 2º Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia: Luiz de Barros Freire: pioneiro da institucionalização da pesquisa científica no Brasil. 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 15 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: ADELPHA FIGUEIREDO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA D ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANOo

 

AS BRASILEIRAS: Adelpha Figueiredo

José Domingos Brito

Adelpha Silva Rodrigues de Figueiredo nasceu em 20/9/1894, em Sorocaba, SP. Professora, dentista e principalmente bibliotecária. Foi a primeira brasileira a concluir o curso de biblioteconomia numa universidade e pioneira, junto com Rubens Borba de Moraes, na implantação deste curso no Brasil.

Filha de Maria Magdalena Camargo Gomes da Silva Rodrigues e do professor e médico Antonio Gomes da Silva Rodrigues. Aos 7 anos, a família mudou-se para São Paulo afim de manter a educação dos filhos. A mãe também era professora e os filhos tiveram a oportunidade de estudarem no exterior, quando a família passou uma temporada na França e na Suíça. Assim, os filhos puderam escolher os cursos profissionais que mais lhe interessavam.

Adelpha ingressou na Faculdade de Odontologia de São Paulo e formou-se cirurgiã-dentista em 1910 e lecionou no Colégio Mackenzie no período 1916-1926. Neste último ano foi construído um novo prédio para alojar a Biblioteca do Colégio e ela ficou encarregada dos primeiros serviços. Deixou o cargo de professora e passou a se dedicar ao estudo da biblioteconomia. Em 1929 foi contratada a bibliotecária norte-americana Dorothy M. Gedde para organizar o acervo e treinamento de Adelpha na função de atendimento aos alunos.

Suas atividades foram coroadas com uma bolsa de estudos para cursar biblioteconomia na Universidade de Columbia, nos EUA. Ao retornar ao Brasil, Adelpha ministrou o primeiro curso de biblioteconomia, enquanto dirigia a Biblioteca George Alexander, do Mackenzie, até 1936. No ano anterior Mário de Andrade havia organizado o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que tinha como um dos objetivos criar um sistema de bibliotecas públicas e uma escola de biblioteconomia. Adelpha foi convidada para o cargo de chefe da nova divisão, bibliotecária-chefe da Biblioteca Municipal Mario de Andrade e professora do curso de biblioteconomia, posteriormente transferido para a FESPSP-Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Na chefia da biblioteca inovou com novas técnicas de classificação dos livros, arranjo dos e adotou o sistema norte-americano de livre acesso dos leitores ao acervo. Pouco depois foi convidada para reorganizar a biblioteca da Faculdade de Medicina e em 1938 teve participação destacada na fundação da APB-Associação Paulista de Bibliotecários, a primeira entidade profissional dos bibliotecários brasileiros, dirigindo-a no período 1947-1951. Neste último ano realizou a Conferência sobre o Desenvolvimento de Bibliotecas Públicas na América Latina, com o patrocínio da UNESCO.

Em 1948 participou da fundação da Escola de Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia Sede Sapientae da PUC/SP. Faleceu em 3/8/1966 e mais tarde, foi criado na sede da APB o primeiro sindicato dos bibliotecários no Brasil, em 1985. Adelpha foi homenageada com seu nome dado a Biblioteca Pública Municipal, no bairro do Pari, a uma rua no bairro Chácara do Encosto e ao Centro Acadêmico da Escola de Biblioteconomia da PUC-Pontifícia Universidade Católica de Campinas.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 04 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: PAULA BRITO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Paula Brito

José Domingos Brito

 


 

 

Francisco de Paula Brito nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 2/12/1809. Escritor, jornalista, poeta, dramaturgo, atiivista político, tradutor, pioneiro da editoração no Brasil e pioneiro também ao colocar a questão do racismo na ordem do dia, i.é, na imprensa, com o lançamento da revista “Um homem de cor”.

 

Filho de Maria Joaquina da Conceição Brito e do carpinteiro  Jacinto Antunes Duarte. Enquanto jovem, trabalhou como ajudante de farmácia, aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional e, mais tarde, no Jornal do Comércio, como diretor das prensas, tradutor e contista. Em 1830 casou-se com Rufina Rodrigues da Costa e no ano seguinte adquiriu uma pequena loja na Praça da Constituição, onde funcionava uma papelaria e oficina de encadernação.

 

Aí tem início sua “Typographia Fluminense”, na Rua da Constituição, onde instalou um prelo e passa a trabalhar como impressor. Em 1833 abriu mais uma tipografia na mesma rua e começa a expandir seu negócio. Parecia um misto de livraria, gráfica e editora frequentada por ilustres literatos. Empregou o poeta Casimiro de Abreu e o jovem Machado de Assis, que começou como revisor de provas e teve seus primeiros textos publicados ali mesmo. Pouco depois foi criada na editora a “Sociedade Petalógica”, onde se “discutia” a mentira, a lorota etc. Era uma agremiação dedicada ao lazer dos intelectuais frequentadores da livraria.

 

Mais tarde, Machado escreveu: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná". Na condição de mulato e jornalista atuou na defesa dos afrodescendentes. Publicou o periódico O Homem de Cor, entre 14 de setembro e 4 de novembro de 1833, o primeiro jornal dedicado a luta contra o preconceito racial. Com isso dá início à imprensa negra no Brasil. De sua livraria/editora saíram livros como O juiz de paz na roça (1838), A festa e a família na roça (1840), de Martins Pena;  Antonio José ou o poeta e a inquisição (1839), de Gonçalves de Magalhães. 

 

Além de editor, também escreveu e foi um dos precursores do conto brasileiro, tais como O enjeitado, A mãe-irmã e A revolução póstuma, publicados em 1839. Assim, ele desempenhou relevante papel na promoção da leitura no País, onde o livro era considerado produto clandestino poucos anos antes. Estimulou a escrita de romances, através de outro mulato -Teixeira e Souza-, que foi pioneiro no gênero com o livro O filho do pescador (1843). Suas publicações -ao contrário do que ocorria na época, com textos sobre administração, política e informações práticas- dirigiam-se mais ao leitor comum, fruto das marcantes mudanças ocorridas no Brasil entre a Independência e a maioridade de Dom Pedro II,   

 

Em 2/12/1850 criou a Imperial Typographia Dous de Dezembro, data de seu aniversário e de D. Pedro II, que se tornou seu acionista, num patrocínio movido mais por caráter pessoal do que político. O Imperador admirava seu empenho em estimular os escritores brasileiros. Foi o primeiro editor de Machado de Assis, tornando-se seu amigo e indicando o jovem cronista para trabalhar na Tipografia Nacional, em 1856, sob a direção de Manuel Antônio de Almeida. No período 1849-1861 editou o periódico A Marmota, um folhetim satírico e noticioso, junto com o polêmico jornalista baiano Próspero Ribeiro Diniz. Foi um importante veículo, contando com a colaboração assídua de Machado de Assis no período 1855-1861.

 

Faleceu em 5/12/1861 e pouco depois Machado prestou-lhe homenagem com uma crônica em sua coluna no Diário do Rio de Janeiro: “pelas suas virtudes sociais e políticas, por sua inteligência e amor ao trabalho, o que levou a alcançar com louvor a estima geral...Tinha fé nas suas crenças políticas, acreditava sinceramente nos resultados da aplicação delas; tolerante, não fazia injustiça aos seus adversários; sincero, nunca transigiu com eles”. Tornou-se o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro e o principal editor da época

 

A editora de Paula Brito lançou 372 publicações. Sua vida e legado na editoração brasileira podem ser contemplados na biografia -Vida e obra de Paula Brito- escrita por Eunice Ribeiro Gondim e publicada pela Livraria Brasiliana Editora, em 1965. Ocupa lugar de destaque na História do livro no Brasil. 

 

 


José Domingos Brito - Memorial terça, 03 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: MACHADO DE ASSIS - II (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Machado de Assis II

José Domingos Brito

Aos 69 anos sofreu um abalo com a morte de sua amada e passou uma temporada em Nova Friburgo visando restauração. Com o abalo escreveu seu último soneto: A Carolina, uma de suas melhores poesias, segundo Manuel Bandeira uma das peças mais comoventes da Literatura Brasileira. Alguns biógrafos garantem que Machado visitava o túmulo todos os domingos. Em seguida publicou suas últimas obras: Esaú e Jacó (1904), Relíquias de casa velha (1906), Memorial de Aires (1908) e a última peça teatral Lição de botânica (1908).

Sem ânimo, continuou participando das reuniões na ABL, mais por dever de ofício, e manteve-se no trabalho como diretor-geral do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Escreveu ao amigo Joaquim Nabuco: “Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo…”. Em janeiro de 1908, entrou em licença de saúde e passa a receber a visita dos amigos e admiradores. Nas últimas semanas, escreveu muitas cartas aos amigos. Tal como Mário de Andrade, cultivava a “literatura epistolar”, reunida nos 5 volumes de sua Correspondência de Machado de Assis. Faleceu em 29/9/1908, vitimado por uma úlcera cancerosa e epilepsia.

Rui Barbosa fez o elogio fúnebre, em nome da ABL, e o ministro do interior Tavares de Lyra discursou em nome do governo. No funeral, uma multidão dirigiu-se ao Cemitério São João Batista, onde foi sepultado ao lado da amada Carolina. Em 21/4/1999, a ossada do casal foi transladada para o Mausoléu da ABL. Seu legado é composto de 10 romances, 200 contos, 10 peças teatrais, 5 coletâneas de poesias e mais de 600 crônicas. São inúmeras as homenagens recebidas em vida e pós-morte. Ainda hoje a ABL é chamada de “Casa de Machado de Assis”. Seu maior prêmio literário também recebe o nome. É o escritor mais estudado da literatura brasileira.

Na condição de crítico literário, tinha uma noção precisa de seu significado: “Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada – será esse o meio de reerguer os ânimos, promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos; condenai o ódio, a camaradagem e a indiferença – essas três chagas da crítica de hoje; ponde, em lugar deles, a sinceridade, a solicitude e a justiça – e só assim que teremos uma grande literatura”, escreveu no Diário do Rio de Janeiro, em 8/10/1865.

Certamente, devido a este sentido, é que foi agraciado com uma “fortuna crítica” gigantesca. Qual o tamanho dessa “fortuna”? O pesquisador Elfi Kurten Fenske teve o trabalho de realizar um levantamento dos estudos, artigos, teses, ensaios etc. publicados sobre o autor e sua obra. O levantamento conta com 2630 referências bibliográficas publicadas na revista Templo Cultural Delfos, de fevereiro/2021 e disponível na Internet

Em termos biográficos, vale citar Machado de Assis: estudo crítico e biográfico, de Lucia Miguel Pereira, publicado em 1936 e reeditado até hoje. Trata-se de uma das maiores críticas literárias e estudiosa da obra de Machado. Sua publicação provocou uma reviravolta na interpretação psicológica do autor e renovou o interesse em sua obra. Mais tarde outro crítico literário – Raimundo Magalhães Júnior – publicou a monumental biografia em 4 volumes: Vida e obra de Machado de Assis, em 1981, e vem sendo reeditada até agora. Aí são revelados novos aspectos do autor, mostrando um homem antenado com os problemas sociais e políticos do País. Outra biografia digna de nota – A vida de Machado de Assis – foi publicada por Luiz Viana Filho, em 1965.

O Crítico inglês John Gledson, especializado em sua obra, publicou Machado de Assis: ficção e história (1986) e Por um novo Machado de Assis (2006). São tantas as biografias que a profª Maria Helena Werneck chegou a publicar, em 1996, um livro investigando as biografias machadianas, analisando o momento histórico em que foram produzidas e deu-lhe um título apropriado: O homem encadernado: Machado de Assis na escrita das biografias.

O tempo passa e novos críticos apaixonados pela obra machadiana vão surgindo. Em 2005 Daniel Piza lançou uma biografia apresentando “uma nova abordagem da vida, da morte, da obra e, sobretudo do seu quotidiano numa perspectiva histórico-jornalística”: Machado de Assis – Um gênio brasileiro, lançado pela Imprensa Oficial. Uma biografia privilegiando o universalismo, a imprevisibilidade e o talento do autor. A magnitude do gênio literário não pode ser contemplada numa só biografia e novas facetas do homem e enforques de sua obra vão surgindo com o tempo.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 02 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: MACHADO DE ASSIS - I (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Machado de Assis - I

José Domingos Brito

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21/6/1839. Escritor destacado em todos os gêneros literários: romancista, poeta, cronista, dramaturgo, jornalista, tradutor e crítico literário, é reconhecido como o maior nome da literatura brasileira. Introduziu o Realismo no Brasil e registrou os costumes e eventos político-sociais em fins do séc. XIX e princípios do séc. XX. Segundo o crítico Harold Bloom é o maior escritor negro de todos os tempos.

Filho de uma lavadeira portuguesa – Maria Leopoldina da Câmara Machado – e um descendente de negros alforriados -Francisco José de Assis-, ambos alfabetizados e “agregados” de Maria José de Mendonça Barroso, viúva do senador Bento Barroso Pereira. Ela junto com o cunhado – Joaquim Alberto de Souza da Silveira – foram madrinha e padrinho do bebê, que recebeu o nome em homenagem aos dois. O garoto estudou numa escola pública e foi “coroinha” de igreja, onde conheceu o Padre Silveira Sarmento, que se tornou seu amigo e professor de latim.

Aos 10 anos, perdeu a mãe e, junto com pai, foram morar em São Cristóvão. Seu pai casou-se de novo, em 1854, e a madrasta cuidou bem do garoto, que a essa altura demonstrava interesse pela leitura. Passou a frequentar o centro da cidade e aos 14 anos publicou seu primeiro soneto no Periódico dos Pobres. Virou cliente da livraria do jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito, onde chegou a trabalhar como revisor de provas. A livraria sediava a “Sociedade Petalógica”, ou seja onde se “estudava” a mentira, a lorota etc. Mais tarde, Machado escreveu: “Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná”.

Em 1855, seu amigo Brito publicou mais dois de seus poemas: Ela e A palmeira na Marmota Fluminense, a revista da livraria. No ano seguinte, por indicação de Paula Brito, passou a trabalhar como aprendiz de tipógrafo e revisor na Imprensa Nacional, onde fez amizade com Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias, que o estimulou na carreira literária. Trabalhou aí por 2 anos e em 1858 foi convidado pelo poeta Francisco Otaviano para trabalhar como cronista e revisor do Correio Mercantil. Aos 20 anos fazia parte do métier intelectual carioca cultivando o Teatro. Em fins de 1859 escreveu o libreto da ópera Pipelet, que não foi bem recebido pelo público. Escreveu mais um libreto para a ópera As bodas de Joaninha, que também não foi bem recebido.

Pouco depois foi convidado por Quintino Bocaiúva para trabalhar no Diário do Rio de Janeiro, onde permaneceu de 1860 a 1867, sob a supervisão de Saldanha Marinho. Na época colaborou com outros jornais e revistas usando pseudônimos. e publicou a coletânea de poesias Crisálidas. Em 1865 fundou a “Arcádia Fluminense”, agremiação artístico-literária para promover saraus e reunir os intelectuais. No ano seguinte escreveu: “A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão”. Certamente a Arcádia foi um prenúncio da ABL-Academia Brasileira de letras, fundada 32 anos depois.

Por essa época, Machado era mais um “homem de teatro’ do que escritor. Era um “rato de coxia”, como se dizia, e frequentava as rodas de teatro junto com José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e outros. Chegou a aprender grego para se familiarizar com o teatro antigo. Em 1867 foi nomeado, por Dom Pedro II, diretor-assistente do Diário Oficial. Dado suas ideias progressistas, foi anunciado como candidato a deputado pelo Partido Liberal do Império, mas logo desistiu para se dedicar às letras. Por essa época conheceu Castro Alves, encaminhado por José de Alencar com o bilhete: “Seja o Virgílio do jovem Dante, conduza-o pelos ínvios caminhos por onde se vai à decepção, à indiferença e finalmente à glória, que são os três círculos máximos da divina comédia do talento”. Pouco depois Machado escreveu sobre o jovem poeta baiano: “Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro”.

Em seguida conheceu Carolina Augusta Xavier de Novais, uma portuguesa culta, por quem logo se apaixonou e se casaram em 1869. Conta-se que ela retificava seus textos durante sua ausência e que talvez tenha contribuído para a transição de sua narrativa convencional à realista. O casal viveu no casarão da Rua Cosme Velho por 35 anos. Em fins do século XIX, um grupo de intelectuais inspirados na Academia Francesa, decidiram criar a ABL e encontraram em Machado um apoiador entusiasmado pela ideia. Precisavam de um presidente sobre o qual não pairasse dúvidas quanto a sua competência e houvesse unanimidade sobre a escolha. Machado era o nome talhado para o cargo e a Academia foi instalada em 20/7/1897. (continua no próximo domingo)

 

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 01 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: RUTH DE SOUZA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ruth de Souza

José Domingos Brito

Ruth Pinto de Souza nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12/5/1921. Atriz e uma das grandes damas da dramaturgia brasileira. Foi a primeira brasileira indicada ao prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, em 1954, com o filme Sinhá Moça; a primeira atriz negra a protagonizar uma novela – A Cabana do Pai Tomás – na televisão, em 1969, e primeira mulher negra a atuar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

 

Nascida numa família humilde do subúrbio carioca, mudou-se para uma fazenda em Minas Gerais, onde viveu até os 9 anos, e volta a morar no Rio de Janeiro com a morte do pai. O interesse pelo teatro se deu logo cedo, ingressando no grupo Teatro Experimental do Negro, em 1945, liderado por Abdias do Nascimento. Neste ano, foi o 1º grupo de teatro negro a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neil.

Sua primeira grande atuação se deu em 1947, com a peça O filho pródigo, de Lucio Cardoso. Em 1948 foi indicada por Pascoal Carlos Magno para receber uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller. Passou um ano nos EUA, onde frequentou a Universidade de Harvard, escola de teatro Karamu House e American National Theater and Academy. Na volta ao Brasil, estreou no cinema com o filme Terra Violenta. Na década de 1950, com o surgimento da TV, passou a atuar em teleteatros da TV Tupi. Sua atuação, em 1959, na peça Oração para uma negra, de William Faulkner, lhe rendeu os principais prêmios da temporada.

Em seguida fez sucesso na televisão com a novela A Deusa Vencida (1965), de Ivani Ribeiro, na TV Excelsior. Foi o detonador dos grandes índices de audiência que notabilizaram o gênero televisivo-literário que o País espelha e agora espalha pelo mundo. Sua atividade possibilitou a reconfiguração do imaginário cultural em relação a população negra. Participou de inúmeras produções no teatro, cinema e TV e foi agraciada como atriz com os prêmios: Troféu APCA (1976), Festival de Gramado (2004), Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro (2016), Prêmio Dandara da ALERJ (2017) e 5º Festival de Cinema Internacional (2018).

Em 2016 foi homenageada com a mostra “Pérola Negra: Ruth de Souza”, exposta no Centro Cultural Banco do Brasil. Em 2019 recebeu mais uma homenagem no carnaval, com o enredo da Escola de Samba Acadêmicos de Santa Cruz: “Ruth de Souza –Senhora da Liberdade- Abre as Asas Sobre Nós”. Foi a última homenagem em vida e veio a falecer 4 meses depois, em 28/6/2019, aos 98 anos. Outras homenagens ocorreram em janeiro de 2021, no mês de seu centenário.

Na ocasião, o pesquisador Breno Lira Gomes, curador da mostra, declarou que ela “precisa, a cada ano, ser lembrada e mostrar para cada geração que vai surgindo a importância que ela tem, principalmente para os atores e para as atrizes negras pelo fato dela junto com o Grande Otelo terem aberto as portas do cinema, do teatro e da televisão para que todos os atores e atrizes pudessem ter seu espaço, que não fossem meros coadjuvantes, meros participantes do cenário artístico aqui no Brasil”.

Nas comemorações de seu centenário, em 2021, a Prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou o “Teatro Municipal Ruth de Souza”, no bairro de Santa Teresa. Sua biografia escrita por Maria Angela de Jesus – Ruth de Souza: estrela negra -, publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo, apresenta amplo retrato de sua trajetória e legado.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de setembro de 2023

AS BRASILEIRAS: ANNA ROSA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Anna Rosa

José Domingos Brito

 

 

 

Anna Rosa Termacsics dos Santos nasceu em 1821, na Hungria e veio para o Brasil, com a família, aos 7 anos. Professora de piano, canto e alfabetizadora, foi precursora do movimento feminista brasileiro ao publicar o livro, em forma de manifesto: Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar, em 1868. Tal direito foi alcançado no mundo em 1893 (Nova Zelândia) e no Brasil apenas em 1932.  

Filha de Antônio Termacsics e mãe desconhecida pelas fontes, foi descoberta pela historiadora Cristiane de Paula Ribeiro a partir de uma investigação, iniciada em 2016, para sua dissertação de mestrado. Descobriu primeiro seu nome, pois o Tratado traz na capa e página de rosto apenas a sigla A.R.T.S. Outras descobertas se deram com o entusiasmo da pesquisadora no encontro com a feminista tão precoce na história. Ficou sabendo que pertencia a uma família de posses; que gostava de ler; estudou aritmética, filosofia e história e devia ter uma boa biblioteca em casa.   

A vinda da família para o Brasil deveu-se a perda de uma fortuna em processo judicial tido como “injusto e ruinoso”. O pai era agricultor e comerciante de vinhos conhecido na região. Aqui a família viveu na região de Taubaté, mudando-se para o Rio de Janeiro em meados de 1850. A família mantinha uma escola, onde ela, aos 15 anos, passou a dar aulas de piano, corte, costura e bordado. Manteve a docência, sobretudo a musical, até sua morte em 15/1886.

Foi uma mulher que trabalhou muito para manter seu sustento, vivendo em pequenos sobrados nas redondezas do centro do Rio de Janeiro. Além de trabalhar como professora de piano e canto, lecionou idiomas e alfabetização em algumas residências e colégios. Não se casou nem teve filhos, condição que dificultava sua vida num ambiente em que a mulher tinha poucas condições de se manter só e dignamente. Poucos antes de falecer, ainda se via seu nome anunciado em jornais como professora.

Seu Tratado conta com uma dupla reivindicação, ambas pioneiras: o reconhecimento da mulher como cidadã e o direito ao voto. Não é pouca coisa, visto que se deu em meados do século XIX. O livro foi publicado pela Tipografia Paula Brito, um nome conhecido no métier cultural da época, cuja editora era frequentada por Machado de Assis, Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo entre outros. Foi reeditado em 2022, incluído na série “Vozes Femininas” na Edições Câmara (dos Deputados), com prefácio e notas da pesquisadora Cristiane de Paula Ribeiro, cuja dissertação de mestrado traz o título A vida caseira é a sepultura dos talentos: gênero e participação política nos escritos de Anna Rosa Termacsics dos Santos (1850-1886), disponível na Internet.

A fim de termos uma ideia do conteúdo do livro, reproduzimos algumas partes, onde autora expõe suas reflexões sobre a emancipação da mulher: “Para interesse tanto dos homens como das mulheres, e do melhoramento do mundo, no mais largo senso, a emancipação da mulher, que o mundo moderno se gaba que tem efetuado (…), não pode parar aí”. Sobre o sufrágio feminino, sua reivindicação é mais objetiva: “O protesto das mulheres não é contra um abuso especial, mas contra um inteiro sistema de injustiças; e a importância particular do sufrágio político para a mulher é porque ele parece ser o símbolo de todos os seus direitos”.

Sobre a educação dispensada à mulher, que tinha um curriculum diferenciado do homem, suprimindo algumas matérias básicas, sua reflexão é um desabafo: “só a educação faz a diferença; diz-se que a mulher é deserdada da natureza, é destituída do espírito de invenção, que nada tem produzido; que o homem é astrônomo, poeta, maquinista e descobridor de terras; mas se ele recebesse a triste educação da mulher, que só serve para pasto do despotismo do homem, quero saber que habilidades ele adquiriria”.

 
Tratado sobre a emancipação política da mulher e ... - YouTube

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 30 de agosto de 2023

OS BRASILEIROS: CORNÉLIO PIRES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

OS BRASILEIROS: Cornélio Pires

José Domingos Brito

 

 

 

Cornélio Pires nasceu em 13/7/1884, em Tietê, SP. Poeta, escritor, compositor, jornalista, cineasta, folclorista, humorista e etnógrafo, foi um tipo de showman da cultura caipira. Foi também empresário e pioneiro da indústria fonográfica gravando seus próprios discos. Sua obra constiui-se num relevante registro do dialeto caipira.

 

Filho de Ana Joaquina de Campos Pinto e Raimundo Pires de Campos Camargo, teve os primeiros estudos com um mestre-escola ambulante. Em seguida, a família mudou-se para a cidade, passando a estudar no Grupo Escolar Luiz Antunes. Aos 15 anos foi trabalhar no jornal O Tietê, como aprendiz de tipógrafo e tomou gosto pela imprensa. Aos 17 foi ganhar a vida em São Paulo e trabalhou nos grandes jornais da capital. Em 1904 fez diversas reportagens sobre a Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro.

 

Pouco depois passou a viajar pelo interior fazendo shows como humorista caipira e em 1910 publicou o livro: Musa caipira, onde apresenta as primeiras “poesias dialetais” registradas em livro. No mesmo ano apresentou no Colégio Mackenzie um espetáculo reunindo catiriteiros, cururueiros e duplas caipiras. Foi a primeira apresentação da cultura capira na capital. Devido ao sucesso da apresentação, montou um show humorístico, com anedotas, causos e imitações caipiras, encerrando com duplas de violeiros e cantadores de modas.

 

Viajou pelo País levando seu show e difundindo a cultura caipira paulista com livros e palestras, que lhe rendeu o título de “Bandeirante do Folclore Paulista”. Durante as comemorações do centenário da Independência, em 1922, realizou diversas palestras e apresentações junto com o maestro Eduardo Souto. Em 1924 dirigiu seu primeiro filme -Brasil pitoresco-, retratando suas viagens e mostrando características e aspectos sociais de diversos grupos e comunidades do País. Publicou mais de 20 livros, incluindo As estrambóticas aventuras de Joaquim Bentinho (1924), de grande sucesso, tornando-se o maior best-seller.

 

Foi pioneiro na gravação de discos 78rpm, ao gravar a primeira moda de viola -Jorginho do Sertão- lançada em 1929 e passou a ser chamado de o “Pai da música sertaneja”. Ele fez a adaptação da música caipira ao formato fonográfico e à natureza do espetáculo circense, já que a música caipira é originalmente música litúrgica do catolicismo popular, presente nas folias do Divino, no cateretê e na catira. Em seu livro Conversas ao pé do fogo, vemos o etnólogo ao fazer uma descrição dos diversos tipos de caipiras, incluindo um “Dicionário do Caipira”. Noutro livro -Sambas e Cateretês- recolheu inúmeras letras de composições populares, que teriam caído no esquecimento, caso não estivessem registradas neste livro.

 

Sua importância como pesquisador é reconhecida no meio acadêmico, como se vê nas citações de sua obra feitas por Antônio Candido em seu livro Os Parceiros do Rio Bonito. Na gravação da música Moda de peão, ele inicia com uma explicação: “Moda de viola cantada por dois genuínos caipiras paulistas. Este é o canto popular do caipira paulista em que se percebe bem a tristeza do Índio escravizado, a melancolia profunda do Africano no cativeiro e a saudade enorme do Português saudoso da sua Pátria distante. Criado, formado nesse meio o nosso caipira, a sua música é sempre dolente, é sempre melancólica, é sempre terna. Eis a ‘Moda do Peão’".

Monteiro Lobato e Cornélio Pires foram contemporâneos e ambos trataram sobre o caipira; porém, de modos opostos. Enquanto Lobato vê o caipira como um ente vegetativo, indolente e preguiçoso, Cornélio procura valorizar sua cultura, porque entende ser essencial ao futuro do país integrar populações à margem da modernidade. A partir de 1935 iniciou um programa na Radio Difusora de São Paulo, onde apresentava seus discos, causos e duplas caipiras de violeiros. O programa tinha vasta audiência no Estado e no Brasil. No mesmo ano, levou o caipira às telas do cinema, dirigindo o filme Vamos passear, com a dupla Sorocabinha e Mandy no papel principal. É o primeiro filme “sonoro” independente do Brasil.

 

Não obstante ser presbiteriano, tomou contato com vários fenômenos espíritas em suas viagens e algumas comunicações com o espírito Emílio de Menezes. Passou a estudar as obras de Allan Kardec, León Denis e alguns livros do então jovem Francisco Xavier. Nos anos  1944-1947 publicou os livros "Coisas do outro mundo" e "Onde estás, ó Morte?". Era tio de José Herculano Pires, conhecido autor espírita e faleceu em 17/2/1958, quando se dedicava à redação do livro Coletânea Espírita. Pouco antes de falecer, retornoou à Tietê, adquiriu uma chácara e fundou a “Granja de Jesus”, um lar para crianças desamparadas, que não chegou a ver implantada. Sua memória é cultuada em Tietê através de um monumento (herma) na praça central, do Instituto Cornélio Pires (www.corneliopires.com.br) e  da “Semana Cornélio Pires”, realizada desde 1959, na segunda quinzena de agosto.   Dentre suas biografias, vale citar os livros de Jofre Martins Veiga: A vida pitoresca de Cornélio Pires (1961) e de Marcelo Dantas: Cornélio Pires, criação e riso (1976).  

  

Cornélio Pires documentario - completo - 2018 "60 anos de morte" - YouTube

 

 

 

 

AS BRASILEIRAS: Presciliana Duarte de Almeida

 

2Introdução

PrescilianaDuarte  de  Almeida  foi  uma  poetisa,  escritora,  fundadora  da Academia Paulista  de  Letras,  fundadora  e  diretora  da  revista A  mensageira, considerada  atualmente  a primeira  revista  com  teor  feminista  do  Brasil,e  mulher  doséculo  XX.  Importante  ressaltar que por se tratar do século passado não era comum ver mulheres ativas no campo da educação ou ocupando lugares sociais, diferentes dos afazeres do lar.Foi possível encontrar cópias da revista A mensageira no ano de 1897, buscando pela primeira ediçãofoi possível encontrar a seguinte citação,escrita pela própria Presciliana;Estabelecer  entre  as  brazileiras  uma  sympathia  espiritual,  pela  comunhão  das mesmas  ideias,  levando-lhes  de  quinze  em  quinze  dias  ao  remansoso  lar,  algum pensamento novo –sonho de poeta ou fructo de observação acurada, eis o fim, que modestamente, nos propomos. (ALMEIDA, 1897)3.Entende-se  que  Presciliana  foi  uma  mulher  de  fibra  para  sua  época,e  que  se preocupava com a vida das mulheres que se encontravam cuidando de seuslares.Pela análise da  citação,  é  possível  afirmarque  Presciliana  entendia  que  essas  mulheres  tinham  direito  a Literatura e aum pensamento novo.1Aluna  do  Curso  de  Pedagogia  da  Universidade  Estadual  de  Mato  Grosso  do  Sul  (UEMS),  Unidade  deParanaíba. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).2Doutora  em  Educação  pela  Universidade  Estadual  Paulista  Júlio  de  Mesquita  Filho;  pós-doutorado  em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; pós-doutorado em Educação na Universidade  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (2014).  É  professora  da  Universidade  Estadual  de  Mato  Grosso  do Sul, atuando no curso de Pedagogia e Mestrado em Educação, vinculada à linha de pesquisa História, Sociedade eEducação.3Ortografia original da época, citação direta da revista publicada no ano de 1897.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069138Realizando uma busca no site Googlepelo nome de Prescilianaé possível encontrá-loescrito das seguintes formas: Prisciliana, Presciliana, Prescilliana, Priscilianna. Por se tratar de pesquisa  inicial,  não  foi  possível  encontrar  nenhuma  certificação  de  como  se  escreve corretamente seu nome.Também,  não  foi  possível  encontrar  nenhuma  fotografiadigna  da  escritora,  e  nem pesquisas  que  enfatizem  a  mulher  e  escritora  Presciliana  Duarte  de  Almeida. Dentre  suas várias publicações e o tempo dedicado àLiteratura,Presciliana dedicou parte da sua escrita à Literatura Infantil escolar, tendo publicadodois livros:Páginas Infantis(1908) e O livro das aves: crestomatia4em prosa e verso(1914).Pesquisar e estudar Presciliana éumprazer, pois é importante para a área de pesquisa em  Literatura  Infantil  dar  ênfase  aos  escritores  que  antecederam  Monteiro  Lobato(1882-1948),  preenchendo  a  lacuna  histórica  que  existe  dentro  da  área  de  pesquisas  em  Literatura Infantil.Nesse sentido, como primeira aproximação, o objetivo deste texto é o de reconstituir uma biografia de Presciliana Duarte de Almeida.1.O que é biografia?Por que realizar a biografia de uma escritora?Quando  decidi  realizar  uma  biografia  da  autora  Presciliana  Duarte  de  Almeida,  uma inquietação  surgiu  em  mim  e  em  alguns  colegas  de  pesquisa,  o  que  seria  uma  biografia? Muitos  podem  acreditar  dentro  do  senso  comum  que  essa  éumapergunta  fácil  para  se encontrar resposta, mas  seria fácil mesmo? Qual a importância de realizar a biografia de um autor? Para que ela serve?Respondendo a primeira pergunta sobre:o que  é uma biografia? Encontrei a resposta em  Burke(1997).  Segundo  ele: “[...] a idéia de uma vida ‘escrita’pode  ser  encontrada  na Idade  Média.  O  termo  biographia  foi  cunhado  na  Grécia  no  fim  do  período  antigo.  Antes disso, falava-se em escrevervidas. [...]” (BURKE, 1997, p. 91, grifos do autor)Buscando a resposta para a minha segunda inquietação, após realizar leituras de alguns autores,  achei  de  forma  mais  clara  o  entendimento  que  Burke(1997)traz,  buscando  na história o porquêque se realizavam escritas de biografias. Segundo Burke(1997, p. 87): 4Segundo o dicionário crestomatia  significa: coletânea de trechos em prosa ou verso escolhidos da obra de um ou mais autores, com finalidade didática.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069139No  mundo  antigo  predominaramgovernantes  e  filósofos,  mas  havia  também  um pequeno  espaço  disponível  para  generais  e  literatos.  ComélioNepos  escreveu  não apenas   sobre   comandantesmilitares   como   Aníbal,   mas   também   sobre   Ático. Plutarco   escreveu   sobre   Cícero,enquanto   Suetônio   e   o   gramático   Donato escreveram  sobre  Virgílio.  NoRenascimento,  [...],foram  escritas  biografias  de governantes  comoAlfonso  de  Aragão  e  Cosimo  de Medici,  de  escritores  como Dante  e  Petrarca,de  filósofos  como  Ficino  e  Pico  e  de condottiericomo  NiccoloPiccinino eBraccioMontone. A escolha de capitães de soldados mercenários como heróispode  parecer  estranha  hoje  em  dia,  mas  as  biografias  de  Gattamelata  porDonatello  e  de  Colleoni  por  Verrocchio  nos  lembram  que  os condottieri,  comoos príncipes,  mereciam  estátuas  em  lugares  públicos.  O  repertório  agora  seexpandia para incluir mulheres e artistas (entre eles o compositor Josquin dês Prez, cuja vida foi escrita pelo humanista suíço Glareanus). Os protagonistas debiografias incluíam ainda indivíduos de outras culturas, como no caso dos sultãesde Giovio, ou do Átila(1537)do  húngaro  MiklósOláh,  um  discípulo  de  Erasmo;do Maomé(1543)  do alemão Widmanstetter; ou do Tamerlão(1553) dePerondinus.Por último, responderei a pergunta:paraque serve escrever a biografia de um autor?Na  linha  cronológica  da  Literatura  Infantil,  temos  muitos  espaços  em  branco, muitas lacunas  a  serem  preenchidas.  A  história  da  Literatura  Infantil  Brasileira,segundo  os  estudos realizadosse  iniciacom  Figueiredo  Pimentel(1869 –1914), havendoum  saltocronológicopara  Monteiro  Lobato,  e  depois,para  a  época  da  ditadura  militar, momento  em  que  se consagravam autores como Ana Maria Machado, Cecília Meirelles entre outros.Resgatarautores  e  principalmente  autoras  que  antecederam  Monteiro  Lobato,  que  é considerado   por   grandes   pesquisadores   o   Pai   da   Literatura   Infantil   no   Brasil,   é algo fundamental  para  a  área  de  pesquisas  em  Literatura  voltada  para  as  criançasem  nosso  país. Mostrar  e  relembrar  que houveautores  e  principalmente  autoras,que  foram  importantes  na sua época e que influenciaram toda uma sociedade com seus livrosé o que se pode alcançar com o que apresento neste texto.Esse é o caso de Presciliana Duarte de Almeida, mulher do século XX, que influenciou diretamente toda a história da Literatura Infantil antes de Lobato, mulher que dedicou parte de sua história como escritora e poetisa preocupando-se em levar textos para leitura decrianças com seus poemas.Buscando  uma  explicação  em  Burke,  ele  afirma  que: “[...]Algumas  coleções  de biografias tinham um objetivo didático: não apenas as vidas de santos, mas também as vidasde artistas [...].”(BURKE, 1997, p. 87).2.Quem foi Presciliana Duarte de Almeida?

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069140Foram  poucos  os  livros e  artigos  encontradosque  citam  Presciliana  Duarte  de Almeida,  ou  que  possibilitam  um  encontro   com  sua  biografia.  Pretendo  realizar  esse levantamento  até o  final  da  pesquisa,  que  será  em julho  do  ano  de  2018;  porém  os  livros, artigos  e  textosque  encontrei até  o  momento trazem  praticamente  asmesmas  informaçõessobre a vida easobrasda autora.Segundo Nelly Novaes Coelho(1984),Presciliana Duartede Almeida foi:Figura feminina de destaque no movimento cultural literário e educacional paulista, no entre séculos. Presciliana Duarte de Almeida nasceu em Pouso Alegre (MG), em 3 de junho de 1867. [...]. Em S. Paulo, vem a falecer aos 77 anos, a 13 dejunho de 1944, sendo enterrada no Cemitério do Araçá. (COELHO, 1984, p. 790).Buscando  por  Presciliana  naenciclopédia  Itaú  Culturalfoi  possível  encontrar  a seguinte informação:Presciliana Duarte de Almeida nasceu em Pouso Alegre –MG no ano de 1867,efaleceu em 1944, na cidade de São Paulo –SP, publicou seu primeiro livro em 1890, intitulado  de Rumorejos,  trabalhou  como  colaboradora  dos  periódicos Almanaque  Brasileiro Garnier, A estação, Rua do Ouvidor e A Semana. Fundou a revista A Mensageira em 1897, e foi diretora da mesma até o ano de 1900, Tornou-se colaboradora da revista Educaçãono ano de 1902, e da revista Alvorada, que era do Grêmio Literário dos alunos do Ginásio Silvio de Almeida, em 1909. Também em 1909 é membro –fundador da Academia Paulista de Letras;em  1906  lança Sombraslivro  de  poesias, Paginas  Infantis em  1908,  em  1910  o Livro  das Aves e Vetiver em 1939.Outra  informação  interessante,  que  foi  possível  localizar  na  Enciclopédia  Itaú  é  que Presciliana também assinava com outro nome que era: Perpétua do Vale.Para minha surpresa, em setembro do ano de 2016, ao participar do 7º SLIJ5, evento de Literatura Infantil e Juvenil, realizado na cidade de Florianópolis/SC, a pesquisadora Marisa Lajolo trouxe um poema6de Presciliana, e fez umacomparação com os e-books757º  Seminário  deLiteratura  Infantil  e  Juvenil,  II  Seminário  Internacional  de  Literatura  Infantil  e  Juvenil  e Práticas de Mediação Literária. Linguagens poéticas pelas frestas do contemporâneo.6Trata-se do poema que pode ser encontrado no livro Páginas infantis de 1910, p. 11-12, a saber: “–Para mim livrobonito/É aquele que tem figuras/Para você não é, Carlitos?”7Livros digitais que são utilizados pelos jovens atualmente.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069141Pode-se encontrar um poucomaisde Presciliana no livro Literatura Infantil Brasileira de  Leonardo  Arroyo.  Segundo  Arroyo,  Presciliana  foi  uma  das  percussoras da  Literatura Infantil e tem grande importância na área.Em  Zalina  Rolim,  Presciliana  Duarte  de  Almeida,  Francisca  Julia  e  Olavo  Bilac, entre  os  precursores  de  nossa  literatura  infantil,  encontramos  as  mais  válidas  vozes da  poesia  para  criança  no  Brasil.  São  quatro  autores  que  nos  deixaram  uma  obra clássica,  classicamente poética,  para  a  infância  mostrando  assim  os  verdadeiros critérios de composição de uma lírica capaz de ser longamente amada pelas crianças. (ARROYO, 1988, p. 217).No  livro Panorama  Histórico  da  literatura  infantil  Juvenilde  Nelly  Novaes  Coelho(1991),  no  tópico Livros  e  Autoresencontramos  a  seguinte  citação  sobre  Presciliana  e  sua obra Páginas Infantis (1908);Figura feminina de destaque no movimento cultural, literário e educacional paulista, no  entre  séculos,  a  mineira  Presciliana  Duarte  de  Almeida  (1867/1944)  teve  ação importante  na  divulgação  das  novas  idéias  feministas  e  educacionais.  Incentiva  a criação da revista estudantil A Aurora(no Ginásio Silvio de Almeida –SP), escreve peças  de  teatro  que  leva  a  encenação  pelos  escolares  e,  em  1908,  publicaPáginas Infantis,  coletânea  de  estorietas  referendadas  por  uma  carta –prefácio  de  João Kopke. Em 1914, escreve o livro de leitura O Livro das Aves (crestomatia em prosa e verso), adotado em várias escolas paulistas.(COELHO, 1991, p. 219).O  site  da Universidade  de  Campinas  (UNICAMP)  tem  um  tópico  dedicado  às memórias  da  Literatura  Infantil.  Nele,é  possível  encontrar  a  seguinte  informação  sobre  a autora pesquisada:Presciliana  Duarte  de  Almeida  nasceu  em  Pouso  Alegre  (MG)  em  3  de  junho  de 1967.  Primade  Júlia  Lopes  de Almeida  e  Adelina  Lopes  Vieira.  Após casar-se muda-se    para    São    Pauloonde    funda,    em    1889,    a    revista feministaA Mensageira.Participa da fundação da Academia Paulista de Letras em 05 de outubro de  1909  onde  ocupa  a  cadeira  nº  8,  escolhendo  a  poetisa  Bárbara  Heliodora,  sua trisavó,  como  patrona. Morreu  aos  77  anos,  em  São  Paulo,  em  13  de  junho  de 1944.1908 -Página Infantis1914 -O Livro das Aves(UNICAMP, 2017).Realizando  busca  no siteda  Academia  Paulista  de  Letras deque  Presciliana  foi fundadora,  ocupando  a  cadeira  de  número  oito,  foi possívellocalizar cinco  resultados  em Discursos  e  um  resultado  em Memória.  Quando  realizei  a  busca  pelo  nome  escrito  como Presciliana  não  localizei  nenhuma  informação,  foi  possível  localizar  essas  informações  a partir  do  momento  em  que  digitei  o  nome  da  autora  da  seguinte  forma:  Prisciliana.  Como citado anteriormente não consegui nenhuma confirmação,ainda, de como seu nome é escrito

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069142corretamente,  a  pesquisa  está  em  fase  inicial,  e  esse  problema  é  um  dos  que  pretendo encontrar respostae solução até o final da pesquisa.Aliás,  a  título  de  curiosidade,  se  bem  que  en  passant,  gostaria  de  assinalar  duas peculiaridades  no  nascedouro  desta  Academia:  primeiro,  o  fato  de  haver  entre  os acadêmicos uma grande farturade  médicos sete entre 40 membros, talvez pelo fato de  o  próprio  fundador  ter  sido  um  ilustre  profissional  da  Medicina;  e,  depois,  pela presença  de  uma  mulher,  a  poeta  Prisciliana  Duarte  de  Almeida,  que  se  fez acompanhar,  no  colegiado,  de  seu  primo  e  marido,  também  poeta,  Silvio de Almeida. (SOUZA,2016).Ainda no discurso de Paulo Nathanael Pereira de Souza ele faz mais uma referênciaa Presciliana:Por  20  anos,  Maria  de  Lourdes,  dentro  da  tradição  inaugurada  pela  presença feminina  de  Prisciliana  de  Almeida  na  Academia,  ocupou  seu  posto  entre  os imortais, trabalhando incansavelmente, fosse a  favor do fortalecimento institucional deste cenáculo, fosse na produção literária em prosa e verso de sua obra, esse legado de incontáveis e imperecíveis riquezas com que nos herdou.(SOUZA, 2016).No  discurso  de  boas  vindas  da  acadêmica  Anna  Maria  Martins  para  desejar  as  boas-vindas à escritora Ruth Rocha:Na área da cultura literária, Maria de Lourdes Teixeira, a primeira mulher eleita para a Academia Paulista de Letras, abriu-nos o caminho. Prisciliana Duarte de Almeida foi  fundadora.  A  entidade  passou  então  a  acolher  escritoras,  juristas,  historiadoras. Espaço livre  para  a  intelectual com trabalho de  relevância  no panorama  cultural  do país,  a  APL  recebe  a  mulher  com  o  merecido  reconhecimento  por  sua  atividade profissional.(MARTINS,2016).Segundo Paulo Bomfim, no discurso de recepção à escritora Myriam Ellis,Presciliana Duarte  de  Almeida  foi  a  primeira  mulher  a  ocupar  uma  cadeira  na  Academia  Paulista  de Letras:Quarenta cadeiras representam bem o espírito do solo onde estão plantadas. Nelas se assentam  intelectuais  de  todos  os  quadrantes  do  país.  Aqui  se  encontram  com  o gaúcho  Freitas  Valle,  os  catarinenses  Affonso  de  Taunay  e  Monsenhor  Manfredo Leite,  os  paranaenses  Eurico  Branco  Ribeiro  e  Ernani  da  Silva  Bruno,  os  mineiros Basílio  de  Magalhães,  Aureliano  Leite  e  Prisciliana  Duarte  de  Almeida  que  deu  à Academia  Brasileira  de  Letras  o  exemplo  da  primeira  mulher  Acadêmica.  Aqui estiveram  também  o  paranaense  Afranio  do  Amaral,  o  maranhense  Carlos  Alberto Nunes, o sergipano Cleomenes Campos, o carioca Luiz Martins, o baiano Fernando Góes,  o  cearense  Raymundo  de  Menezes  e,  até  ontem,  para  alegria  de  todos  nós  o alagoano Ricardo Ramos, hoje habitante de nossa saudade.(BOMFIM, 2016).

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069143Em  outro  discurso  de  recepção,  agora  pelo  acadêmico  Israel  Dias  Novaes,  para  a escritora  Anna  Maria  Martins,  citando  o  nome  de  Presciliana  como  fundadora  e  primeira mulher  a  ocupar  uma  cadeira  na  AcademiaPaulista  de  Letras,  ele  ainda  destaca  que  foi necessário quase meio século depois para outra mulher ocupar outracadeira na Academia.Acadêmica  Anna  Maria  Martins:  Vosso  ingresso  na  Academia  Paulista  de  Letras tem múltiplos significados, inclusive aquele da crescente representação feminina nos nossos quadros. Entre os quarenta patronos escolhidos figurava apenas uma mulher, Barbara  Heliodora,  na  cadeira  de  nº  8,  fundada  por  Prisciliana  Duarte  de  Almeida, poetisas  ambas.  Foram  necessários  mais  de  meio  século  para  que  outra  mulher viesse  a  formar  entre  os  quarenta  imortais:  a  mestra  do  romance  urbano  Maria  de Lourdes  Teixeira,  empossada  em  1969.  Possivelmente,  a  Academia,  assim  tão paradoxalmente masculina, considerasse as escritoras apenas como zelosos repousos do guerreiro.(NOVAES, 2016).Juca  de  Oliveira  em  seu  discurso  de  posse  relembra  e  cita  Presciliana  Duarte  de Almeida, a primeira pessoa e mulher a ocupar a cadeira de número oito que agora se destinava a ele,relembrando e realizando uma breve biografia da autora:[...]Prisciliana Duarte de Almeida, a fundadora da cadeira, poetisa, nasceu em junho de  1867.  Em  1890  publicou  seu  primeiro  livro  de  poesias,  "Rumorejos",  e  a  partir daí desenvolveu intensa atividade literária e cultural. Entre 1897 e 1900, fez circular em  São  Paulo  a  publicação  "A  Mensageira",  de  tendência  feminista,  que  exerceu grande  influência  na  emancipação  da  mulher  brasileira.  Inicialmente  destinada  à produção  literária,  seus  artigos  passaram  a  exigir  mais  direitos  para  as  mulheres, ampliação  do  mercado  de  trabalho  feminino  e  uma  educação  de  melhor  qualidade. Em 1938, aos 75 anos, editou ‘Vetiver’, seu último volume de poesia.(OLIVEIRA, 2016).Ainda  em  seu  discurso  de  posse  Juca  de  Oliveira  faz  outra  citação  de  Presciliana, quando  cita  o  teatro  e  afirma  a  importância  da  revista A  Mensageira,  fundada  em  1897  pela escritora. Não fazemos teatro por dinheiro, ou por vaidade. Fazemos teatro para exercer nossa função estética e social, que é mudar o homem; torná-lo melhor, mais afetivo, mais generoso,  mais  solidário  e  sobretudo,  menos  predador.  O  teatro  abre  picadas,  cria modelos  novos  de  cultura,  e  socializa  comportamentos.  Para  citar  um  exemplo,  a nossa  querida  Prisciliana  Duarte  de  Almeida,  com  absoluta  certeza,  engendrou  sua revista  "A  Mensageira",  inspirada  pela  Nora,  de  "A  Casa  de  Bonecas"  de  Ibsen,  o primeiro  manifesto  feminista,  levado  ao  palco  em  1978.  Sem  essa  personagem criada  por  Ibsen,  as  mulheres  não  teriam  atingido  a  posição  que  têm  hoje  na sociedade!(OLIVEIRA, 2016).

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069144No tópico das Memórias,aindapesquisandono site da academia,Presciliana foi citada da seguinte forma:‘Então  é  bom  dizer  bem  alto  que  dessa  Academia  fazem  parte  os  literatos  e  poetas —D.  Prisciliana  de  Almeida,  Dr.  Freitas  Guimarães,  o  velho  Carlos  Ferreira, Benedito  Otávio,  Alberto  Faria,  Basílio  de  Magalhães,  Dr.  Raul  Soares  de  Moura, Dr.Valdomiro  Silveira,  Dr.Venceslau  de  Queirós’,  Amadeu  Amaral,  que  é  redator chefe  do  "O  Comércio  de  São  Paulo",  e  outros.  E  qual  destes  12  literatos  e  poetas precisa do beneplácito do Dr. Roberto Moreira?...(ACADEMIA, 1911).Ainda no siteda academia, mas agora digitando o nome da autora da seguinte forma: Priscillianafoipossívelencontrar dois resultados:um em acadêmicos anteriores e outro em Patronos.No  resultado  em  acadêmicos  anteriores encontramos  apenas  as  informações  do número  da  cadeira  que  Presciliana  ocupou,  sendo  a  de  número  oito,  o  patrono: Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira Bueno, o aniversário: 1/1/11118, e a data de posse que foi em 27/11/1909, data de fundação da academia.Como citado anteriormente abusca pelo nome escrito da seguinte forma: Presciliana e Priscilianna não trouxeram nenhum resultado. Na obra de referência para a Literatura Infantil, escrita por Lajolo e Zilberman(2007, p.  28), Literatura  Infantil: história  &  histórias,  foi  possível  localizar  a  seguinte  citação: “Datam  desse  mesmo  período  as  antologias  folclóricas  e  temáticas  estas  últimas  com  o objetivo  de  constituírem  material  adequado  para  celebração  escolares:  [...] Livro  das  aves (1914), de Presciliana D. de Almeida.” 3.Considerações finaisPresciliana  Duarte  de  Almeida  foi  uma  figura  de  extrema  importância  para  a  sua época,  mulher  que  se  preocupava  com  as  outras  mulheres  que  não  obtiveram  a  mesma oportunidade que ela, mulher essa que já vinha de família de escritoras.O  estudo  sobre  a  vida  e  obra  de  Presciliana  Duarte  de  Almeida  tem  extrema importância para a população acadêmica que pesquisa ou que pode vir  a  pesquisara área de Literatura Infantil.8Acredito que essa data não está correta, porém é a informada no site e decidi usar asinformações que o site da academia proporciona.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069145Pode –se  perceber  nesse  breve  levantamento  que  muitas  informações  são  idênticas  e que outras não batem, como por exemplo a publicação do livro Páginas  Infantis, que alguns pesquisadores  trazem  como  data  de  publicação  o  ano de  1908  e  outros  o  ano  de  1910.  Por haverpoucosestudossobre a autora é comum encontrar essas incoerências, por isso pretendo com  meu  estudo  e  minha  pesquisa,  tentar  dar  o  máximo  de  coerência  e  informações sustentáveis, nem que para isso, seja necessárioir direto a arquivos, como visitas a cidade de Pouso  Alegre  onde  Presciliana  Nasceu,  ao  antigo  Ginásio  Silvio  de  Almeida  e  à  própria Academia Paulista de Letras.Temos  um  enorme  número  de  pesquisas  voltadas  para  o  autor  Monteiro  Lobato,  não desmerecendo  oautor,  pretendo  jamais  fazer  isso,  temos  consciência  da  importância  de Lobato  para  a  Literatura  Infantil  Brasileira;  mas  precisamos  pensar  e  refletir  sobre  os  que antecederam  Lobato, que talvez, de alguma forma, tiveram alguma influência não só  em sua época, mas também nas histórias pensadas e escritas por Monteiro Lobato.Além  da  importância  de  se  pesquisar  autores  que  antecederam  Lobato,  é  importante ressaltar   que   a   Literatura   Infantil   tem   um   enorme   campo   de   pesquisas,   com   fontes extremamenteinesgotáveis que precisam e devem ser exploradas.Caso  não tenha  tempo  o  suficiente  para encontrar  todas  as  respostas  até  o  final  da pesquisa,  pretendo  continuar  pesquisando  a  autora,  pois  acredito  que  será  de  extrema importância  para  a  área  de  Literatura  e  LiteraturaInfantil  relembrar,  quão  importante  foi  a escritora Presciliana Duarte de Almeida.ReferênciasACADEMIA. A Polêmica. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/memoria.asp?materia=912>. Acesso em: 26 de maio 2017.______. Priscilliana Duarte de Almeida. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/osacademicos.asp?materia=76>. Acesso em: 26 de maio 2017.ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos. 1988. 248 p.ALMEIDA, Presciliana Duarte de. Revista A mensageira. Anno 1, n.1. São Paulo. 1987. Disponível em:

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069146<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/per352438_contente/per352438_item1/P2.html>. Acesso em maio2017BOMFIM, Paulo. Discurso de Recepção pelo Acadêmico Paulo Bomfim. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1003>. Acesso em: 26 de maio 2017.BURKE, Peter. A invenção da biografia e o individualismo renascentista. Revista Estudos Históricos, v. 10, n. 19, p. 83 –97, maio de 1997. Trad. José Augusto Drummond.Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2038/1177>. Acesso em: 27 de maio 2017.COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira1882-1982. 2. ed. São Paulo: Quíron, 1984.COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da literatura Infantil Juvenil. 4.ed.São Paulo: Ática S. A., 1991. 288 p.ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.PRESCILIANA Duarte de Almeida. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa6192/presciliana-duarte-de-almeida>. Acesso em: 26de maio.2017. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Marisa. Literatura Infantil Brasileira: História & Histórias.São Paulo: Ática, 2007. 186 p.MARTINS, Anna Maria. Discursode Recepção pela Acadêmica Anna Maria Martins.In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1015>. Acesso em: 26 de maio 2017.NOVAES, Israel Dias. Discursode Recepção pelo Acadêmico Israel Dias Novaes.In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=987>. Acesso em: 26 de maio 2017.OLIVEIRA, Juca. Discurso de Posse. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=937>. Acesso em: 26 de maio 2017.SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de Souza. Discurso de Posse. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1016>. Acesso em: 26 de maio 2017.UNICAMP. Presciliana Duarte de Almeida. In: Unicamp. Campinas: SP. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil


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ELA FOI E CONTINUARÁ SENDO A PRIMEIRA - Dona Presciliana Duarte de Almeida ("Perpétua do Vale"), filha do Tenente-Coronel Joaquim Roberto Duarte e de Rita Vilhena de Almeida Duarte ((Pouso Alegre, MG, 03.06.1867 - 13.06.1944, Campinas, SP, "com o corpo trasladado para a cidade de São Paulo para ser sepultado ao lado do marido Sílvio de Almeida" falecido aos 30.03.1924. Presciliana era prima pelo lado materno da também escritora Maria Clara Vilhena da Cunha (Santos, depois de casada). Suas mães eram irmãs. Maria Clara nasceu em Pelotas, RS, aos 18.11.1866. Quando juntas em Pouso Alegre as duas jovens iniciaram-se na literatura fundando o jornalzinho manuscrito "O Colibri", de pequenas tiragem e existência, que era distribuído graciosamente. - Todo esse preâmbulo precede o assunto principal: falar um pouco de dona Presciliana. Depois de Joana Paula Manso de Noronha com o "Jornal das Senhoras" (1852-1855); de Francisca Senhorinha com "O Sexo Feminino" (1860); de Revocata de Melo, com o "Corymbo", o de maior duração (1884-1944); Josefina Álvares de Azevedo com "A Família", SP/RJ, 1888-1897, entre tantos outros periódicos, para encerrar esta prosa com a preciosa revista "A MENSAGEIRA" - Revista literária dedicada à mulher brasileira, S. Paulo. Diretora: Presciliana Duarte de Almeida. Publicação quinzenal. A matéria das colaborações literárias aqui representada pelas figuras da linha de frente de nossa literatura encontra-se em seus vários segmentos. Depois de mais esse "dedo de prosa" iremos ao assunto principal: A ELEIÇÃO PARA A FUNDAÇÃO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS em 1909. Entre outras exigências a de ter obra literária publicada. Na ala feminina a mineira Presciliana Duarte de Almeida, radicada na capital paulista onde já fundara e dirigira a revista literária "A MENSAGEIRA" de 1897 a 1900 e aí publicara seu livro de versos "SOMBRAS" prefaciado pelo Conde de Afonso Celso (Afonso Celso de Assis Figueiredo, MG, 1860-1938), impresso em São Paulo por Rothschild & Comp., 1906. O trio feminino de candidatas contava mais com as paulistas Zalina Rolim (Maria Rosalina Xavier de Toledo, 1869-1961), a principal educadora paulista ao final do Séc. XIX e início do XX, foi a criadora e administradora do "Jardim de Infância"; sua obra literária "Coração" (poes.) foi publicada em S. Paulo, 1893; sua obra educativa "LIVRO DAS CRIANÇAS", em vários volumes, foi impresso em Boston (U.S.A.), em 1897, e vasta colaboração em periódicos. - Francisca Júlia da Silva (1872-1920) completa o trio feminino, como autora do livro de versos "Mármores", publicado em São Paulo, 1895, com prefácio do filólogo João Ribeiro (SE, 1860-1934), radicado no Rio de Janeiro. Das três candidatas somente dona Presciliana Duarte de Almeida, juntamente com seu marido, o filólogo Sílvio de Almeida (MG, 1867-1924) foi eleita na mesma eleição. Comentários à época "à boca pequena", maldosos ou não, falavam que ele, o marido, trabalhou muito bem com "cabo eleitoral" da mulher. - O que fica e se eterniza na História são os fatos, que colocam definitivamente dona PRESCILIANA DUARTE DE ALMEIDA como A PRIMEIRA MULHER BRASILEIRA a participar da eleição de fundação de uma Academia de Letras no Brasil e tornar-se co-fundadora. Salve o 27 de Novembro de 1909.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 16 de agosto de 2023

OS BRASILEIROS: JOÃO CAETANO

 

OS BRASILEIROS: João Caetano

José Domingos Brito

 


 

João Caetano dos Santos nasceu em Itaboraí, R.J. em 14/1/1808. Ator, encenador e empresário teatral. Hoje, quando o nome é citado quase ninguém reconhece. É preciso acrescentar Teatro ao nome para saber de quem se trata. Nomeia o primeiro teatro, no Rio de Janeiro, e um importante teatro em São Paulo. É reconhecido como o “Pai do Teatro Brasileiro”.

 

Ainda jovem foi cadete do batalhão do imperador e esteve no Exército participando da Guerra da Cisplatina (1825-28). Mas, logo sentiu-se vocacionado para o teatro e ingressou numa companhia portuguesa. Aí sentiu na pele a discriminação por ser brasileiro, a quem só cabia papéis secundários. O fato causou-lhe certa insatisfação, que foi percebida pelos atores lusitanos. Para humilhá-lo deram-lhe um papel de destaque numa comédia -O chapéu pardo- de texto fraco. O objetivo era derrubá-lo do salto alto. Mas, o tiro saiu pela culatra quando se viu a plateia se contorcer em gargalhadas. Surgia ali um grande autor.

 

Sua estreia como ator profissional se deu aos 23 anos, em 1831, com a peça O carpinteiro da Livônia, mais tarde representada como Pedro, o grande. Em seguida criou a Companhia João Caetano, em Niterói, junto com um elenco de atores brasileiros. Em 1838 interpretou o papel principal da tragédia António José, ou o poeta e a inquisição, de Gonçalves de Magalhães, o primeiro drama brasileiro, seguido da primeira comédia: O juiz de paz na roça, de Martins Pena. Foi o primeiro ator brasileiro a interpretar Shakespeare, sob a influência do poeta e dramaturgo Domingos José Gonçalves de Magalhães, em traduções realizadas pelo próprio Magalhães. Antes disso, as montagens de Shakespeare no Brasil utilizavam versões em português lusitano. Hamlet foi a primeira peça a ser traduzida ao português do Brasil. 

 

Ainda em 1938 foi condecorado com medalha de bronze, consagrando-o como o “Talma Brasileiro”, -numa referência a François-Joseph Talma, o maior ator francês da época- e equiparando-o a um ator da linhagem clássica. A plateia ficava encantada com seus arroubos tocados de entusiasmo. Vale ressaltar que o ator surge diante um teatro precário, onde eram raras as cenas com mulheres atrizes, após o edito de D. Maria I, que as proibia de representar. Em muitos casos as mulheres eram substituídas por atores com perucas mal ajambradas e voz masculina. Visando corrigir tal situação, ele preconizava uma junção da “Comédie française” com o mecenato da corte trazido por D. João VI em 1808. Sua intenção era obter do Governo um mecenato no sentido estrito, um tipo de proteção esclarecida e não um estado paternalista.

 

Conseguiu realizar, em parte, seu ideal de teatro. O Imperial Theatro de São Pedro Alcântara foi-lhe concedido, junto com uma subvenção mensal de 2 contos de reis. Aos poucos a subvenção da Corte foi aumentada para 3 e, mais tarde, 4 contos de reis. Ali o teatro passa a existir, de fato, ou seja, profissionalmente, com uma plateia comporta na maior parte de portugueses ou portugueses naturalizados. O teatro foi inaugurado em 1813 como Real Teatro São João. Em 1826 passou a se chamar Imperial Teatro São Pedro de Alcântara; em 1839 mudou para Teatro Constitucional e se manteve até fins da década de 1920, quando foi demolido, dando origem ao prédio atual, batizado de Teatro João Caetano. Durante muito tempo os cariocas lamentaram a demolição do antigo teatro e seu imponente prédio.  

 

Foi autodidata no estudo do teatro e tinha preferência pela tragédia, mas representou alguns papéis cômicos. Em 1860 fez apresentações em Lisboa e visitou o Conservatório Real, em Paris. Na volta ao Brasil organizou uma escola de arte dramática, onde o ensino era gratuito. Promoveu a criação de um júri, a fim de estimular e premiar a produção nacional. Segundo o pesquisador José Galante de Souza, ele “dotado de verdadeira intuição artística, reformou completamente a arte dramática no Brasil... substituiu aquela cantilena pela declamação expressiva, com inflexões e tonalidades apropriadas, ensinou a representação natural, chamou a atenção para a importância da respiração e mostrou que o ator deve estudar o caráter da personagem que encarna, procurando imitar, não igualar a natureza”. Visando a formação de atores, publicou dois livros: Reflexões dramáticas (1837) e Lições dramáticas (1862). 

 

Quando retornou da Europa foi acometido por uma moléstia grave e veio a falecer, aos 55 anos, em 24/8/1863. Digno representante dos “homens de teatro”, preparou a cena de seu sepultamento e deixou registrado de próprio punho: “Vistam o meu cadáver com o hábito de São Francisco e coloquem-lhe no peito o hábito de Cristo com que meu pai foi sepultado; encerrem-no em um caixão pintado ou forrado de paninho e conduzam-no ao cemitério na sege mais pobre que houver, acompanhando-o somente o meu compadre Afonso e o capuchinho Frei Luiz”. Este último item não foi cumprido e uma multidão seguiu o féretro. Por iniciativa do ator Francisco Correia Vasques, mais tarde, foi homenageado com uma estátua em bronze e tamanho natural frente ao teatro que leva seu nome, na Praça Tiradentes.

 

Como biografia, temos um apurado trabalho de Décio de Almeida Prado com o livro João Caetano, lançado pela Editora Perspectiva, em 1972, onde, além de cuidadoso levantamento biográfico, apresenta reavaliação crítica do significado histórico-estético de uma época de afirmação de uma arte teatral autóctone. Mais tarde o mesmo autor decidiu aprofundar o caráter artístico do ator e publicou, em 1984, João Caetano e a arte do ator: estudos críticos, pela Editora Ática.

 

PEÇA CELEBRA ENSINAMENTOS DO ATOR JOÃO CAETANO

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 09 de agosto de 2023

AS BRASILEIRAS: ELISA FROTA PESSOA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Elisa Frota Pessoa

José Domngos Brito

 


 

Elisa Esther Habbema de Maia nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 17/1/1921. Física experimental e professora, foi uma das pioneiras da ciência no Brasil e uma das primeiras a se formar em Física. Foi cofundadora do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e destacou-se na área da Física Nuclear.

 

Filha de Elisa Habbema de Maia e Juvenal Moreira Maia, passou a se interessar pela ciência no curso ginasial, sob a influência do professor de Física Plinio Sussekind da Rocha. Ingressou no curso de Física da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, atual UFRJ, e graduou-se em 1942. Já no segundo ano do curso, foi convidada pelo professor Joaquim da Costa Ribeiro para ser assistente e trabalhou sem renumeração até 1944, quando foi contratada pela universidade. 

 

Aos 18 anos casou-se com seu ex-professor, o  biólogo Oswaldo Frota-Pessoa, com quem teve dois filhos. Em 1951 separou-se do marido e passou a viver com o físico Jayme Tiommo, um nome reconhecido na área. Assim, passou a integrar uma plêiade de cientistas, tais como José Leite Lopes, Cesar Lattes e Mario Schenberg, promotores da ciência no Brasil. Não obstante o fato de ser uma cientista, sofreu preconceitos pelo fato de ser uma mulher separada numa época em que não havia divórcio.

 

Nos anos 1942-1969, teve participação ativa na luta para vencer o proconceito contra o trabalho da mulher, atuando como chefe da Divisão de Emulsões Nucleares do CBPF, que ajudou a fundar em 1949. Publicou seu primeiro artigo -Sobre a desintegração do méson pesado positivo- nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, em 1950, junto com sua colega Neusa Margem, com o qual obteve pela primeira vez resultuados que apoiavam a teoria “V-A” das interações fracas. Noutro artigo, publicado em 1969, pôs fim a uma longa controvérsia sobre a possibilidade do “méson n” ter “spin” diferente de zero. Além destes trabalhos, colaborou com pesquisadores europeus no estudo dos “mésons K”.

 

Em 1965 mudou-se para Brasília, indo lecionar na UnB e pouco depois transferiu-se para a USP-Universidade de São Paulo, onde lecionou até abril de 1969, quando foi aposentada compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5, promulgado pela ditadura militar no ano anterior. Não podendo mais lecionar aqui, foi trabalhar na Europa e Estados Unidos, colaborando na formação de físicos brasileiros.

 

De volta ao Brasil, passou a colaborar na montagem de um laboratório de emulsões na PUC/SP-Pontifícia Universidade Católica junto com Ernst Hamburger, do IFUSP-Instituto de Física da USP. Em 1980 reassumiu seus trabalhos no CBPF e implantou um laboratório de emulsões nucleares para estudo da espectroscopia nuclear e permaneceu como professora emérita do Centro até 1995, aos 74 anos.

 

Faleceu em 28/12/2018, aos 97 anos, e deixou um legado científico composto de diversos artigos e estudos publicados nas principais revistas internacioanais. Sobre sua trajetória de vida, temos um belo ensaio biográfico -Elisa Frota-Pessoa: suas pesquisas com emulsões nucleares e a Física no Brasil- publicado na revista “Cosmo & Contexto”, de outubro de 2012, juntamente com uma entrevista comandada por Maria Borba e disponível na Internet.

 

Elisa Frota Pessoa, a menininha que adorava Física. - YouTube

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 26 de julho de 2023

AS BRASILEIRAS: ENEDINA MARQUES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Enedina Marques

José Domingos Marques

 


 

Enedina Alves Marques nasceu em 13/1/1913, em Curitiba, PR.  Professora, primeira engenheira negra no Brasil e primeira mulher engenheira com destacada atuação profissional em seu Estado.

 

Filha de Virgília Alves Marques e Paulo Marques, que chegaram a Curitiba em 1910. A mãe trabalhava como empregada doméstica na casa do major Domingos Nascimento Sobrinho, que tinha uma filha da mesma idade de Enedina. Como as duas famílias se davam bem, o major bancou os estudos de Enedina, para que ela fizesse companhia a sua filha. As duas concluíram o curso Normal em 1935 e passaram a lecionar no interior do Estado: São Mateus do Sul, Cerro Azul e Campo Largo.

 

De volta a Curitiba, em 1936, ingressou num curso supletivo e passou a morar (e trabalhar) na residência do casal Mathias e Iracema Caron, no bairro do Juvevê, seus novos benfeitores. Ela não era formalmente empregada da família, mas pagava a guarida com alguns serviços domésticos. Pouco depois, ingressou no curso complementar em pré-Engenharia no Ginásio Paranaense (atual Colégio Estadual do Paraná) no período noturno, enquanto ainda residia com a família Caron. 

 

Em 1940 ingressou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná e formou-se em Engenharia Civil, em 1945. Antes dela, apenas dois negros se formaram em engenharia naquela faculdade. No ano seguinte foi contratada como auxiliar de engenharia na Secretaria de Viação e Obras Públicas. Como funcionária pública ocupou os cargos de chefia da Divisão de Hidráulica e Divisão de Estatística. Em seguida, o governador Moisés Lupion concedeu-lhe transferência para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, onde trabalhou no Plano Hidrelétrico do Estado e atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.     

 

Conta-se que sua melhor atuação como engenheira se deu na Usina Capivari-Cachoeira. Apesar de vaidosa, usava macacão nos canteiros de obras e carregava uma arma na cintura, e de vez em quando disparava tiros para o alto para se fazer respeitar entre os homens da construção. Posteriormente dedicou-se a engenharia civil e atuou com desenvoltura na construção do Colégio Estadual do Paraná e na Casa do Estudante Universitário de Curitiba. Em 1958, o major Domingos faleceu, deixando-a como uma de suas beneficiárias em seu testamento.

 

Devido a sua carreira profissional, foi entrevistada, em 1961, pelo sociólogo Octávio Ianni, para uma pesquisa intitulada “Metamorfoses do escravo”, financiada pela Unesco. Aposentou-se em 1962 e recebeu do governador Ney Braga o reconhecimento de seus feitos na Engenharia, garantindo-lhe proventos equivalentes ao salário de um juiz. Passou a residir num apartamento no centro de Curitiba até agosto de 1981, quando foi encontrada morta, vitimada por um infarto dias antes. Estima-se que tenha falecido em 20/8/1981. Não tinha parentes próximos, nunca se casou nem teve filhos.

 

O Diário Popular, um tabloide sensacionalista, fez uma longa matéria retratando-a apenas como uma idosa excêntrica sem importância alguma e causou grande indignação entre os membros do Instituto de Engenharia do Paraná, que resultou numa razoável polêmica na mídia local e relatando seu legado como engenheira. A partir daí vieram homenagens póstumas: seu nome foi dado a uma rua no bairro Cajuru; recebeu uma inscrição no Memorial à Mulher Pioneira, local construído pelas Soroptimistas, organização internacional dedicada aos direitos humanos, da qual participou; em 2006, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, em Maringá; denominação do trecho da PR-340 na cidade de Antonina. Uma breve biografia ressaltando sua vida profissional foi realizada por Lindamir Salete Casagrande e publicada pela Editora Verso em 2021. 

 

 Conheça a história de Enedina Alves Marques - YouTube

 

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José Domingos Brito - Memorial quarta, 19 de julho de 2023

OS BRASILEIROS: CATULO DA PAIXÃO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

OS BRASILEIROS: Catulo da Paixão

José Domingos Brito

 


 

 

Catulo da Paixão Cearense nasceu em 8/10/1863, em São Luís, MA. Poeta, músico, compositor, teatrólogo e relojoeiro. Conhecido como “Poeta do Sertão”, segundo o musicólogo Zuza Homem de Melo, “quando introduziu em sua poética a linguagem herdada do que ouvia na adolescência vivida no Nordeste.

 

Filho de Maria Celestina Braga e do cearense Amâncio José da Paixão Cearense, mudou-se, com a família, para o Rio de Janeiro aos 17 anos e pouco depois passou a trabalhar como relojoeiro. Conviveu com vários chorões, como Viriato Figueira da Silva, Anacleto de Medeiros e João Pernambuco. Junto com a vida boêmia, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, dono da Livraria do Povo, que passou a editar seus folhetos de cordel.  

 

Aos 19 anos compôs sua primeira modinha famosa Ao Luar; largou os estudos; trocou a flauta pelo violão e passou a dedicar-se mais à vida boemia, cantando modinhas. Compôs algumas como Talento e formosura, Canção do africano e invocação de uma estrela. Noutras composições, teve parcerias com Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Francisco Braga. Por essa época publicou duas coletâneas de autores diversos: O cantor fluminense e O Cancioneiro popular.  

 

Casou-se aos 21 anos com Hermelinda Aires da Silva, passando a levar uma vida modesta. Foi um autodidata e costumava dizer “aprendi música, como aprendi a fazer versos’. Aprendeu a ler em casa com sua mãe e pegou rápido o habito da leitura. Foi um obcecado por livros e professor dos filhos do Conselheiro Gaspar da Silveira, que lhe possibilitou o acesso à Biblioteca do Senado do Império. Em 1908 fez uma apresentação de modinhas ao violão no Conservatório de Música e compôs o primeiro poema em 1912: O Marrueiro, um dos seus apelidos. Em seguida foi convidado pelo presidente Hermes da Fonseca e a 1ª dama Nair de Tefé para um recital no Palácio do Catete.

 

Em 1914 compôs a música Luar do sertão, reconhecida como “hino nacional do sertanejo”, gravada com mais 150 interpretações, em parceria com João Pernambuco e registrou sem citar o parceiro. Na disputa judicial Villa-Lobos, Pixinguinha e Almirante deporam a favor de João Pernambuco, que teve seu nome incluído. Os dois foram responsáveis pela introdução do violão nas festas da elite carioca no começo do século XX. Entre suas obras poéticas, destacam-se  Um caboclo brasileiro (1900), Poemas bravios (1925), Fábulas e alegorias (1934), Um boêmio no céu (1938) e Modinhas (1943).

 

Vivia numa pequena casa de Engenho de Dentro, quase no meio do mato, onde os lençóis serviam de paredes para os cômodos. Ali recebia admiradores, escritores, acadêmicos sempre em concorridas feijoadas regadas a cachaça. Faleceu aos 83 anos, em 10/5/1946, e foi sepultado no cemitério São Francisco de Paula. O cortejo funerário contou com uma multidão embalada ao som de Luar do sertão. Tinha convicção do valor de sua poesia e aos que comentavam o fato de ser um autodidata, sem cultura formal, dizia: “com gramática ou sem gramática, sou um grande poeta”.  

 

Em 2018, o Selo SESC prestou-lhe uma homenagem com o lançamento do álbum A paixão segundo Catulo incluindo suas principais canções. Em 2016 foi lançada uma apurada biografia escrita por Luiz Américo Lisboa Júnior –Da modinha ao sertão: vida e obra de Catulo da Paixão Cearense-, publicada pelo Instituto Geia, com prefácio do ex-presidente José Sarney. O sobrenome “Paixão Cearense” pode parecer pseudônimo artístico, mas é o nome de origem de seu pai e um irmão homônimo.

 

Exibir, se possível, poema de Catulo declamado por Rolando Boldrin

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 12 de julho de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA BADERNA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMIN GOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Maria Baderna

José Domingos Brito

 


 

Marietta Baderna Giannini nasceu em 1828, na Itália. Famosa bailarina veio para o Brasil em 1849 e causou tamanho rebuliço na dança e costumes da época, fazendo com que seu sobrenome familiar entrasse no vocabulário brasileiro como sinônimo de bagunça, confusão, desordem. Já em 1889 o dicionário de Antônio Joaquim Macedo Soares registrava a palavra “Baderna” como “súcia dançante”. Depois a palavra perdeu a referência a dança e passou a designar bagunça em geral, até tornar-se um insulto, conforme registra o Dicionário Brasileiro de Insultos. Baderneiro é quem “gosta de aprontar confusão. Vem do nome próprio ‘Baderna’, pelo qual era conhecida uma bailarina que esteve no Rio de Janeiro em 1851. Essa senhora chamada Baderna, por certo, provocou alguma estrepolia envolvendo várias pessoas e tornando sua ação muito visível. O seu papel de provocadora de bagunça foi mais forte do que seu trabalho de atriz”.

 

Esta é a história da bailarina italiana, bem-sucedida na carreira artística nos palcos da Europa, que, no Brasil foi alijada do palco e caiu no conceito da elite na mesma proporção em que crescia no gosto popular. Conquistou um séquito de admiradores chamados de “badernistas”, logo rebaixados a “baderneiros”. que delirava com sua dança e gritava “baderna!, baderna!”, junto aos aplausos, deixando as damas e cavalheiros da colônia ainda mais furiosos. É também a história de uma palavra antiga e usada apenas no Brasil, além de ensejar uma reflexão sobre a origem das palavras, dos sentidos que algumas adquirem conforme seu uso e circunstâncias.

 

Ainda criança manifestou inclinação para a dança e teve a sorte de ser estimulada pelo pai nessa arte. Estreou cedo nos palcos da cidade de Piacenza e pouco depois entrou para o corpo de baile do Teatro Scala de Milão. Aos 19 anos apresentou-se numa temporada de sucesso no Teatro Covent Garden, de Londres e aos 21 já era uma “prima ballerina assoluta”. Pertencia a uma família da alta burguesia da Lombardia. Seu pai -Antônio Baderna- era médico, músico amador e revolucionário do movimento republicano, que enfrentou a ocupação austríaca na Itália. Após o fracasso da revolução de 1848, ela recebeu um convite para se apresentar no Rio de Janeiro. Seu pai, com dificuldades de viver na Itália, aproveitou a oportunidade e vieram para o Brasil.

 

No Rio de Janeiro, a estreia no Teatro São Pedro de Alcântara se deu em 29/9/1849, com o balé “Il ballo dele fate” (O balé das fadas). foi um sucesso retumbante, tal como ocorria na Europa. O jornal “Correio Mercantil” deu-lhe matéria, chamando-a “a rainha das fadas. Mas a moça, como o pai, era rebelde não apenas na política, mas também nos costumes. Aos poucos, ela passou a gostar dos ritmos afro-brasileiros dos escravos e do povo: lundu, umbigada e cachucha, incorporando-os ao seu balé. Aqui começa a radical transformação da palavra. Segundo seu biógrafo Silverio Corvisieri: “No começo, os cariocas usavam o termo baderna para indicar coisas muito belas. Somente depois de a dança ser considerada fator de corrupção da juventude, a palavra assume os significados atuais”.

 

A bailarina foi se aclimatando aos costumes da sociedade carioca que se formava. Gostava de festejar, de beber, namorar e, por mais que dançasse nos salões tradicionais, apreciava bastante as manifestações culturais dos negros e do povo da rua. Foi nas ruas que conheceu a resistência dos escravos, e se apaixonou pelas danças e festejos. A sensualidade e a força dos ritmos e danças africanas rapidamente foram assimiladas pela bailarina, que passou a incorporar à delicadeza do balé os passos das danças populares. Ao término das apresentações, seu fã clube, os baderneiros, saiam pelas ruas batendo os pés e gritando o nome da bailarina.

 

O interesse pela sua história se deu em 1987, com a curiosidade do jornalista Moacyr Werneck de Casto ao consultar a palavra “Baderna” no dicionário e ver a menção sobre a bailarina. Escreveu um artigo fantasiando a vida da bailarina e “sem querer, acertei no essencial. Baderna foi mesmo ativa politicamente. Coloquei-a lutando ao lado de Bento Gonçalves e como subversiva nas ruas do Rio. Mas sua história real é mais interessante”. Em Milão, o escritor (e ex-deputado) Silverio Corvisieri também achou a história interessante e iniciou uma pesquisa de fôlego sobre a bailarina. Tal pesquisa resultou no livro Maria Baderna: a bailarina de dois mundos, publicado pela Editora Record em 2001.

 

O livro faz uma reconstrução histórica do Rio de Janeiro; do seu cotidiano em meados do século XIX. Relata que a bailarina era bastante conhecida do público; foi amiga do ator João Caetano e era elogiada por escritores e jornalistas, como José de Alencar e José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco. Traça o perfil de uma autêntica heroína que enfrentou o preconceito com sua dança “subversiva” e revolucionou os costumes da época. O autor diz que Marietta, de personalidade rebelde, vivia de maneira excessivamente liberal para o Brasil de D. Pedro II. Há registros de que, certa vez, tendo havido atrasos de pagamento da companhia de danças, ele organizou uma greve e promoveu agitações que foram identificadas como “da turma da Baderna e seus baderneiros”.

Em 2023 sua tetraneta Paula Giannini lançou o livro Baderna: o memoricídio no dicionário pela Editora Palco das Letras. Paula fez um resgate sobre a memória de sua tetravó, uma bailarina de grande sucesso na Europa, aqui teve seu nome torcido e retorcido e continua desconhecido do público.

 

Exibir vídeo: Maitê Proença fala sobre Maria Baderna

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 05 de julho de 2023

OS BRASILEIROS: MATIAS AIRES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Matias Aires

José Domingos Brito

 


 

Matias Aires Ramos da Silva de Eça nasceu em 27/3/1705, na Capitania de São Paulo. Filósofo, escritor e tradutor, considerado o maior nome da Filosofia de Língua Portuguesa do século XVIII. Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa e autor do famoso livro Reflexões sobre a vaidade dos homens, publicado em 1752.

 

Filho de Catarina de Orta e José Ramos da Silva, provedor das expedições que encontraram ouro nas Minas Gerais.  Segundo Alceu Amoroso Lima, “a figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Seu filho Matias estudou no colégio jesuíta de São Paulo e aos 11 anos, a família mudou-se para Lisboa, onde o pai era amigo de D. João V e foi designado para o cargo de Provedor das Casas de Fundição. As filhas foram estudar no Convento de Odivelas e Matias ingressou no tradicional Colégio de Santo Antão. Em 1722 entrou na Faculdade de Direito de Coimbra.

 

Continuou os estudos na Galiza, obtendo os diplomas de Bacharel em Filosofia e Mestre em Artes. Em 1728 foi estudar na Sorbonne, em Paris, e obteve diplomas em Direito Civil e Canônico. Retornou a Lisboa em 1733 e passa a viver numa de suas Quintas, tornando-se notável literato e naturalista. Por essa época manteve longa amizade com Antonio José da Silva, “o Judeu”, que procurou salvá-lo da fogueira da Inquisição, sem sucesso. Com a morte do pai, em 1743, o substitui no cargo de Provedor da Casa da Moeda. Passa a residir no Solar das Janelas, atual Museu de Arte Antiga, levando uma vida suntuosa e dilapidando a herança paterna. Por esta época inicia uma disputa jurídica com a irmã Teresa Margarida (conhecida como a primeira romancista em língua portuguesa) visando obter a melhor parte da herança, sem sucesso. Em 1761 não se deu bem com as reformas do Marquês de Pombal e foi destituído do cargo de Provedor, agravando sua situação econômica. Veio a falecer em 10/10/1763 numa condição distinta daquela vida de riqueza levada até então.

 

Foi nesse contexto que escreveu, num tom pessimista, a Carta sobre a fortuna, onde declara “E assim nada espero da fortuna, nem a fortuna de mim pode esperar nada; porque o meu talento foi discursivo sempre, operativo nunca, e a fortuna quer obras e não palavras...  Tudo sei para dizer, mas para fazer só sei que não sei nada. As minhas artes são todas em pensamento e por isso são justamente desgraçadas, porque a fortuna não pode fazer milagres” A Carta foi incluída, a partir de 1778, em sua obra mais conhecida Reflexões sobre vaidade dos homens: discursos morais sobre os efeitos da vaidade, publicada em 1752.

 

Esta é sua obra mais conhecida e teve origem, segundo o estudioso Carvalho Reis, na vida faustosa levada pelo seu pai e que foi continuada pelo filho, que não obstante a deferência com que era tratado no Brasil, “agora era apenas o filho de um dos tais mineiros que o povo da corte invejava, mas não estimava”. Tais experiências terão ensinado, posteriormente, ao filho que a vaidade própria tende a ofender a vaidade alheia, dando início ao seu interesse em refletir sobre o assunto. Tais reflexões ocorreram a partir do trecho bíblico extraído do Eclesiastes: “Vanitas vanitatum et omnia vanitas” (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade).

 

Antes dele, o Padre Antônio Vieira também refletiu sobre a vaidade, mesmo não considerando a vaidade como um pivô, tal como Matias Aires. Segundo Vieira "Os homens, como somos camaleões da vaidade, mudamos de cor a cada mudança de vento: quantos são os ventos de que nos sustentamos, tantas são as cores de que nos vestimos". Claro que esta falha moral foi criticada pelo Padre: “Portai-vos de tal maneira, sendo sempre o mesmo, que vos possam todos louvar, ao menos que vos possam conhecer”.

 

Ainda segundo Alceu de Amoroso Lima, o culto à ciência foi levado para Portugal por Matias Aires, completamente embebido de cartesianismo e influenciado pelo naturalismo científico que o século XVII legara ao século XVIII. Assim ele foi um dos grandes humanistas do século XVIII, comparado à Montaigne e La Rochefoucauld. É considerado um dos que abriram caminho aos estudos e ao cientificismo em Portugal. Trata-se de um filósofo  relativamente pouco conhecido no Brasil, talvez devido ao fato de apenas ter nascido no Brasil colonial e ter vivido em Portugal desde os 11 anos. Isto tem levado a uma discussão se ele era português ou brasileiro. Tal discussão se deve ao fato de na primeira Constituição Brasileira, de 1824, e primeira Constituição Portuguesa, de 1822, não existirem referências sobre “nacionalidade”. Assim, ele pode ser considerado paulista, brasileiro e português, i.é um polipátrida.

 

É patrono da cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Letras e da cadeira nº 3 da Academia Paulista de Letras, onde é considerado o primeiro filósofo brasileiro. O professor Antonio Pedro Mesquita, doutor pela Universidade de Lisboa, deixou um alentado estudo sobre o filósofo: Homem, sociedade e comunidade: o pensamento de Matias Aires, publicado em 1998 pela Imprensa Nacional, em Lisboa.


Matias Aires | "Reflexões Sobre A Vaidade Dos Homens"

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de junho de 2023

AS BRASILEIRAS: TERESA MARGARIDA (POSTAGEM DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Tereza Margarida

José Domingos Brito

 


Teresa Margarida da Silva e Orta nasceu em São Paulo, SP, em 1711. Reconhecida como a primeira romancista em língua portuguesa, era irmã do filósofo Matias Aires e escrevia sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, um anagrama perfeito de seu nome. Teve uma relação conflituosa com o irmão durante boa parte da vida, produzindo obras autônomas e independentes. Pode ser considerada, também, a primeira feminista brasileira

 

, “a figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Seu filho Matias estudou no colégio jesuíta de São Paulo e aos 11 anos, a família mudou-se para Lisboa, onde o pai era amigo de D. João V e foi designado para o cargo de Provedor das Casas de Fundição. As filhas foram estudar no Convento

 

Sua mãe era brasileira e o pai português -José Ramos da Silva- minerador e um dos homens mais ricos do Brasil Colonial. Aos ? anos, a família mudou-se para Lisboa, onde viveu e publicou toda sua obra. Teve uma vida atribulada, mantendo bom relacionamento com a corte portuguesa e com o Marquês de Pombal. O pai internou-a num convento, mas ela saiu de lá para casar-se com alguém de sua escolha, algo incomum para a época, quando os casamentos era arranjados. Após a morte do pai e do marido, lutou pelo direito de acesso aos bens da família e mais tarde foi presa sob a acusação de mentir à corte por defender o casamento do filho com uma nobre cuja família não aceitava a união. Em 1752 publicou o romance político e feminista As aventuras de Diófanes, o primeiro da língua portuguesa escrito por uma mulher.  

 

O romance traz como pano de fundo ideias que subvertem os padrões absolutistas de Portugal, do século XVIII, num enredo cheio de imprevistos e reviravoltas. Suas ideias, insubmissas para a época, pregavam a educação igualitária entre meninos e meninas e trabalho para as mulheres, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta. Tais ideais estavam afinados com o Iluminismo, que descortinava e se constituía num posicionamento contrário ao Absolutismo praticado por Dom João V. Tais ideais eram compartilhados por seu irmão e seu amigo, o diplomata Alexandre de Gusmão.   

 

 

 Todas essas atitudes demonstram no mínimo um questionamento, para não falar em não-aceitação, da condição submissa que era imposta às mulheres na época. Tal reflexão também pode ser vista em As Aventuras de Diófanes, no qual a autora narra as aventuras da família real de Tebas que, numa viagem para a cidade de Delfos, com o intuito de casar sua filha Hemirena com príncipe da cidade, Arnesto, tem sua embarcação atacada. Assim, rei, rainha e princesa são vendidos como escravos e obrigados a mudar de identidade para sobreviver e conseguir reencontrar novamente sua família.

A história foca principalmente a jornada de Hemirena, que muda sua identidade para Belino a fim de poder sobreviver: temos então um exemplo esquecido de donzela guerreira dentro da história literária. Enfrentando reviravoltas, perigos, lutas e paixões, por conta de seu disfarce, a personagem não é apenas a defesa da força e capacidade feminina, mas também uma crítica a um mundo estritamente masculino e hierárquico.

O desenrolar das histórias se dá num vai-e-vem de encontros e desencontros entre as personagens que, disfarçadas, não conseguem se reconhecer ou preferem não se identificar para manterem-se salvas – como é o caso de Hemirena/Belino, quando encontra sua mãe, Climinéia/Delmetra, numa caverna a caminho de Argos. Num intervalo de muitos anos de busca para a reunião de todos em suas condições iniciais de nobres – busca essa de que faz parte até mesmo o príncipe de Delfos, prometido de Hemirena -, eles conseguem se encontrar e o enredo termina com um final feliz.

Num romance didático e moralizante, típico do século XVIII, são nos diálogos que encontramos um discurso retórico que ilustra um pouco as opiniões da autora, fazendo jus ao primeiro título dado ao livro e apresentando aos leitores suas máximas de virtuosidade.

“São inumeráveis as heroínas que se tem visto tão inteligentes que umas têm parecido o milagre das artes e outras têm dado a entender que eles julgam ignorância o que são efeitos da modéstia.”  (As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Palavra como instrumento de defesa

 

São também nesses diálogos que Teresa Margarida defende suas ideias insubmissas: educação igualitária entre meninos e meninas; trabalho para mulheres, independente da classe social, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta, principalmente às mulheres da corte; e ideais iluministas, que repercute o convívio da autora com seus defensores – entre eles seu irmão Matias Aires e o diplomata Alexandre Gusmão. O iluminismo representava nessa época um posicionamento contrário ao absolutismo praticado por Dom João V em Portugal.

Vale ressaltar que Teresa Margarida e sua obra, apesar de atípica, conseguiram destaque devido à condição social elevada da autora numa sociedade portuguesa altamente hierarquizada. Além disso, imagina-se que foi a passagem pelo convento que proporcionou seu contato com os estudos, pois naquele momento a carreira religiosa era praticamente o único meio das mulheres receberem algum tipo de instrução igual à recebida pelos homens. Não é à toa que a maior parte das poucas mulheres que escreviam e recebiam reconhecimento na época eram freiras.

Mesmo com esses privilégios e com um recebimento elogioso depois da publicação da primeira edição do livro –  a qual, apesar do pseudônimo, já se supunha que era de Teresa Margarida -, a sua condição feminina foi motivo para relativização da autoria de sua obra: a terceira edição teve, por exemplo, como autor Alexandre Gusmão. A questão é que estamos tratando aqui de uma sociedade que enclausurava suas mulheres com o respaldo da lei e as maltratavam de maneira totalmente impune. Logo, questionar a autoria de um livro por ter sido escrito por uma mulher apenas vem como consequência da noção inferiorizada que se tinha do sexo feminino.

É claro que entre os diálogos e as máximas defendidas ao longo da história é possível encontrar algumas noções que hoje em dia não dialogam com as que se acredita serem justas para uma sociedade igualitária e com liberdade para as mulheres. Mas o importante é tentar compreender o que foi o livro em sua época e o que ele significa para nós hoje, dentro de uma ideia de que toda obra precisa ter no mínimo duas leituras. A partir disso, reconhece-se que o feito de Teresa Margarida foi excepcional até mesmo na questão de gênero literário: naquela época era incomum que mulheres escrevessem em prosa, dedicando-se principalmente à poesia.

Assim, Teresa Margarida tomou a palavra e foi precursora. Na sua estréia teve um  momento de merecido reconhecimento que se estendeu até o século XIX. Depois disso, foi aos poucos sendo esquecida na história literária, mesmo com a reedição de sua obra no fim do século XX. A Academia Brasileira de Letras, apesar das discussões, a considera como a primeira romancista do país. Nesse sentido, pode-se dizer que, apesar de não ter vivido aqui, os questionamentos e reivindicações que traz em seu livro também se relacionavam muito com o Brasil do século XVIII e por isso, o romance não é totalmente alheio ao cenário nacional da época.

Mas, ainda com tal consideração, pouco se conhece ou se fala sobre sua figura, sua importância e também sobre seu papel como defensora do que chamamos de um pré-feminismo. Isso tudo nos leva a novas discussões, dessa vez acerca da situação feminina no universo das letras atualmente e, principalmente, acerca do reconhecimento de mulheres relevantes para a história literária que merecem ser lembradas. E por mais estranho que possa soar, é fato: Teresa Margarida foi primeira brasileira a escrever um romance.

“Não resplandece em todas a luz brilhante das ciências porque eles ocupam as aulas em que não teriam lugar se elas frequentassem, pois temos igualdade de almas e o mesmo direito aos conhecimentos necessários.”(As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Referências Bibliográficas

 

Araújo, Sofia de Melo. Aventuras de Diófanes de Teresa Margarida da Silva e Orta – Os ideias de Climenéia e Diófanes à luz dos tempos. Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. XXIII, Porto, 2006 [2008], pp. 103-126.  http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5640.pdf

Furquim, Tania Magali Ferreira. Aventuras Instrutivas: Teresa Margarida da Silva e Orta e o Romance Setecentista. Dissertação de Mestrado. Campinas
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Departamento de Teoria Literária, 2003 Disponível em http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270034/1/Furquim_TaniaMagaliFerreira_M.pdf 

Orta, Teresa Margarida da Silva e. Obra Reunida. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.

Viralhele, Eva Loureiro . Fabricação de ideias e identidades na historiografia literária luso e brasileira: Começa a literatura brasileira com um romance, feminista e político escrito por uma mulher? VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiros de Ciências Sociais. Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/Eva_Loureiro_Vilarelhe.pdf

 

Gabrielle Gonçalves de Carvalho é graduanda em Letras (Postuguês/Italiano) pela FFLCH-USP.

 

Folha de rosto da edição de 1777

Filha de mãe brasileira e pai português, Teresa Margarida nasceu em São Paulo no ano de 1711. Porém, ainda muito jovem, muda-se para Portugal, onde mantém-se o resto de sua vida e onde também publica toda a sua obra, incluindo As Aventuras de Diófanes. É nesse momento então que se iniciam as discussões: até que ponto tal romance realmente pode ser considerado relevante para a cultura brasileira? Não apenas como o primeiro de autoria feminina em língua portuguesa, mas também como o defensor de ideais tão impopulares no momento de publicação, de que maneira ele diz respeito ao Brasil da época? Se nos atermos apenas à nacionalidade da escritora, é surpreendente pensar que o que seria o primeiro romance brasileiro carrega esse tipo de significação.

Em Portugal, a autora viveu uma vida que, assim como a sua história, foi cheia de aventuras: entrou para o convento por vontade do pai mas saiu de lá para casar-se com alguém de sua escolha – algo extremamente incomum para a época visto que a maioria dos casamentos eram arranjados. Depois da morte do pai e do marido, lutou pelo direito de acesso aos seus bens, chegando a dialogar por correspondência com figurões da época, como Marquês de Pombal, para não permitir que sua herança fosse parar nas mãos de qualquer homem da família. Além disso, foi presa sob a acusação de mentir à corte por defender o casamento de seu filho com uma nobre cuja família não aceitava a união.

“Nós não temos a profissão das ciências nem a obrigação de sermos sábias; mas também não fizemos voto de sermos ignorantes.” (As Aventuras de Diófanes, livro III, pag. 90)

 

De epopeia subversiva ao romance de valores

Todas essas atitudes demonstram no mínimo um questionamento, para não falar em não-aceitação, da condição submissa que era imposta às mulheres na época. Tal reflexão também pode ser vista em As Aventuras de Diófanes, no qual a autora narra as aventuras da família real de Tebas que, numa viagem para a cidade de Delfos, com o intuito de casar sua filha Hemirena com príncipe da cidade, Arnesto, tem sua embarcação atacada. Assim, rei, rainha e princesa são vendidos como escravos e obrigados a mudar de identidade para sobreviver e conseguir reencontrar novamente sua família.

A história foca principalmente a jornada de Hemirena, que muda sua identidade para Belino a fim de poder sobreviver: temos então um exemplo esquecido de donzela guerreira dentro da história literária. Enfrentando reviravoltas, perigos, lutas e paixões, por conta de seu disfarce, a personagem não é apenas a defesa da força e capacidade feminina, mas também uma crítica a um mundo estritamente masculino e hierárquico.

O desenrolar das histórias se dá num vai-e-vem de encontros e desencontros entre as personagens que, disfarçadas, não conseguem se reconhecer ou preferem não se identificar para manterem-se salvas – como é o caso de Hemirena/Belino, quando encontra sua mãe, Climinéia/Delmetra, numa caverna a caminho de Argos. Num intervalo de muitos anos de busca para a reunião de todos em suas condições iniciais de nobres – busca essa de que faz parte até mesmo o príncipe de Delfos, prometido de Hemirena -, eles conseguem se encontrar e o enredo termina com um final feliz.

Num romance didático e moralizante, típico do século XVIII, são nos diálogos que encontramos um discurso retórico que ilustra um pouco as opiniões da autora, fazendo jus ao primeiro título dado ao livro e apresentando aos leitores suas máximas de virtuosidade.

“São inumeráveis as heroínas que se tem visto tão inteligentes que umas têm parecido o milagre das artes e outras têm dado a entender que eles julgam ignorância o que são efeitos da modéstia.”  (As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Palavra como instrumento de defesa

 

São também nesses diálogos que Teresa Margarida defende suas ideias insubmissas: educação igualitária entre meninos e meninas; trabalho para mulheres, independente da classe social, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta, principalmente às mulheres da corte; e ideais iluministas, que repercute o convívio da autora com seus defensores – entre eles seu irmão Matias Aires e o diplomata Alexandre Gusmão. O iluminismo representava nessa época um posicionamento contrário ao absolutismo praticado por Dom João V em Portugal.

Vale ressaltar que Teresa Margarida e sua obra, apesar de atípica, conseguiram destaque devido à condição social elevada da autora numa sociedade portuguesa altamente hierarquizada. Além disso, imagina-se que foi a passagem pelo convento que proporcionou seu contato com os estudos, pois naquele momento a carreira religiosa era praticamente o único meio das mulheres receberem algum tipo de instrução igual à recebida pelos homens. Não é à toa que a maior parte das poucas mulheres que escreviam e recebiam reconhecimento na época eram freiras.

Mesmo com esses privilégios e com um recebimento elogioso depois da publicação da primeira edição do livro –  a qual, apesar do pseudônimo, já se supunha que era de Teresa Margarida -, a sua condição feminina foi motivo para relativização da autoria de sua obra: a terceira edição teve, por exemplo, como autor Alexandre Gusmão. A questão é que estamos tratando aqui de uma sociedade que enclausurava suas mulheres com o respaldo da lei e as maltratavam de maneira totalmente impune. Logo, questionar a autoria de um livro por ter sido escrito por uma mulher apenas vem como consequência da noção inferiorizada que se tinha do sexo feminino.

É claro que entre os diálogos e as máximas defendidas ao longo da história é possível encontrar algumas noções que hoje em dia não dialogam com as que se acredita serem justas para uma sociedade igualitária e com liberdade para as mulheres. Mas o importante é tentar compreender o que foi o livro em sua época e o que ele significa para nós hoje, dentro de uma ideia de que toda obra precisa ter no mínimo duas leituras. A partir disso, reconhece-se que o feito de Teresa Margarida foi excepcional até mesmo na questão de gênero literário: naquela época era incomum que mulheres escrevessem em prosa, dedicando-se principalmente à poesia.

Assim, Teresa Margarida tomou a palavra e foi precursora. Na sua estréia teve um  momento de merecido reconhecimento que se estendeu até o século XIX. Depois disso, foi aos poucos sendo esquecida na história literária, mesmo com a reedição de sua obra no fim do século XX. A Academia Brasileira de Letras, apesar das discussões, a considera como a primeira romancista do país. Nesse sentido, pode-se dizer que, apesar de não ter vivido aqui, os questionamentos e reivindicações que traz em seu livro também se relacionavam muito com o Brasil do século XVIII e por isso, o romance não é totalmente alheio ao cenário nacional da época.

Mas, ainda com tal consideração, pouco se conhece ou se fala sobre sua figura, sua importância e também sobre seu papel como defensora do que chamamos de um pré-feminismo. Isso tudo nos leva a novas discussões, dessa vez acerca da situação feminina no universo das letras atualmente e, principalmente, acerca do reconhecimento de mulheres relevantes para a história literária que merecem ser lembradas. E por mais estranho que possa soar, é fato: Teresa Margarida foi primeira brasileira a escrever um romance.

“Não resplandece em todas a luz brilhante das ciências porque eles ocupam as aulas em que não teriam lugar se elas frequentassem, pois temos igualdade de almas e o mesmo direito aos conhecimentos necessários.”(As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Referências Bibliográficas

 

Araújo, Sofia de Melo. Aventuras de Diófanes de Teresa Margarida da Silva e Orta – Os ideias de Climenéia e Diófanes à luz dos tempos. Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. XXIII, Porto, 2006 [2008], pp. 103-126.  http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5640.pdf

Furquim, Tania Magali Ferreira. Aventuras Instrutivas: Teresa Margarida da Silva e Orta e o Romance Setecentista. Dissertação de Mestrado. Campinas
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Departamento de Teoria Literária, 2003 Disponível em http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270034/1/Furquim_TaniaMagaliFerreira_M.pdf 

Orta, Teresa Margarida da Silva e. Obra Reunida. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.

Viralhele, Eva Loureiro . Fabricação de ideias e identidades na historiografia literária luso e brasileira: Começa a literatura brasileira com um romance, feminista e político escrito por uma mulher? VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiros de Ciências Sociais. Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/Eva_Loureiro_Vilarelhe.pdf

 

eresa Margarida da Silva e Orta (São Paulo1711 - Lisboa24 de outubro de 1793[1]) é considerada a primeira mulher romancista em língua portuguesa[2]. Irmã de Matias Aires, publicou inicialmente sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, um anagrama perfeito de seu nome.[3][4][5][6]

Biografia

Filha de José Ramos da Silva, cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa, e de Catarina de Orta, Teresa nasce em São Paulo, no Brasil Colonial[7]. Segundo Tristão de Ataíde, a família de Teresa era um dos fenômenos sociais mais expressivos do Brasil do período. José Ramos da Silva, pai de Teresa Margarida, viera para o Brasil em 1695. Em 1704, casou-se com D. Catarina de Orta, de família ilustre paulistana. Nessa época, já era um dos homens mais ricos de São Paulo, proprietário de imóveis na cidade e de terras auríferas e diamantinas em Minas Gerais. Foi um dos que fizeram fortuna atuando como fornecedor dos “bandeirantes”, dos paulistas.[8]

Aquando do regresso da família a Lisboa, Teresa e a irmã estudam no [[Convento das Trinas, com o objetivo de seguirem a vida religiosa. Casa com Pedro Jansen Moller van Praet, com quem tem doze filhos[7]; e foi dama das Cortes de D. João V e D. José I[9]. É fluente em português, francês e italiano[7].

Depois da morte do seu esposo, quando apenas tem 42 anos, Teresa é acusada de mentir ao rei. Por ordem do Marquês de Pombal, Teresa é mantida em cativeiro, durante sete anos, no Mosteiro de Ferreira de Aves[2]. Em 1777 sai em liberdade, e passa a viver com o cunhado, monsenhor e inquisidor, Joaquim Jansen Moller[2].

Obras

Manuscritas

  • Theresa Margarida da Silva e Horta encerrada no mosteiro de Ferreira encaminha aos ceos os seus justissimos prantos no seguinte poema epico-tragico
  • Novena do Patriarcha S. Bento  
  • Carta dedicatória À Abadessa D. Anna Josepha de Castel-Branco 

Impressas

  • Máximas da virtude, e fermosura com que Diofanes, Clyminea, e Hemirena Principes de Thebas venceraõ os mais apertados lances da desgraça, Lisboa, Officina Miguel Manescal da Costa, 1752.
  • Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco[10]
  • Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão[11]
  • Historia de Diofanes, Clymenea e Hemirena, Principes de Thebas. Historia Moral escrita por huma Senhora Portugueza, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1818

Obras póstumas

No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993[12], além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira de Aves. São eles o Poema épico-trágico, a Novena do patriarca São Bento e a Petição que a presa faz à rainha N. Senhora. Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

Referências

  1. «GÊNERO(S) NA OBRA DE TERESA MARGARIDA DA SILVA E ORTA» (PDF). Mulher e Literatura. Consultado em 2 de janeiro de 2018
  2. ↑ Ir para:ab c Flores, Conceição. «Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)». Revista Convergência. Consultado em 6 de outubro de 2017
  3. Ennes, Ernesto Jose Bizarro (1944–1952). Dois paulistas insignes. Col: Bibliotheca Pedagógica Brasileira. Série V. Brasiliana; v. 236. 2. São Paulo: Ed. Nacional
  4. Ennes, Ernesto (abril–junho de 1953). «Uma Poetisa brasileira (1711 ou 1712-1793)». São Paulo. Revista de história. 6 (14): 421-436
  5. Vidal, Barros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite. 277 páginas
  6. Série Histórias Não Contadas - "As Mensageiras" - Primeiras Escritoras do Brasil Câmara dos Deputados - acessado em 6 de março de 2021
  7. ↑ Ir para:ab c «Teresa Margarida da Silva e Orta». "Escritoras em Português" - Projeto FLUL. Consultado em 6 de outubro de 2017
  8. FURQUIM, Tânia Magali Ferreira; A vida conturbada de Teresa Margarida. Capítulo 1: A época de Teresa Margarida
  9. Revista Colóqui/Letras n.º 110/111 (Julho de 1989). Huma Senhora do Século XVIII - Theresa Margarida da Silva e Orta, pág. 35.
  10. Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1777
  11. Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1790
  12. Orta, Teresa Margarida da Silva e (1993). Obra reunida Teresa Margarida da Silva e Orta. Col: Série Revisões 4. Introdução, pesquisa bibliográfica e notas de Ceila Montez. Rio de Janeiro: Graphia. 244 páginas

 

Gabrielle Gonçalves de Carvalho é graduanda em Letras (Postuguês/Italiano) pela FFLCH-USP.

 ACERVO LITERATURA

VIDA E OBRA DE UMA PIONEIRA DO FEMINISMO BRASILEIRO

12/01/2021CURADORIA  2 COMMENTS

 

O Blog da BBM conversou com a historiadora Cristiane Ribeiro para saber mais sobre a vida e a obra de Anna Rosa Termacsics dos Santos, uma das pioneiras do feminismo no Brasil.  Foi a partir da leitura de um texto publicado pelo Blog, o Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar – uma feminista no Brasil de 1868, que Cristiane Ribeiro iniciaria uma trajetória de pesquisa que revelou aspectos fundamentais dessa importante personagem do movimento feminista no Brasil do século XIX. Na capa da única edição do Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar, publicado em 1868, a autoria da obra era atribuída a uma autora identificada somente pela sigla A.R.T.S.  A partir desse indício, a pesquisa realizada por Ribeiro não apenas conseguiu descobrir que a sigla se referia a Anna Rosa Termacsics dos Santos como também foi capaz de reconstituir muitos elementos de sua trajetória de vida.

Blog da BBM – Como as mulheres brasileiras da segunda metade do século XIX manifestavam suas reivindicações e quais eram os principais pontos defendidos por elas?

 

Cristiane Ribeiro: No decorrer da História, as mulheres utilizaram muitas formas para contestar a condição de opressão em que se encontravam. Há diversos indícios que comprovam isso. Mulheres negras, por exemplo, resistiram de diversas maneiras à escravidão, seja através de fugas para quilombos, abortos forçados para não submeter seus filhos/as à condição de escravizados ou até mesmo através da justiça, que no século XIX foi espaço fundamental para que reivindicassem a liberdade, como mostram processos judiciais. Já as mulheres brancas e intelectuais, que viviam em um mundo completamente oposto, utilizaram fundamentalmente suas penas. Através da escrita, essas mulheres colocaram suas ideias para circular no espaço público – por meio de periódicos e livros, por exemplo – fazendo com que o debate sobre os seus direitos aparecesse naquele momento. As brasileiras de meados do século XIX também foram muito influenciadas pelas discussões internacionais. A principal pauta colocada nesse momento esteve relacionada ao direito educacional. Para se ter uma ideia, os currículos de meninos e meninas eram completamente diferentes no quesito gênero. Aos  meninos caberiam os aprendizados de aritmética, ciência e história. Às meninas, por sua vez, eram direcionados os aprendizados básicos de leitura e escrita e os relacionados aos cuidados com o lar, como corte, costura, culinária, boas maneiras e, vez ou outra, algumas lições de idiomas e música, normalmente piano. Tudo isso fez com que as mulheres vivessem em condições coercitivas de privação do desenvolvimento de suas faculdades intelectuais e profissionais.

Blog da BBM – Quais os principais pontos reivindicados pelo Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar, publicado em 1868 e assinado apenas com a sigla A.R.T.S? 

Cristiane Ribeiro: O Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar traz uma infinidade de reivindicações. À data de sua publicação, em 1868, as mulheres não tinham direitos mínimos garantidos pela legislação. Não podiam frequentar universidades ou cursos especializados, seguir alguma carreira profissional e votar. Até mesmo aquelas que fossem ricas e com propriedades eram impedidas, segundo o Código Comercial de 1850, de ser as responsáveis legais por seus patrimônios, cabendo isso a seus maridos. O Tratado surge nesse momento de exclusão sistemática do sexo feminino do espaço público e reivindica os direitos das mulheres em uma esfera ampla: educacional, legal, trabalhista, matrimonial e política. A ideia de emancipação política da mulher, segundo a autora, seguia um caminho lógico que, de forma bastante concisa, iniciava-se por uma boa educação, profissionalização, direito a tomar parte da política – tanto por meio do voto quanto por meio da candidatura a cargos públicos – e direito a uma relação igualitária no contrato do casamento. Todavia, também é importante ressaltar o contexto de que se fala, em que a escravidão e as desigualdades estruturais resultantes dela eram fatores de forte exclusão. Para a autora do Tratado, por exemplo, os direitos reivindicados estavam destinados apenas às mulheres instruídas, uma fração ínfima das mulheres brasileiras. Para se ter uma ideia, mulheres escravizadas não tinham nem mesmo o direito de manter suas próprias famílias, sendo a maioria separada de seus filhos/as logo depois que nasciam.

Primeira página do Tratado

Blog da BBM – Em que contexto sócio-histórico se deu a publicação do Tratado

Cristiane Ribeiro: Olha, falar resumidamente de um período em que tanta coisa aconteceu é difícil. É importante não esquecermos que tudo se movia a partir de um governo monárquico que usufruía do regime escravocrata. Na esfera jurídica, como comentei antes, as mulheres eram sistematicamente destituídas de direitos mínimos. Já no que se refere aos acontecimentos políticos, ao longo da década de 1860 cresciam as contestações à monarquia e ao imperador D. Pedro II. Outro ponto importante de contestação estava relacionado ao sistema eleitoral. O debate sobre o assunto girava em torno da necessidade de uma reforma do sistema, que há muito tempo sofria com fraudes. Em âmbito internacional, nesse período o sufrágio feminino era discutido no Reino Unido e nos EUA mulheres organizavam convenções para debater assuntos relacionados à abolição da escravidão e aos seus direitos civis e políticos. Em suma, a década de 1860 era propícia para que todas as ideias presentes na obra fossem postas no debate público. Elas são, portanto, resultados diretos de seu momento de produção. 

Blog da BBM – Quais as principais ideias, autoras e autores com os quais a autora do Tratado dialoga?

Cristiane Ribeiro: Essa é uma questão que rende muito, afinal, ela está citando e se apropriando de muita gente, sejam vivos/as em 1868 ou não. No decorrer da pesquisa, eu levantei cerca de 112 nomes citados pela autora, entre filósofos, políticos, literatas/os, reis, rainhas, advogadas/os, jornalistas, poetisas etc. Isso comprova sua grande percepção e conhecimento histórico do tempo em que viveu. Nomes como Jean Jacques Rousseau, John Locke, Stuart Mill, Friedrich Schiller, Condorcet, Madame de Stael, George Sand, Lucrécia Bórgia, Taylor Coleridge e Mme. La Plache figuram como algumas das personagens que aparecem no decorrer da leitura de suas páginas. Ela foi uma mulher erudita, que lia muito, lia sobre todos os temas possíveis, inclusive em outros idiomas. 

Blog da BBM – Em que circunstâncias editoriais o Tratado veio a público e como a obra foi recebida pelos leitores?

Cristiane Ribeiro: O Tratado foi impresso nos primeiros meses de 1868, pela Tipografia Paula Brito, um estabelecimento que teve como idealizador Francisco de Paula Brito. Esse editor teve atuação significativa no meio editorial daquele momento, o que possibilitou projetar seu nome e suas relações no universo das letras. Nomes como Machado de Assis, Antônio Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo frequentaram sua editora. Todavia, em 1868, Paula Brito já havia falecido (morreu em 1861) e era sua mulher, Rufina Rodrigues da Costa, quem estava à frente dos negócios. A viúva encontrava-se repleta de dívidas, que dificultaram, e muito, a manutenção das atividades editoriais. Em 1868, a tipografia imprimiu  pouquíssimas obras e o Tratado foi uma das poucas publicadas naquele ano a marcar presença nos periódicos. A autora pagou pelos serviços, acredito que em condições bem mais acessíveis, devido à situação de crise por que passava Rufina. As características materiais da edição também demonstram uma produção mais barata. O  Tratado é um livro de bolso, que tem 15,4 cm de altura por 11,5 cm de comprimento, tamanho um pouco menor que um lápis, e o papel utilizado é de qualidade inferior. Localizei anúncios da obra em diversas livrarias do Rio de Janeiro: os preços variavam de 1$000 a 3$000 e há indícios de que o livro circulou em outras outras províncias e mesmo em outros países.  

 

Capa do Tratado

Blog da BBM – Ao longo de sua pesquisa de mestrado, você identificou a identidade da autora do Tratado. Você poderia contar como foi esse processo de descoberta?

Cristiane Ribeiro: Essa é a típica questão que me anima, às vezes rola aquela empolgação de historiador/a que adora escarafunchar arquivos e seus papéis amarelos. Vamos lá, tentarei ser breve. A única identificação de autoria do Tratado é a sigla A.R.T.S., impressa na capa do livro. Os periódicos da época tampouco dão a identidade da autora. Descobrir que a sigla se refere a Anna Rosa Termacsics dos Santos foi uma das minhas maiores satisfações. Digo isso pois desde a primeira vez que escrevi para a BBM, em fevereiro de 2016, quando ainda era graduanda em História, iniciei uma busca incansável por mais informações sobre a obra, que até então era desconhecida nos espaços acadêmicos. Não localizei nenhum artigo, dissertação ou tese que analisasse suas ideias ou apontasse indícios sobre sua autoria. Apenas o Blog da BBM havia publicado alguns poucos dados até então, mas o livro ainda  não estava disponível no acervo digital da instituição. Após solicitar sua digitalização aos bibliotecários da BBM, recebi uma cópia digital do Tratado [a obra também foi disponibilizada na BBM Digital: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6702]. Após isso, li e reli aquelas páginas várias vezes e a cada leitura eu ficava mais intrigada; afinal, uma mulher estava ali reivindicando direitos em um sentido amplo e também ousando ao falar em voto feminino em um momento que isso pouco aparecia nos debates. Iniciei então uma pesquisa de mestrado sobre a obra, o que me permitiu avançar nas investigações. O primeiro caminho que percorri foi a análise de jornais. Os anúncios de venda da obra me forneceram muitas informações. Neles constavam, por exemplo, o preço da obra, os locais em que era possível adquiri-la e para quem ela estava sendo direcionada. Nesses anúncios, o endereço da autora – na rua Sete de Setembro, n223/1ºandar – era um dos locais onde a obra podia ser adquirida. Essa informação foi o fio condutor da investigação. Cruzei-a com as informações do Almanak Laemmert, um impresso anual com mais de mil páginas que veiculava informações variadas sobre a Corte carioca, dentre as quais anúncios de serviços. No Almanak descobri que na rua Sete de Setembro no 223/1º eram dadas aulas de piano e canto por uma professora chamada Anna Rosa Termacsics dos Santos. O percurso não terminou por aí. Eu precisava obter mais informações sobre Anna Rosa Termacsics dos Santos. Seu sobrenome chamou inicialmente sua atenção. Descobri que Termacsics é um nome da região que hoje abarca a Croácia, Áustria e a Hungria, o que me levou a contatar diversas instituições arquivísticas dessa região. Depois de pesquisar e cruzar as informações de documentos de várias instituições, descobri que Anna Rosa Termacsics dos Santos foi uma húngara que veio para o Brasil aos 7 anos de idade e aqui permaneceu até o falecimento, em 15 de outubro de 1886. Foi por meio dos diversos documentos que sobreviveram ao tempo, numa prática indiciária de pesquisa, que consegui uma infinidade de informações sobre a autora do Tratado de 1868.

Blog da BBM – Conte um pouco sobre a trajetória de vida de Anna Rosa Termacsics dos Santos. Além da publicação do Tratado, ela participou por outros meios das discussões feministas de seu tempo?

Cristiane Ribeiro: A reconstrução de trajetórias de pessoas que já não existem é uma tarefa desafiadora. Para dar inteligibilidade a uma narrativa histórica, historiadores/as devem reconstruir inúmeros rastros com que se deparam. No caso de Anna Rosa, há muitas lacunas sobre sua vida, seja por conta da não localização de fontes precisas, seja pela  impossibilidade de fazer afirmações generalizantes. Postas essas ressalvas, é possível afirmar que Anna Rosa chegou ao Brasil por volta de 1828, quando tinha cerca de 7 anos de idade, fixando-se inicialmente na província paulista, região de Taubaté, onde seu pai tentou se estabelecer com negócios de produção e comercialização das vinhas. Em 1836, aos 15 anos, ela lecionou, ao lado de suas duas irmãs, no estabelecimento educacional da família, que ofertava aulas de piano, costura, corte e bordado. Esse fato possivelmente é o marco na sua experiência com a docência, sobretudo a musical, trabalho que a acompanhou até os seus últimos dias de vida. 

Não consegui definir em qual data específica ela chegou ao Rio de Janeiro, mas sei que a partir de 1850 seu nome começou a constar nos anúncios anuais e diários dos meios de comunicação da Corte carioca. Além de professora de piano e canto, ela lecionou idiomas e primeiras letras em diversas casas e colégios da cidade, em um cansativo trânsito diário pelas ruas cariocas. Anna Rosa também também chegou a trabalhar na governança, principalmente com os cuidados da casa de homens solteiros e viúvos. Ela não se casou e permaneceu sem prole, condição que dificultava, e muito, a sua mobilidade no universo público de meados do XIX, que devia ser ocupado apenas por homens. Às mulheres brancas e intelectuais como ela caberia o espaço doméstico e suas funções correlatas. Todos esses fatores aparecem descritos em seu texto, que traz muito de suas experiências com as opressões de gênero que relegou historicamente mulheres à condição de inferiores e contra a qual Anna Rosa se colocou obstinadamente. Ela teceu, por exemplo, críticas contundentes ao contrato do casamento, à falta de postos de trabalho e à desigualdade salarial no universo do trabalho. Como mulher erudita que foi, é de imaginar que ela viajou bastante e manteve importantes trocas culturais com seus pares. Frequentou países como Chile, Argentina, França e Inglaterra. Nesse último despontavam diversas mobilizações pelo direito ao voto das mulheres, o que poderá ter influenciado a publicação do Tratado.

No decorrer dos anos ela mudou muito de endereço, sempre residindo em pequenos sobrados, que eram anunciados como espaços ideais para pequenas famílias ou senhoras sós. Ao que parece, compartilhou a casa apenas com algumas escravizadas com filhas moças, que realizavam todas as tarefas da casa e outras fora, como serviços ambulantes nas ruas. O que mais chama a atenção em toda sua trajetória é a necessidade do trabalho como sustento econômico, já que foi uma mulher que trabalhou muito e que deixou isso claro em seus textos. Além da publicação do Tratado em 1868, Anna Rosa também publicou outros pequenos artigos sobre o mesmo tema na imprensa periódica.  Constatei que até alguns meses antes de vir a óbito, no dia 15 de outubro de 1886, Anna Rosa Termacsics dos Santos figurava entre as professoras anunciantes de serviços em jornais, o que dá indícios de que ela não permaneceu doente muito tempo. 

Blog da BBM – Está prevista uma reedição do Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar? Há elementos da obra de Anna Rosa Termacsics dos Santos que se mantêm atuais para o debate feminista contemporâneo?

Cristiane Ribeiro: Sim. Estou trabalhando, junto com a Edições Câmara, na reedição da obra. A proposta é que o nome da autora apareça logo na capa, o que seria uma forma de reconhecimento, ainda que tardio, de sua trajetória de luta, que também é nossa. Se tudo der certo, até meados deste ano o Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar estará publicado e disponível para aquelas/es que tenham interesse em buscar as raízes da história da luta das mulheres no Brasil. Muitas das questões colocadas no Tratado ainda permanecem na agenda feminista contemporânea, ressignificadas, claro, após mais de um século e meio de luta. A própria ideia de participação política reivindicada pelo Tratado, sobretudo no que se refere à elegibilidade, é um problema para nós mulheres, que ainda temos só 14% de representação no legislativo federal, o que dá uma dimensão das dificuldades que as mulheres temos de enfrentar nas estruturas políticas e partidárias para se eleger. Do mesmo modo, é sempre importante conhecer nossa história para que aprendamos sobre nosso passado, uma vez que quando Anna Rosa escreveu, as questões colocadas eram completamente diferentes das que temos hoje, ainda bem! Os feminismos avançaram e têm avançado cada vez mais. Quando falamos em direitos das mulheres temos que ter ciência que eles não são, e nunca foram, os mesmos para todas. É preciso entender a diferença de gênero a partir de diversos marcadores sociais, que, aliás, carregam resquícios desse nosso passado escravocrata vigente no XIX.

Saiba mais

Ribeiro, Cristiane de Paula. A vida caseira é a sepultura dos talentos: gênero e participação política nos escritos de Anna Rosa Termacsics dos Santos (1850 1886).

 

eresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793), a primeira romancista de língua portuguesa. Publicou inicialmente sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira.

Vida literária
Teresa Margarida escreveu as Aventuras de Diófanes (1777), livro de claro enjagamento nas ideias iluministas. No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993, além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira e Aves, para onde fora mandada pelo Marquês de Pombal por insubordinação. São eles o "Poema épico-trágico", a "Novena do patriarca São Bento" e a "Petição que a presa faz à rainha N. Senhora". Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

 

Falecimento: 24 de outubro de 1793, Lisboa, Portugal

O primeiro romance publicado por uma mulher em língua portuguesa foi o da brasileira Teresa Margarida da Silva e Orta, em 1752. O livro se chamava Máximas de virtude e formosura e foi reeditado sob o nome Aventuras de Diófanes. Teresa utilizava o pseudônimo de Dorotéia Engrássia Tavareda Dalmira

CategoriasCuriosidades

Vida literária
Teresa Margarida escreveu as Aventuras de Diófanes (1777), livro de claro engajamento nas ideias iluministas. No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993, além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira e Aves, para onde fora mandada pelo Marquês de Pombal por insubordinação. São eles o "Poema épico-trágico", a "Novena do patriarca São Bento" e a "Petição que a presa faz à rainha N. Senhora". Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

Biografia

a primeira mulher romancista em língua portuguesa.[11][nota 1]

 

Filha de José Ramos da Silva, cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa, e de Catarina de Orta, Teresa nasce em São Paulo, no Brasil Colonial[7]. Segundo Tristão de Ataíde, a família de Teresa era um dos fenômenos sociais mais expressivos do Brasil do período. José Ramos da Silva, pai de Teresa Margarida, viera para o Brasil em 1695. Em 1704, casou-se com D. Catarina de Orta, de família ilustre paulistana. Nessa época, já era um dos homens mais ricos de São Paulo, proprietário de imóveis na cidade e de terras auríferas e diamantinas em Minas Gerais. Foi um dos que fizeram fortuna atuando como fornecedor dos “bandeirantes”, dos paulistas.[8]

Aquando do regresso da família a Lisboa, Teresa e a irmã estudam no [[Convento das Trinas, com o objetivo de seguirem a vida religiosa. Casa com Pedro Jansen Moller van Praet, com quem tem doze filhos[7]; e foi dama das Cortes de D. João V e D. José I[9]. É fluente em português, francês e italiano[7].

Depois da morte do seu esposo, quando apenas tem 42 anos, Teresa é acusada de mentir ao rei. Por ordem do Marquês de Pombal, Teresa é mantida em cativeiro, durante sete anos, no Mosteiro de Ferreira de Aves[2]. Em 1777 sai em liberdade, e passa a viver com o cunhado, monsenhor e inquisidor, Joaquim Jansen Moller[2].

Obras

Manuscritas

  • Theresa Margarida da Silva e Horta encerrada no mosteiro de Ferreira encaminha aos ceos os seus justissimos prantos no seguinte poema epico-tragico
  • Novena do Patriarcha S. Bento  
  • Carta dedicatória À Abadessa D. Anna Josepha de Castel-Branco 

Impressas

  • Máximas da virtude, e fermosura com que Diofanes, Clyminea, e Hemirena Principes de Thebas venceraõ os mais apertados lances da desgraça, Lisboa, Officina Miguel Manescal da Costa, 1752.
  • Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco[10]
  • Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão[11]
  • Historia de Diofanes, Clymenea e Hemirena, Principes de Thebas. Historia Moral escrita por huma Senhora Portugueza, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1818

Obras póstumas

No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993[12], além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira de Aves. São eles o Poema épico-trágico, a Novena do patriarca São Bento e a Petição que a presa faz à rainha N. Senhora. Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

 

A dama estrangeira ou o mistério das letras misturadas

ANA MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um homem chega ao palácio real em Lisboa. Cruza os corredores, entra na sala de música e se ajoelha aos pés da princesa. Entrega à adolescente um delicado exemplar de um livro dedicado à alteza que, melancólica, o deposita em uma almofada. Na capa está escrito: "Máximas de virtude e formosura, com que Diófanes, Climenéia e Hemirena, príncipes de Tebas, venceram os mais apertados lances da desgraça, oferecidas à princesa nossa senhora, a senhora d. Maria Francisca Isabel Josefa Antonia Gertrudes Rita Joanna. Por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Lisboa, na oficina de Miguel Manescal da Costa, impressor do Santo Ofício. Ano 1752, com todas as licenças necessárias".
A princesa dá um sorriso estranho, percebe-se um ar de loucura nos seus olhos.
Não se sabe quem é Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira, a autora do romance que conta as aventuras dos reis de Tebas, escrito para a futura rainha, ensinando-lhe regras de comportamento e atacando a monarquia, da mesma forma que Fénelon escrevera as aventuras de Telêmaco para instruir o jovem duque de Borgonha, ensinando-lhe mitologia e poesia gregas, e para fazer críticas a seu avô, Luís 14. Na Corte sussurram pelos corredores, durante as tertúlias, as festas, as caçadas: quem teria tido a ousadia de escrever aquele romance que critica o despotismo do rei? Descobre-se que Dorothea, simplesmente, não existe.
À mesa de gamão, um padre e um conde procuram desvendar o segredo que há no nome suposto da autora. Estendem no veludo as 32 letras do nome de Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira e realizam toda sorte de combinações. Depois de uma noite em claro, muitas doses de licor de anis e bocetinhas de rapé, têm a revelação: é um anagrama perfeito do nome Dona Theresa Margarida da Silva e Orta, sem sobrar nem faltar uma só letra.
Os dois homens se assombram. É a amiga de Alexandre de Gusmão!
Que senhora é esta?
Numa sessão de academia, o padre e o conde falam sobre sua descoberta. O livro, de intensa erudição, foi escrito por uma senhora, dona Theresa Margarida, irmã do moralista Mathias Ayres, que acaba de publicar uma reflexão sobre a vaidade dos homens. "Certamente a autora foi orientada pelo irmão e pelo protetor Alexandre de Gusmão", diz o padre.
Alguém lembra que o livro pode ter sido escrito pelo próprio Alexandre. O geógrafo e embaixador Alexandre de Gusmão, 57 anos, foi secretário privado do rei dom João 5º e autor de libretos de óperas. Um homem de espírito sarcástico, que enviava aos inimigos cartas "rápidas e cortantes como chicotadas", o mais esclarecido de sua época, de grande influência na Corte até a morte do rei, dois anos antes. É irmão de Bartolomeu, o padre criador de um aeróstato e que diante de dom João 5º fez um pequeno balão de papel com foco ígneo subir até o teto da sala, pelo que passou a desfrutar de muita popularidade como Padre Voador.
"Alexandre de Gusmão pode ser o autor do romance, pois é conhecido seu iluminismo de estrangeirado, seu horror ao despotismo e sua virulência na crítica ao novo governo."
"Por que precisaria Alexandre se fazer passar por mulher, em vez de receber as glórias da autoria do romance?", diz alguém.
"As glórias e os cárceres."
"Ora, pode ter sido escrito pelo irmão de Alexandre, o padre Bartolomeu", zomba um acadêmico.
"Este está mais interessado em máquinas elevatórias, modos de bombear água dos navios e um sistema de lentes."
"Para assar carne ao sol", grita alguém. Ecoam gargalhadas na sala.
"Dona Theresa, por sua vez, teria motivos para não revelar que é a autora do romance", diz o conde.
"No livro pode-se perceber uma reação contra a política adotada pelo novo rei dom José 1º. Isso, por acaso, é assunto para uma senhora?"
"Por que não?", responde o padre. "Nas palavras que antecedem a obra, a autora reafirma", o padre abre o livro e lê, "esta obra, lembra-te que é de mulher, que nas tristes sombras da ignorância suspira por advertir a algumas a gravidade de Estratônica, a constância de Zenóbia, a castidade de Hipona, a fidelidade de Políxena e a ciência de Cornélia. Sim, a autora é uma senhora, dona Theresa Margarida, a filha de José Ramos da Silva".
"Mas quem é esta senhora?", perguntam-se as pessoas presentes.
Prazeres no claustro
Theresa Margarida é uma bela mulher de cerca de 40 anos de idade. Embora não seja nobre, é aceita nos salões reais, nas conferências secretas e eruditas das academias, nas aulas no paço, pois foi educada no convento das Trinas, letrada, instruída em poesia, música, astronomia, e é conhecedora de línguas. Seu pai possuía o palácio dos Condes de Alvor, propriedades em Alemquer, em Belas, a quinta da Corujeira, onde se enchem a cada ano mais de 300 pipas de vinho e tantas outras quintas, capelas, abegoarias, logradouros, vastíssimos domínios. Seus amigos são pessoas poderosas do governo anterior, dizem até que Theresa teria beijado a mão de dom João 5º num Te Deum em Odivelas, onde o soberano ia se encontrar com sua amante, a freira Maria Paula, e que o rei apreciava o comportamento exuberante da súdita, afinal, fora ele quem mandara as mulheres arrancarem do rosto os véus negros, quem abrira as janelas do paço, iluminara com milhares de velas os salões, colorira as roupas, fizera cintilarem aljôfares e damascos, mandara que toucassem os rostos com pós alvos, cobrira de ouro os colos das mulheres e permitira que os homens usassem leques. Mas Theresa sempre foi vista com reserva na Corte, pois é estrangeira. Nasceu no Brasil.
Nasceu em São Paulo, enquanto seu pai, minerador enriquecido nas Minas Gerais, com um pequeno exército de escravos lutava no Rio de Janeiro para expulsar os franceses que haviam invadido a cidade em 1711. Desses colonos, diziam em Portugal serem daquele tipo de rapaz que foi de pés descalços "roubar nos Sertões as Minas, e cá vem dispender às mãos cheias", e mais, "esquecido do seu antigo estado; porque toda a memória conserva no presente: Trovão da rua nova, nos dias de pagamento, e muitas vezes sucede ser relâmpago a sua riqueza".
Mas a riqueza do pai de Theresa Margarida era sólida. Quando a menina tinha cerca de cinco anos, ele voltou ao reino e comprou ingresso entre a nobreza, tendo em toda sua vida emprestado dinheiro a fidalgos como o marquês de Valença, que nunca lhe pagou, ou o conde de Ericeira, que o olhavam, todavia, com desdém. O pai pôde educar seu filho como um nobre e suas filhas nos melhores conventos. No mosteiro das Trinas, Theresa conheceu uma vida de liberdade e prazer, entre grades de doces, lausperenes, visitas de homens apaixonados por freiras, as mulheres mais desejadas na época, as musas, as amantes. Ali, sem a presença opressiva do pai, Theresa aprendeu a ler, escreveu poemas, conheceu rapazes, apaixonou-se e decidiu que não queria ser freira. Contra a vontade dos pais, deixou o mosteiro.
Também enfrentando as tempestades familiares, resolveu casar com o jovem que amava, filho de um desembargador, mas sem nenhum sangue azul. O pai ameaçou deserdá-la, não permitiu que ela avistasse o pretendente, expulsou de casa a criada que guardava as cartas de amor, fez insinuações torpes sobre sua honra, ficou doente à morte durante seis meses, mas nada a demoveu. O pai a meteu numa carruagem, levou-a para a quinta da Agualva e a trancou num quarto escuro, sem deixar que falasse com ninguém. Obrigou-a a assinar um papel sem saber o que continha, subornou gente, fez tudo para impedir o casamento.
Porém, depois de uma batalha judicial, instruída pelo sogro, usando uma lei que protegia as filhas que desejavam contrair matrimônio sem autorização do pai, com apenas 16 anos Theresa Margarida casou com o holandês. O pai cumpriu sua promessa e por uma escritura pública a deserdou. Em meio a dificuldades financeiras, uma gravidez atrás da outra, brigas familiares, obrigações domésticas, maternais e de esposa e intensa vida intelectual, ela teria escrito o romance.
"Impossível", gritou alguém, indignado.
Paixões líricas e fatais
Sete anos depois de publicado, o livro foi registrado pelo abade Barbosa Machado, no tomo 4 da monumental "Biblioteca Lusitana", como de autoria de Theresa Margarida da Silva e Orta. Antes de fazer tal afirmação, o abade consultara Alexandre de Gusmão sobre sua bibliografia, que lhe dissera não ter nada escrito; isso em 1740, mas Theresa também fora consultada e, quando o abade publicou sua "Biblioteca", ela não a contestou. Porém, depois da morte de Theresa, em 1790, uma nova edição atribuiu, na capa, a verdadeira autoria a Alexandre de Gusmão, o embaixador e não seu padrinho, jesuíta que vivera no Brasil, e que, este sim, escrevera obras de ficção.
"Aventuras de Diófanes", como foi intitulado na segunda edição, é, portanto, o primeiro romance publicado por um autor brasileiro (Alexandre também era paulista, nasceu em Santos). Theresa o escreveu um século antes de ser publicado o que costumamos registrar como primeiro romance brasileiro, "A Moreninha", de Joaquim Manoel de Macedo.
O livro de Theresa é lindo. Sensível e corajoso, repleto de paixões líricas e fatais, inconformista, fez muito sucesso na época, tendo quatro edições, o que era muito raro. As mulheres em Portugal, até então, costumavam escrever apenas textos conventuais ou religiosos. É romance da maneira como concebemos hoje a palavra, uma narrativa em prosa, com personagens, seus diálogos e reflexões, descrições, conectivas de narração. Apresenta uma literatura corrompida pela relação impossível da Arte com o Bem e uma linguagem que se ressente do peso do moralismo doutrinário. Mas é elegante, ousado, pré-romântico, apesar de imitar os modelos clássicos greco-romanos e os seiscentistas franceses. Theresa rompe com o barroco e o castelhanismo e se mostra "estrangeirada", como seu irmão Mathias, o que era a vanguarda da época. Há um narrador onisciente que conta a história, mas em seguida o mesmo episódio é narrado com mais detalhes e impressões pelo personagem, como lembrança de sua última desventura.
Conta a história dos reis de Tebas que, com os filhos, partem numa esquadra para a ilha de Delos. Surpreendidos por uma tempestade, são atacados por dois navios argelinos. O rei, Diófanes, é aprisionado e vendido aos coríntios. O filho é morto. A mãe e a bela filha, Hemirena, ficam em Argos, separadas uma da outra. Hemirena se torna escrava de Anquísia, que, com ciúmes da princesa, a manda para o campo, na esperança de que o vento, o sol, a chuva estraguem sua beleza. O pastor Túrnio, irmão de Anquísia, se apaixona por Hemirena e deseja casar com ela. A irmã não permite e a vende à princesa de Atenas. O pastor, inconsolável, sem saber do destino de sua amada, enlouquece.
Em Atenas, com narrativas em lágrimas, Hemirena encanta sua senhora, Beraniza, que, ao descobrir as origens nobres da escrava, torna-se sua amiga e interlocutora, quando se sucedem diálogos entre as duas princesas repletos de noções de virtude. O príncipe Ibério, igualmente, sucumbe ao fascínio de Hemirena e deseja casar com ela, que recusa. Beraniza fica doente e morre. O príncipe torna Hemirena sua prisioneira. Mas, numa noite, Hemirena foge, "com vestido de homem, disposta com aquele fingimento a vencer os maiores assaltos de sua cruel fortuna".
Hemirena encontra um mendigo coberto de chagas e trava com ele um diálogo sobre as dores físicas e as morais, sobre as relações entre súditos e reis, sobre a inveja, a ingratidão, os homens e seus venenosos enganos. O mendigo é seu pai, o rei Diófanes, e Hemirena parte para não ser reconhecida. Depois encontra sua mãe, desmemoriada, numa caverna de pedras, onde a rainha vive entre feras. Ambas passam a viver com pastores, como mãe e filho. Hemirena encanta as pastoras, respondendo com inteligência a suas perguntas e com mais conselhos sobre o comportamento dos nobres e a virtude, sobre as mulheres, o casamento, os adornos, os efeitos do ócio e os da paixão.
A bela pastora Atília, entretanto, se apaixona por Hemirena, pensando tratar-se de um homem, motivo pelo qual a princesa e a rainha fogem, até Esparta, depois vão para Micenas e novamente para Corinto, numa triste peregrinação, e depois de mais viagens, discursos, diálogos, conselhos, prisões, naufrágios e novas paixões, a bela Hemirena retorna, com os pais, a Tebas, onde se realizam grandes festas para os soberanos. São 266 páginas, que terminam com uma ingenuidade tipicamente feminina, quando a autora diz que "sempre é vencedora a verdade, e que a formosura triunfa, quando é constante a virtude".
Dona Theresa Margarida, porém, passou os últimos anos de sua vida encarcerada no mosteiro de Ferreira, por ordem de seu inimigo, o marquês de Pombal, onde ela escreveu um longo poema épico-trágico, dividido em cinco prantos, para contar suas dores e tristezas. Seu livro caiu no esquecimento.

Referências

  1. «GÊNERO(S) NA OBRA DE TERESA MARGARIDA DA SILVA E ORTA» (PDF). Mulher e Literatura. Consultado em 2 de janeiro de 2018
  2. ↑ Ir para:ab c Flores, Conceição. «Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)». Revista Convergência. Consultado em 6 de outubro de 2017
  3. Ennes, Ernesto Jose Bizarro (1944–1952). Dois paulistas insignes. Col: Bibliotheca Pedagógica Brasileira. Série V. Brasiliana; v. 236. 2. São Paulo: Ed. Nacional
  4. Ennes, Ernesto (abril–junho de 1953). «Uma Poetisa brasileira (1711 ou 1712-1793)». São Paulo. Revista de história. 6 (14): 421-436
  5. Vidal, Barros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite. 277 páginas
  6. Série Histórias Não Contadas - "As Mensageiras" - Primeiras Escritoras do Brasil Câmara dos Deputados - acessado em 6 de março de 2021
  7. ↑ Ir para:ab c «Teresa Margarida da Silva e Orta». "Escritoras em Português" - Projeto FLUL. Consultado em 6 de outubro de 2017
  8. FURQUIM, Tânia Magali Ferreira; A vida conturbada de Teresa Margarida. Capítulo 1: A época de Teresa Margarida
  9. Revista Colóqui/Letras n.º 110/111 (Julho de 1989). Huma Senhora do Século XVIII - Theresa Margarida da Silva e Orta, pág. 35.
  10. Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1777
  11. Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1790
  12. Orta, Teresa Margarida da Silva e (1993). Obra reunida Teresa Margarida da Silva e Orta. Col: Série Revisões 4. Introdução, pesquisa bibliográfica e notas de Ceila Montez. Rio de Janeiro: Graphia. 244 páginas

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 21 de junho de 2023

OS BRASILEIROS: JOÃO PERNAMBUCO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: João Pernambuco

José Domingos Brito

 

 

 

João Teixeira Guimarães nasceu em 2/11/1883, em Petrolândia,  PE. Músico e primeiro compositor a criar um repertório de choros escritos especialmente para violão. Conhecido como "Poeta do Violão", é coautor do clássico “Luar do Sertão”, junto com Catulo da Paixão Cearense, e de Sons de Carrilhão entre outros clássicos da música brasileira.

 

Filho de Teresa Vieira e Manuel Teixeira Guimarães, começou a tocar viola na infância, quando vivia no Recife, e foi influenciado pelos cantadores e violeiros de rua. Aprendeu a tocar violão com cantadores sertanejos como Bem-te-vi, Mandapolão, o cego Sinfrônio e Fabião das Queimadas. Em 1904, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi morar com uma irmã. Trabalhou em diversas atividades, incluindo a função de “calceteiro”, o operário que calça ruas. Pouco depois foi tocar na casa do senador Pinheiro Machado, que se tornou seu admirador e lhe arrumou um emprego como contínuo num almoxarifado, um serviço menos arriscado para as mãos de um violonista, propiciando-lhe mais tempo livre para se dedicar à música.

 

Em seguida mudou-se para uma pensão no centro da cidade e passou a conviver com vários amigos músicos violonistas, onde tocava e cantava músicas de sua terra. Vem daí o apelido João Pernambuco. Na pensão viviam Pixinguinha e Donga e era frequentada pelo violonista Sátiro Bilhar e pelo poeta Catulo da Paixão Cearense. Em 1908 já era considerado entre os grandes chorões e compôs, junto com Catulo, Engenho de Humaitá, que deu origem à toada Luar do Sertão. (1914). Mais tarde, Catulo registrou a música sem a coautoria de João Pernambuco. Mas, na disputa judicial Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha e Almirante depõem a seu favor, passando a ter seu nome creditado.

 

Além de tocar, também cantava e montou o “Grupo Caxangá“, em 1914, com 7 integrantes, entre os quais Pixinguinha e Donga, lançando moda no Rio com sua caracterização sertaneja. Em 1916 montou o grupo “Troupe Sertaneja”, apresentando-se em São Paulo e Porto Alegre. Mais tarde, em 1922, integrou o grupo dos “Turunas Pernambucanos” e dos “Oito Batutas”, ao lado de Pixinguinha. De 1928 até 1935, morou num casarão da Av. Mem de Sá, que abrigava muitos músicos em concorridas rodas de choro, frequentada por gente como Villa-Lobos, que lhe arranjou um emprego como contínuo na Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA).

 

Suas composições eram de tal densidade e profundidade, que permaneceram na memória musical do País, como a música Sons de Carrilhões. Alguns músicos deixaram registrado depoimentos sobre sua obra: “Bach não se envergonharia em assinar os estudos de João Pernambuco” (Villa-Lobos); “João Pernambuco está para o violão assim como Ernesto Nazareth está para o piano” (Mozart de Araújo); “Dificilmente se encontra um violonista brasileiro, seja ele músico erudito ou popular, que não tenha em seu repertório alguma música do João... a mais legítima expressão do jeito brasileiro de tocar violão” (Maurício Carrilho). Foi João Pernambuco quem introduziu o chapéu de couro nordestino no cenário cultural brasileiro, cf. se vê na foto do verbete e  A foto do verbete mostra que, antes de Lampião, ele já dobrava a aba do chapéu pra cima

 

Faleceu em 16/10/1947, ano em que musicou os versos de Castro Alves, Canção do violeiro. Seu legado é composto por mais de 100 obras entre cocos, toadas, emboladas, choros e valsas. Sua presença na música brasileira é fundamental. wwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww  visto que ele chegou ao Rio de Janeiro na época em que a cidade por um processo de modernização inspirado nas reformas urbanas que ocorrem em Paris. Na época o que prevalecia aqui era a música instrumental estrangeira e de ópera, particularmente a italiana. Os músicos populares eram vistos apenas nas salas de cinema e no teatro de revista.

 

Assim, a música popular passa a ser cada vez mais frequente, sobretudo com a ampliação das gravações fonográficas. Segundo os historiadores, neste contexto João Pernambuco se destaca pela divulgação de gêneros como a toada sertaneja e a embolada e por meio de sua atividade como professor de violão. É um dos protagonistas da geração que sistematizou o choro, um gênero musical próprio do Brasil. O violonista erudito Turíbio Santos tem se dedicado a recolher, publicar e tocar as composições de João Pernambuco desde 1970 e diz-se que seu arranjo para Sons de Carrilhão é uma virtuose.

 

Leandro Carvalho é outro violonista empolgado com sua obra. Em 1999 gravou o CD João Pernambuco, o poeta do violão pela gravadora Eldorado. No ano seguinte gravou o CD Descobrindo João Pernambuco pela gravadora Ritornelo Records e fez um mestrado na UFPE, com orientação de Ariano Suassuna, enfocando as obras do compositor. Pouco depois foi lançado por Baden Powell o CD João Pernambuco e o sertão, com uma coletânea especial.  Como biografia sucinta, temos João Pernambuco: arte de um povo- de José de Souza Leal e Artur Luiz Barbosa, publicado pelo MEC/FUNARTE, em 1982.

 

João Pernambuco: Sons de Carrilhoes - YouTube

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 14 de junho de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA BOA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

AS BRASILEIRAS: Maria Boa

José Domingos Brito

 

 

 

 

Maria Oliveira Barros nasceu em Remígio, PB, em 24/6/1920. Empreendedora bem-sucedida dona de um cabaré, em Natal, RN, na década de 1940 e seguintes. Um luxuoso prostíbulo com apresentações musicais, teatro de revista e encontros casuais. No início sua clientela era constituída principalmente por soldados norte-americanos, instalados na base de Natal, durante a II Guerra Mundial. Teve seu nome gravado numa aeronave da FAB-Força Aérea Brasileira.

Na adolescência ajudava o pai numa banca da feira de Campina Grande e ganhou o apelido de Maria Boa, devido a gentileza com os fregueses e, também, aos belos atributos físicos. Era uma moça bonita, que chamava à atenção com seus cabelos pretos e longos. O apelido não agradou o pai, mas encantou os rapazes que passavam na barraca só pra vê-la. Ela acabou engraçando-se por um deles, que  tirou-lhe a virgindade. O pai exigiu o casamento como reparação, mas o rapaz recusou. Ela se viu abandonada pelo namorado e pelo pai, que a expulsou de casa.

A mãe sentiu muito o desfecho da tragédia, mas não pode fazer nada e teve que aceitar a decisão do marido seguindo o padrão exigido pela sociedade local naquela época. A família não podia manter sob o mesmo teto uma filha sem honra. Era este era o costume. A partir daí, ela sentiu-se estranha e indesejável na cidade e foi tentar uma nova vida na capital João Pessoa, em meados de 1935. Arrumou emprego numa tipografia como secretária. Pouco depois conheceu um político; namoraram; brigaram e ela foi ameaçada de morte. Em pouco tempo passou a ganhar a vida como prostituta em algumas cidades da Paraíba até chegar em Natal.

Segundo relata o jornalista Luiz Henrique Gomes, há uma controvérsia entre os cronistas sobre o modo como chegou em Natal. Diz-se que ela já trabalhava num bordel, quando Madame Georgina, dona da Boate Estrela, soube que em Campina Grande havia uma bela jovem que acabara de cair na vida. Foi até lá e trouxe-a para sua Boate. Outra versão conta que ela chegou em Natal, em julho de 1942, aos 22 anos. “Sem eira nem beira”, porém bonita e atraente, logo encontrou emprego na Boate Estrela, onde foi bem recebida por Madame Georgina, que não poupou nos vestidos e joias, nem nas músicas para apresentá-la à sua clientela. Logo encontrou um alto funcionário público, com quem manteve relacionamento e engravidou. Ao saber da gravidez, o namorado não gostou e acabou o namoro. Ela abortou, ficou impossibilitada de procriar e abalada com a situação, afastou-se do Cabaré. 

 

Em seguida trabalhou em algumas “casa de drink” e tinha como característica o respeito e educação. Era reservada, não tolerava gaiatices e tratava os clientes com cortesia. Levava seu trabalho a sério e era respeitada pelas colegas. Por esta época os soldados norte-americanos se instalaram em Natal, causando uma mudança urbana na capital potiguar. Em 1943, a cidade com 40 mil habitantes fervilhava com a chegada dos 15 mil militares americanos, que trouxeram o cinema de Hollywood, cigarros com filtro, coca-cola e os bailes na base militar alimentando fantasias de progresso material. Foi aí que ela aguçou o tino empreendedor. Percebeu que a cidade não dispunha de um lugar onde os homens pudessem se divertir. Em parceria com um amigo, alugou um casarão e montou seu negócio. Além dos soldados norte-americanos, a casa era frequentada pelos homens da alta sociedade e, assim, prosperou, rapidamente.

 

O Cabaré tornou-se um lugar conhecido não só pela prostituição. Mantinha uma boa cozinha e dizem que lá foi o primeiro lugar a servir o galeto assado, quando só existia o frango caipira cozido. Em pouco tempo reuniu um time de garotas bonitas dos estados vizinhos e fez com que sua Boate se tornasse uma referência no turismo da cidade e ponto de encontro dos empresários, fazendeiros e políticos da região. O serviço era impecável naquele ambiente, digamos, do pecado. Cuidava da saúde das moças e exigia algum recato na recepção e trato com os clientes. Foi neste ambiente que Maria Boa reinou com seu Cabaré.

 

Sua fama chegou também aos militares da aeronáutica brasileira. Os aviões B-25 eram identificados com variadas cores, conforme o local da base aérea. Na Base de Natal, além das cores foi acrescido desenhos artísticos de mulheres em trajes de praia, ao lado esquerdo da fuselagem. Na aeronave 5079 foi aplicado o desenho e o nome de Maria Boa. Alguns tenentes levaram-na até o hangar dos B-25 para lhe mostrar a homenagem prestada, deixando-a comovida.


Com o tempo adquiriu a sobriedade de uma madame. Não gostava de

ser fotografada nem dava entrevistas, talvez para proteger sua família. Adotou duas crianças e manteve-as em boas escolas. Ajudou a pagar os estudos das primas e sobrinhos e fazia questão que todos tivessem uma formação diferente da sua. Chegou a ajudar inúmeras famílias carentes e as mães de suas funcionárias. Enfim, o nome Maria Boa fez justiça ao nome e tornou-se uma mulher respeitada e admirada em Natal. Em 1997, aos 77 anos, tinha problemas cardíacos e passou por uma cirurgia de alto risco. Pouco depois teve um AVC e faleceu em 22/7/1997. No dia seguinte o Diário de Natal estampou a manchete: “Morre a Dama das Camélias”.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 07 de junho de 2023

OS BRASILEIROS: ARMANDO SALES DE OLIVEIRA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Armando Sales de Oliveira

José Domingos Brito

 


 

Armando de Sales Oliveira nasceu em 24/12/1887, em São Paulo, SP. Engenheiro, empresário e político, tem o nome ligado a história de São Paulo, particularmente, na criação da USP-Universidade de São Paulo e do IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas em 1934.

 

Filho de Adelaide Sá de Sales Oliveira e o engenheiro e político português Francisco de Sales Oliveira Jr., presidente da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Teve parte dos primeiros estudos em escola pública e ingressou no curso de engenharia da Escola Politécnica. Durante o curso, trabalhou na construção de alguns trechos da Mogiana, em 1908. Destacou-se na área de projetos técnicos como engenheiro e empresário e casou-se com Raquel de Mesquita, filha de Júlio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de São Paulo, de quem se tornou sócio.  

 

Com a morte do sogro, em 1927, assumiu a presidência da sociedade anônima proprietária do jornal. Apoiou a Revolução de 1930 e teve atuação destacada na Revolução Constitucionalista de 1932. Manteve ligações com os constitucionalistas, enquanto procurava uma aproximação com o governo Vargas. Em 1933 foi designado interventor em São Paulo e promoveu uma reordenação na política do Estado com a criação do Partido Constitucionalista. A USP-Universidade de São Paulo constituiu-se na criação mais expressiva de seu governo. A proposta era tornar-se um centro de excelência acadêmica de projeção nacional, um objetivo plenamente alcançado.

 

Para ressaltar o objetivo, criou o IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ao lado da Escola Politécnica. As justificativas no próprio texto do decreto são claras: “a organização e o desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística constituem as bases em que se assentam a liberdade e a grandeza de um povo” e “somente por seus institutos de investigação científica, de altos estudos, de cultura livre, desinteressada, pode uma nação moderna adquirir a consciência de si mesma, de seus recursos, de seus destinos”. Assim, reuniu os institutos e escolas existentes, criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para formar professores primários e secundários e deu no que deu: a grande USP, cujo campus hoje leva seu nome.

 

Além dos objetivos acima, queria preparar uma elite intelectual moderna e necessária ao País. Ainda segundo seus criadores, era necessário à “formação das classes dirigentes, mormente em países de populações heterogêneas e costumes diversos, condicionada à organização de um aparelho cultural e universitário, que ofereça oportunidade a todos e processe a seleção dos mais capazes”. Para isto, foi firmado um convênio com as universidades francesas, garantindo a vinda de professores para lecionar aqui. No ano seguinte foi eleito governador do Estado e pouco depois comunicou à Vargas seu interesse em se candidatar à presidência da República.

 

Foi dissuadido dessa intenção pelo presidente Vargas. Porém, não acatou o conselho, pois contava com o apoio de Flores da Cunha, governador do Rio Grande do Sul e de outros governadores da oposição à Vargas. Em 1937 homologou a candidatura na eleição que deveria ocorrer em 1938, que não se deu devido ao golpe instaurando Estado Novo em fins de 1937. Ele ficou detido por um ano em prisão domiciliar e passou a viver exilado na França até 1939, quando se mudou para os EUA. Com o Golpe de Estado, seu jornal foi confiscado pelo Governo. No exílio divulgou diversos manifestos contra a ditadura de Vargas.

 

Em 1943 mudou-se para a Argentina e pouco depois foi anistiado. Retornou ao Brasil em 1945, quando se encontrava doente. Ainda assim participou ativamente na política, como membro da comissão diretora que criou a UDN-União Democrática Nacional, partido reunindo os adversários do Estado Novo. Mas, logo veio a falecer em 17/5/1945. Seu nome ficou gravado no campus da USP e diversos logradouros públicos do Estado.

 

Deixou alguns livros publicados com relatos sobre sua trajetória política: Jornada democrática (1937), Para que o Brasil continue  (1937) e Diagrama de uma situação política; manifestos políticos do exílio (1945). Alguns textos biográficos esclarecem tal trajetória:  Síntese do pensamento de Armando de Sales Oliveira, de Joaquim A. Sampaio Vidal (1937), Armando de Sales Oliveira, de Cesário Coimbra, Manuel dos Reis e Moacir E. Álvaro (1946); Armando de Sales Oliveira, de A.C. Pacheco Silva (1966) e o artigo Armando de Sales Oliveira, de Ricardo Maranhão, publicado no “Suplemento do Centenário” de O Estado de S. Paulo, em 1975.

 

A voz de Armando Sales de Oliveira - YouTube

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 31 de maio de 2023

AS BRASILEIRAS : ADA ROGATO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ada Rogato

José Domingos Brito

 

 

Ada Leda Rogato nasceu em 22/12/1910, em São Paulo, SP. Uma das pioneiras da aviação no Brasil; primeira mulher paraquedista; primeira piloto de avião planador e terceira a obter o brevê de aviadora. Foi também a primeiro piloto agrícola do País e ficou famosa com suas acrobacias aéreas. Voando sempre sozinha em pequenas aeronaves e grandes percursos, ganhou fama internacional a partir da década de 1950.

 

Filha dos imigrantes italianos Maria Rosa Greco e Guglielmo Rogato, teve os primeiros estudos em bons colégios com aulas de piano e pintura. O pai constituiu nova família em meados da década de 1930 e ela passou por alguns perrengues ajudando a mãe com bordados e artesanato para se sustentar. Trazia consigo o sonho de voar e conseguiu, em 1935, o primeiro brevê feminino de voo a vela. No ano seguinte conseguiu a primeira licença concedida a uma mulher para pilotar avião pelo Aeroclube de São Paulo. Em 1941 fez o curso de paraquedismo no Campo de Marte e recebeu o primeiro certificado concedido a uma mulher.

                                                                      

Utilizou suas habilidades para divulgar a aviação e participou de diversos eventos aeronáuticos em todo o País. Durante a II Guerra Mundial, ajudou voluntariamente o Exército com 213 voos de patrulhamento aéreo no litoral paulista. Em 1948, com o surgimento da “Broca-do-café” no Brasil, ameaçando sua hegemonia no mercado mundial, ela foi a salvação da lavoura. Aceitou o desafio e implantou a dispersão aérea dos defensivos agrícolas. Em 1956, no “Cinquentenário do primeiro voo 14-bis”, ela percorreu mais de 25 mil km. de voo por todos os estados para homenagear e divulgar os feitos de Santos Dumont, levando material sobre a vida e obra do Pai da Aviação.

 

A pedido das autoridades eclesiásticas, levou também nesta peregrinação aérea uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, colaborando, assim, para divulgar a santa padroeira do Brasil. Na década de 1950 foi redatora de aviação da Revista dos Aviadores e da revista Velocidade. Recebeu da imprensa diversos epítetos “Milionária do Ar”, Gaivota Solitária”, “Águia Paulista” e no Chile “Condor dos Andes”. Foi uma colecionadora de feitos notáveis na aviação: 1ª piloto brasileira a atravessar os Andes, 11 vezes, em 1950; única aviadora do mundo a cobrir uma extensão de 51.064 km. em voo solitário pelas 3 Américas chegando até o Alaska; a 1ª a atingir o aeroporto de La Paz, o mais alto do mundo até então (1952).

 

Foi também 1º piloto, homem ou mulher, a cruzar a selva amazônica num avião pequeno e sem rádio, usando apenas uma bússola (1956); 1ª aviadora a chegar sozinha à Terra do Fogo (1960); 1ª mulher no mundo a saltar de um helicóptero, realizando 105 saltos, e 1ª mulher paraquedista das Américas. Foi condecorada diversas vezes e recebeu centenas de  troféus: foi a primeira aviadora a receber no Brasil a Comenda Nacional do Mérito Aeronáutico, no grau de Cavaleiro, as “Asas da Força Aérea Brasileira e o título de Piloto Honoris Causa da FAB; também no grau de Cavaleiro, recebeu na Bolívia o troféu Condor dos Andes; no Chile, foi condecorada com a medalha Bernardo O’Higgins no grau de Oficial e na Colômbia com as “Asas da Força Aérea Colombiana”.

 

Em 1954, recebeu da Federação Aeronáutica Internacional, o diploma “Paul Tissander” por seus méritos na aviação. Em 1986 foi conselheira, secretária e presidente da Fundação Santos Dumont e se manteve no cargo de diretora do Museu da Aeronáutica, no parque do Ibirapuera, até seu falecimento em 15/11/1986. O cortejo de seu funeral foi acompanhado pela “Esquadrilha da Fumaça”, recebendo todas as honras da Aeronáutica brasileira. Seu avião -o Cessna 140-A- encontra-se hoje em exposição no Museu TAM, em São Carlos, SP.   

 

Os feitos aeronáuticos de Ada Rogato podem ser vistos no filme de curta metragem Folguedos no firmamento, realizado em 1984, com direção de Regina Rheda e na biografia Um pássaro solitário, de Lucita Briza, publicada em 2018 pelo Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, acessível na Internet https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_ada_rogato.pdf

 

 PÁSSARO SOLITÁRIO - A VIDA DE ADA ROGATO

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 24 de maio de 2023

OS BRASILEIROS: ALBERTO LUIZ COIMBRA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS RITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS:  Alberto Luiz Coimbra

José Domingos Brito

 

 

 

Alberto Luiz Galvão Coimbra nasceu em 30/8/1923, no Rio de Janeiro, RJ. Engenheiro, pesquisador, professor e pioneiro ao revolucionar o estudo da engenharia com um método de ensino integral voltado à pesquisa no Brasil. Foi o criador da COPPE/UFRJ–Coordenadoria dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1963, atualmente denominado Instituto Alberto Luiz Coimbra.

 

Filho de Zahra Braga e Deodato Galvão Coimbra, que motivaram os filhos a falar inglês em casa. Aos 17 anos, a família morou por um ano em Nova Iorque e na volta ingressou na Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, atual UFRJ. Tomou gosto pela matemática e concluiu o curso de engenharia química. Através de seu professor Athos da Silveira Ramos, conseguiu uma bolsa, em 1947, para fazer o mestrado na Universidade Vanderbilt, nos EUA. Lá encontrou uma estrutura de ensino e pesquisa bem diferenciada do que havia no Brasil. Antes de concluir o curso, recebeu a visita do padre Roberto Saboia de Medeiros, que o convidou para lecionar na Faculdade de Engenharia Industrial, em São Paulo. Retornou ao Brasil em 1949; se casou com a estilista Betty Quadros e viveu uns 4 anos em São Paulo.

 

Em 1953 retornou ao Rio de Janeiro, na condição de professor do Instituto de Química da Universidade do Brasil. Para manter a família com 2 filhos, teve vários empregos e alguns simultâneos. Foi professor na PUC/RJ; no curso de refinação de petróleo da Petrobrás; consultor das empresas Castrol e Carborundum, além de sua firma própria, elaborando projetos industriais. Por essa época obteve o doutorado pela Universidade do Brasil e viu que o ensino brasileiro de engenharia não formava cientistas. Daí nasceu a ideia de implantar um curso de mestrado de Engenharia Química. Em contatos com seu orientador na Universidade Vanderbilt, Frank Tiller, foi-lhe recomendado a visita a diversas universidades norte-americanas. O prof. Tiller tinha ideia de modificar a estrutura da universidade brasileira para algo mais parecido com o modelo norte-americano e considerou que ele poderia assumir esta tarefa.

 

Nesta época, a Guerra Fria entre EUA e URSS provocou uma mudança nos cursos de engenharia, com ênfase na pesquisa científica, algo que faltava no Brasil. Assim, começa a se formar o embrião que viria a se constituir na COPPE. Para isso era preciso aliar os princípios da matemática, da física e da química ao espírito prático dos engenheiros. Do contrário, os brasileiros estariam para sempre condenados a importar tecnologia. Com professores bem renumerados em período integral com tempo dedicado à pesquisa, o curso iniciou em 1/3/1963 com apenas 8 alunos. Para recrutar mais alunos, mandou duplas de professores às cidades onde havia cursos de Engenharia. Punham anúncio no jornal local, convidando estudantes em fim de curso para entrevista num hotel.  Explicavam o que era mestrado e analisavam os interessados. Se o jovem parecesse promissor, era informado que havia uma bolsa de estudos esperando por ele no Rio de Janeiro.

 

O curso foi progredindo e com recursos do FUNTEC-Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico, o prof. Coimbra animou-se a criar, em 1965, o 2º curso de mestrado: Engenharia Mecânica. Ocupando 2 salas do prédio da Praia Vermelha, ele largou os empregos paralelos e passou dedicar-se ao curso de pós-graduação. Exigia pontualidade dos professores e uso de gravata. Mesmo divergindo da direção da Universidade, conseguiu trazer professores estrangeiros, inclusive da URSS, em pleno regime de ditadura militar. Os resultados obtidos apontavam à necessidade de um nome que englobasse os 2 cursos e os próximos que seriam criados. Assim surgiu o nome COPPE-Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.

 

A partir daí, a COPPE foi alavancada e quando se mudou para instalações mais amplas na Cidade Universitária, em 1967, já contava com 7 programas. Em 1968, com a reforma do sistema universitário, a pós-graduação foi oficializada no Brasil nos moldes praticados pela COPPE. Seu progresso continua com novos professores estrangeiros e a contratação de alguns brasileiros perseguidos pela ditadura militar. Para o prof. Coimbra a Engenharia era desprovida de ideologia política. Mas, isto lhe trouxe problemas com o governo militar. Em 1973, através de uma delação, sofreu um processo administrativo, que resultou no seu afastamento e a um demorado processo que o inocentou. Nesse período foi depor várias vezes, foi fichado e humilhado pelos militares e foi obrigado a depor num inquérito na sede do MEC. Queriam saber por que ele contratava tantos professores russos.

 

Certa vez, enquanto flanava no calçadão de Ipanema, foi abordado por agentes à paisana e foi levado ao DOI-Codi, no 1º Batalhão da Polícia do Exército, para dar mais explicações sobre os professores russos. Em fins de 1973, o Conselho Universitário proibiu-o de ocupar postos de chefia. Teve que deixar a COPPE e foi trabalhar na FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos, a convite do amigo José Pelúcio Ferreira. Contam os amigos que, longe da universidade, este foi o pior momento de sua vida. Foi reabilitado apenas em 1981, com o Prêmio Anísio Teixeira, do MEC. Para recebê-lo, tiveram que revogar a proibição que lhe foi imposta. Pouco depois, retornou à COPPE para assumir a coordenação do Programa de Engenharia Química, onde permaneceu até se aposentar, em 1993, com o título de professor emérito da UFRJ.

 

Em 1995, a COPPE passou a se chamar Instituto Alberto Luiz  Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia. Mas, manteve a sigla COPPE, o maior centro de ensino e pesquisa de Engenharia na América Latina. Em 1973 um grupo do programa de engenharia de produção decidiu criar uma escola de pós-graduação em negócios e fundaram a COPPEAD-Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da UFRJ. Trata-se de uma das melhores escolas de negócios e seu curso MBA já esteve 11 vezes no Top 100 do Global Ranking do jornal Financial Times.

Em 2015, no cinquentenário da COPPE, seu diretor, o cientista Luiz Pinguelli Rosa, realizou o evento/exposição “Coppe em cinco décadas: a arte de antecipar o futuro”, lançando a revista Engenharia e Inovação e o relançamento do livro Mecânica dos fluídos, de Alberto Luiz Coimbra, presente na ocasião em que foi homenageado pela criação da COPPE e os serviços prestados à Engenharia no Brasil. Na ocasião recebeu o título de Pesquisador Emérito do CPNq. Foi a última homenagem que lhe foi prestada, vindo a falecer em 16/5/2018. Segundo Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ, “Em quase seis décadas atuando de forma dedicada na COPPE e na UFRJ, Coimbra contribuiu para o desenvolvimento econômico e social do país e iluminou o caminho não apenas de engenheiros, mas também da instituição universitária brasileira”. 

 

Alberto Luiz Galvão Coimbra: O Senhor Pós-Graduação

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 17 de maio de 2023

AS BRASILEIRAS: FIDERALINA LIMA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Fideralina Lima

José Domingos Brito


 

Fideralina Augusto Lima nasceu em 24/8/1832, em Lavras da Mangabeira, CE. Líder política e destacada figura do “coronelismo”, na região do Cariri Cearense. Teve papel relevante na Revolução de 1914, conhecida por “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico liderado, entre outros, pelo Padre Cícero. Recebeu as alcunhas de “matriarca” e “governadora” do Nordeste e inspirou Rachel de Queiroz no seu romance Memorial de Maria Moura.

 

Filha de Isabel Rita de São José e do tenente-coronel João Carlos Augusto, herdou a veia política do pai, que chegou a ser deputado provincial. Desde cedo cultivou o espírito de liderança e passou a comandar os negócios da família com o falecimento do pai, em 1856, e exercer o poder político após o casamento com o major Idelfonso Correia Lima, com quem teve 12 filhos. Manteve o poder político na região por longo tempo através dos casamentos arranjados por ela mesma entre seus filhos com as sobrinhas e as filhas com os filhos e sobrinhos de chefes políticos da região.

 

Momento marcante em sua história política foi quando teve que derrubar seu próprio filho -Honório Correia de Lima- da chefia da Intendência local, cargo equivalente a prefeito, em 1907. Na disputa política pelo poder em Lavras, seu filho Honório entrou em conflito com seu irmão, o coronel Gustavo Augusto Lima. Segundo este, a política do irmão se mostrava contrária a alguns interesses da família e entraram em conflito armado. A matriarca, chamada a encontrar uma solução, tomou o partido do coronel e enviou seus próprios homens à luta com ordens expressas para que não atirassem no filho Honório.

 

Ao final do conflito, Honório se rendeu e se mudou com a família para Fortaleza. O poder ficou com o coronel Gustavo e dividiu a família.  A matriarca deve participação decisiva na “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico surgido quando o local despontava como cidade sagrada, também conhecida como “Nova Jerusalém”, para onde se dirigiam milhares de fiéis em busca dos milagres do Padre Cícero. Devido ao crescimento da cidade com os romeiros, deu-se o movimento de reivindicação de autonomia política do município com seu desligamento da cidade do Crato. A separação pacífica não foi possível e desencadeou a revolta da população contando com a liderança de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero no embate com as forças do governo provincial, em princípios de 1912. O chamado “Pacto dos Coronéis” levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Fortaleza e derrubou o governo de Antonio Nogueira Acióli em 24/1/1912.

 

Em seguida, o coronel Franco Rabelo foi eleito presidente da Província e o movimento de emancipação da cidade foi retomado com apoio dos fiéis do Padre Cícero, os homens de Floro Bartolomeu e um batalhão armado patrocinado por Fideralina. Foi decretado estado de sítio no Ceará e o conflito só terminou em março de 1914, com o envio de tropas do governo federal ao Ceará. Como troféu, Juazeiro foi elevada a categoria de cidade em 23/7/1914 e o Padre Cícero tornou-se a figura mais importante da região.

 

Alguns livros publicados em Fortaleza dão conta da trajetória política da matriarca:  Fideralina Augusto: mito e realidade (2017), de Dimas Macedo; Uma matriarca do sertão: Fideralina Augusto Lima (2008), de Melquíades Pinto Paiva e  A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima (1991), de Rejane Augusto. Em sua crônica publicada na revista O Cruzeiro, Raquel de Queiroz disse que a matriarca lavrense “foi a mais famosa dona do Nordeste, e a senhora de maior cartaz do seu tempo... foi uma espécie de rainha sem coroa, foi uma legenda”. Hoje, no centro de Lavras é mantida a Casa-Museu de Dona Fideralina, recheada de fotos e uma biblioteca adquirida pelos herdeiros e aberta à visitação pública.


A PODEROSA MATRIARCA DE LAVRAS DA MANGABEIRA

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 10 de maio de 2023

OS BRASILEIROS: JOSÉ LEITE LOPES (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: José Leite Lopes

José Domingos Brito

 


 

José Leite Lopes nasceu em 28/10/1918, no Recife, PE. Físico, escritor, professor especializado em física quântica e cientista de renome internacional. Criou o CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Física e articulou a fundação da CNEN-Comissão Nacional de Energia Nuclear; CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos.

 

Filho de Beatriz Coelho Leite e do comerciante José Ferreira Lopes, perdeu a mãe ao nascer e foi criado pela avó Claudina. Realizou os primeiros estudos no Colégio Marista e ingressou no curso de Química Industrial da Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1935. Aí manteve amizade com seu mestre Luiz Freire, através do qual tomou gosto pela ciência.  Iniciou o curso de Física na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, em 1940 e concluído em 1942. Neste período deu aulas no ensino secundário e trabalhou no Instituto de Biofísica.  Em 1943 realizou pesquisas no Departamento de Física da FFCL/USP e no ano seguinte ganhou uma bolsa de estudos do governo dos EUA, onde iniciou o doutorado na Universidade de Princeton.

 

Sob a orientação de Wolfgang Pauli, prêmio Nobel de Física 1945, recebeu o título de Ph.D em 1946 e no mesmo ano foi nomeado professor de Física Teórica e Física Superior na Faculdade Nacional de Filosofia. Nos anos 1956-1957, a convite de Richard Feynman, foi Pesquisador Visitante no California Institute of Technology. Manteve contatos regulares com os físicos Cesar Lattes, Occhialini e Powell, junto aos quais realizou a descoberta do “Meson Pi” utilizando radiação cósmica incidindo em Emulsão Nuclear. Aproveitando a publicidade desta descoberta, alargou o ciclo de amigos cientistas brasileiros, incluindo Mario Schenberg, e fundaram o CBPF, em 1949. Seu papel de criador de instituições de pesquisas ultrapassou as fronteiras do Brasil e alcançou a América Latina. Em fins da década de 1950 sugeriu ao Ministério das Relações Exteriores e à UNESCO a criação de um Centro Latino-Americano de Física-CLAF, criado em 26/3/1962, reunindo 20 países.  

 

Através de um bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, foi trabalhar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em 1949-1950, a convite de Robert Oppenheimer. Na ocasião escreveu, junto com Richard Feynman, um trabalho referente a descrição do “Deutron”. Um de seus famosos artigos -A Model of the Universal Fermi Interaction-, de 1958, foi a base de outros estudos e suas teses foram comprovadas pelos cientistas Abdus Salam, Steve Weinberg e Sheldon Glascow, que foram premiados, em 1979, com o prêmio Nobel de Física por um trabalho inspirado por Leite Lopes. Os temas que mais o atraiu foram a unificação da forças eletromagnéticas e fracas; teorias das forças nucleares; reações fotonucleares; modelo de estrutura de léptons; estudos sobre possíveis léptons e quarks com spin 3/2, sem falar no tema Ciência & Sociedade que permeia toda a sua carreira, destacando-se o papel da Ciência no Desenvolvimento dos Países do Terceiro Mundo.

 

Perseguido pelo governo militar de 1964, passou a viver na França, onde foi lecionar na Faculdade de Ciências de Orsay, a convite de Maurice Lévy e permaneceu até 1967. Aí estimulou 5 jovens estudantes de engenharia pernambucanos a seguirem carreira científica na Física, os quais fundaram o Departamento de Física da UFPE-Universidade Federal de Pernambuco. Em 1981, a UFPE retribuiu-lhe o gesto com a concessão do título de Doutor Honoris Causa. Foi vitimado com o AI-5, em 1968, teve os direitos políticos cassados e foi aposentado compulsoriamente em 1969. No ano seguinte foi convidado para lecionar na Universidade de Strasbourg, onde ficou até 1985 e retornou ao Brasil para dirigir o CBPF até 1989.

 

Além de cientista, teve papel destacado como professor dedicado. Atuou em várias fases da carreira de físico em defesa do ensino em vários níveis. Traduziu, junto com Jayme Tiommo, o famoso livro Física na escola secundária, de Oswald H. Blackwood (Ed. Fundo de Cultura, 1961). Escreveu 20 livros indicados em cursos universitários e outros sobre as relações entre ciência e sociedade. Costumava dizer que “Os cientistas atualmente têm que se preocupar com o problema da educação básica e não podem ficar em seus castelos de marfim. Eles devem dedicar algumas horas por mês (...) e entrar em contato ou fazer com que os colégios secundários ou professores os convidem para dar palestras sobre os últimos avanços da Ciência, como eu fiz. Isso é uma obrigação das universidades.”

 

Um aspecto menos conhecido de sua biografia é seu apreço pela pintura. Dizia que “precisava pintar pois precisava fazer as mãos trabalharem também junto com o cérebro”. Pintou dezenas de quadros a óleo e muitos desenhos. Seus temas preferidos eram a religião, além de quadros abstratos. Ao completar 80 anos, a crítica de arte Miriam de Carvalho, junto com alguns amigos, organizaram uma exposição de 30 obras no Iate Club do Rio de Janeiro. Faleceu em 12/6/2006 e seu nome passou a denominar diversos logradouros públicos e o Aeroporto de Ribeirão Preto.

 

Entre os títulos honoríficos e prêmios obtidos, destacam-se: Medalha Jubileu de Prata da SBPC; Medalha do CNPq no 30º aniversário dessa instituição; Prêmio Estácio de Sá de Ciência (RJ); Ordem do Rio Branco, grau de grande oficial; Medalha da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg, França; Ordre des Palmes Academiques; Ordre National du Mérite; Prêmio México de Ciência e Tecnologia para a América Latina; Prêmio de Ciência da UNESCO; Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

 

José Leite  Lopes: um dos maiores cientistas brasileiros

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 26 de abril de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA TOMÁSIA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS – Maria Tomásia

José Domingos Brito

 

 

 

 

Maria Tomásia Figueira Lima nasceu em 6/12/1826, em Sobral, CE. Foi a principal mulher pioneira na luta pela abolição da escravatura no Ceará, em 25/3/1884, antecipando a Lei Áurea de 1888. Neste dia, reconhecido em Lei como Data Magna do Ceará desde 2011, é feriado estadual. 

 

Filha de Ana Francisca Figueira de Melo e José Xerez, nascida em berço aristocrata. Foi educada e alfabetizada ainda criança e tornou-se uma boa oradora com acesso livre em todas as classes sociais. Casou-se aos 15 anos com o fidalgo Rufino Furtado e ficou viúva ainda jovem com 8 filhos. Pouco depois contraiu o segundo casamento com o abolicionista Francisco de Paula de Oliveira Lima e mudaram-se para Fortaleza.

 

Tanto quanto, ou ainda mais que seu marido, envolveu-se no movimento abolicionista e foi cofundadora e primeira presidente da “Sociedade Cearense Libertadora”, em 8/12/1880, reunindo 22 mulheres de famílias influentes na sociedade cearense. No mês seguinte foi criado o jornal Libertador, através do qual as mulheres passaram a divulgar suas ideias e iniciar efetivamente a campanha abolicionista. Começaram de modo radical, organizando greves e facilitando fugas de escravos, mas logo passaram a utilizar a propaganda para convencer os senhores a libertarem seus escravos e buscar recursos para comprar a alforria de alguns escravos.

 

Para arrecadar fundos, foram realizados muitos bazares e o movimento chegou a receber ajuda financeira do Imperador Dom Pedro II. Na primeira reunião da Sociedade, as abolicionistas assinaram 12 cartas de alforria e em seguida conseguiram convencer os senhores de engenho a alforriar 72 escravos. A partir daí o movimento abolicionista tomou corpo com o envolvimento de boa parte da sociedade local até 25/3/1884, quando o presidente da Província -Sátiro de Oliveira Dias- anunciou: “O Ceará não possui escravos”.

 

Não foi uma lei, mas era uma “Declaração de Direito de Liberdade”. Na ocasião Maria Tomásia foi homenageada e aclamada “Incansável Protetora dos Cativos”. O ato declaratório manteve a chama pela luta libertadora e fortaleceu as articulações dos abolicionistas em todo o País. A criação da Sociedade Cearense Libertadora 8 anos antes da Lei Áurea estimulou outras províncias a batalhar pela proclamação do fim da escravatura no País, possibilitando a proclamação da República no ano seguinte.

 

Maria Tomásia faleceu em 1902 e seu nome encontra-se hoje esquecido, inclusive dentro do “Movimento Negro”, devido a falta de divulgação sobre os antecedentes da Abolição da Escravatura. Na intenção de mitigar este esquecimento, o deputado federal Dr. Jaziel Pereira apresentou Projeto de Lei, em 2020, para inscrever o nome de Tomásia Figueira Lima no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Mas, por enquanto, a intenção é apenas um projeto.    

 

O município de Redenção, a 64 km. de Fortaleza, anteriormente denominado Acarape, recebeu este nome em devido a ser a primeira cidade do Brasil a libertar os escravos. Para manter a memória deste pioneirismo, a cidade mantém o “Museu Senzala Negro Liberto” aberto à visitação pública e sedia a UNILAB-Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, desde 2009.

 

Biografia de Maria Tomásia, a abolicionista

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 19 de abril de 2023

OS BRASEIROS: ROQUETTE PINTO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Roquette-Pinto

José Domingos BRITO

 


 

Edgard Roquette-Pinto nasceu em 25/9/1884, no Rio de Janeiro, RJ. Médico legista, escritor, ensaísta, professor, antropólogo, etnólogo e um dos pioneiros da radiofusão no Brasil. Era, de fato, um polímata, i.é, versado em diversas áreas. É considerado o pai de radiodifusão no Brasil com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, doada ao MEC-Ministério da Educação, com o objetivo de impulsionar a educação. Com este mesmo objetivo criou o INCE-Instituto Nacional de Cinema Educativo, em 1932.

 

Ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diplomado em 1905. Porém, foi estudar os “sambaquis” no litoral gaúcho e no ano seguinte já era professor-assistente de Antropologia no Museu Nacional. Tornou-se um dos mais conceituados antropólogos do País e foi Delegado do Brasil no Congresso de Raças, realizado em Londres em 1911, e aproveitou a viagem para estudar na Europa. Em 1916 foi professor de história natural na Escola Normal do Distrito Federal e retomou a medicina em 1920, lecionando fisiologia na Universidad Nacional de Asunción, Paraguai. Mas a antropologia lhe interessava mais que a medicina. Em 1912 integrou a Missão Rondon e manteve os primeiros contatos com os índios Nambiquaras. Recolheu vasto material etnográfico e publicou, em 1917, o livro Rondônia - Antropologia etnográfica, que veio a se tornar uma obra clássica da antropologia brasileira.

 

Seus estudos demonstraram que a miscigenação racial brasileira não produziu “tipos raciais” degenerados ou inferiores, conforme pregavam alguns “cientistas” da época. Para ele o problema dos brasileiros não se encontrava na raça miscigenada e sim nas questões sociais e políticas, sobretudo na falta de educação e saúde pública. Foi um entusiasta do cinema e, na condição de diretor do Museu Nacional por 16 anos (1915-1936) organizou a maior coleção de filmes científicos no Brasil. Em 1932, fundou a Revista Nacional de Educação e no mesmo ano, com o decreto do Governo Vargas obrigando a exibição de filmes nacionais, criou e dirigiu o Instituto Nacional de Cinema Educativo-INCE. No mesmo ano criou o Serviço de Censura Cinematográfica. A pedido de Gustavo Capanema, convidou o cineasta Humberto Mauro para trabalhar com ele. O INCE produziu mais 300 documentários no período 1936-1964.

 

Seu interesse pelo rádio deu-se em 1922, na comemoração do I Centenário da Independência do Brasil, quando foi organizada uma grande feira internacional. O Rio de Janeiro foi visitado por empresários de todo o mundo, quando os norte-americanos trouxeram a tecnologia da radiodifusão, na época o assunto principal dos EUA. Para testar o novo meio de comunicação, instalaram uma antena no morro do Corcovado e realizaram a primeira transmissão radiofônica no Brasil -um discurso do presidente Epitácio Pessoa-, que foi captado em Niterói, Petrópolis e em São Paulo. Sua reação foi imediata: “Eis uma máquina importante para educar nosso povo”.

 

Tentou convencer o governo federal a adquirir os equipamentos apresentados na Feira, mas não conseguiu. Mas convenceu a Academia Brasileira de Ciências e em 20/4/1923 fundou a segunda rádio do País: Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A “história oficial” conta que foi a primeira emissora do país. Na verdade, a primeira foi a Rádio Clube de Pernambuco, em 1919. Pouco depois criou e passou a dirigir a revista Electron, especializada na nova tecnologia com diagramas de receptores da época. Em 1936 fez a doação de sua emissora ao MEC, tendo Gustavo Capanema como Ministro, e passou a ser chamada Rádio MEC. Em 1940 foi eleito diretor do Instituto Indigenista Americano do México.

 

Foi um intelectual com participação ativa em diversas instituições. Desde 1927 integrava a ABL-Academia Brasileira de Letras e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina. Foi Também presidente de honra da Associação Brasileira de Antropologia e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro. Na condição de diretor do Museu Nacional da UFRJ, em 1926, organizou ali a maior coleção de filmes científicos no Brasil.  Foi presidente do 1º Congresso Brasileiro de Eugenia, em 1929, um tema considerado relevante na comunidade científica da época. Para ele o estudo da Eugenia deveria ser aplicado na melhoria das condições físicas e mentais da população brasileira, sem excluir negros e mestiços.

 

Com o surgimento da TV na década de 1950, esforçou-se para criar uma TV Educativa, tal como tinha feito com o Rádio e conseguiu do governo Vargas a concessão de um canal de TV em 14/3/1952. Apesar de planejada nos mínimos detalhes e possuir financiamento aprovado pela Câmara Municipal do Distrito Federal, o plano não saiu do papel. Não obstante seu empenho neste projeto, não conseguiu realizá-lo e faleceu amargurado em 18/10/1954. Ainda vivo foi homenageado com seu nome dado a mais antiga premiação da televisão brasileira, o “Troféu Roquette-Pinto”, criado em 1950.  A última edição desta comenda se deu em 1982. Como homenagem aos seus estudos científicos, seu nome denomina várias espécies de plantas e animais: Endodermophyton Roquettei, Alsophila Roquettei, Roquetia Singularis, Phyloscartes Roquettei e Agria Claudia Roquettei.

 

Além de um grande número de artigos científicos e conferências, deixou alguns livros publicados, com destaque para Guia de antropologia (1915), Elementos de mineralogia (1918), Conceito atual da vida (1920), Seixos rolados: estudos brasileiros (1927), Ensaios de antropologia brasileira (1933), ensaios brasilianos) 1941. Como biografia e estudos sobre seu legado, temos: Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto, publicado em 2008 pelas editoras da UFMG e Fiocruz; Edgard Roquette-Pinto, na Coleção Educadores do MEC, de Jorge Antonio Rangel, publicado em 2010 pela Fundação Joaquim Nabuco; Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro, de Vanderlei Sebastião de Souza, publicado em 2018 pela Editora da Fundação Getúlio Vargas.  

                                                                         

Roquete-Pinto, o porta-voz da ciência para o povo

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 12 de abril de 2023

AS BRASILEIRAS: GAIAKU LUÍZA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Gaiaku Luíza

José Domingos Brito

 


 

Luiza Franquelina da Rocha nasceu em 25/8/1909, em Cachoeira, BA. Mais conhecida como Gaiaku Luíza de Oyá, a denominação para Mãe- de-Santo na religião do Candomblé. Seu Terreiro “Roça do Ventura” foi tombado como patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia em 2006. Inspirou Dorival Caymmi a compor o samba O que é que a baiana tem? e estabeleceu um  “padrão” da baiana quituteira mantido até hoje em Salvador.

 

Nascida e criada numa família descendente de africanos escravizados e dirigentes de terreiros do Candomblé. Diz-se que nasceu predestinada a ser uma dirigente religiosa. Porém, só veio a saber disso mais tarde, quando foi sacramentada, em 1945, aos 36 anos.  Se casou em 1936 com o alfaiate Aristóteles, que a abandou pouco depois após o falecimento da primeira filha. Grávida da segunda filha, e sem condições de se manter, voltou a Cachoeira e foi acolhida pela mãe. Pouco depois foi iniciada na nação Ketu e mais tarde foi confirmado que seu santo de guia era da nação Jeje.

Em meados de 1938 vendia acarajé em seu tabuleiro no centro de Salvador e teve um encontro com Dorival Caymmi, um jovem de 25 anos, que pediu para fotografá-la. No ano seguinte Caymmi gravou a música – O que é que a baiana tem?- descrevendo o modo como Gaiaku Luiza se vestia. A música foi apresentada em 1939 no filme Banana da terra, estrelado por Carmen Miranda vestida paramentada como baiana e gravada no mesmo ano nos EUA, constituindo-se num sucesso internacional que projetou Caymmi e estabeleceu o padrão do vestuário da baiana.

Eles nunca mais se encontraram, até que em 2005 ela tomou coragem, telefonou para Caymmi e tiveram um breve diálogo, que não prosperou: “Olha, a baiana de 1938 ainda está viva”. Quem? A do acarajé?”, perguntou Caymmi já idoso e desligou o telefone.  Em 1944 foi iniciada na nação Jeje-Mai e recebeu o cargo de Gaiaku no ano seguinte. Em 1952 fundou o Terreiro “Humpame Ayono Huntoloji’, em Salvador, no Parque São Bartolomeu, e passou a trabalhar formando novas mães-de-santo. Em 1963 adquiriu um sítio em Cachoeira, para onde transferiu seu Terreiro e permaneceu até 20/6/2005, quando veio falecer aos 94 anos.

No ano seguinte Marcos Carvalho lançou sua biografia Gaiaku Luiza e a trajetória do Jeje-Mahi na Bahia, pela Editora Pallas, no Rio de Janeiro, enfocando seu aspecto religioso. Em 2013 Nívea Alves dos Santos apresentou a dissertação (Mestrado na área de Estudos Étnicos e Africanos) na UFBA-Universidade Federal da Bahia, intitulada “Entre ventos e tempestades: os caminhos de uma Gaiaku de Oiá” e disponível no link  https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/13963/1/XDissertacao_Nivea_Santana_08_2013.pdf  Em 2018 a dissertação foi transformada em livro, lançado pela Editora da UFBA.

 

No “Livro do Registro Especial dos Espaços Destinados a Práticas Culturais e Coletivas” da Bahia, seu Terreiro se apresenta como um verdadeiro celeiro de resistência cultural e religiosa e Gaiaku Luiza é vista como “uma das mais prestigiadas mães-de-santo do Recôncavo Baiano e uma das mais importantes e emblemáticas sacerdotisas da história das religiões de matrizes africanas no Brasil e nome fundamental para a resistência do Candomblé Jeje no Brasil nas últimas décadas”. Em 2013 ela inspirou o samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Sossego: “De Luiza D’oyá a Carmem Miranda. O que é que a baiana tem?.

 

Encontro de Gaiaku Luiza e Naná Vasconcelos

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 05 de abril de 2023

OS BRASILEIROS: LIÊDO MARANHÃO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Liêdo Maranhão

José Domingos Brito

 


 

Liêdo Maranhão de Souza nasceu no Recife, PE, em 3/7/1925. Dentista, folclorista, escritor, escultor, cineasta, fotógrafo e pesquisador da cultura popular. Segundo Ariano Suassuna, “é um dos maiores conhecedores da literatura de cordel do Brasil”.

 

Teve os primeiros estudos em colégios do Recife e formou-se pela Faculdade de Medicina, Odontologia e Farmácia do Recife, em fins da década de 1940. Logo após a formatura, na condição de carnavalesco “juramentado”, fundou junto com seu irmão a Escola de Samba Estudantes de São José, o bairro onde nasceu e passou toda sua juventude. Frequentava diariamente o Mercado de São José, ponto de encontro com os tipos que se tornaram os protagonistas de seus livros. Sua intimidade com o Mercado resultou no livro O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875-1975, publicado em 1977 pela Prefeitura do Recife.

 

Segundo Mark J. Curran, chefe do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade do Arizona, EUA, “é um monumento sobre a cultura popular do Nordeste”. Para Raymond Cartel, diretor do Centro de Pesquisa Luso-Brasileira da Universidade de Sorbonne, em Paris, “é a maior autoridade das ruas do Recife”. No início da década de 1960, viajou para a Europa, onde passou 3 anos e conheceu 11 países. Fez estágio como dentista no Hospital de La Pitié, em Paris. Com o auxílio de uma bolsa de estudos, estagiou no Hospital Provincial de Madrid. Após muitas viagens de carona, lavar pratos em restaurantes, carregar e descarregar caminhões, tocar pandeiro e trabalhar em teatros, casou-se com a espanhola Bernarda Ruiz e retornou ao Brasil, indo morar em Olinda.  

 Em 1964, passou a fazer esculturas em madeira, sendo premiado no Salão de Arte do Estado de Pernambuco. Participou do “Atelier + 10”, em Olinda ao lado de artistas plásticos como João Câmara e Vicente do Rego Monteiro. Por essa época ingressou no PCB-Partido Comunista Brasileiro e foi Secretário de Finanças do Diretório Municipal. Participou do Movimento de Cultura Popular do Recife no primeiro mandato do governo Miguel Arraes. A partir de 1967, iniciou uma viagem pelo interior do estado em busca de folhetos de cordel para uma pesquisa sobre os cangaceiros. Queria saber como é o cangaço visto pelo povo.  

 

Apaixonou-se pela literatura de cordel e fez um documentário em 16mm registrando os folhetos na década de 1970, intitulado O folheto. Mais tarde publicou O folheto popular: sua capa e seus ilustradores, publicado pela Editora Massangana, em 1981. Como conhecedor da poesia popular, colaborou com artigos na Revista Equipe, dos servidores da SUDENE, e do Jornal Universitário, da UFPE. Como escultor, foi premiado no XXX Salão Oficial de Arte do Museu do Estado de Pernambuco. Ao longo da vida, tornou-se um colecionador da cultura popular, incluindo objetos e documentos raros, como os livros sobre medicina popular e culinária nordestina, além de folhetos de cordel.

 

Sua casa, em Olinda, tornou-se um museu folclórico, transformada hoje em “Casa da Memória Popular”, contendo mais de 2 mil fotos e cerca de 10 mil itens dispostos à visitação pública. Na condição de memorialista, deixou publicado alguns livros indispensáveis ao conhecimento da cultura nordestina: Classificação popular da Literatura de cordel (Editora Vozes, 1976), O povo, o sexo e a miséria ou o homem é sacana (Ed. Guararapes, 1980), Conselhos, comidas e remédios para levantar as forças do homem (Ed. Bagaço, 1982), Cozinha de pobre (Ed. Bagaço, 1992), Marketing dos camelôs do Recife (Ed. Bagaço, 1996), A fala do povão: o Recife cagado-e-cuspido (Edição do autor, 2004), Rolando papo de sexo: memórias de um sacanólogo (Ed. Livro Rápido, 2005).

 

Após seu falecimento, em 2014, a Prefeitura do Recife perpetuou sua presença com uma estátua de bronze em tamanho natural na praça do Mercado, seu ponto de encontro com a cultura pernambucana e com os recifenses.

Liêdo Maranhão – Circuito da Poesia do Recife ou outro qualquer na Internet

 

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BIOGRAFIA | Liêdo Maranhão nasceu no dia 3 de julho de 1925, na cidade do Recife, PE.

No bairro de São José, numa atmosfera de contrastes entre a cultura popular e "erudita", o urbano e o campo, o religioso e o laico, cresceu Liêdo Maranhão de Souza, agora com 82 anos. Depois de concluir os cursos primário e secundário em colégios recifenses, formou-se em Odontologia, pela Faculdade de Medicina, Odontologia e Farmácia do Recife.

Colecionador e pesquisador da cultura popular, cujo trabalho depois se espalhou para todo o nordeste brasileiro, vem há mais de quarenta anos reunindo um significativo acervo e sua casa é um verdadeiro museu folclórico.

Em suas pesquisas, conseguiu coletar as mais diversificadas formas e artefatos do universo popular nordestino, tais como: coleções de cartões postais, folhetos, livros raros sobre medicina popular e culinária (“O Confeiteiro Nacional” - 1985; “Doceira Nacional” – 1875), gravuras e pinturas de vários artistas populares, esculturas, e aproximadamente mil santinhos impressos em litografia nas décadas de 1910 e 1920. Merece destaque especial sua coleção de folhetos-de-feira.

É elogiado pela crítica especializada e por intelectuais como Carlos Drummond de Andrade e Raymond Cantel. Na apresentação da primeira edição da Classificação Popular da Literatura de Cordel, livro que foi o resultado das pesquisas sobre Literatura de Cordel nas capitais e no interior do Maranhão à Bahia, o escritor Ariano Suassuna afirmou: “Liêdo Maranhão é, hoje, um dos maiores conhecedores da Literatura de Cordel no Brasil”. Sobre o mesmo tema, o pesquisador produziu, ainda, o documentário O Folheto, onde registra a trajetória dos folhetos de Cordel na década de 70.

Liêdo Maranhão vive na Cidade de Olinda em Pernambuco onde mora com sua esposa e filhos.

É na sua residência que se localiza a Casa da Memória Popular onde se poderá ter acesso físico ao acervo tratado pelo projeto Memorial da Cultura Popular Por Liêdo Maranhão.

 OS BRASILEIRO Liêdo Maranhão

A homenagem a Liêdo Maranhão precisava estar aqui. Era pertinho do Mercado de São José que ele gostava de estar. Em passeios que já indicavam sua principal fonte de inspiração: as pessoas que dão vida ao centro da cidade. Liêdo nasceu no Recife em 1925 e passou a infância no bairro de São José. Formou-se em odontologia e passou um tempo na Europa, mas seu coração revivia as ruas da capital pernambucana, os feirantes, as histórias que ouvia por aqui.

Foi assim que se tornou escritor, escultor, cineasta e fotógrafo, publicando sua convivência com os mais diversos tipos populares que frequentavam esta praça Dom Vital.

Liêdo Maranhão é autor de mais de 10 obras, e deixou também um acervo com mais de 2 mil fotografias. Faleceu no Recife em 2014, aos 89 anos. A gente não tem dúvidas do quanto Liêdo Maranhão amou sua cidade e cuidou do Recife. Bora cuidar também. Essa é a nossa maior e merecida homenagem a quem faz o Circuito da Poesia. E até hoje faz a gente amar ainda mais o Recife.

SAFADEZA E GALHOFA COMO MATÉRIAS-PRIM

 

  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Classificação popular da Literatura de cordel.Em texto integral de 23 folhetos. Petrópolis: Vozes, 1976. 104 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Conselhos, comidas e remédios para levantar as forças do homem.Recife: Bagaço, [1982]. 93 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Cozinha de pobre.Recife: Bagaço, 1992. 67 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. A fala do povão: o Recife cagado-e-cuspido.Olinda: Do autor, 2004. 135 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. O folheto popular: sua capa e seus ilustradores.Recife: Massangana, 1981. 96 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Marketing dos camelôs de remédio ou o mundo da camelotagem.Olinda: Do autor, 2004. 185 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Marketing dos camelôs do Recife.Recife: Bagaço, 1996. 94 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de.O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875-1975. Recife: Prefeitura Municipal do Recife, 1977. 211 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. O povo, o sexo e a miséria ou o homem é sacana.Apresentação Rose Marie Muraro e Ivone Gebara. Recife: Guararapes, 1980. 106 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Que só.Recife: [s.n.], 1993. 55 p.
  • SOUZA, Liêdo Maranhão de. Rolando papo de sexo: memórias de um sacanólogo.Apresentação do Arquiteto Abel Accioly. Olinda: Livro rápido, 2005. 146 p.
  • Memorial da Cultura Popular por Liêdo Maranhãoé um Projeto Aprovado na 3ª edição do Programa Petrobrás Cultural (2005/2006) que objetiva criar instrumentos de acesso público ao acervo de memória popular, reunido pelo pesquisador Liêdo Maranhão, através de um trabalho de recuperação, tratamento, organização e disponibilização de alguns registros de cultura popular, colhidos na cidade do Recife e, secundariamente, em outros estados do Nordeste brasileiro.
  • ACasa da Memória Popular é o local onde se poderá ter acesso de todo o acervo da cultura popular reunido pelo pesquisador. Este espaço está localizado na Residência do Próprio Liêdo Maranhão no Bairro Novo em Olinda/PE. O Projeto da Criação da Casa da Memória Popular nasceu em 2003 com as estudantes de Biblioteconomia da Universidade Federal de Pernambuco Ana Valéria Silva de Melo, Gláucia Michelyne Paes de Lima e Sanderly Correia da Silva, com o intuito de dar visibilidade ao pesquisador popular e a preservação do seu acervo.
  • Folhetos de cordel, fotos, livros, jornais e almanaques raros fazem parte do acervodo pesquisador que tenta preservar e devolver a artistas, intelectuais e, sobretudo, ao povo, segmentos importantes da memória da arte e cultura nordestina. Em sua totalidade, seu acervo pode ser estimado em cerca de quinze mil unidades dos mais variados itens citados.
  • O acervo de Liêdo Maranhão reúne materiais que englobam saberes, celebrações e formas de expressão de grande relevância para a memória popular brasileira. Estes registros permitem a reconstrução das relações sociais e culturais de uma época, constituindo, fundamentalmente, um singular corpus que pode servir de subsídio para pesquisas voltadas à arte e cultura popular.

 

Liêdo Maranhão de Souza nasceu no bairro de São José, no Recife, no dia 3 de julho de 1925 e faleceu em Olinda, em 2014. Fez os ensinos fundamental e médio em colégios recifenses, formando-se em Odontologia pela Faculdade de Medicina, Odontologia e Farmácia do Recife, no final da década de 1940

Conheça Liêdo Maranhão de Souza, colecionador e pesquisador da cultura popular, cujo trabalho depois se espalhou para todo o nordeste brasileiro.

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A Casa da Memória Popular, localizada na cidade de Olinda, é onde se poderá ter acesso físico ao acervo do Memorial da Cultura Popular por Liêdo Maranhão.

 

seu livro O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste, publicado pela Prefeitura do Recife, em 1977, é um documentário do cotidiano da área, ilustrado com 112 fotografias feitas pelo autor. Se acervo fotográfico, com mais de 2.000 fotografias, foi catalogado e digitalizado, passando a formar o projeto Liêdo – Fotógrafo do Povo.

 

Ao dedicar-se à anotação de falas de poetas populares, ambulantes e prostitutas, ele colheu acervo imponderável da oralidade

 

No quintal de sua casa, Liêdo construiu espaço para manter seu acervo, composto, sobretudo, de peças gráficas

 

Com relação ao seu O povo, o sexo e a miséria, ou o homem é sacana (1980), publicado no livro A fala do povão: o Recife cagado-e-cuspido (2011). Mas bem que Baiano poderia estar se referindo a Conselhos, comidas e remédios para levantar as forças do homem (1982) ou Rolando papo de sexo: memórias de um sacanólogo (2005), também títulos na linha picante, pornográfica, que lhe é cara.


Cordelistas, adestradores de animais, prostitutas e “professores” estão entre os tipos entrevistados por Liêdo. Foto:

 

Não que Liêdo só escreva sobre sexo. Mas a sacanagem, de uma forma geral, interessa deveras a esse homem que agora beira os 90 anos (nasceu em 1925) e que tem se dedicado – de maneira assídua, aplicada – à cultura popular, desde os anos 1960.

Aqui, permita-se um comentário externo aos interesses imediatos deste texto. Quando usamos os termos “cultura popular”, “metodologia” e “pesquisador”, eles remetem a pretensões e práticas que desvirtuam completamente a aproximação que Liêdo Maranhão estabeleceu com seus temas. Porque o que este dentista produziu não foi uma “pesquisa” a que se dedicou para obter esse ou aquele título, uma bolsa de estudos, mérito. Nada disso. Ele ficou ali, enfronhado no meio do povo, porque quis, porque era o que o apaixonava. E vamos dizer que ele escolheu determinados lugares – todos no Centro do Recife ou ao redor de locais onde ele atendeu como dentista, na periferia – porque era ali o seu território, não vinha de “prospecção”. A gente pergunta como ele conciliava o tempo, como fazia para trabalhar e “vadiar”, e ele responde que “se deixou ficar”. Então, que fique claro: Liêdo não se leva tão a sério, e é com essa leveza que devemos observar os seus “trabalhos”, pouco rigorosos, altamente espontâneos.

O depoimento de Maria Doida, prostituta que atendia nas imediações do Mercado de São José, faz jus aos interesses de Liêdo Maranhão. Como ele lhe dedicasse muita atenção, Maria Doida observou: “Eu gosto do senhor porque o senhor só gosta de rapariga, gente baixa e cabra safado”. Parece que a gente está vendo: Liêdo conta isso, solta uma gargalhada sapeca e comenta: “Não é uma beleza?”. Alguém disse sobre ele que iria ser longevo, porque vivia divertidamente. Verdade.

Atualmente, Liêdo Maranhão não sai a campo. O Recife onde ele bateu perna e se deixou ficar, deslocando-se de ônibus (“para não se individualizar”, ele diz), mudou bastante e se mostra hostil para um senhor tão empático. O ponto de parada dele era o Mercado de São José e seu entorno, o tempo era o fim dos anos 1960, toda a década de 1970 e começo dos 1980. Ali, naquelas imediações, misturava-se uma pândega de vendedores ambulantes que juntava gente. Uma sociedade mais ingênua e gentil? Não devemos ser traídos pela nostalgia, mas certamente ali se encenavam negócios que foram enxotados para bem longe, ou para o nunca mais. Os livros de Liêdo Maranhão nos permitem o contato com esse outro tempo.

A maioria dessas obras saiu em baixa tiragem e logo se esgotou. Assim foi com os 13 títulos que o dentista antropólogo colocou na praça, entre eles, Classificação popular da literatura de cordel (seu primeiro lançamento, de 1976), Que só (1993) e Marketing dos camelôs de remédio ou o mundo da camelotagem (2004), editados agora em volume único pela Cepe Editora. Os títulos resumem aquilo que está nos seus diários de campo (seriam 31): anotações de tudo que ouviu e presenciou.

Classificação popular da literatura de cordel traz um importante diferencial em relação a estudos nessa área, ao organizar os folhetos e romances a partir das categorias criadas pelos próprios cordelistas e distribuidores, e não pela crítica literária. Naqueles anos 1970, era um trabalho pioneiro, porque ainda se estudava pouco a literatura popular. Liêdo realizou essa compilação pelo contato com cordelistas que atuavam no Recife e nas feiras e mercados das capitais nordestinas, para onde viajou com esse intuito durante três anos. Que só é um título enigmático. Antes de lê-lo, pensamos tratar-se de um arroubo poético. Que nada. Trata-se de uma coletânea de ditados populares: “Bom que só bênção de mãe”, “Enfeitado que só cruz de estrada”, “Ligeiro que só gozo de padre”, “Contente que só pinto na merda”. E por aí vai.


Marketing dos camelôs de remédio ou o mundo da camelotagem é aquele que podemos dizer o mais denso e curioso título do volume. Liêdo fez amizade com os ambulantes que atuavam no entorno do mercado e “decorou” o que eles diziam, de tanto escutar. De outros, tomava notas diretas. De modo que, ao ler os depoimentos, o leitor perceberá a reincidência de alguns personagens, a camaradagem, a concorrência e mesmo a hostilidade entre eles.

Livros anteriores já haviam tocado no tema: Marketing dos camelôs do Recife, 1996, que reúne pregões; e O mercado, sua praça e a cultura popular do Nordeste: homenagem ao centenário do Mercado de São José 1875-1975, editado em 1977, pela prefeitura do Recife, este, um volume fundamental, composto também por fotografias feitas pelo autor, que merecia uma boa reedição.

Mas o que distingue o Marketing dos camelôs é a densidade. São, na maioria, depoimentos longos e muito peculiares, que documentam não apenas o universo retratado no que diz respeito aos produtos e discursos usados para vendê-los, mas às mentalidades, às relações sociais tensas sob um amontoado de narrativas engraçadas. Na planura dos discursos, os tipos documentados expõem um país diferente deste de quatro décadas depois. Ao mesmo tempo, com hábitos arraigados, como o disfarce e a burla, o improviso e a violência sublimada. Embora não tenha tido ambições literárias, Liêdo Maranhão também realiza neste livro um excelente trabalho de cronista, trazendo para o texto histórias saborosas do cotidiano das ruas.

E para encerrar, voltando à sacanagem: neste quesito, Liêdo tem um projeto muito sedutor. Aqui não se comentou o aspecto colecionista de sua persona. Além de um colecionador de relatos, ele foi também atraído por uma infinidade de objetos e peças gráficas. Estes compõem o seu acervo, agora intitulado Memorial da Cultura Popular e mantido em sua casa. Dentre essas peças, há uma coleção de fotografias de bordéis do Recife que adquiriu na Praça do Sebo. Junto com as imagens, Liêdo, o sacanólogo, tem anotados depoimentos de vários frequentadores e de prostitutas. O título é O porto e a zona do Recife, open city dos marines e já tem estrutura montada. Isso bem-editado, hein? Não dá um livro incrível? Deixa qualquer “tom de cinza” no chulé. 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 29 de março de 2023

AS BRASILEIRAS : JOVITA FEITOSA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Jovita Feitosa

José domingos Brito

 

 

 

Antônia Alves Feitosa nasceu em Tauá, CE, em 8/3/1848. Conhecida pelo apelido Jovita, alistou-se para a Guerra do Paraguai, em 1865 como Voluntária da Pátria. Foi vestida de homem, mas logo foi descoberta e seguiu assim mesmo para o Rio de Janeiro, como 2º sargento. Aclamada pelo público, tornou-se heroína nacional sem ter sido incorporada ao Exército, e foi inscrita no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria através da lei nº 13.423, de 27/3/2017.

 

Filha de Maria Rodrigues de Oliveira e Simeão Bispo de Oliveira, perdeu a mãe aos 12 anos e foi morar com um tio no Estado do Piauí. Pouco antes dos 18 anos alistou-se no Exército, disfarçada em roupas masculinas. Sua disposição e demonstração de coragem comoveu o presidente da Província do Piauí, Franklin Dória, que a aceitou como voluntária, recebendo farda e embarcando para o Rio de Janeiro. Ao chegar foi recebida como personalidade pública, atraindo a atenção de todos que queriam conhecer a mulher que desejava ir à guerra.

 

Transformada de repente em celebridade, foi notícia em todos os jornais cariocas, chegando a ser comparada a Joana D’Arc em prosa e verso. Sua fama chegou a causar a publicação de um livreto – Traços biográficos de Jovita: Voluntária da Pátria- escrito por Vivaldo Coaracy e publicado pela Typografia Imparcial de Brito & Irmão, em 1865. No entanto, sua incorporação ao Exército foi recusada pelo Ministro da Guerra. Seus apoiadores tentaram revogar a interdição e chegou a ser recepcionada pelo Imperador Dom Pedro II, em 18/9/1865, pedindo-lhe uma intervenção, que não foi atendida. Para custear seu retorno a Teresina, foi organizado um espetáculo beneficente entre os apoiadores. Ao chegar foi recebida pela família com certa frieza e teve dificuldades em se manter no mundo de onde viera.

 

Desiludida, voltou ao Rio de Janeiro e passou a levar uma vida precária. Conforme noticiou um jornal “arremessou-se no caminho da  perdição e da amargura”. Conheceu o inglês William Noot, funcionário da Rio de Janeiro City Improvements Ltd. e passaram a namorar. Em pouco tempo, o rapaz teve que voltar à Londres e deixou um bilhete de despedida que ela não leu por não saber inglês. Em 9/10/1867 foi até a pensão do rapaz; soube de seu retorno à Londres; ficou abalada; foi até o quarto que ele ocupava e pediu para ficar só por um instante. Como demorou mais que o previsível, foram ao quarto e a encontraram deitada na cama com um punhal cravado no peito. Deixou um bilhete declarando que ninguém a havia ofendido e que se matava por motivos que só ela e Deus conheciam.

 

O nome de Jovita foi esquecido até os últimos 30 anos, quando reapareceu em livros que mesclam mito e realidade. A prostituição e o suicídio de certa forma desapareceram no imaginário nacional e para muitas pessoas ela morreu em batalha. Sua memória foi também recuperada como heroína da luta das mulheres pela igualdade de direitos. Esta é uma das conclusões a que chegou o historiador José Murilo de Carvalho em seu livro Jovita Alves Feitosa: voluntária da pátria, voluntária da morte, publicado pela Editora 34, em 2019. O livro traz a reprodução de diversos documentos de época, notícias de jornal, depoimento dado à polícia, diversos poemas escritos em sua homenagem, fotografias etc. Sua inclusão no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria revela, de certo modo, os critérios sobre a inclusão de nomes no referido livro.

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 22 de março de 2023

OS BRASEIROS: PASCHOAL CARLOS MAGNO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Paschoal Carlos Magno

José Domingos Brito

 


 

Paschoal Carlos Magno nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13/1/1906. Advogado, ator, poeta, crítico literário, dramaturgo, diplomata e “agitador cultural oficial” no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960). Foi um dos renovadores do teatro brasileiro ao criar a figura do diretor teatral e impulsionar a formação e profissionalização de atores.

 

Filho de Filomena Campanella e Nicola Carlomagno, imigrantes italianos, teve sua primeira atuação na peça Abat-Jour, em 1926. Em seguida passou a exercer a crítica literária n’O Jornal. Junto com sua amiga Ana Amélia Mendonça, fundou a Casa do Estudante do Brasil-CEB, em 1929, mesmo ano em que formou-se em Direito. No ano seguinte foi premiado pela ABL-Academia Brasileira de Letras por sua peça Pierrot. Ingressou na carreira diplomática e passou 3 anos na Europa, regressando ao Brasil em 1936. Voltou decidido a modernizar o teatro brasileiro e inicia uma campanha para a criação do  Teatro do Estudante do Brasil-TEB, inaugurado em 1938.

 

Inspirado nos teatros universitários europeus, tinha dois propósitos: estabelecer uma função pedagógíca, com a formação teatral, e outra artística, com a função do diretor teatral. Em 10/2/1938 publicou um anúncio no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro: “Estão convidados os estudantes de ambos os sexos que estejam interessados no Teatro Universitário[…]. À maneira do que se efetua nas universidades europeias e americana, este núcleo teatral realizará um movimento de cultura por intermédio do teatro”. O TEB foi bem-sucedido e 10 anos depois estava apresentando a peça Hamlet, de Shakespeare, e revelando o talentoso ator Sergio Cardoso. No ano seguinte (1949) comandou o “Festival Shakespeare”, onde foram encenadas as peças Romeo e Julieta, Macbeth e Uma noite de verão.

 

Pouco antes, em 1946, sua peça Tomorrow will be diferente foi encenada em Londres e outras cidades da Europa, tendo boa aceitação da crítica. A fim de tornar o TEB conhecido em âmbito nacional, realizou uma extensa turnê pelo norte e nordeste do Brasil, em 1951. Por esta época afastou-se do TEB e criou e Teatro Duse (atual Teatro Duse-Casa Paschoal Carlos Magno) em seu casarão no bairro Santa Teresa, revelando autores como Antonio Callado e Rachel de Queiroz, e funcionou com entrada franca até 1956. Neste ano, o presidente Juscelino Kubitschek toma posse e elege-o “agitador cultural oficial”, encarregando-o de dinamizar a cultura e buscar talentos artísticos em todo o País.

 

Iniciou em 1958 com o 1º Festival Nacional de Teatros de Estudantes, no Recife, reunindo mais de 800 jovens, revelando João Cabral de Melo Neto, com a peça Morte e Vida Severina , e de Antônio Abujamra como diretor teatral. O 2º Festival ocorreu em Santos (SP), com 2 mil estudantes e a revelação de José Celso Martinez Correia, Etty Fraser e Amir Haddad. O 3º se deu em 1961 em Brasília com 23 grupos teatrais. No ano seguinte realizou o 4º Festival em Porto Alegre, com mais de mil participantes. O 5º Festival foi realizado em 1968 na Guanabara.  

 

Com tal desempenho, foi nomeado secretário-geral do Conselho Nacional de Cultura, em 1962, quando organizou a “Caravana da Cultura”, percorrendo os estados Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas com 256 jovens em espetáculos teatrais, de dança e música. Com o Golpe Militar de 1964 foi afastado da carreira diplomática, mas não deixou de continuar como “agitador cultural”. Em 1965 criou a “Aldeia de Arcozelo” em Paty do Alferes (RJ), uma fazenda histórica que recebeu como doação de João Pinheiro Filho, com o propósito de fazer uma escola de teatro e local de retiro de artistas. Para realizar o empreendimento, teve que vender seu casarão de Santa Teresa e gastou todos seus bens no projeto. Mesmo assim, realizou aí o 6º e último Festival de Teatro, em 1971.

 

Hoje a Aldeia de Arcozelo abriga o Centro Cultural Paschoal Carlos, mantido pela FUNARTE-Fundação Nacional de Artes, numa área de 51.000 m². Porém, segundo informações obtidas na Wikipedia, o local está abandonado em precário estado de conservação, fruto do descaso das autoridades e com visitação suspensa. Seu último projeto cultural foi a “Barca da Cultura”, que navegou pelo rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro levando espetáculos pelas cidades no percurso. 

 

Ao completar 70 anos, Carlos Drummond de Andrade prestou-lhe homenagem com uma crônica publicada no Jornal do Brasil, em 16/1/1976, concluindo: “por sua vida curtida e generosa, hoje deveria ser feriado nacional”.  Faleceu em 24/5/1980 e 2 anos depois foi homenageado com seu nome dado ao teatro de Hamburgo (RS). Em 2009 Fabiana Siqueira Fontana apresentou uma dissertação de mestrado na UFRJ, transformada em livro publicado em 2016 pela FUNARTE: O teatro do Estudante do Brasil de Paschoal Carlo Magno. Trata-se do histórico da modernização do teatro brasileiro. Segundo o crítico Yan Michalsky "Paschoal Carlos Magno, pessoa física, foi na verdade uma instituição: sozinho, embora sempre ajudado por legiões de jovens que ele sabia contagiar com a mística das suas utopias”.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 15 de março de 2023

AS BRASILEIRAS : MARIA LENK (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Maria Lenk

José DomingoS Brito

 

 

Maria Emma Hulga Lenk Zigler nasceu 15/1/1915, em São Paulo, SP. Primeira nadadora brasileira a estabelecer um recorde mundial, é pioneira da natação moderna ao introduzir o nado borboleta nos Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim. Foi a única mulher do País a integrar o Swimming Hall Fame, nos EUA. É “Patrona da Natação Brasileira”, conforme Lei nº 14.418/2022.

 

Seus pais -Rosa e Paul Lenk-, imigrantes alemães, vieram para o Brasil em 1912. Aos 10 anos contraiu uma pneumonia dupla e os pais acharam que a natação faria bem à menina. Na ausência de piscinas, ela teve que aprender a nadar no rio Tietê.  um local onde praticava-se esportes e banho recreativo.  Aos 17 anos já era uma atleta de nível internacional. Foi a primeira mulher sul-americana a participar das Olimpíadas de Los Angeles, em 1932. Nos anos seguintes venceu 4 vezes a tradicional “Travessia São Paulo a Nado”.

 

Trata-se de um importante campeonato de natação, saindo da Ponte da Vila Maria até a Ponte das Bandeiras, ao lado do Clube Esperia, realizado nas décadas de 1930 e 1940. Na preparação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1939, quebrou 2 recordes mundiais individuais, nos 200m e 400m peito. Preparou-se para competir na XII Olímpiada, de 1940,  que não ocorreu devido a II Guerra Mundial. Nos anos seguintes excursionou pelos EUA, participou de muitas competições e quebrou 13 recordes. Aproveitou a estadia para realizar um curso de educação física na Universidade de Illinois e tornou-se membro vitalício da Sociedade Americana de Técnicos de Natação. 

 

De volta ao Brasil, em 1942, encerrou a carreira de atleta profissional e participou da criação do curso de educação física na Universidade do Brasil, atual UFRJ. Para isto publicou o livro Organização da educação e desportos, em 1941. Além deste publicou Natação (1942) e Natação olímpica (1966). Em 1944, se casou com o diplomata norte-americano Daniel Ziegler, teve um casal de filhos e continuou com a carreira na área da gestão esportiva e foi pioneira, também, na gestão dos esportes e na criação da disciplina “Administração esportiva”, ministrada no curso de Educação Física em todas as faculdades.

 

Na década de 1950 implantou uma escola de natação para crianças na piscina do Hotel Copacabana Palace, que permaneceu até os anos 1970. Para muitos cariocas que frequentavam o Hotel, era um privilégio tê-la como professora. Em 1980, aos 65 anos, começou a participar das competições de Masters, para nadadores acima de 25 anos, promovidas pela Associação Brasileira de Masters em Natação, que ela ajudou a fundar. Foi membro da Federação Internacional de Natação desde 1988, quando foi homenageada com o “Top Ten” por ser um dos 10 melhores nadadores do mundo.

 

Em 2000, no campeonato mundial da categoria 85-90 anos, realizado em Munique, ela ganhou 5 medalhas de ouro: 100 metros peito, 200 metros livre, 200 metros costas, 200 metros midley e 400 metros livre. Com tais conquistas, ganhou o apelido de “Mark Spitz da terceira idade”, uma referência ao nadador vencedor dos Jogos Olímpicos de Verão de 1972. Após 3 anos de pesquisa exaustiva sobre os benefícios do esporte na longevidade, lançou o livro, precisamente com este título: Longevidade e esporte, publicado em 2003. Nadava cerca de 1.500 metros por dia e em 16/4/2007 foi fazer seu exercício diário na piscina do Flamengo. Enquanto nadava, sofreu um aneurisma decorrente do rompimento da artéria aorta, provocando uma hemorragia, e veio a falecer em plena atividade aos 92 anos.

 

Em 2021 fizeram-lhe uma homenagem e um resgate a altura de sua importância para a natação brasileira. Ana Maria de Freitas Miragaya, secretária-geral do CBCP-Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin, reuniu um seleto time de especialistas na área e coordenou a edição bilingue (inglês/português) do livro Maria Lenk: atleta, educadora e cientista; a primeira heroína olímpica do Brasil, publicado pela Gama Assessoria numa bela edição de 582 páginas. Outra homenagem foi dar seu nome ao Parque Aquático do Complexo Esportivo Cidade dos Esportes, em Jacarepaguá.

 

Maria Lenk, patrona da Natação Brasileira

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 08 de março de 2023

OS BRASEIROS: MESTRE VITALINO (ARTIGO DE JOSÉDOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Mestre Vitalino

José Domingos Brito

 

 

 

Vitalino Pereira dos Santos, nasceu em 10/7/1909, em Caruaru, PE. Conhecido como Mestre Vitalino, o artesão dos bonecos de barro. Além de artesão ceramista foi músico popular tocador de pífano e considerado um dos maiores artistas da História da arte do barro no Brasil.

 

Seu pai era lavrador e a mãe artesã de panelas de barro, que vendia na feira de Caruaru. Foi aí que aprendeu a modelar bonecos e animais, seus brinquedos de criança. Na década de 1920 criou a banda “Zabumba Vitalino”, onde tocava pífano, e continuou aperfeiçoando seus bonecos de barro. Na década seguinte prosseguiu criando bonecos de gente famosa como Lampião, Maria Bonita, Corisco e todo o bando, os quais eram vendidos na feira. Em 1931 casou-se com Joana Maria da Conceição e tiveram 16 filhos, dos quais apenas 6 sobreviveram. Em seguida, a família mudou-se para o bairro Alto do Moura

 

Em 1947, o artista plástico Augusto Rodrigues se interessou por suas obras e convidou-o para participar da 1ª Exposição de Cerâmica Pernambucana, no Rio de Janeiro. A partir daí começou a ficar conhecido e até famoso como artesão. Em 1949 a fama foi alavancada com uma exposição no MASP-Museu de Arte de São Paulo, criado 2 anos antes pelo tembém nordestino Assis Chateaubriand. Em 1955 sua obra alcançou o mundo ao integrar uma comitiva que realizou a exposição Arte Primitiva e Moderna Brasileiras, em Neuchâtel, Suiça. A consagração como artista foi  se ampliando, tendo sua biografia servindo como inspiração de samba-enredo da Escola de Samba Império da Tijuca, em 1977 e 2009, ano em que a Festa de São João, em Caruaru, o adotou como personalidade homenageada e foi agraciado com a Ordem do Merito Cultural, in memoriam. 

 

Segundo a museóloga e antropóloga Lélia Coelho Frota, autora do livro Mestre Vitalino, lançado em 1986 pela Ed. Massangana, o Mestre utiliza a  cor em seus bonecos, em sua primeira fase, não como mero elemento decorativo, mas sim como parte integrante da própria da modelagem, conferindo maior dramaticidade às figuras. Mais tarde, porém, deixa de utilizar este recurso em 1953 e passa a manter as figuras na cor da argila queimada. Por essa época sua obra foi batizada por especialistas como arte figurativa e passa a ter um caráter iconográfico.

 

Faleceu em 20/1/1963 e seu trabalho inspirou e mantém até hoje a formação de novas gerações de artesãos em todo o Nordeste. Sua atuação foi fundamental na transformação do bairro Alto do Moura, onde viveu em Caruaru. Diversas famílias passaram a se ocupar do artesanato, tornando o local numa referência nacional nesta arte e considerado pela UNESCO como um dos mais importantes centros de arte figurativa das américas. Sua casa foi transformada em “Casa Museu Mestre Vitalino”, em 1971 na Rua Mestre Vitalino, cujo entorno é ocupado por oficinas de artesãos. No ano seguinte o Instituto Joaquim Nabuco de Ciências Sociais publicou o livro Vitalino: um ceramista popular do Nordeste, contando e mostrando sua trajetória de vida, 

 

No centenário do artesão, em 2009, o compositor Jorge Antunes prestou-lhe uma homenagem, compondo a obra sinfônica O Massapê Vivo, premiada no concurso da FUNARTE e estreada na XVIII Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Na ocasião, o Museu do Homem do Nordeste lançou o livro Vitalino menino, de Walter Ramos e ilustração de João Lin, abrindo a coleção “Brincadeiras de Mestres”. Em 2017, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural  aprovou o tombamento de todo o acervo do Mestre, contando com 232 peças as quais se encontram no acervo de 4 instituições públicas: Museu do Barro de Caruaru, Centro Cultural Benfica, Museu de Arte Popular do Recife e Museu do Homem do Nordeste. 

 

Os temas tratados pelo Mestre Vitalino estão ligados aos ritos de passagem do ser humano, como o nascimento, casamento e morte. São frequentes, também, temas como a religião e cenas do cotidiano e do imaginário popular, incluindo o problema da seca nordestina e a migração. Hoje sua obra encontra-se no Museu do Louvre, em Paris, e no Brasil boa parte encontra-se nos museus Casa do Pontal e Chácara do Céu, no Rio de Janeiro e no Acervo Museológico da UFPE-Universidade Federal de Pernambuco, além dos locais já citados. O arquivo  da Cinamateca Pernambucana conta com o documentário O Mundo do Mestre Vitalino, filme dirigido por Armando Laroche, em 1953, mostrando o Mestre no trabalho de modelagem de seus bonecos.

 

Documentário Mestre Vitalino

 

 

Mestre Vitalino, vida e obra

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 01 de março de 2023

AS BRASILEIRAS : LYGIA FAGUNDES (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

AS  BRASILEIRAS: Lygia Fagundes

José Domingos Brito

 


 

Lygia Fagundes da Silva Telles nasceu em São Paulo, SP, em 19/4/1923. Advogada, jornalista, romancista e contista, conhecida como “a Dama da Literatura Brasileira”. Transitou com desenvoltura após o “Modernismo” de 1922, na geração modernista de 1945 até o “Pós-Modernismo” em princípios do século XXI. Trata-se de uma das mais elegantes, expressivas, representativas e profícuas escritoras brasileiras.

 

Filha de Maria do Rosário S.J. de Moura e Durval de Azevedo Fagundes. Devido a profissão do pai -juiz e promotor público- passou a infância em cidades do interior e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por 5 anos. De volta a São Paulo, ingressou na Escola Normal Caetano de Campos e tomou gosto pela literatura. Aos 17 anos ingressou na Escola Superior de Educação Física e aos 18 iniciou, em paralelo, o curso de Direito na USP. Fez sua estreia literária com um livro de contos -Porão e sobrado-, publicado em 1938 e foi bem recebido pela crítica. O 2º livro publicado -Praia viva- se deu em 1944, quando já cursava a Faculdade de Direito da USP.

 

Aí manteve contatos com Mário e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Sales Gomes, Hilda Hilst e participou da Academia de Letras da faculdade, colaborando nos jornais Arcádia e A Balança. Em 1946 formou-se advogada e no ano seguinte casou-se com Gofredo Teles Júnior, seu professor. Na época ele era deputado federal e o casal mudou-se para o Rio de Janeiro. Seu 3º livro de contos -O cacto vermelho (1949)- recebeu o Prêmio Afonso Arinos da ABL-Academia Brasileira de Letras. No Rio trabalhou pouco tempo como advogada na Secretaria de Agricultura, mas logo deixou a profissão para dedicar-se a escrever.

 

Manteve uma coluna de crônicas no jornal A Manhã e pouco depois teve o 1º filho Gofredo da Silva Telles Neto, em 1954. No mesmo ano lançou seu 1º romance: Ciranda de pedra e, segundo o crítico Antônio Cândido, atinge a maturidade literária. Ela mesma considera este romance como o marco inicial de suas obras e o que ficou para trás “são juvenilidades”. Em agosto de 1954, William Faulkner esteve em São Paulo num encontro com os escritores. Fitando-lhe os olhos, animou-se e elogiou: “Se seus contos forem tão bonitos quanto seus olhos, a senhora certamente é uma grande escritora”.

 

A partir daí, são frequentes os lançamentos seguidos de premiações literárias: Histórias do desencontro (1958) recebeu o Prêmio do INL-Instituto Nacional do Livro, Verão no aquário (1963) conquistou o Prêmio Jabuti. Na época, já divorciada, casou-se com Paulo Emílio Sales Gomes e, em pareceria com ele, escreveu o roteiro do filme Capitu (1967), baseado no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, agraciado com o Prêmio Candango de melhor roteiro cinematográfico. Na década seguinte ficou consagrada como escritora em âmbito internacional. Antes do baile verde (1970), o conto que nomeia o livro, ganhou o 1º prêmio no Concurso Internacional de Escritores, na França; As meninas (1973) recebeu  o Prêmio Jabuti; da ABL e da APCA-Associação Paulista de Críticos de Arte; Seminário dos Ratos (1977) foi premiado pelo PEN Club do Brasil.

 

As premiações continuam com A disciplina do amor (1980), Prêmio  da APCA; As horas nuas (1989) Prêmio Pedro Nava; A noite escura e  mais eu (1995) Prêmio Arthur Azevedo, da Biblioteca Nacional  e  Prêmio Jabuti; Invenção  e memória (2000) Prêmio Jabuti, Prêmio APCA e “Golfinho de Ouro”; Conspiração de nuvens (2007) Prêmio APCA. A consagração maior veio com o Prêmio Camões, outorgado pelos governos de Portugal e Brasil, em 2005, pelo conjunto da obra.

Ao todo recebeu 20 prêmios literários; teve seus livros traduzidos para diversos países; integrou as Academias Paulista e Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa. Segundo Clarice Lispector, Lygia é uma das maiores escritoras de contos do País, “inclusive entre os homens”.

 

Tinha uma nítida concepção de seu papel: “O escritor pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da loucura. O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe. Pode ser solitário e triste e ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão”. Algumas de suas obras foram adaptadas para o cinema, teatro e TV. Foi condecorada com a Ordem do Rio Branco; Ordem das Artes e das Letras, pelo governo da França; Ordem do Mérito Docente e Cultural "Gabriela Mistral", pelo governo do Chile e Ordem do Ipiranga, pelo governo do Estado de São Paulo; Ordem do Infante D. Henrique de Portugal, entre outras condecorações, além do título de Doutora Honoris Causa concedido por diversas universidades. Em 2016 foi indicada ao Prêmio Nobel de Literatura pela União Brasileira de Escritores.

 

Apesar de muitas informações e a própria ABL indicarem seu nascimento em 1923, uma pesquisa realizada pelo genealogista Daniel Taddone revelou que, conforme o registro de nascimento, de batismo e certidão de casamento, informa que ela nasceu em 1918. Faleceu, portanto aos 103 anos e não aos 98, em 3/4/2022. Ainda não temos uma biografia de Lygia, temos apenas diversos verbetes biográficos na Wikipedia. Mas existem alguns livros sobre seu processo criativo: Técnica narrativa em Lygia Fagundes Telles, de Katia Oliveira, publicado em 1972, pela Editora da UFRGS; A metamorfose nos contos de Lygia Fagundes Telles, de Vera Maria T. Silva, em 1985 pela Presença Edições; A ficção intertextual de Lygia Fagundes Telles, da mesma autora, em 1992, pela Editora da UFG. Os Cadernos de Literatura Brasileira, do IMS-Instituto Moreira Salles, dedicaram-lhe o nº 5, de novembro de 1998, com um seletivo panorama sobre a escritora e sua obra.

 

Entrevista com Lygia Fagundes Telles

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 22 de fevereiro de 2023

OS BRASILEIROS: MANOEL BOMFIM (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Manoel Bomfim

José Domingos Brito

 


 

 

Manoel José do Bomfim nasceu em 8/8/1868, em Aracaju, SE. Médico, psicólogo, pedagogo, sociólogo, historiador, jornalista e escritor. Devido ao caráter revolucionário de suas obras, ficou no limbo da História durante mais de 50 anos e foi redescoberto por Darcy Ribeiro apenas em 1984. Trata-se de um dos primeiros autores a empregar o termo “América Latina” em seu livro América Latina: males de origem (1905). Mais tarde estudou os males de origem que também afligem o Brasil.

 

Filho de Maria Joaquina do Bomfim e Paulino José do Bomfim, tradicional família sergipana, teve os primeiros estudos em Aracaju. Aos 18 anos ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, onde estudou por 2 anos e transferiu-se para Rio de Janeiro, concluindo o curso aos 22 anos. Enquanto estudava, colaborou no jornal Correio do Povo, auxiliando Alcindo Guanabara na defesa do regime republicano. Em 1891 ingressou, como médico, na Polícia Militar e no ano seguinte foi promovido a tenente-cirurgião da Brigada Policial do Rio de Janeiro, ocupando o cargo até 1894.

 

Por essa época, casou-se com Natividade de Oliveira; tiveram 2 filhos; abandonou a Medicina e passou a lecionar na Escola Normal do Rio de Janeiro, onde assumiu a cátedra de Pedagogia e Psicologia. Em 1902 foi mandado a Paris para ver e estudar o funcionamento das escolas. Ficou por lá até 1903, estudou psicologia na Sorbonne e manteve contatos Georges Dumas e Alfred Binet, com quem planejou a instalação do primeiro laboratório de psicologia experimental no Brasil, em 1906, no ”Pedagogium” (museu pedagógico fundado em 1890 e transformado num centro de cultura superior em 1897), do qual foi diretor por 15 anos. De volta ao Brasil em 1905, foi diretor interino da Instrução Pública do Rio de Janeiro e no ano seguinte foi nomeado Diretor Geral.

 

Em 1907, foi eleito deputado estadual, defendendo importantes projetos educacionais.  Sua obra é extensa e variada entre ensaios sobre História, Sociologia, Medicina, Zoologia, Botânica, incluindo alguns livros de Língua Portuguesa em coautoria com Olavo Bilac. No livro Pensar e Dizer: estudo do símbolo no pensamento e na linguagem (1923), demonstra avançado conhecimento da Psicologia de sua época. Publicou uma série de livros relevantes: O methodo dos testes (1926); Cultura do povo brasileiro (1932); Crítica à Escola ActivaO fato psychicoO respeito à criança etc. Sua interpretação do Brasil apoia-se na análise histórica da colonização, na exploração e na espoliação das riquezas do país, analisando as consequências sobre as condições culturais do povo. Mantinha uma veemente defesa e expansão da educação pública como meio para a emancipação e  construção de uma sociedade democrática.

 

Suas concepções de Psicologia, quanto ao método e objetivo,  eram destoantes em relação a seus contemporâneos. Considerava o fenômeno psicológico como um fato histórico-social, fruto das relações entre consciências, mediadas pela linguagem, esta entendida como produto e meio da socialização. Assim, antecipou ideias mais tarde adotadas por Vigotski, Piaget,  Ernst Bloch entre outros em sua interpretação da sociedade. No entanto, ficou praticamente esquecido na historiografia brasileira, por se contrapor ao pensamento dominante na época.

 

Manteve uma longa polêmica, pela imprensa, com Sílvio Romero originada como o lançamento do livro América Latina: males de origem (1905). Romero era um intelectual importante, conhecido como o “rei da polêmica”, que defendia o branqueamento da população como uma solução para o “defeito de formação” étnica do brasileiro. Bomfim era um novato audacioso, que defendia a miscigenação, valorizando-a e negando a validade científica das teorias racistas em voga. Via a educação popular como um “remédio” para o atraso do Brasil. No livro O Rebelde Esquecido, lançado pela ed. Topbooks, em 2000, por Ronaldo Conde Aguiar, consta que a polêmica entre os dois rendeu 25 artigos e 400 páginas de injúrias e ataques tendo a vítima revidado uma única vez.

 

Sua convicção era firme e o pensamento claro: “Vale discutir (…) a célebre teoria das raças inferiores. Que vem a ser esta teoria? Como nasceu ela? A resposta a estas questões nos dirá que tal teoria não passa de um sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado pela ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes”. Visando fundamentar suas convicções, escreveu: O Brasil na América: caracterização da formação brasileira (1929), reeditado pela Ed. Topbooks, em 1997; O Brasil na História: deturpação das tradições, degradação política (1930), reeditado pela Ed. Topbooks em convênio com a PUC/MG, em 2013 e Cultura e educação do povo brasileiro e O Brasil nação: realidade da soberania brasileira, lançados em 1931. Não encontramos uma reedição deste primeiro livro. Porém temos uma boa análise de seu pensamento sobre a educação, publicada no livro Manoel Bomfim, de Rebeca Gontijo, lançado em 2000, pela Fundação Joaquim Nabuco e Editora Massagana, à disposição no link http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4708.pdf. Manoel Bonfim faleceu em 21/4/1932.

 

Acredita-se que seu apagamento da história por mais de 50 anos, deve-se às suas críticas e por defender as classes populares. Foi “resgatado” por Darcy Ribeiro, que destacou o porquê do desconhecimento do autor: “Teve predecessores, é certo, que cita copiosamente, dos quais se quis fazer herdeiro e continuador. Não teve foi sucessores, porque jamais existiu, de fato, na bibliografia brasileira. A culpa não é de Bomfim, é nossa. Não porque ele fosse adiantado demais, mas sim porque nossos pensadores são servis demais. Entre nós, a cultura não constrói, como em toda parte, pela superposição de tijolos nas paredes de um edifício que se levante coletivamente. Aqui, cada pedreiro está olhando para a casa alheia e só deseja contribuir com seu grão de areia exemplificativo ou seu tijolinho de lisonjas ao pensador estrangeiro que mais o embasbaca”.

 

Em 2019 o cineasta Carlos Pronzato lançou o documentário Por que não se fala em Manoel Bomfim, realçando a opinião de Darcy Ribeiro. Ainda reiterando esta opinião, temos a biografia O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel Bomfim, lançada em 2000 por Ronaldo Conde Aguiar pela Editora Topbooks. Para ele, Bomfim era “uma voz que ousava dizer o indizível, um pensador que não temia pensar o impensável”. Outra biografia ressalta sua luta contra o racismo: Manoel Bomfim: combate ao racismo, educação popular e democracia racial, de Aluísio Alves filho, lançado em 2008 pela Ed. Expressão Popular.]

BRASIL DAS LETRAS - MANOEL BOMFIM

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 15 de fevereiro de 2023

AS BRASILEIRAS : BARBARA HELIODORA II (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Barbara Heliodora II

José Domingos Brito

 

Heliodora Carneiro de Mendonça nasceu em 29/8/1923, no Rio de Janeiro, RJ. Professora, escritora, tradutora e renomada crítica de teatro, conhecida como Barbara Heliodora, nome adotado em homenagem à inconfidente e esposa do poeta Alvarenga Peixoto. Era temida pelos atores e diretores teatrais, devido ao seu profundo conhecimento desta arte e ao rigor analítico. Foi uma autoridade na obra de Shakespeare, tradução de mais de 30 de suas peças.

 

Filha de dois destacados intelectuais: A poeta Ana Amélia Mendonça e o historiador Marcos Carneiro de Mendonça. Aos 12 anos ganhou da mãe um volume das obras completas de Shakespeare, que a acompanhou durante toda sua vida. Costumava dizer que o “Bardo inglês” foi um grande bom amigo ao longo dos anos. Aos 16 anos foi morar nos EUA para estudar literatura inglesa e se formou no Connecticut College. De volta ao Brasil, manteve contato com o grupo de teatro O Tablado, onde os amigos vendo sua paixão pela arte, insistiram para que escrevesse sobre o assunto.

 

Iniciou como crítica teatral do jornal Tribuna da Imprensa, em 1958. Durante 6 anos comandou uma coluna no Jornal do Brasil (1958-1964), onde promoveu uma modernização na crítica teatral, através do Círculo Independente de Críticos Teatrais. Em seguida assumiu a direção do SNT-Serviço Nacional de Teatro, permanecendo no cargo até 1967, imprimindo um sentido cultural e educativo às suas atividades, rompendo com algumas práticas desde a sua criação em 1936. Não obstante o regime imposto pela ditadura militar em 1964,  ela pode manifestar em diversas ocasiões seu posicionamento contra sobre qualquer tipo de censura.

 

Atuou como professora de história do teatro no Conservatório Nacional de Teatro e foi professora titular do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio-Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde permaneceu até aposentar-se em 1985. Pouco depois ministrou cursos de pós-graduação na USP-Universidade de São Paulo, onde defendeu a tese A expressão dramática do homem político em Shakespeare, em 1975. Mais tarde voltou a exercer a crítica na revista Visão e a lecionar no curso de mestrado na Uni-Rio. Na condição de “polemista inveterada”, publicou diversos artigos nos jornais O Globo e O Estado de São Paulo, na década de 1990.

 

Deixou publicado algumas relevantes obras: Algumas Reflexões sobre o Teatro Brasileiro (1972), A expressão dramática do homem político em Shakespeare (1978); O teatro barroco (1982); Falando de Shakespeare (1997); Martins Pena: uma introdução (2000); Reflexões shakespearianas (2004); Por que ler Shakespeare (2007) e Caminhos do teatro ocidental (2013). Apaixonada pela obra de Shakespeare, voltou a insistir na importância do autor, no intuito de convencer os leitores, e publicou seu último livro em 2014: Shakespeare: o que as peças contam — Tudo o que você precisa saber para descobrir e amar a obra do maior dramaturgo de todos os tempos.

 

Foi uma frequentadora assídua do teatro e costumava sentar-se sempre nas primeiras filas para observar melhor o desempenho dos atores. Numa entrevista, pela TV em 2013, disse que já tinha visto  mais de 3.500 espetáculos. Para ela "O teatro é um documentário perfeito da história do ocidente. Você lendo as peças vai acompanhar o desenvolvimento do ocidente exatamente. Os autores teatrais acabam refletindo exatamente a história toda".

 

No ano seguinte saiu de cena e veio a falecer em 10/4/2015, aos 91 anos. Foi condecorada pelo Ministério da Cultura da França com a “Ordre des Arts e des Lettres” e recebeu a medalha João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras. Segundo a pesquisadora Maria Inês Barros de Almeida, há um paradoxo em seu perfil provocado no panorama teatral. Enquanto alguns diretores e autores enxergavam nela uma pessoa rigorosa e durona, “a sua fama como colunista de jornal...  a que se dedica com igual intensidade. Estou me referindo à comunicação direta com o público...  convivendo com grande número de pessoas e atendendo-lhes à curiosidade e ao desejo de saber. É aí que aparece a Barbara mestra, madrinha dadivosa, flexível, exuberante, que conquista os espíritos e as mentes.

 

Barbara Heliodora fala da biografia de Shakespeare e do nascimento do teatro profissional inglês - YouTube

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 08 de fevereiro de 2023

OS BRASILEIROS: ABDIAS DO NASCIMENTO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Abdias do Nascimento

José Domingos Brito

 

 

 

Abdias do Nascimento nasceu em 14/3/1914 em Franca, SP. atorpoetaescritordramaturgo, pintor, professor e político, considerado um dos expoentes da cultura negra no Brasil.  Foi um destacado ativista dos direitos humanos e líder pioneiro do movimento negro no Brasil e fundador do TEN-Teatro Experimental do Negro, Museu de Arte e Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros.

 

Filho de Georgina Ferreira do Nascimento, doceira e ama de leite e  José Ferreira do Nascimento, sapateiro e violonista,  Teve os primeiros em sua cidade natal e concluiu o curso de contabilidade no Ateneu Francano, em 1929. Em seguida mudou-se para o Rio de Janeiro e manteve contatos com um grupo de intelectuais integrantes da AIB-Ação Integralista Brasileira. Segundo seu colega, o poeta Gerardo Melo Mourão, “Abdias se dedicou exclusivamente ao problema da raça negra, da redenção dos negros brasileiros. Dizia que era a missão dele e era realmente uma coisa importante”. Tempos depois, questionado sobre sua participação na AIB, declarou

“Dentro do integralismo eu me separava do movimento negro, mantendo assim duas atividades paralelas. Logo que percebi, concretamente, o racismo dentro do integralismo, me desliguei definitivamente desse movimento político”.

 

Em 1938 concluiu o curso de Economia pela Universidade do Rio de Janeiro e passou a se interessar pelo teatro, levando-o a fundar o TEN-Teatro Experimental do Negro, em 1944. Sua primeira peça -O imperador Jones-, de Eugene O’Neill, foi encenada em maio de 1945.

No ano seguinte, foi o ator principal da peça Otelo, de Shakespeare.

Na mesma época, participou da fundação do PTB-Partido Trabalhista Brasileiro. Na condição de pioneiro do movimento negro, foi um dos organizadores da Convenção Nacional do Negro, realizado por 2 anos no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde propôs à Constituinte de 1946 tipificar a discriminação racial como crime de lesa-pátria. Pouco depois organizou o Congresso do Negro Brasileiro, em 1950, e passou a se interessar pelo estudo das ciências sociais. Ingressou no ISEB-Instituto Superior de Estudos Brasileiros e concluiu o curso de sociologia em 1956.

 

Por essa época participou da UNE-União Nacional dos Estudantes,  mas pouco depois foi alijado do movimento sob a alegação de ter sido um dos integrantes da AIB. Com o golpe militar de 1964 passou a ser perseguido e teve seu nome incluído em vários inquéritos policiais militares. Em 1968, com o recrudescimento do regime, fechou o TEN e exilou-se nos EUA, onde passou a lecionar na School of Drama da Universidade de Yale e Wesleyan Center of the Humanities. No período 1970-1982 lecionou na Universidade de Nova Yorque, chegando a tornar-se professor emérito e diretor do Centro de Pesquisas e Estudos Porto-Riquenhos. Exerceu, também, atividades acadêmicas em outros países e lecionou na Universidade de Ifé, Nigéria, em 1976-1977. 

 

De volta ao Brasil, foi cofundador do Movimento Negro Unificado e fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brsileiros, na PUC/SP, em 1981 e atuou como membro do Conselho Deliberativo do Memorial Zumbi, em 1980. No exílio conheceu Leonel Brizola, junto ao qual ajudou a fundar o PDT-Partido Democrático Trabalhista, em maio de 1980, designado como vice-presidente. Em 1983 tornou-se deputado federal e assumiu a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Sua atuação política foi centrada na defesa dos direitos humanos e civis dos negros, identificando o racismo e a discriminação racial como questões nacionais e propondo a criação de uma Comissão do Negro na Câmara.  

 

Batalhou pelo resgate histórico de Zumbi dos Palmares, como herói da Pátria e propôs o feriado nacional no dia 20 de novembro, aniversário de sua morte, como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Apresentou projeto de lei estabelecendo mecanismos de compensação para os negros, prevendo a criação de uma cota de 20% de vagas na seleção de candidatos ao serviço público. A proposta incluía incentivos às empresas para a eliminação da discriminação racial e a incorporação ao sistema de ensino de uma imagem positiva da família afro-brasileira, bem como a inclusão no curriculum escolar de uma matéria sobre a história das civilizações africanas e do africano no Brasil.

 

Suas iniciativas em defesa dos negros foram importantes nas discussões da Assembleia Nacional Constituinte. Com a nova Constituição, promulgada em 1988, o direito brasileiro passou a ser mais bem considerado ao contemplar a natureza pluricultural e multiétnica do País. O racismo tornou-se crime inafiançável e deu-se a demarcação das terras dos remanescentes de quilombos. Teve atuação destacada na Comissão do Centenário da Abolição, em 1988 e seu desdobramento na criação da Fundação Cultural Palmares. Em 1990 foi empossado como suplente do senador Darcy Ribeiro e no ano seguinte, foi designado Secretário Extraordinário para Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, do Rio de Janeiro, pelo governador Leonel Brizola.

 

Pouco depois, tomou posse no Senado com a saída de Darcy Ribeiro, que foi comandar o Programa Especial de Educação no governo Brizola. Em 1997, com a morte de Darcy, voltou ao Senado e ao final da legislatura 1995-1999, assumiu a Secretaria de Direitos Humanos e da Cidadania, na administração do governador Anthony Garotinho. Seu empenho no movimento negro rendeu-lhe 2 indicações ao Prêmio Nobel da Paz, em 2004 e 2009, além de diversas homenagens no Brasil e no exterior. Como pintor, teve suas obras expostas em galerias e universidades dos EUA e do Brasil. Faleceu em 23/5/2011, aos 97 anos.

 

Deixou alguns livros publicados, com destaque para Sortilégio (1957), traduzido para o inglês em 1978; O negro revoltado (1968), reeditado em 1982; Racial democracy in Brazil: myth or reality? (Nigéria, 1972); O genocídio do negro brasileiro (1978), reeditado em 3ª edição pela Ed. Perspectiva em 2016; O quilombismo (1980), reeditado em 2002; Orixás: os deuses vivos da África (edição bilingue, 1995), O Brasil na mira do Pan-Africanismo (2002). Duas biografias dão conta de seu legado: Abdias  Nascimento, da jornalista Sônia de Souza Almada, publicada pela Selo Negro Edições, em 2009 e Abdias Nascimento, a luta na política, pela Ed. Perspectiva, em 2012, da norte-americana Elisa Larkin Nascimento, sua última esposa, que ressalta “muito do debate e das políticas públicas que assistimos hoje e que foram implementadas no País devemos à sua atuação parlamentar”. Uma vista panorâmica de sua vida e legado podem ser vistos no link: http://www.abdias.com.br

 

Militância e política – Ocupação Abdias Nascimento (2016) - YouTube

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 25 de janeiro de 2023

OS BRASILEIROS: HERMILO BORBA FILHO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Hermilo Borba Filho

Jose Domingos Brito

 

 

 

 

Hermilo Borba Filho nasceu em 8/7/1917, em Palmares, PE. Advogado, crítico literário, escritor, jornalista, tradutor, dramaturgo e diretor teatral. Ingressou no Teatro de Amadores de Pernambuco junto com Ariano Suassuna, com o qual fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco e mais tarde criou o Teatro Popular Nordeste e o Teatro de Arena do Recife. Um expoente destacado no Teatro Brasileiro, na Literatura e na pesquisa da cultura nordestina.

 

Criado numa tradicional família de usineiros no Engenho Verde na Zona da Mata, teve os primeiros estudos em Palmares e logo mudou-se para o Recife, para estudar na Faculdade de Direito. Tornou-se advogado, mas nunca exerceu a profissão. Já na faculdade tomou gosto pelo teatro e passou a atuar junto com os amigos Valdemar de Oliveira, Ariano Suassuna e Samuel Campelo. Em 1947 iniciou como crítico de teatro com a coluna “Fora de Cena”, publicada na Folha da Manhã, do Recife. Em seguida, mudou-se para São Paulo, onde viveu 5 anos e manteve a crítica teatral nos jornais Última Hora, Correio Paulistano e na revista Visão, além de integrar a Comissão Estadual de Teatro.

 

Em 1957 foi premiado pela APCT-Associação Paulista de Críticos Teatrais como diretor revelação, com a peça Auto da compadecida, de Ariano Suassuna. De volta ao Recife, em 1958, passou a lecionar na Universidade do Recife (atual UFPE) e fundou o TPN-Teatro Popular do Nordeste, em 1960, junto com Ariano Suassuna e outros amigos. Pouco depois criou o Teatro de Arena do Recife junto com Alfredo de Oliveira, trabalhando ao lado de Gastão de Holanda, Capiba, José Carlos Cavalcanti Borges, Aldomar Conrado e Leda Alves. Neste ano encenou peças de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Dias Gomes, Osman Lins, Gogol, Ibsen e Max Frish, bem como sua peça O cabo fanfarrão.

 

Sua companhia teatral acumulou um déficit permanente, fazendo-o atrair operários e estudantes e manter convênios com entidades do comércio e indústria. Mas não consegue liquidar as dívidas e fecha o teatro de 90 lugares. Numa entrevista, questionado se algum dia ganhou dinheiro com teatro, ele cita a montagem de Dercy Gonçalves para sua versão de A Dama das Camélias como exemplo único, e acrescenta: "mas, de repente, verifiquei que a prostituição era muito pesada, e parei". No período 1959-1968 foi premiado diversas vezes pela Associação dos Críticos Teatrais de Pernambuco e em 1969 recebeu o título de Chevalier de L’Ordre des Arts et Letres, do governo francês. Por esta época fundou o MCP-Movimento de Cultura Popular junto com Paulo Freire e Ariano Suassuna, entre outros simpatizantes do Partido Comunista, vindo a sofrer perseguição política. Foi autor de 18 peças teatrais e 11 livros entre romances e contos.

 

Seu primeiro romance -Os caminhos da solidão- saiu em 1957, pela Editora José Olympio. Como dedicava-se mais ao Teatro, o segundo -Sol das almas- só veio sair em 1964 pela Ed. Civilização Brasileira. Em 1966 empreendeu a escrita de uma tetralogia -Um cavalheiro da segunda decadência-, publicada pela mesma editora e ficou conhecido em âmbito nacional: (1) Margem das lembranças (1966); (2) A porteira do mundo (1967); (3) O cavalo da noite (1968); (4) Deus no Pasto (1972). O volume 3 discorre sobre um intelectual nordestino em São Paulo, na década de 1950, numa atribulada vida boêmia. Um livro de cunho memorialístico e autobiográfico, que suscitou uma comparação entre o autor e seu dramaturgo predileto Henry Miller.

 

Seu legado na área teatral vai além da direção e autoria de peças. Publicou Teatro, arte do povo e reflexões sobre a mise en scène (1947), resultado de 2 palestras; História do Teatro (1950), o primeiro manual de história do teatro editado no Brasil; Teoria e prática do teatro (1960); Diálogo do encenador (1964); Espetáculos populares do Nordeste e Fisionomia e espírito do mamulengo (1966) e nova edição da História do teatro, com o título História do espetáculo, em 1968. Seu objetivo foi colocar em prática a fusão ente o popular e o erudito, o mesmo objetivo palmilhado por Ariano Suassuna, com o surgimento do “Movimento Armorial”, em 1970.  

 

Num artigo publicado no Diário de Pernambuco, Benjamin Santos, ex-integrante do TPN, relata algumas características do teatro de Hermilo e conclui: “Mais importante, porém, que todos esses aspectos encontrados é a concretização de uma estética do espetáculo. [...] Em resumo, seria um teatro com o canto, a dança, a máscara, o boneco, o bicho... uma recriação do espírito popular nordestino [...]; o homem brasileiro posto no palco com toda a sua luta, o sofrimento, a derrota, a insistência, a vitória; um teatro de intensidade emocional e crítica, um teatro vivo, aberto, sem a ilusão da quarta parede, permitindo ao público a compreensão maior de sua própria história. O teatro como um ato político e religioso a um só tempo. Esta é a busca de Hermilo”.

 

Em meados da década de 1970 teve um abalo na saúde e telefonou para seu amigo José Paulo Cavalcanti Filho, em 26/5/1976. Disse-lhe que iria morrer dentro de uma semana e que precisava falar com ele. José Paulo foi até sua casa e tiveram uma conversa antológica, que deverá ser publicada em livro.  A conversa ocorreu numa 4ª feira e Hermilo faleceu na 4ª feira seguinte, em 2/6/1976. José Paulo concluiu que seu amigo “era um homem de palavra”. A Prefeitura de Palmares deu seu nome à Fundação Casa de Cultura da cidade, em 1983. Em seguida a Prefeitura do Recife criou o Centro de Formação das Artes Cênicas Apolo-Hermilo, formado pelo Teatro Hermilo Borba Filho e o Teatro Apolo, em 1988. Uma coletânea de 12 de suas peças foi reeditada e incluída na Coleção Teatro Selecionado, editada pela FUNARTE. Em 2018, no centenário de seu nascimento, o Governo do Estado mudou o nome do “Prêmio Pernambuco de Literatura” para “Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura”.

 

Sua obra foi analisada no livro Hermilo Borba Filho: fisionomia e espírito de uma literatura, de Sônia Maria Van Dijck Lima, publicado pela Ed. Atual em 1986. Outra oportuna análise sobre o autor e obra encontra-se no livro Hermilo Borba Filho: memória de resistência e resistência da história, publicado por Geralda Medeiros Nóbrega pela Ed. da Universidade Estadual da Paraíba, em 2015.

 

Hermilo Borba Filho, o cronista dos anos 1970:

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 15 de janeiro de 2023

OS BRASILEIROS: JOAQUIM GOMES DE SOUZA (POSTAGEM DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Joaquim Gomes de Souza

José Domingos Brito

 

Joaquim Gomes de Souza nasceu em Itapecuru-Mirim, MA, em 15/2/1829. Matemático, astrônomo, filósofo e político, conhecido pelo nome “Souzinha”, é uma das figuras mais interessantes e esquecidas da História do Brasil. Para o cientista José Leite Lopes, trata-se do “primeiro vulto matemático do Brasil – e talvez o maior até hoje”.

 

 

Filho de Antônia Carneiro de Brito e Souza José Gomes de Souza, proprietário do Solar Gomes de Souza, no centro histórico de São Luís, atual Museu Histórico e Artístico do Maranhão. Realizou os primeiros estudos em São Luís e aos 14 anos foi para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Militar da Corte. Mas não se sentiu vocacionado nesta área. No ano seguinte ingressou na Faculdade de Medicina, aos 15 anos, e encontrou na Física e na Química a motivação para suas pesquisas na área da Matemática. Interrompeu o curso de Medicina no 3º ano e passou a dedicar-se como autodidata ao estudo de Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica e Astronomia.

Após o 3º ano deixou o curso de Medicina e voltou à Escola Militar para estudar Matemática. Pediu permissão para realizar “exames vagos” de todos os cursos que faltavam para completar o curso de Ciências Matemáticas e Físicas. Nesse intento ganhou a proteção do senador José Saturnino da Costa Pereira, lente da Escola Militar e graduado em Matemática pela Universidade de Coimbra. Foi aprovado com boas notas em todas as matérias e colou grau de bacharel em 1848.

Ao final do ano, solicitou a defesa pública de uma tese sobre o Modo de indagar novos astros sem auxílio de observações diretas, baseada na “Mecânica Celeste” de Laplace, colando grau de doutor em Ciências Matemáticas, com apenas 19 anos. Em seguida foi aprovado no concurso para professor da Escola Militar, tornando-se tenente-coronel e capitão honorário da Escola. Nos anos seguintes dedicou-se, como autodidata, ao estudo da integração de equações diferenciais parciais, equações integrais, usando séries divergentes, e Física Matemática. Em 1855 viajou à Paris e assistiu diferentes cursos de Matemática na Universidade de Sorbonne, em contato com estudiosos franceses e ingleses.

Teve aulas com August Louis Cauchy, o maior matemático de seu tempo. Certa vez o professor apresentou uma equação não integralizável. Souzinha pediu licença timidamente, pegou o giz e demonstrou na lousa onde, por duas vezes, o sábio Cauchy se enganara, sendo levado a concluir erroneamente pela não integralização da equação. Impressionado, Cauchy cumprimentou-o e tornaram-se amigos. Apresentou na Academie des Sciences de Paris os trabalhos: 1) Memória sobre a determinação das funções incógnitas sob o sinal de integral definida, cujo resumo foi apresentado na Royal Society of London, pelo físico G.G. Stokes; 2) Memória sobre a propagação do som e 3) Memória sobre um teorema de cálculo integral aplicado a Física Matemática.

Na ocasião aproveitou o tempo para concluir o curso de medicina na Faculdade de Medicina de Paris. Mesmo estando na Europa foi designado deputado geral pelo Maranhão e casou-se com a inglesa Rosa Edith, em 1857. Retornou à São Luís para tomar posse na Assembleia Geral do Império, onde defendeu projetos voltados à educação. Em 1858 foi nomeado professor de Matemática e de Ciências Físicas e Naturais da Escola Central, sucessora da Escola Militar, e foi reeleito deputado em 1861. Como cientista Souzinha ficou mais conhecido na Europa do que em seu País.

Assim, a divulgação de seus livros se deu a partir da França: Resolução das equações numéricas (1850); Recueil des memoires d’analise mathematiques (1857); Mélanges du calcul intégral (1889) e teve o resumo de seus trabalhos editados postumamente pela Editora Brockhaus, em Leipzig. Seu interesse pela literatura foi manifestado numa coletânea de poesias publicada também pela Brockhaus, em 1859: Anthologie universelle choix des meilleurs poésies lyriques de divers nations dans les langues originales. O livro de 950 páginas surgiu a partir de um encontro que manteve, na Alemanha, com o romancista maranhense Antônio Gonçalves Dias em meados da década de 1850. A conversa girou em torno do lançamento de uma coletânea poética de alta qualidade.

Nos anos seguintes ocorreram tragédias domésticas: sua esposa faleceu e, 2 anos depois, o filho também. A tragédia atingiu-o com uma tuberculose, A doença foi agravada e veio a falecer em 1/6/1864, em Londres, ainda jovem aos 35 anos. No Maranhão é lembrado com um busto de bronze na Praça do Pantheon, em São Luís; tem seu nome estampado em escolas e logradouros da cidade e é patrono da cadeira nº 8 da Academia Maranhense de letras. Em 1996, a FUJB-Fundação Universitária José Bonifácio (RJ) instituiu o Prêmio Joaquim Gomes de Souza, destinado a contemplar os melhores trabalhos apresentados nas Jornadas de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ. É também um dos patronos da Academia Nacional de Engenharia.

Como biografia contamos com artigos e estudos acadêmicos esparsos e textos de alguns entusiastas motivados pela manutenção de sua memória. Gastão Rúbio de Sá Weyne publicou o livreto Joaquim Gomes de Souza – Souzinha entre o cálculo integral e os poemas universais, por inciativa própria, editado em 2012 pela Scortecci Editora. Outro entusiasta -Ubiratan D’Ambrosio- apresentou o trabalho Joaquim Gomes de Souza, o Souzinha (1829-1864) no 3º Encontro da AFHIC-Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul, realizado em Campinas (SP) em 2004. Ele finaliza seu trabalho dizendo que “Um estudo da vida e obras da figura fascinante de Joaquim Gomes de Souza falta na historiografia da matemática brasileira”. Encontramos o verbete “’Souzinha’, o maior matemático da história do Brasil”, no link conhecimento infinito.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 04 de janeiro de 2023

AS BRASILEIRAS: CAROLINA FLORENCE (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Carolina Florence

José Domngos Brito

 

 

Carolina Krug Florence nasceu em 21/3/1828, em Kassel, Alemanha. Professora e distinguida pedagoga colaborando na fundação do Colégio Culto à Ciência, em Campinas (SP). Em 1863 fundou sua própria escola, o Colégio Florence com ajuda do marido, o cientista Hércules Florence, um dos inventores da fotografia.  

Filha Elizabeth Debus e João Henrique Krug, demonstrava extraordinária capacidade intelectual e interesse pela Literatura e História. Manifestava determinação na escolha profissional e dedicou-se ao magistério. Teve os primeiros estudos na Escola Ruppel e mudou-se para a Suíça, onde ingressou numa escola de moças, o Instituto de Madame Niederer, e foi aluna de um discípulo de Pestalozzi, já famoso na época devido ao seu método inovador. Até os 24 anos, teve diversas oportunidades profissionais.

 

Em Altona (Suiça), lecionou no Instituto Biernatriski por 3 anos e chegaram a lhe oferecer o cargo de diretora da instituição. Não pôde aceitar devido a viagem que a família empreendeu, em 1852, para o Brasil, motivada pela perseguição política sofrida pelo pai por ser “liberal”. Vieram juntar-se ao seu irmão mais velho, Vice-Cônsul da Suiça na Província de São Paulo. Em 1854 casou-se com Hércules Florence e manteve o sonho de criar uma escola no Brasil nos moldes daquela que frequentou na Europa.

 

Em 1863 fundou o Colégio Florence voltado para a educação feminina. Uma escola diferenciada, com aplicação do método Pestalozzi. O Colégio ficou conhecido e famoso em pouco tempo e recebeu a visita de Dom Pedro II em duas ocasiões (1875 e 1886) em grandes festividades envolvendo a cidade. Sua história encontra-se registrada no livro -A educação feminina durante o século XIX: o Colégio Florence de Campinas 1963-1889-, de Arilda Inês Miranda Ribeiro, publicado na Coleção Campiniana, do Centro de Memória da Unicamp, em 2006.    

 

Em 1889, durante a epidemia de febre amarela, que dizimou cerca de dois terços da cidade, transferiu o Colégio para Jundiaí, onde se manteve até 1928. De formação protestante, nunca estimulou o proselitismo no seu Colégio e procurava incentivar o ecumenismo religioso e cultural. Ao contrário dos colégios religiosos em que as alunas tinham, na maioria das vezes, apenas freiras, no Colégio Florence o contato com os professores favorecia uma educação mais voltada para a realidade social. Vale dizer que na época emergia a necessidade da educação feminina, recomendada pelo escritor José Veríssimo. No entanto, em seu livro A educação nacional, (1906) ele deixava claro que  “dado serem as mulheres menos inteligentes do que os homens, elas não devem receber instrução em matemática e outras disciplinas científicas.”

 

O que diferenciava sua escola era o fato de ser um espaço de aprendizagem da vida cultural. Nos internatos religiosos o estímulo à educação se encontrava na assimilação e dogmas, rezas, abnegação, santificação da mulher; enquanto no Colégio Florence, por ser laico, tratava suas alunas como mulheres para viverem no espaço privado e público. Além disso, procurava absorver dos novos métodos que foram surgindo, contribuições para a melhoria do ensino. Permitia assim, que o corpo docente da instituição elaborasse seus programas de ensino livremente. A abertura às ideias que chegavam com novos professores sempre foi bem recebida.

 

Desde o início, procurou manter um corpo de professores qualificados. Entre os docentes que passaram por lá destacam-se Hercule Florence, Julio Ribeiro, Rangel Pestana, João Kopke, Emílio Giorgetti, Armelina Lamaneres, Leonor Gomes, Ana Krug Kupfer, Augusta e Isabel Florence, entre outros. Viajou várias vezes à Europa para recrutar professores franceses e ingleses.  No ano de 1889, com o início da epidemia de febre amarela que deixou a cidade de Campinas em pânico, Carolina foi prudente. Para evitar o pior, fechou temporariamente as portas do Colégio, e mandou as alunas de volta às famílias, evitando que corressem o risco da doença que dizimou cerca de dois terços da população em um ano.

 

A atitude foi elogiada pela imprensa e serviu de exemplo para que outras instituições tomassem as mesmas medidas. Pouco depois o Colégio reabriu em Jundiaí e continuou nos moldes idealizado por sua fundadora até 1928, quando foi transformado em Escola Normal Livre. Após 33 anos dedicados a educação, decidiu afastar-se da direção, deixando o cargo com as professoras Hermínia Michaelis, Cecília Almeida e Augusta Florence, sua filha. Em 1907 retornou a Europa para tratar da saúde. Foi viver em Florença, onde veio a falecer em abril de 1913, aos 85 anos. Na falta de uma biografia mais completa, seu legado pode ser visto no link  Carolina Krug Florence: a alemã que dedicou a vida à educação feminina no séc XIX


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de dezembro de 2022

OS BRASILEIROS: HÉRCULES FLORENCE (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Hércules Florence

José Domngos Brito

 

 

 

Antoine Hercule Romuald Florence, nasceu em Nice, França, em 29/2/1804. Desenhista, pintor, tipógrafo, inventor e polígrafo, i.é, dotado em diversas matérias científicas. Aos 20 anos passou a viver no Brasil e ficou conhecido como um dos pioneiros no invento da fotografia e criador da palavra “photographie”. Acredita-se que não ficou reconhecido no mundo como inventor devido ao excesso de modéstia e viver num país fora do circuito europeu.

 

Desde criança demonstrava talento para o desenho e logo cedo tornou-se aventureiro viajante. Aos 16 anos tomou um navio e foi parar no porto de Antuérpia, onde foi assaltado. Empreendeu uma viajem, praticamente a pé, até Mônaco, após breve passagem pela Holanda. Em seguida renovou o passaporte e, em 1824, embarcou para o Brasil. Sem falar português, trabalhou numa loja de roupas e numa livraria/tipografia. Soube da realização de uma expedição científica em busca de desenhistas que fizessem a documentação ilustrada de uma grande viagem pelo norte do Brasil.

 

Era a expedição Langsdorff, uma empreitada fruto das relações comerciais entre a Rússia e o Brasil visando a exploração geográfica e de novos produtos. Foi admitido como desenhista e percorreu 13 mil quilômetros no período 1826-1829. Seu trabalho resultou numa grande coleção de imagens de valor inestimável, segundo os cientistas brasileiros e estrangeiros, conforme ficou registrado no livro Etnografia e iconografia nos registros de Hércules Florence durante a expedição Langsdorff, na província do Mato Grosso - 1826-1829, de Sonia Maria Couto Pereira (Ed. da UFGO 2016). Tal edição foi possível graças ao seu diário de bordo, publicado em 1875 pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, publicado posteriormente em várias edições com o título Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas – 1825-1829. As ilustrações de Florence, os documentos e as amostras coletadas pela expedição Langsdorff foram esquecidas por mais de um século na Academia Imperial da Rússia, em São Petersburgo e redescobertos somente em 1930. Foi publicada aqui, em 1988, pela Editora Alumbramento com o título Expedição Langsdorff: iconografia da Academia de Ciências da União Soviética.

 

Em seguida, passou a viver em São Paulo, onde casou-se com Maria Angélica Vasconcelos, em 1830, tiveram 9 filhos e fixaram residência nas proximidades de Campinas. Pouco depois observou a descoloração sofrida pelo tecido exposto à luz do sol. Informado pelo botânico Joaquim Correia de Melo das propriedades do nitrato de prata, iniciou investigações sobre fotografia. Suas primeiras experiências com a câmera obscura datam de janeiro de 1833 e encontram-se registradas no manuscrito Livre d'Annotations et de Premier Matériaux. Mais de 150 anos depois, o exame detalhado desse manuscrito por Boris Kossoy levou-o a comprovar o emprego pioneiro da palavra "photographie", 5 anos antes que o vocábulo fosse utilizado pela primeira vez na Europa. (Kossoy, Boris. Hercule Florence, a descoberta isolada da fotografia no Brasil, 3ed., São Paulo: EDUSP, 2006).

 

Seu êxito foi construir de modo rudimentar uma câmera escura usando uma lente e uma paleta de cores como base, obtendo uma imagem fotográfica e cunhado o termo que se eternizou como “fotografia”. Constatando-se que o cientista inglês William Fox-Talbot realizou tal façanha, porém alguns anos depois, constata-se que Hércules Florence o antecedeu na invenção de uma foto impressa. Ele mesmo lamentou o fato de não ter sido reconhecido com seu invento, conforme publicou no seu livro-diário “L’Ami des arts livré à lui même ou Recherches et découvertes sur différents sujets nouveaux” (O amigo das artes entregue a si mesmo ou pesquisas e descobertas em novos tópicos diferentes)

 

Seu lamento é um desabafo diante do fato de viver num país onde o conhecimento não é prestigiado: ”Estou certo de que, se estivesse em Paris, um único de meus descobrimentos poderia, talvez suavizar-me a sorte e ser útil a sociedade. Lá, talvez não me faltassem pessoas que me ouviriam, me adivinhariam e me protegeriam. Estou certo de que o público, o verdadeiro protetor dos talentos, me compensaria de meus sacrifícios. Aqui, porém, ninguém vejo a quem possa comunicar minhas idéias. Os em condições de as entenderem, seriam dominados por suas próprias idéias, por suas especulações, pela política, etc.”

 

Foi pioneiro também na imprensa. Em 1936 fundou em Campinas O Paulista, primeiro jornal do interior do Estado. Em 1843 inventou um novo método de impressão para evitar falsificações e publicou num folheto apresentado na Academia de Ciências e Artes de Turim, que constatou ser ele um merecedor da proteção do Governo da Sardenha. Em 1847 descreveu o emprego dos “typo-silabas”, ideia precursora da taquigrafia. Como se vê, seus inventos giravam em torno da impressão e documentação. Em 1850 ficou viúvo e pouco depois casou-se com Carolina Krug, educadora e fundadora do Colégio Florence, em Campinas. Seus desenhos do litoral, do interior e da capital paulista serviram de base para diversas pinturas de autores como Benedito Calixto, José Wasth Rodrigues e Alfredo Norfini entre outros, O diretor do Museu Paulista, Afonso d’Escragnolle de Taunay, no período 1917-1945, denominou-o como “patriarca da iconografia regional”. Faleceu em 27/3/1879.

 

Foi um prodigioso inventor de registros documentais, bem como um documentalista diligente ao deixar publicado diversas publicações contendo valiosas informações sobre suas descobertas, além das citadas no seu livro-diário: (1) Ensaio sobre a impressão das notas de banco por um processo totalmente inimitável, precedido por algumas observações sobre a gravura das mesmas notas, e o modo de se conhecer as que são falsas. Campinas: Tipografia de Costa Silveira, 1841; (2) Zoophonia. Revista do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil. Vol. XXXIX, 1876 e Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Melhoramentos, duas edições – 1941 e 1948; 3ª ed. em 1977, pela Editora Cultrix e 4ª ed. em 2002, pela Editora do Senado Federal.

 

Segundo seu biógrafo Leão Estevão Bouroul -Hércules Florence. São Paulo: Tipografia Andrade Mello & Cia., 1900- “a vida de Florence é a narração singela e comovente das peripécias, das descobertas, das viagens, que constituem uma das páginas mais interessantes dos anais do século XIX brasileiro”. Consta mais uma biografia escrita por  Dayz Peixoto Fonseca e publicada em Campinas pela Editora Pontes, em 2008: O Viajante Hércules Florence: águas, guanás e guaranás. O Instituto Hercule Florence

                 https://www.ihf19.org.br/pt-br/institucional/contato

conta com grande acervo de informações à disposição do público.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 14 de dezembro de 2022

OS BRASILEIROS: LANDELL DE MOURA (POSTAGEM DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Landell de Moura

José Domingos Brito

 


 

Roberto Landell de Moura nasceu em 21/1/1861, em Porto Algre, RS. Sacerdote, cientista e inventor mais conhecido pelo pioneirismo na área das telecomunicações. Para muita gente e instituições como o IEEE-Institute of Electrics and Electronics Engineers, ele é um dos principais inventores do rádio. Em 1893 suas transmissões sem fio alcançavam 8 quilômetros; enquanto o aparelho de Guglielmo Marconi alcançava apenas alguns metros.

 

Filho de tradicional família gaúcha,  estudou no colégio jesuita de São Leopoldo até 1873. No ano seguinte retornou à Porto Alegre e ingressou noutro colégio, onde estudou línguas, humanidades e gramática. Conta-se que aos 16 anos inventou um tipo de telefone, mas não deixou uma descrição do aparelho. Em 1876 mudou-se para o Rio de Janeiro, afim de estudar na Escola Politécnica. Porém teve uma grande mudança de rumo nos estudos. Seu irmão queria estudar em Roma para ser padre e convenceu-o a seguir o mesmo caminho. Igressou no Colégio Pio Americano, em 1878, e na Universidade Gregoriana, ordenado sacerdote em 1886. Enquanto estudava Direito Canônico, interessou-se também pela ciência e concebeu sua teoria sobre a unidade entre as forças físicas do Universo e sua harmonia. De volta ao Rio de Janeiro em 1887, foi capelão do Paço Imperial e, além de rezar missa, trocava ideias com o imperador Pedro II, conhecido amante das ciências. Pouco depois mudou-se para Porto Alegre, em 1891, onde foi padre e professor de História no Seminário Episcopal. Em seguida foi vigário em Uruguaiana.

 

No ano seguinte foi transferido para São Paulo, atuando nas paróquias de Santos, Campinas e na capital, como pároco da Capela de Santa Cruz, no bairro de Santana, onde permaneceu até 1900. Ficou mais conhecido através de suas pesquisas científicas, uma atividade mal recebida pelos paroquianos, que chegaram destruir seu laboratório; e pela Igreja, que não admitia a possibilidade vida fora da terra. Ele previa a possibilidade de comunicação entre mundos diferentes. Em 1892 teria construído o 1º transmissor de mensagens sem fio, antes de Guglielmo Marconi, na Itália. Nos anos seguintes realizou experiências de transmissão de som por meio de ondas hertzianas e fez testes com um telégrafo e um telefone sem fio. No entanto a falta de documentação sobre  as datas prejudicouu seu reconhecimento internacional. Porém, existem testemunhos de algumas pessoas sobre estes fatos, e em 1899 o Jornal do Commercio puublicou nota sobre seu pioneirismo mundial no campo da transmissão do som sem fio.

 

Em 1900 ocorreu a 1ª demonstração pública de seus inventos e foram “coroadas de  êxito”, conforme noticiou a edição brasileira do jornal La Voz de España, de 10/12/1900. Em 1901 conseguiu a 1ª patente brasileira para seu aparelho sem fio e uma viagem para Itália, França e EUA, onde montou um laboratório em Nova Iorque e ficou  lá  por 4 anos. Queria obter patente, também, nos EUA. Não conseguiu a patente, mas o jornal New York Herald publicou, em 1902, sua foto com a legenda “Padre Landel de Moura, inventor do aparelho de telefone sem fio”, destacando que “por entre os cientistas, o brasileiro Padre Landell de Moura é muito pouco conhecido”.  Alguns , empresários dos EUA ofereceram-lhe uma fortuna para autorizar a produção industrial do aparelho, mas ele recusou alegando: “Os inventos já não mais me pertencem. Por mercê de Deus, sou apenas o depositário deles. Vou levá-los para minha Pátria, o Brasil, a quem compete entregá-los à humanidade”. Em 1904, conseguiu obter 3 patentes nos EUA para um telefone sem fio e um telégrafo sem fio. Ao final do ano criou um sistema de transmissão de imagens à distância tornando-se pioneiro também da televisão e do controle remoto. Mas a documentação sobre isto é pobre, impedindo que se conheça até que ponto ele chegou. De volta ao Brasil, em 1905, assumiu a paróquia de Botucatu, SP, e continou com as pesquisas.

 

Solicitou aos políticos auxílio financeiro para continuar seus trabalhos e concretizar os  inventos, mas não conseguiu sensibilizar os deputados de São Paulo.  Chegou a apelar ao presidente Rodrigues Alves, pedindo 2 navios da Marinha para demonstrar a transmissão sem fio em longas distâncias, novamente sem êxito. O assessor encarregado de analisar o pedido não lhe deu crédito e disse ao presidente que “o tal padre é maluco”. Conta-se que na ocasião ele teve um acesso de raiva e destruiu alguns aparelhos. Em seguida, foi obrigado pela Igreja a abandonar seus experimentos. Em 1906 assumiu a paróquia de Mogi das Cruzes, SP, e no ano seguinte voltou à seus experimentos. Escreveu um memorial descritivo dos efeitos eletro-luminescentes de um indeterminado campo energético envolvendo os seres vivos, registrando-os numa fotografia, fenômeno conhecido hoje como “efeito Kirlian”. Na ocasião descreveu os efeitos da eletricidade sobre o corpo humano. Passou mais um tempo vagando por algumas cidades do interior de São Paulo e em fins de 1908 pediu exoneração e retornou à Porto Alegre.  

 

Assumiu a paróquia do Menino Deus e tratou de aperfeiçoar seu sistema de transmissão de imagens, dando-lhe o nome de “televisão’.  Com a fundação da Faculdade de Medicina Homeopática em 1914, assumiu uma cátedra junto com seu irmão médico e farmacêutico. Na inauguração da escola, profreriu um discurso sobre a lei dos similares, princípio básico da homeopatia. Porém, no mesmo ano uma crise interna provocou a cisão da faculdade em duas: Faculdade de Ciências Médicas e Escola de Médicina-Cirúrgica, e em nunhuma delas a homeopatia foi incluída.  No ano seguinte foi nomeado vigário-geral da Arquidiocese de Porto Alegre e a saúde deu sinais de alerta, levando-o a uma série de pedidos de licença para tratamento médico em estações termais. Por esta época dedicou-se ao estudo da psicologia e espiritismo, para desagrado dos fiéis e da cúpula da Igreja.

 

Em 1916 foi nomeado cônego capitular do Cabido Metropoloitano de Porto Algre e aprofundou os estudos sobre psicologia, chagando publicar em 1919 o livro Apontamentos de psychologia. Em seguida participou da fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, ampliando sua participação no meio social. A Igreja, mesmo não gostando de suas atividades científicas, tinha na cúpula alguns membros que reconheciam seu valor como religioso. Assim, em 1927 recebeu o título eclesiástico de monsenhor e foi nomeado arcerdíago (ou arquidiácono) no ano seguinte. Mas viveu pouco neste cargo. Na condição de fumante inverterado, era portador de uma tuberculose, que se agravou até 30/6/1928, quando veio a falecer. 

 

Nos EUA ele foi reconhecido por outros inventores e seu nome transita entre membros do renomado IEEE, a maior organização profissional técnica do mundo. Seu pioneirismo na invenção do rádio, na telefonia e telegrafia sem fio desde 1893 conta com vários testemunhos, conforme dois artigos numa grande enciclopédia norte-americana e outras publicações internacionais. Porém no Brasil estas primeiras evidências ainda estão sob controvérsia. Não obstante ser pouco conhecido entre em nós,  recebeu diversas homenagens. É cidadão honorário da cidade de São Paulo, patrono da Ciência, Tecnologia e  Inovação do município de Porto Alegre, patrono dos radioamadores brasileiros, e em 2012 foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria (Lei nº 12614). Em Porto Alegre, o “Memorial Landell de Moura” (http://www.memoriallandelldemoura.com.br/) batalha para promover seu reconhecimento e mantém um grande acervo de informações à disposição do público. Segundo o Dr. Gildo Magalhães, da USP, sua história “é um retrato das vicissitudes que marcam a trajetória da ciência brasileira”.

 

Trata-se de um dos nossos cientistas pouco divulgado no Brasil, mas não é por falta de biografia. Ivan Dorneles Rodrigues, tido como o maior conhecedor de sua vida e obra, publicou o livro Pe. Roberto Landell de Moura: a história documentada, pela Editora Corag em 2015. Hamilton Almeida, outro entusiasta no resgate de sua memória, publicou  Padre Landell de Moura: um herói sem glória, pela Editora Record, em 2006, e Padre Landell: o brasileiro que inventou o wireless, pela Ed. Insular em 2022. Biografias mais antigas: O incrível Pe. Landell de Moura, de Ernani Fornari, (Ed. Globo, 1960), e

Padre Landell de Moura: história de um inventor, de Elida de Freitas e Castro Druck (Ed. Sulina, 1960). A Wikipedia traz um alentado verbete sobre o Padre e o Youtube conta com diversos vídeos sobre sua trajetória.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 07 de dezembro de 2022

AS BRASILEIRAS : ROSALINA LISBOA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Rosalina Lisboa

José Domngos Brito

 

 

Rosalina Coelho Lisboa de Larragoiti nasceu em 15/7/1900, no Rio de Janeiro, RJ. Escritora, poeta, jornalista, diplomata, ativista política e praticante de jiu-jitsu. Na condição de amiga do presidente Getúlio Vargas, teve atuação destacada na década de 1930 e foi uma das pioneiras do movimento feminista.

 

Filha de Luiza Gabizo Lisboa e João Gonçalves Coelho Lisboa, deputado e senador pela Paraíba, teve educação refinada com preceptoras estrangeiras, e foi Mestre em história e culturas políticas pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Publicou seu primeiro soneto aos 14 anos e aos 15 passou a colaborar na famosa revista Careta. Ainda jovem, casou-se com o comandante Raul Van Rademaker, de quem ficou viúva aos 19 anos. Passou por uns perrengues financeiros e dedicou-se integralmente ao trabalho, escrevendo para revistas e jornais sob diferentes pseudônimos.

 

Em 1920 foi lecionar inglês no Instituto Benjamin Constant e pouco depois publicou seu livro de poemas Rito pagão, premiado pela ABL-Academia Brasileira de Letras, em 1922. Casou-se de novo com James Irwin Miller, gerente da United Press na América do Sul. Na época ficou conhecida como Rainha dos cadetes de Realengo, devido aos seus artigos enaltecendo os jovens oficiais. Na defesa dos oficiais exilados, viajou pela América Latina e viveu alguns anos na Argentina. Foi partidária da Revolução de 1930, ano em que participou do Congresso Feminino Internacional, em Porto Alegre. 

 

Exerceu diversas funções diplomáticas entre 1930 e 1954, estabelecendo uma relação de amizade com o presidente Getúlio Vargas e o ministro Oswaldo Aranha. Foi a 1ª mulher brasileira a ser enviada ao exterior em missão intelectual, em 1932. Por solicitação de Vargas, elaborou programa de propaganda revolucionária pelo rádio e foi a única mulher a integrar o comitê de regulamentação da radiodifusão educativa, em 1933. Com a proximidade do Golpe de 1937 e instauração do Estado Novo, ela foi um dos principais mediadores entre a AIB-Ação Integralista Brasileira e o Governo Vargas. No início da década de 1940, conseguiu anular o 2º casamento e casou-se pela 3ª vez com Antonio Sanchez de Larragoiti, diretor da companhia de seguros Sul América.

 

Com o fim da II Guerra Mundial, passou a defender maior estreitamento das relações do Brasil com os países vizinhos, aconselhando Vargas, especialmente a Argentina, Chile e Peru.

Em 1945 ocupou a diretoria dos Diários Associados como encarregada das sucursais de Lisboa, Madrid e Paris. Participou, como delegada, da VI Assembleia Geral da ONU, em 1951 (Paris), e propôs o projeto de abolição dos castigos corporais aplicados aos negros na África do Sul.  No mesmo ano pronunciou-se na imprensa a favor do divórcio, em apoio a campanha do senador Nelson Carneiro.

 

Foi membro do conselho consultivo do IBRI-Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, em 1954, e em seguida foi apresentada como candidata ao senado pelo Partido Social Progressista, mas recusou a indicação. Na cerimônia de inauguração da TV no Brasil, em 18/9/1950 nos Diários Associados em São Paulo, ela discursou e recitou um poema na condição de “Madrinha da Televisão”. Além dos artigos nos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e A Nação, deixou publicado os livros O desencantado encantamento (ensaios, 1927), Conferências (1927), Passos no caminho (poesia, 1932), Almafuerte (ensaios, 1951) e A Seara de Caim, romance de 1952, publicado pela Ed. José Olympio, reeditado diversas vezes e traduzido para o francês com prefácio de André Maurois.

 

Conforme análise de seu arquivo pessoal, depositado no CPDOC da FGV-Fundação Getúlio Vargas, “é curioso perceber que uma escritora brasileira tão consagrada internacionalmente e tão engajada na política, não tenha angariado uma análise mais detalhada de sua controversa vida pública” Ao mesmo tempo em que demonstrava vanguardismo por ser favorável ao divórcio e defender a igualdade dos sexos, ora posicionava-se conservadoramente pregando a formação moral e cívica como garantidoras da ordem política. “De forma, que podemos defini-la revolucionária no campo social e conservadora no campo político”, não obstante suas contribuições na área política e cultural. Faleceu em 13/12/1975.

 


José Domingos Brito - Memorial terça, 29 de novembro de 2022

OS BRASILEIROS: SOBRAL PINTO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Sobral Pinto

José Domingos Brito

 


 

Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu em Barbacena, MG, em 5/11/1893.  Advogado conhecido pela defesa de presos políticos durante a ditadura do Estado Novo em fins da década de 1930 e a ditadura militar instaurada após o golpe de 1964. Teve atuação destacada na luta pela defesa dos direitos humanos em sua longa carreira profissional.

 

Conta-se que aos 10 anos presenciou 3 policiais arrastando um preso e dando-lhe chutes e pancadas. O garoto ficou indignado e chamou-os de covardes. Nascia ali o senso de justiça que impregnou sua vida. realizou os estudos secundários no Colégio Anchieta, dos padres jesuítas, em Nova Friburgo, RJ. Pouco depois, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na Faculdade de Direito, onde foi diplomado em 1917. Trabalhou pouco tempo na área criminalista e foi convidado para ocupar o cargo de Procurador Criminal da República, em 1924. O período do governo de Arthur Bernardes foi conturbado com os movimentos militares revolucionários e ele foi implacável na condenação dos líderes.

 

Em 1928 foi promovido a Procurador-Geral do Distrito Federal e no mesmo ano ingressou no Centro Dom Vital, criado por Jackson de Figueiredo e Dom Sebastião Leme, ficando responsável pela crônica política publicada no jornal da entidade, A Ordem. Pouco depois deixou a Procuradoria-Geral, recusando qualquer cargo público, passando a ser apenas advogado. Em 1933 aderiu à Liga Eleitoral Católica, a fim de orientar na escolha dos representantes da Assembleia Nacional Constituinte, até que em 1936 surge uma grande causa: defender os líderes da “Intentona Comunista” Luiz Carlos Prestes e o alemão Harry Berger, diante da recusa de diversos advogados. Prestes passou 8 anos de prisão incomunicável, recebendo apenas a visita semanal que o advogado lhe fazia.

 

No caso do alemão, suas condições no cárcere eram tão desumanas que ele solicitou do governo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais ao prisioneiro. Mais tarde as razões da defesa foram expostas em seu livro Por que defendo os comunistas. Durante a ditadura do “Estado Novo”, batalhou pela redemocratização através de sua coluna no Jornal do Commercio, incluindo uma grande polêmica travada com o escritor Cassiano Ricardo, diretor do jornal governista A Manhã, publicada no livro Do primado do espírito nas polêmicas doutrinárias: as iras do Sr. Cassiano.

 

Em 1945 assinou o manifesto de lançamento da Resistência Democrática, convocando a realização da Constituinte, o sufrágio universal, a criação de partidos e dos sindicatos apolíticos. Mais tarde, em 1955, quando um grupo político aliado aos militares tentaram impedir a participação no pleito de Juscelino Kubitschek e João Goulart, ele criou a “Liga da Defesa da Legalidade” para lutar pela realização das eleições e garantir a posse dos eleitos. Com a vitória de Juscelino, pouco depois foi-lhe oferecida uma vaga no STF-Supremo Tribunal Federal. Não foi aceita, para evitar a impressão que seria uma retribuição pela sua atuação na Liga.

 

Logo após o Golpe Militar de 1964, enviou uma carta ao Marechal Castelo Branco advertindo-o de que sua candidatura, na qualidade de chefe do Estado Maior do Exército, era ilegal, tanto no pleito direto, quanto indireto. Neste período defendeu causas como a Missão Comercial Chinesa, que aqui se encontrava com passaporte diplomático num intercâmbio comercial. Foram presos, torturados e, após a condenação. Foram deportados. Com o AI-5, em 1968, ele foi preso em Goiás por alguns dias. O oficial carcereiro avisou-lhe que o AI-5 visava o estabelecimento de uma democracia à brasileira. Resposta: “Coronel, há peru à brasileira, mas não há democracia à brasileira. A democracia é universal, sem adjetivos”.

 

Um dos aspectos que mais salientou seu caráter foi o completo desprendimento dos bens materiais. Seu colega Dario de Almeida Magalhães dizia: “Para que esse destino privilegiado de homem livre se realizasse cabalmente, alcançou Sobral Pinto a libertação de um dos jugos mais perigosos e daninhos: a libertação do dinheiro”. Outro colega -Victor Nunes Leal- revela um aspecto de sua atuação:  “Sobral Pinto é o crítico vigilante da vida pública, o curador da vivência dos amigos, a consciência de cada um de nós”. Foi conselheiro da OAB-Ordem dos Advogados do Brasil por vários anos; foi presidente do Centro Dom Vital em dois mandatos e catedrático de Direito Penal da PUC-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.  

 

Na homenagem que recebeu na Câmara Municipal de São Paulo, em 1976, pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, discursou sobre o Golpe de 1964: “Golpe militar. Não foi Revolução. Não havia naquele movimento nenhuma ideia superior; não havia naquele movimento nenhum propósito de realmente trabalhar para a cultura e o progresso do País’. Na década de 1980, início do período de abertura política teve participação ativa no movimento “Diretas Já” e causou sensação ao participar do histórico Comício da Candelária, em 1984. Foi uma das últimas participações públicas, contando já com 91 anos. Faleceu em 30/1/1991

 

Foi homenageado com seu nome em alguns logradouros públicos, além do prédio da OAB no Rio de Janeiro, que leva seu nome.  Deixou uma enorme quantidade de cartas e artigos na imprensa e dois livros sobre a liberdade: Lições de liberdade (1977) e Teologia da libertação (1984). Sua coragem e legado ficaram registrados em algumas biografias: Sobral Pinto: a consciência do Brasil (2001), de John Forster Dules, publicada também em inglês; Sobral Pinto, o advogado (2002), de Aristóteles Atheniense; Heráclito Fontoura Sobral Pinto: toda liberdade é íngreme (2014), de Márcio Scalero, e uma cinebiografia com o documentário Sobral – O homem  que não tinha preço, em 2013, dirigido por Paula Fiuza.

 

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José Domingos Brito - Memorial quinta, 17 de novembro de 2022

OS BRASILEIROS: JOÃO KOPKE (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: João Kopke

José Domingos Brito

 

 

João Kopke nasceu em 27/11/1852, em Petrópolis, RJ. Advogado, educador, escritor e primeiro autor da literatura infantil brasileira, abrindo caminho para a extensa obra de Monteiro Lobato. Lecionou durante anos em São Paulo, envolvido na causa republicana e foi pioneiro na divulgação de modernas técnicas pedagógicas, com especial atenção à criança e ao ensino da leitura.

Filho de Felisbella Candida de Vasconcellos e Henrique Kopke, português de ascendência alemã. O velho Kopke, junto com seu irmão Guilherme, fundou o Collegio de Petrópolis, em 1850, que ficou conhecido como o famoso Colégio Kopke, atualmente “Escola Municipal  João  Kopke. Concluiu o curso primário no colégio do pai e o secundário no Colégio São Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro. Mudou-se para o Recife em 1871, para estudar na Faculdade de Direito, mas transferiu-se para São Paulo, onde concluiu o curso em 1875.

Na época, a cidade fervia com as novas ideias republicanas, quando ele conheceu Francisco Rangel Pestana e Antonio da Silva Jardim e passou a engrossar o coro dos manifestantes. Ainda cursando a faculdade, casou-se com Maria Isabel de Lima e passou dar aulas particulares e em cursos preparatórios. No mesmo ano da formatura, foi nomeado promotor público em Faxinal e logo transferido para Jundiaí e Campinas. O envolvimento com a causa republicana foi intensificado e, tendo em vista que a instrução pública era a mola propulsora do progresso social, além de seu talento como professor, ele passou a dedicar-se exclusivamente ao magistério a partir de 1878.

Lecionou Inglês, Francês, Italiano e Geografia no Colégio Rangel Pestana, e Filosofia, História, Geografia e Retórica no curso preparatório, anexo à Faculdade de Direito. Em 1880, mudou-se para Campinas e passou a lecionar no Colégio Culto à Ciência e no Colégio Florence. Imbuído do espirito republicano e positivista, fundou junto com Antonio da Silva Jardim, a Escola Primária Neutralidade,  em 1884 em São Paulo, indicando a imparcialidade que deveria guiar os passos da ciência e do saber. Era uma escola destinadas a crianças de ambo os sexos, algo novo para a época.

 

Em 1886, mudou-se para o Rio de Janeiro e fundou o Instituto Henrique Kopke, tendo como modelo o ensino ministrado na Escola Primária da Neutralidade. No mesmo ano o Instituto recebeu autorização do governo imperial para ministrar matérias no ensino primário e secundário, conquistando boa parte dos alunos filhos da elite carioca. Ainda em 1886 fundou uma associação de professores e no ano seguinte foi designado membro substituto do Conselho da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte e seu Instituto foi consagrado como escola padrão, por decreto do presidente Prudente de Morais.

 

Permaneceu na direção do Instituto até 1897, quando se retirou da sociedade devido a divergências com os sócios. Pouco depois foi nomeado pelo presidente Campos Salles como Oficial do Registro Geral e de Hipotecas do Rio de Janeiro, mas continou dedicando-se às atividades pedagógicas até seu falecimento em 28/7/1926. Foi autor de varias obras didáticas e ficou conhecido pelo modo como tratar o aluno. Em 2014, a profª Norma Sandra de Almeida Ferreira, da Faculdade de Educação da UNICAMP, fez sua tese de livre docência

Um estudo sobreVersos para os pequeninos’ manuscrito de João Kopke e descobriu que o autor é precursor de Monteiro Lobato, a quem foi atribuída a inauguração da literatura infantil brasileira.

 

Em 2015, a profª Maria do Rosário Longo Mortatti fez uma breve biografia e balanço de suas contribuições à educação e ensino e escreveu o capitulo 3 -João Kopke (1852-1926) na história do ensino de leitura e escrita no Brasil- do livro Sujeitos da história do ensino de leitura e escrita no Brasil, publicado pela Editora da UNESP, que pode ser acessado no link https://books.scielo.org/id/3nj6y/pdf/mortatti-9788568334362-05.pdf.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 09 de novembro de 2022

AS BRASILEIRAS : NATÉRCIA SILVEIRA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGO SBRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Natércia Silveira

José Domingos Brito

 


 

Natércia da Cunha Silveira nasceu em 14/6/1905, em Itaqui, RS. Advogada, ativista política, lider feminista e pioneira na luta pelo direito das mulheres ao voto. Foi a primeira mulher a conquistar o diploma de advogada no Rio Grande do  Sul.

Filha de Maria da Conceição do Valle Cunha e Manoel da Cunha Silveira, juiz de Direito em Uruguaiana e ligado ao Partido Libertador do Rio Grande do Sul, de quem herdou o gosto pela política. Aos 18 anos atuou na Revolução de 1923, conflito armado entre os partidários do presidente do Estado, Borges de Medeiros (Chimangos) e os revolucionários comandados por Joaquim Francisco de Assis Brasil (Maragatos). Natércia discursou, em nome das mulheres gaúchas, na recepção dos generais Zeca Netto e Honnório Lemes na chegada a Porto Alegre.

No ano seguinte, enquanto cursava Direito e participava do Centro Acadêmico, sua mãe faleceu. Em 1926 recebeu o diploma de advogada pela atual UFRGS, tornando-se a primeira mulher advogada do Estado. Pouco depois mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a atuar nos tribunais e movimentos políticos e feministas. Manteve contatos estreitos com a bióloga Bertha Lutz, a engenheira Carmen Portinho e a advogada Orminda Ribeiro Bastos, integrantes da FBPF-Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e aliou-se à entidade representando o Rio Grande do Sul.

 

Em fins de 1929 integrou a equipe de advogados da escritora Sylvia Serafim Thibau, que assassinou o jornalista Roberto Rodrigues na redação do jornal a Crítica. O crime se deu porque o jornal publicou na primeira página a notícia do pedido desquite do médico João Thibau Jr. acusando-a de estar mantendo um caso com Manuel Dias de Abreu, futuro inventor da ‘abreugrafia”. Sylvia foi à redação do jornal armada afim de matar seu editor Mário Rodrigues. Não encontrando-o, atirou em seu filho Roberto na presença de seu irmão Nelson Rodrigues, de 17 anos, tornado famoso dramaturgo mais tarde.  No julgamento, Sylvia foi absolvida por 5 a 2 votos. 

 

Ainda em 1929, foi uma das fundadoras da União Universitária Feminina, congregando mulheres com  ensino superior em prol de seus direitos. Dois anos depois teve uma dissidência com a FBPF, devido ao seu engajamento político e participação em comícios da Aliança Liberal, e fundou a “Aliança Nacional de Mulheres”, cujo objetivo era manter a fiscalização das condições de trabalho da mulher e prestação de assitência jurídica, além de uma caixa de auxílio à mulher desamparada. Com 3 mil filiadas, a entidade foi dissolvida pelo golpe de 1937, instaurando o “Estado Novo” de Getúlio Vargas. Sua participação foi decisiva na comissão organizadora do  anteprojeto constitucional que consolidou o sufrágio femininio, em 1934.

 

Neste mesmo ano candidatou-se a vereadora pela Frente Única do Distrito Federal elegendo-se suplente. Em seguida participou das eleições de 1945 e 1950 como candidata a deputada pelo Partido Libertador e não obteve  êxito. Como política, sua pauta sempre esteve ligada aos temas referentes aos direitos da mulher, ao trabalho, à educação e à assistência social. Em 1964, foi a primeira mulher a ocupar a direção do Departamento Nacional do Trabalho. Pediu demissão do cargo, após uma discussão com o ministro do  Trabalho sobre um projeto de decreto, que no seu entender aniquilaria o movimento sindical portuário.

 

Voltou a trabalhar na Procuradoria Geral do Trabalho, onde ocupou diversos cargos relevantes e se aposentou em 1971, mas manteve seu Escritório de Advocacia até 1977 e faleceu em 7/12/1993, aos 88 anos.

Homenagem do Jurisperita à Natércia da Cunha Silveira

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 02 de novembro de 2022

OS BRASILEIROS: MANUEL QUERINO (POSTAGEM DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

OS BRASILEIROS: Manuel Querino

José Domingos Brito

 

 

 

Manuel Raimundo Querino nasceu em Santo Amaro, BA, em 28/7/1851. Escritor, pintor, folclorista, antropólogo, documentalista e pioneiro nos registros e valorização da cultura africana na Bahia. Fundador do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e da Escola de Belas Artes. Foi o primeiro afro-brasileiro a publicar livros sobre a história e cultura  brasileira.

 

Seus pais, ambos negros e livres, faleceram na epidemia de cólera em 1855. Órfão, aos 4 anos, foi apadrinhado pelo prof. Manuel Correia Garcia, da Escola Normal de Salvador. Ainda jovem, viajou pelo Nordeste em busca de oportunidades e foi recrutado pelo Exército no Piauí, em 1868. Graças à boa letra, formação intelectual e ao porte franzino, acabou servindo na “escrita do batalhão” no Rio de Janeiro durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), onde chegou a Cabo de Esquadra.

 

Retornou à Salvador em 1872 e dedicou-se ao desenho e à pintura, estudando no Liceu de Artes e Ofícios, sob a tutela do professor e artista espanhol Miguel Navarro y Cañizares. Estudou também na Academia de Belas  Artes, onde trabalhava. Formou-se em Desenho Geométrico e passou a lecionar no Liceu e no Colégio de Órfãos de São Joaquim. Por esta época publicou 2 livros didáticos sobre desenho geométrico. Além da dedicação à arte, atuou na política, destacando-se no movimento abolicionista, na fundação do Partido Operário e da Liga Operária Baiana. Chegou a travar intensos debates com o médico Nina Rodrigues contra as ideias preconceituosas da ciência na época.

 

O negro brasileiro reivindicado por Querino tem o talento e a vocação da civilização, em detrimento do português, corajoso e hábil no exercício da força, mas um péssimo colonizador, inimigo das artes, da imprensa, da indústria etc. Era uma pessoa bem articulada, preocupada com a cultura local e foi Conselheiro Municipal em duas ocasiões, entre 1891-1892 e 1897-1899. Sua capacidade intelectual inspirou Jorge Amado a criar o personagem Pedro Archanjo, de seu romance Tenda dos milagres.

 

Naquela época o “branqueamento” da população era defendido como política oficial de estado e pela ciência, visto que o pensamento dominante pregava que a cultura negra era inferior a branca. Querino defendia a ideia que o "branqueamento" não fazia sentido, pois os africanos já tinham civilizado o Brasil. Assim, não havia necessidade de imigrantes brancos e que os negros eram mais capacitados para enfrentar os desafios da sociedade brasileira. Desse modo, ele antecipou as ideias de Gilberto Freyre no estudo da cultura negra no Brasil.

 

Pouco depois, afastou-se da política para se dedicar aos estudos de pesquisa e realizou um importante trabalho de documentação e resgate dos nomes mais relevantes nas artes da Bahia. Levantou centenas de nomes, sob o critério do talento independente da origem de classe social. Assim incluiu nomes relevantes, porém menos prestigiados no métier intelectual. Tais biografias -Os artistas bahianos: indicações biográficas- foram publicadas na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, vol 12, nº 31, 1906. Em seguida o levantamento foi ampliado e publicado em seus livros  Artistas bahianos. Imprensa Nacional, 1909  e As artes na Bahia: escorço de uma contribuição histórica, Oficinas do Diário da Bahia, 1913.

 

Algumas críticas foram feitas ao seu trabalho de levantamento. Porém ressalta-se seu caráter pioneiro, sem o qual não teríamos registro de relevantes nomes de sua época, particularmente os nomes de vertente africana. Teve o mérito de salvaguardar para a posteridade inúmeras informações, que de outro modo se perderiam irremediavelmente, já que outros mais bem dotados para estes estudos não cogitaram de fazê-lo. Seu trabalho foi comparado ao realizado pelo pintor Vasari com sua coletânea de biografias no período Renascentista. Como pintor foi premiado com as medalhas de bronze, prata e ouro no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia de Belas-Artes, com menção honrosa (1880) e 2 medalhas de prata (1882 e 1883).

 

Na condição de antropólogo, deixou um legado precioso para o estudo da cultura afro-brasileira em livros, tais como Costumes africanos no Brasil, publicado pela Ed. Civilização Brasileira (1938); A Bahia de outrora, pela Ed. Livraria Progresso (1954); A Raça africana e seus costumes na Bahia, pela Ed. Livraria Progresso (1955) e O colono preto como fator da civilização brasileira, republicado pelos Cadernos do Mundo Inteiro, em 2018 e à disposição dos leitores no link O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf (cadernosdomundointeiro.com.br). Completando seu legado deixou um saboroso livro: A arte culinária na Bahia contendo receitas africanas, afro-brasileiras e tradicionais. O livro já foi reeditado diversas vezes e encontra-se na 3ª edição pela Editora Martins Fontes. Faleceu em 14/2/1923.

 

Manuel Querino: o precursor da Ciência Antropológica no Brasil

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 26 de outubro de 2022

AS BRASILEIRAS : JOSEFINA ÁLVARES DE AZEVEDO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Josefina Álvares de Azevedo

José Domingo Brito

 

 

 

 

Josefina Álvares de Azevedo nasceu em Recife, PE, em 5/5/1851. Jornalista, escritora, poeta, dramaturga e precursora do Feminismo no Brasil e na luta pela conquista do voto das mulheres. Era prima do poeta Álvares de Azevedo e teve destacada presença intelectual em São Paulo e Rio de Janeiro em fins do século XIX.

Mudou-se para São Paulo por volta de 1877, aos 26 anos, e passa a escrever, inserindo-se no pequeno núcleo de intelectuais paulistas. Em 1888 fundou o semanário A Família, um jornal de poucas amenidades dirigido à elite local e algumas reivindicações. Tinha como primeiro objetivo tratar da educação para as mulheres, porém, com a transição política vivida na época republicana, o principal objetivo passou a ser a reivindicação dos direitos das mulheres e fazer com que elas tivessem suas vozes representadas nas questões políticas, podendo votar, por exemplo.

 

Via-se claro que o objetivo central era questionar o patriarcalismo predominante, denunciando o papel a que estava relegado a mulher. No editorial do nº 1 dizia que “a consciência universal dorme sobre uma grande iniqüidade secular - a escravidão da mulher. Até hoje tem os homens mantido o falso e funesto principio de nossa inferioridade. Mas nós não somos a eles inferiores porque somos suas semelhantes, embora de sexo diverso." E enfatizava: “Em tudo devemos competir com os homens – no governo da família, como na direção do estado...  As sociedades assentam suas bases sobre dois princípios cardeais: o princípio da força e o princípio da ordem. O princípio da força é o homem, o da ordem é a mulher... O homem é a negação da ordem... E em abono desta opinião eu vos trarei um exemplo muito vulgar – o governo de uma casa... ele não é capaz de governar uma casa, que se compõe de algumas pessoas”.

 

No ano seguinte transferiu-se para o Rio de Janeiro, levando o jornal a tiracolo. Segundo a historiadora Karine da Rocha (UFPE), essa mudança ocorreu com o intuito de alcançar maior aceitação do periódico pela proximidade com a Corte.  Além disso, queria fazer dele um jornal nacional e viajou pelo Norte e Nordeste em busca de parcerias ligadas nesta intenção. Manteve o jornal em circulação por 10 anos até 1898, contando com colaborações  de destacadas mulheres da época em outros estados, como Nacísia Amália, Julia Lopes de Almeida, Inês Sabino, Anália Franco, Presciliana Duarte de Almeida etc. e até do exterior, como Guiomar Torrezão, de Lisboa, e Eugénie Potoinié Pierre, de Paris.

 

Entre os jornais que circulavam na época, A Familia foi um dos mais combativos e duradouros, servindo como “caixa de ressonância do incipiente movimento feminsita brasileiro”. Foi uma das primeiras mulheres a batalhar pelo sufrágio feminino. Com a proclamação da República em 1889, a conquista do direito das mulheres ao voto foi realçada. Em 1890 publicou em seu jornal uma série de artigos com o título geral  “O direito ao voto” e no mesmo ano escreveu a comédia “O voto feminino”, encenada no Teatro Recreio Dramático. A peça pode ser considerada uma das primeiras no Brasil a se uitlizar do teatro como meio de protesto politico.

 

A autora, bem como a peça em si, foi objeto de estudo realizado por Valéria Andrade Souto Maior e publicado no livro O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX, lançado pela Editora Mulheres, de Florianópolis, em 2001. Com seu protagonismo, foi acusada de ser contra os princípios do catolicismo, devido ao fato de criticar a Igreja em alguns de de seus artigos ou poemas, como fez em “Fé”, um poema em que faz uma critica aos padres: “A moral de Cristo é a minha religião, essa é a que defendo e procurio incutir no espírito dos meus filhos. A religião dos padres, não; não a quero, nem recomendo a quem quer que seja”.

 

Josefina faleceu em 1/9/1913 e, infelizmente, não encontramos uma biografia sua, exceto alguns verbetes na wikipedia que serviram para a costura desta síntese biográfica. Encontramos um artigo centrado em sua luta pelo direito das mulheres ao voto – Josefina Álvares de Azevedo: teatro e propaganda sufragista no Brasil do século XIX-, publicado por Valéria Andrade Souto Maior e pode ser acessado através do link  525_arquio.pdf (al.sp.gov.br)


José Domingos Brito - Memorial quarta, 19 de outubro de 2022

OS BRASILEIROS: SERGIO MILLIET (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Sergio Milliet

José Domingos Brito

 


 

Sérgio Milliet da Costa e Silva  nasceu em São Paulo, SP, em  20/9/1898. Escritor, pintor, poeta, sociólogo, bibliotecário, professor, crítico de arte e tradutor. Conhecido como um “intelectual poliédrico” entre os organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, foi um dos pioneiros da crítica de arte e literária.  

 

Filho de Aída Milliet e Fernando da Costa e Silva, concluiu os primeiros estudos em São Paulo e mudou-se para Genebra aos 12 anos, onde estudou humanidades e concluiu o curso na Universidade de Berna. Lá tornou-se colaborador da revista Le Carmel e permaneceu até 1920, atravessando todo o período da I Guerra Mundial. A neutralidade da Suíça no conflito atraiu muitos artistas e escritores, com os quais o rapaz manteve convivência. Lá publicou seus primeiros livros de poesia: Par le sentir (1917) e Le depart sous la pluie (1919).

 

De volta ao Brasil, em 1920, juntou-se ao meio intelectual e artístico de São Paulo, que pouco depois realizaria a Semana de Arte Moderna. Como ainda dominava mal o português, sua participação na Semana ficou restrita a apresentação de um poema lido por um amigo. Participou mais da organização do evento e, dotado de espírito de liderança, fez a ligação entre o modernismo europeu e o que se projetava em São Paulo, firmando sólida amizade com seus protagonistas: Mario e Oswald de Andrade, Rubens Borba de Moraes (também recém-chegado da Suíça), Anita Malfatti, Di Cavalcanti...

 

Em 1923 retornou à Europa, levando o amigo Di Cavalcanti a tiracolo, que tempos depois declarou numa entrevista: “...em Paris entrei em contato com BraquePicasso e toda a vanguarda francesa, sempre levado e guiado pela mão de Sérgio Milliet”. Sua poesia era naturalmente avançada e, conforme o crítico Leodegário A. de Azevedo Fº, observa-se uma "falta quase total de pontuação, superposição de ideias e imagens em lugar da sequência lógica, técnica analógica, simultaneidade, versos elíticos, independentes, dando ideia de descontinuidade". Em Paris, continuou intermediando os modernistas brasileiros e europeus através de colaborações nas revistas Klaxon, Terra Roxa, Ariel e Revista do Brasil e traduzindo poemas dos brasileiros para a revista Lumière.

 

Retornou à São Paulo, em 1925, e criou a revista Cultura junto com Oswald de Andrade e Afonso Schmidt. Pouco depois foi gerente do Diário Nacional, jornal do Partido Democrático, onde manteve a coluna de crítica artística “Terminus Seco”, que resultou em livro com o mesmo título, publicado em 1932.  Pouco depois, junto com os amigos da Semana de 22, participou da criação do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, onde foi nomeado chefe da Divisão de Documentação Histórica e Social. Em seguida foi professor da Escola de Sociologia e Política, onde atuou também com secretário e ajudou o antropólogo Claude Lévi-Strauss a viabilizar sua expedição etnográfica.

 

Colaborou com artigos e crítica para o jornal O Estado de São Paulo e passou a escrever uma série de livros: Pintores e Pintura, Sal da Heresia, Fora de Forma e A Marginalidade da Pintura Moderna. No contato com os pintores paulistas, começou a pintar. Em 1943 viajou para os EUA e ao retornar publicou A pintura norte-americana. No mesmo ano foi convidado a dirigir a Biblioteca Municipal, imprimindo uma série de atividades culturais e criando o primeiro acervo público de arte moderna brasileira. Em 1944 publicou Pintura quase sempre e iniciou a publicação de seu Diário crítico, uma antologia de 10 volumes, concluída em 1959. Sua atuação destacada como crítico, levou-o a fundar a Associação Brasileira de Críticos de Arte, presidindo-a durante dez anos (1949-1959).

 

Como tradutor, verteu diversas e importantes obras para o português, entre elas Os Ensaios de Michel de MontaigneO segundo sexo, de Simone de Beauvoir e a obra completa de Guy de Maupassant. Foi um dos articuladores na formação do MAM/SP-Museu de Arte Moderna de São Paulo, inaugurado em 1948.  Pontificou nas artes como pintor, curador de exposições, dirigente de museus e diretor da 2ª, 3ª e 4ª Bienal Internacional de São Paulo e ficou consagrado como um dos mais importantes críticos de arte no Brasil.

 

Faleceu em 9/11/1966 e no ano seguinte o MAM/SP organizou uma exposição retrospectiva de suas pinturas. Em 1998, no centenário de seu nascimento, foram promovidos eventos lembrando sua contribuição ao Modernismo Brasileiro no MIS/SP- Museu da Imagem e do Som; na USP-Universidade de São Paulo e na Biblioteca Municipal de São Paulo Mario de Andrade. Foi homenageado com seu nome em algumas escolas e biblioteca de São Paulo, mas tem sido injustamente esquecido entre os protagonistas do Movimento Modernista. Um livro realiza o resgate de suas contribuições: Sérgio Milliet: crítico de arte, de   Lisbeth Rebollo Gonçalves, publicado pela editora Perspectiva, em 1992, ampliado e relançado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 2004 com o título Sergio Milliet Cem Anos.

 

 

ESPECIAL CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA : SÉRGIO MILLIET - YouTube

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 12 de outubro de 2022

AS BRASILEIRAS: MALVINA TAVARES (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Malvina Tavares

José Domingos Brito

 


 

Julia Malvina Hailliot Tavares nasceu em 24/11/1866, em Encruzilhada do Sul, RS. Professora, escritora, poeta e ativista política. Foi pioneira na implantação de uma  metodologia de ensino libertário nos moldes da Escola Moderna, do pedagogo espanhol Francisc Ferrer y Guardia.

 

Filha de Henriette Souleaux Hailliot e François de Lalemode Hailliot, imigrantes franceses que aportaram aqui em meados do século XIX. Dados em seu diário fazem  referência ao fato de sua mãe ter nascido num castelo em Bordeaux, dando a entender uma possível origem aristocrática. Em fins da década de 1880 foi estudar na Escola Normal de Porto Alegre, onde passou a lecionar como professora da rede escolar do Estado.   

 

Casou-se em 1890 com o comerciante português José Joaquim Tavares e manteve-se ativa no movimento político como defensora do federalismo, que não admitia a inteferência dos republicanos em algumas áreas da província. O embate resultou numa guerra civil, a Revolução Federalista ocorrida no período 1983-1895, tendo Julio de Castilhos (republicano) um de seus lideres, à quem Malvina combatia. Conta a história que ele próprio providenciou sua transferência para a vila de Encruzilhada do Sul, como represália ao seu posicionamento político, em 1898.

 

Pouco depois mudou-se para Cruzeiro do Sul, onde lecionou até o fim de sua vida. Em seu método de ensino foram abolidos os castigos corporais aos alunos e o ensino religioso, adotando uma didática revolucionária para a época. Pesquisadores de sua história acreditam que, devido às críticas que mantinha ao governo e ao seu pensamento libertário, tudo leva a crer que ocorreu um silenciamento intencional de sua memória. Desse modo, invisibilizada pela história local, acabou sendo esquecida.

 

O que restou de sua memória são estudos acadêmicos e pesquisas sobre sua trajetória. Alguns a definem como anarquista; outros negam. Faleceu em 16/10/1939 e deixou um considerável legado no movimento operário e vários de seus alunos se tornaram destacados líderes anarquistas e sindicalistas, tais como Armando MartinsArtur Fabião CarneiroCecílio Villar, Dulcina  Martins, Nino Martins e Virgínia Martins.

 

Em sua família persistiram os ideais revolucionários por gerações. Um de seus netos, o jornalista Flávio Tavares participou da luta armada contra a ditadura em fins da década de 1960. Foi um dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado pelos grupos de resistência em setembro de 1969. Temos notícia que sua conterrânea, a escritora Laura Peixoto, está escrevendo um romance biográfico sobre Malvina.

 

Biografia ainda não temos, mas dispomos de esboços biográficos: Mulheres em cena: as trajetórias de Ana Aurora e Malvina Tavares no limiar do século XX, de Carlos Gilberto Pereira Dias, publicado pela Editora Primas, 2016 e Escrituras marginais: fragmentos de memórias da professora  Malvina Tavares (1891–1930), um artigo publicado pelas pesquisadoras Doris Bittencourt Almeida e Luciane Sagrbi Santos Graziottin, publicado na Revista Brasileira de História da Educação, vol 15, nº 1: 109-142, jan./abr. 2015, disponível no link:

https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38912/pdf_51

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 05 de outubro de 2022

OS BRASILEIROS: ZÉ ARIGÓ (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Zé Arigó

José Domingos Brito

 

 

José Pedro de Freitas nasceu em Congonhas do Campo, MG, em 18/10/1921. Célebre médium e dirigente do Centro Espírita Jesus Nazareno, ganhou fama internacional devido a milhares de cirurgias realizadas por intermédio de um espírito alemão, denominado Dr. Fritz. Foi contemporâneo e amigo de Chico Xavier, Divaldo Franco e Herculano Pires, destacados espíritas da época.

 

Filho de Maria André de Freitas e Antônio de Freitas Sobrinho, família humilde de sitiantes. Estudou até o 3º ano do curso primário e recebeu o apelido “Arigó”, que significa roceiro, matuto, analfabeto. Aos 15 anos ingressou numa empresa de mineração, onde trabalhou por 6 anos, e prestou concurso para trabalhar como funcionário público no IAPTC, atual INSS, onde permaneceu até o fim da vida. A partir de 1950 passou a sentir fortes dores de cabeça, ter visões de uma brilhante luz e ouvir uma voz gutural em outro idioma. Acreditou encontrar-se à beira da loucura e procurou tratamento por 3 anos sem melhora ou diagnóstico.

 

Em seguida teve um sonho nítido, junto com a voz que o atormentava, vendo uma pessoa robusta e calva, com avental branco supervisionando alguns médicos e enfermeiros numa sala cirúrgica em torno de um paciente. O sonho se repetiu mais algumas vezes e o personagem apresentou-se como o médico alemão Adolph Fritz, falecido durante a I Guerra Mundial sem completar sua obra. Mesmo ignorando o idioma, Arigó compreendeu a mensagem que lhe foi dirigida. Ele fora escolhido como médium para completar a obra do médico. Nessa tarefa ele seria ajudado por outros médicos e enfermeiros.  

 

Acordou do sonho assustado e saiu correndo pela rua aos gritos e, de volta à sua casa, chorou copiosamente. Novos exames clínicos e psicológicos foram realizados sem sucesso, contando até com sessões de exorcismo feitas por um padre. Desesperado e sofrendo as interferências do Dr. Fritz, decidiu experimentar as orientações. Pediu a um amigo aleijado para largar as muletas e caminhar. Deu-se o “milagre” e o amigo passou a andar. A partir daí, começou a sentir uma força estranha em suas mãos e um impulso dirigido a procedimentos cirúrgicos no atendimento aos enfermos.  

 

Em 1950 conheceu Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, candidato a deputado federal e futuro senador, diagnosticado com um câncer no pulmão e recomendação para uma cirurgia imediata. Devido a campanha eleitoral, o político adiou a cirurgia e convidou Arigó (ex-líder sindical) para realizar comícios em Belo Horizonte. Os dois hospedaram-se no mesmo hotel e na madrugada, segundo relato do próprio político, ele viu a porta de seu quarto se abrir e sentiu a presença de um vulto, que parecia ser Arigó, com uma navalha na mão. Tentou levantar-se, mas sentiu-se dominado por uma prostração que o fez cair adormecido sobre a cama. Na manhã seguinte, acordou com o pijama sujo de sangue e cortado nas costas. O tumor fora removido e o político foi curado.

 

A fama logo se espalhou e ele abriu uma clínica em Congonhas, atendendo gratuitamente até 200 pessoas por dia. Vinha gente de todos os Estados, EUA, Europa, incluindo Argentina e Chile, que mantinham linha de ônibus regular e direta. O atendimento a numerosos enfermos incomodou os médicos e a Associação Médica de Minas Gerais instaurou um processo acusando-o de curandeirismo. Em 1958 foi condenado a 15 meses de prisão, mas foi indultado pelo presidente Juscelino Kubistschek, cuja filha também foi curada pelo médium. Em novo processo (1964) foi preso de novo e recusou o indulto alegando que “indulto é para criminoso”.  Detido por 7 meses, passou a atender alguns enfermos dentro da prisão. Ao ser libertado teve a fama alavancada.

 

Pouco depois o fenômeno despertou interesse científico internacional. Henri Belk, pesquisador de fenômenos paranormais e Andrija Puharich, especialista em bioengenharia, acompanhados por Jorge Rizzini, conhecido pesquisador espírita, iniciaram uma pesquisa com Arigó. Na ocasião, o Dr. Puahrich teve extraído um lipoma de seu cotovelo num procedimento indolor, em apenas 5 segundos, com um canivete. A cirurgia foi filmada e causou espanto na comunidade científica. Em 1968, mais 2 médicos (Laurence John e P. Aile Breveterd) da William Benk Psychic Foundation vieram investigar o fenômeno. Não alcançaram  uma explicação conclusiva, mas comprovaram que a prática do médium não comportava ilusionismo ou feitiçaria, declarando que 95% dos diagnósticos do médium eram corretos e que suas cirurgias só eram possíveis devido à sua sensibilidade, explicável apenas à luz da parapsicologia

 

Arigó faleceu em 11/1/1971 num acidente de carro e teve sua vida esmiuçada pela imprensa, em diversos artigos acadêmicos e biografias:  COMENALE, Reinaldo. Zé Arigó, a oitava maravilha. B.Horizonte (1968), Ed. Boa Imagem, com prefácio de Chico Xavier; FULLER, John Grant. Arigo: surgeon of the rusty knife. New York (1974), Ed. Thomas Y. Crowell; OLIVEIRA, Leida Lúcia de. Cirurgias espirituais de José Arigó. B. Horizonte (2014), AME Editora. A história do espírito Arigó  ficou a cargo de seu amigo e pesquisador José Herculano Pires, com o livro que se tornou clássico na literatura sobre o espiritismo: Arigó: vida, mediunidade e martírio, reeditado diversas vezes e pode ser consultado gratuitamente na Internet.

 

O fenômemo Arigó durou de 1950 a 1970 e passou mais de 50 anos esquecido do grande público. Agora há pouco, em meados de 2019, o cinema veio resgatar sua história com o filme Predestinado: Arigó e o espírito do Dr, Fritz, previsto para exibição em 2021, ano do centenário do médium. Porém, a pandemia interrompeu o projeto, que foi adiado para setembro de 2022. Trata-se de um belo filme dirigido por Gustavo Fernandez numa coprodução da Paramount Pictures e Camisa Listrada, contando com grande elenco.

 

Tributo a Zé Arigó - YouTube

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de setembro de 2022

AS BRASILEIRAS: LUÍSA MAHIN (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Luísa Mahin

José Domingos Brito

 

 

Luísa Mahin nasceu em fins do século XVIII na Costa da Mina, África, ou  Salvador, BA. Sua existência histórica é controversa, porém existem documentos comprovando que foi uma ex-escrava alforriada em 1812 e que teve participação ativa na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837). A história conta que sua banca de quitutes era um ponto de informações sigilosas dos revoltosos e sua casa foi transformada em quartel general destas revoltas.  

O único registro existente sobre sua vida é uma carta de 1880, escrita por Luís Gama e enviada ao jornalista Lúcio de Mendonça, onde o abolicionista afirma que Luísa Mahin foi sua mãe. No entanto, alguns historiadores não descartam a hipótese que ela tenha sido uma espécie de alter ego dele, também ex-escravo tornado escritor e poeta. O fato é que ela se tornou um mito na história da escravidão brasileira, estudado em diversas épocas e que adquiriu uma existência real ao ser inscrita no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria” através da Lei nº 13.816, de 24/4/2019. 

 

Já na década de 1930, Pedro Calmon publicou o romance histórico Malês: a insurreição das senzalas, onde surge pela primeira vez seu nome como líder da Rebelião dos Malês, uma revolta dos negros muçulmanos, ocorrida em 1835 em Salvador. No entanto, o pesquisador João José Reis ao publicar o livro Rebelião escrava no Brasil (1986) afirmou que embora tenha estudado exaustivamente os documentos sobre a rebelião Malê, não localizou uma única referência sobre Luísa Mahin, o que o leva a crer que se trate de "um misto de realidade possível, ficção abusiva e mito libertário".

 

Em 2006, a escritora Ana Maria Gonçalves publicou o romance histórico Um defeito de cor com mais de 900 páginas percorrendo sua trajetória de vida dos 5 anos até sua morte. Pouco depois surgiram estudos tentando desvendar o mito. Em 2010 Aline Najara da Silva Gonçalves publicou o estudo Luísa Mahin entre ficção e história e no ano seguinte, Dulcilei C. Lima lançou o estudo Desvendando Luísa Mahin: um mito libertário no cerne do feminismo negro. Trata-se de uma busca da compreensão sobre a enigmática figura de Luísa Mahin.

 

Há relatos que em 1837, após a Revolta Sabinada, ela conseguiu evadir-se para o Rio de Janeiro, onde foi detida e presa. Mas não existe nenhum documento que comprove esta informação. Alguns autores acreditam que ela tenha conseguido fugir para o Maranhão, onde desenvolveu  o tambor de crioula. Há também relatos que ela, junto com outros negros amotinados, tenha sido presos e deportados para Angola. Mas são relatos sem provas documentais.

 

Luís Gama conclui em sua carta afirmando que ela “Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do doutor Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856, em 1861, na corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas, que a conheciam e que me deram sinais certos que ela, acompanhada com malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses ‘amotinados’ fossem mandados para fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores”. E encerra dizendo que “Nada mais pude alcançar a respeito dela”.

 

Em 2018 a Escola de Samba Alegria da Zona Sul desfilou com o enredo Bravos Malês! A Saga de Luísa Mahim. No ano seguinte apareceu de novo no Carnaval carioca, citada como heroína entre outras figuras históricas negras, no enredo História para ninar gente grande, com o qual a Escola de Samba Mangueira ganhou o primeiro lugar. A manchete do jornal O Globo anunciava: “Enredo da  Mangueira contará o lado B da história do Brasil na Sapucaí”.

 

Exibir, se possível, vídeo:  

Os Malês e a resistência negra na Bahia, por Lili Schwarcz

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 21 de setembro de 2022

OS BRASILEIROS: MANUEL BANDEIRA (ARTIGO DE JOSE DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILERIOS: Manuel Bandeira

José Domingos Brito

 

 

 

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em 19/4/1886, no Recife, PE. Crítico literário e de arte, professor, cronista, ensaísta, tradutor e essencialmente poeta. Foi chamado por Mario de Andrade  “São João Batista do Modernismo brasileiro”, por ter antecipado certos postulados do novo movimento artístico. Seu poema -Os Sapos- foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna, em 1922.

 

Filho de Francelina Ribeiro e Manuel Carneiro de Souza Bandeira, tradicional família do Recife, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança e estudou no Colégio Pedro II. Em 1903 mudou-se para São Paulo, onde ingressou na Escola Politécnica para estudar arquitetura, mas logo interrompeu o curso devido a uma tuberculose. Voltou ao Rio de Janeiro na busca de tratamento e morou em algumas cidades serranas: Petrópolis, Teresópolis e Campanha. Não encontrando melhora, partiu para a Suíça, em 1913, e ficou internado mais de um ano no Sanatório Clavadel.

 

Lá conviveu com o poeta Paul Éluard, através do qual teve contato com a vanguarda francesa. Levado pela perspectiva da morte, passou a fazer poesia “para de certo modo iludir o sentimento de vazia inutilidade”, como dizia. Com a eclosão da I Guerra Mundial, voltou para o Brasil em 1914. Publicou seu primeiro livro -A cinza das horas- em 1917, ainda parnasiano e simbolista. Em 1919 publicou Carnaval já se utilizando do verso livre e incursionando na linha modernista. O primeiro verso esbanjava: “Quero beber, cantar asneiras”. Um crítico do Diário de Pernambuco escreveu: “O sr. Bandeira conseguiu plenamente o que queria” e arrancou gargalhadas do poeta.

 

Em 1921, numa reunião na casa de Ronald de Carvalho, conheceu Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Sergio Buarque de Holanda, protagonistas da Semana de Arte Moderna de 1922. Não participou diretamente do evento, mas colaborou nas revistas Klaxon, Revista de AntropofagiaLanterna VerdeTerra Roxa e A Revista. Em 1924 publicou Ritmo absoluto, reiterando a transição para uma nova poesia, cuja feição definitiva foi alcançada em 1930, com a publicação de Libertinagem.  Em 1935 foi nomeado inspetor federal do ensino secundário pelo ministro Gustavo Capanema. No ano seguinte foi publicada a Homenagem a Manuel Bandeira, coletânea de estudos sobre sua obra, assinada pelos grandes críticos da época. Em 1937, recebeu o prêmio da Sociedade Filipe de Oliveira pelo conjunto da obra. A consagração pública viria 3 anos depois ao entrar na ABL-Academia de Letras, em 1940.

 

A literatura não o afastou do magistério. Nos anos 1938-1942 lecionou literatura no Colégio Pedro II e, mais tarde, na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ) lecionando Literatura Hispano-Americana até se aposentar em 1956. A produção literária foi se ampliando na poesia: Poesias completas (1948), Mafuá do malungo (1948), Estrela da tarde (1958) etc. e na prosa: Crônicas da província do Brasil (1936), A autoria das cartas chilenas (1940), Noções de histórias das literaturas (1944), Literatura hispano-americana (1949), Itinerário de Pasárgada (1954). Flauta de papel (1956) etc. Em 1958 sua obra completa foi incluída nas “edições da plêiade”, publicada pela Editora Aguilar. Ao completar 80 anos a Editora José Olympio lançou sua obra poética reunida: Estrela da vida inteira.

 

Sua obra reflete o quotidiano, porém marcada de um apuro técnico e musicalidade. Não obstante estar vinculado ao modernismo, nunca deixou de utilizar as formas tradicionais, como sonetos, redondilhas e baladas. Segundo os críticos, seu estilo é simples e direto, conforme se vê no poema Autoretrato:

Provinciano que nunca soube

Escolher bem uma gravata;

Pernambucano a quem repugna

a faca do pernambucano;

Poeta ruim que na arte da prosa

envelheceu na infância da arte,

E até mesmo escrevendo crônicas

Ficou cronista de província;

Arquiteto falhado, músico

Falhado (engoliu um dia

Um piano, mas o teclado

ficou de fora); sem família,

Religião ou filosofia;

Mal tendo a inquietação de espírito

Que vem do sobrenatural,

E em matéria de profissão

Um tísico profissional.

Seu círculo amizades era extenso e mantinha um bom relacionamento com seus colegas João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, que o consideravam o grande poeta brasileiro. No entanto viveu solitariamente e mesmo sendo um apaixonado pelas mulheres, nunca se casou. Dizia que “perdera a vez”. Vivia num pequeno apartamento na Lapa e faleceu em 13/10/1968 vitimado por uma parada cardíaca e não de tuberculose que o acompanhara durante grande parte da vida.

 A bibliografia sobre o poeta e sua obra é extensa, com destaque para o livro de Ivan Junqueira -Testamento de Pasárgada-, publicado em 1981 e reeditado em 2003, contendo uma crítica literária acrescido de uma bela antologia. Merecem destaque também as obras de David Arrigucci Jr.: Humildade, paixão e morte - a poesia de Manuel Bandeira (2003); Stefan Baciu: Manuel Bandeira de corpo inteiro (1966) e Yudith Rosebaum: Manuel Bandeira – uma poesia da ausência (1993). Duas entrevistas dão conta da simplicidade, do bom humor e da seriedade do poeta. A primeira, em meados da década de 1940, conduzida por Homero Sena, e a segunda em março de 1964, realizada por Pedro Bloch podem ser vistas no link Manuel Bandeira (tirodeletra.com.br).

 

 

O Habitante de Pasárgada - Manuel Bandeira - YouTube

 


Vídeo "O Habitante de Pasárgada", sobre o poeta Manuel Bandeira. O documentário faz parte do DVD "Encontro Marcado com o cinema de Fernando ...


José Domingos Brito - Memorial quarta, 14 de setembro de 2022

AS BRASILEIRAS : CORA CORALINA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Cora Coralina

José Domingos Brito

 


 

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas nasceu na Cidade de Goiás (ou Goiás Velho), GO, antiga capital do estado, em 20/8/1889. Poeta, contista e doceira, com seu estilo simples e alheio a escolas literárias, é considerada uma das maiores poetas brasileiras. Publicou seu primeiro livro aos 75 anos, mesmo escrevendo desde a adolescência.  

 

Filha de Jacyntha Luiza do Couto Brandão e Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador nomeado por D. Pedro II. Concluiu apenas o curso primário e passou a escrever os primeiros textos aos 14 anos, publicando-os mais tarde em jornais da cidade e outros locais. Seus primeiros textos foram publicados no jornal Tribuna Espírita, do Rio de Janeiro, em 1905. Publicou seu primeiro poema –“A tua volta”- no semanário Folha do Sul, da cidade de Bela Vista, em 1906, e no semanário A Rosa, em 1907, fundado por ela junto com as amigas Leodegária de Jesus, Rosa Godinho e Alice Santana.

 

Por essa época, frequentou o “Clube Literário Goiano” e escreveu o poema evocativo “Velho Sobrado”. O primeiro conto -Tragédia na roça”’- foi publicado em 1910, no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás. Neste ano seu padrasto faleceu; a família passou por uns perrengues e ela adotou o pseudônimo “Cora Coralina”. Aos 22 anos conheceu o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo e fugiu com ele para Jaboticabal, SP, onde nasceram seus 6 filhos. Em 1922 ficou sabendo da Semana de Arte Moderna na capital e manifestou interesse em participar do evento, mas foi dissuadida pelo marido.

 

Dois anos depois, mudou-se para a capital em plena “Revolta Paulista”, comandada pelos tenentes contra o presidente Arthur Bernardes. Em 1926, casou-se de papel passado. Com o falecimento do marido, em 1934, vendeu a pensão que mantinham e passou trabalhar para o editor José Olympio na venda de livros. Pouco depois Mudou-se para Andradina; montou loja de retalhos de tecidos; comprou um sítio; candidatou-se a vereadora, mas não se elegeu. Retornou à Goiás em 1956, aos 67 anos, e voltou a viver em sua velha “Casa da Ponte”, no centro da cidade. Escreveu o panfleto “Cântico da volta”; retomou a escrita de poemas e passou por uma transformação que ela mesma definiu como a “perda do medo”.

 

Seu primeiro livro publicado -Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), aos 75 anos, pela Editora José Olympio, foi bem recebido pelo público e crítica. Porém foi com a 2ª edição, em 1978 pela Editora da UFGO, que passou a ser admirada em todo o País. A edição primorosa foi saudada por Carlos Drummond de Andrade numa crônica publicada no Jornal do Brasil, em 27/12/1980, após ler seu poema “Vintém de cobre”: "Minha querida amiga Cora Coralina: Seu Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia”.

 

A 3ª edição saiu em 1980 pela Editora da UFGO, incluída na “Coleção Documentos Goianos”. Pouco depois publicou Vintém de cobre: meias confissões de Aninha (1983) pela Editora Global. Por essa época, aos 95 anos, a saúde deu sinais de alerta e veio a falecer, lúcida, em 10/4/1985. A casa onde viveu, no centro da cidade, foi transformada em “Museu Casa de Cora Coralina”, em 20/8/1989, na comemoração do centenário de seu nascimento. 20 anos depois, O Museu da Língua Portuguesa prestou-lhe homenagem com a exposição “Cora Coralina – Coração do Brasil”, em 2000. Em Goiás, a Secretaria de Turismo inaugurou o “Caminho de Cora” (caminho dos antigos bandeirantes), um trecho de 300 km. ligando Vila Boa a Corumbá de Goiás.  

 

Em 2019, na comemoração do seu 130º ano de nascimento, o Governo de Goiás decretou o “Ano Cora Coralina”. Deixou mais de 15 livros publicados e bastante material inédito em seus cadernos escolares para alguns livros póstumos. Conta com dezenas de obras biográficas, críticas literárias, teses e dissertações publicadas: Cora coragem; Cora poesia, de Vicência Bretas Tahan (Ed. Global, 1989), Cora Coralina: celebração da volta, de Darcy França Denófrio e Goiandira Ortiz de Camargo (Cânone Editorial, 2006) e Cora Coralina: raízes de Aninha, de Clóvis Carvalho Britto (Ed. Ideias & Letras, 2011) entre outros.

 

Foi contemplada com diversos prêmios e títulos: Doutora Honoris Causa pela UFGO (1983); Intelectual do Ano, com o Prêmio Juca Pato, da UBE-União Brasileira dos Escritores (1983); condecoração póstuma com a Ordem do Mérito Cultural do Governo de Goiás (2006). Em seu túmulo no cemitério São Miguel, na Cidade de Goiás, está registrado:

“Não morre aquele
Que deixou na terra
A melodia de seu cântico
Na música de seus versos”

Cora Coralina -Todas as vidas dentro de mim

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 07 de setembro de 2022

OS BRASILEIROS: CASTRO MAYA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Castro Maya

José Domingos Brito

 

 

Raymundo Ottoni de Castro Maya nasceu em Paris, em 1894.  Advogado, industrial, ecologista, colecionador de obras de arte, fundador do MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e destacado mecenas. Seu trabalho de remodelação da Floresta da Tijuca, na década de 1940, possibilitou a criação do Parque Nacional da Tijuca, em 1961. Foi um dos milionários mais conhecidos do Rio de Janeiro na década de 1920.

 

Filho de Teodósia Ottoni de Castro Maya e do diplomata Raymundo de Castro Maya, tradicional família carioca. Seu pai foi convidado por D. Pedro II para ser preceptor de seus netos. Passou toda infância em Paris e, aos 5 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, anos, onde ingressou no colégio jesuíta Santo Inácio. Em seguida formou-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão. Destacou-se na área industrial com a fábrica de óleos vegetais e no comércio atacadista de tecidos. Porém, ficou conhecido sobretudo como grande colecionador de obras de arte com um acervo de 22 mil peças.

 

Tal acervo encontra-se aberto à visitação pública nos Museus Castro Maya (Museu da Chácara do Céu e Museu do Açude), locais onde residiu nos bairros de Santa Tereza e Alto da Boa Vista, respectivamente, integrados ao IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O Museu da Chácara do Céu oferece uma das melhores vistas panorâmicas do Rio de Janeiro. Fica no alto do morro de Santa Teresa, num terreno de 25 mil m² com paisagismo assinado por Roberto Burle Marx. A área conta com um bambuzal, que funciona como uma espécie de isolante acústico, garantindo um silêncio absoluto. O Museu do Açude é outro belo recanto incrustado no alto da Boa Vista numa área de 151 mil m². Definidos pelo trinômio Museu-Natureza-Cidade, o visitante fica em dúvida sobre qual aspecto deve ser melhor apreciado: a natureza ou o conjunto de peças artísticas ali instalado.

 

A única função pública que exerceu em vida se deu a convite do então prefeito do Rio de Janeiro Henrique Dodsworth. Devido ao seu interesse em manter a beleza natural da cidade, recebeu a missão de coordenar os trabalhos de remodelação da Floresta da Tijuca, uma área de quase 40 km². Tal trabalho foi realizado em 4 anos com a condição de que não fosse remunerado. Recebia o salário mensal de um cruzeiro e os cariocas deram-lhe o apelido de “One dólar man”

 

Sua contribuição, além da doação de seu acervo ao patrimônio público, foi significativa no campo cultural. Criou a Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, em 1943, com a edição de livros raros, e a Sociedade dos Amigos da Gravura, em 1952. Foi também um dos principais incentivadores da criação do MAM e seu primeiro presidente, em 1948. Nas comemorações do IV Centenário do Rio de Janeiro, coordenou a comissão organizadora dos festejos. Como executivo, foi membro da Câmara do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Conselho Federal de Cultura, para o qual foi nomeado em 1967.

 

A riqueza artística de seus museus já contou com obras de Picasso, Matisse, Salvador Dali e Monet, que infelizmente foram roubadas em 2006. Mas conta ainda com alguns quadros de Portinari e a maior coleção de obras de Jean-Baptiste Debret, constituída de 451 aquarelas, 58 desenhos e 29 gravuras, retratando a vida no Brasil colonial. Entre os artistas brasileiros, encontram-se obras de Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Iberê Camargo, Antônio Bandeira, José Pancetti, Manabu Mabe, Poty, Aldemir Martins... Entre os estrangeiros, temos Joan Miró, Modigliani, Edgar Degas e George Seurat entre outros. Faleceu em 1968 e o poeta Drummond chamou-o de “O carioca da perfeição”.

 

Deixou publicado um único livro, espécie de relatório poético sobre o trabalho realizado na Tijuca -A floresta da Tijuca-, pu- blicado em 1967 pela Bloch Editores, considerado hoje um livro raro. Não encontramos biografia do refinado colecionador e mecenas, exceto um ensaio realizado por Vera de Alencar, publicado em 2002 pela Editora Nova Fronteira: Castro Maya: Bibliófilo. Para compensar esta lacuna, temos uma bela cinebiografia, um documentário de Silvio Tendler, realizado em 2016: Castro Maya: carioca da perfeição, apresentado no link

https://www.youtube.com/watch?v=segGCSFL5IQ

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 31 de agosto de 2022

AS BRASILEIRAS : ANA AURORA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

AS BRASILEIRAS: Ana Aurora

José Domingos Brito

 

Em 22 de março de 1952, falece Ana Aurora do Amaral Lisboa | NPC

 

Ana Aurora do Amaral Lisboa nasceu em 24/9/1860 em Rio Pardo, RS. Professora, escritora, poeta, dramaturga, jornalista, e ativista política. Foi precursora do ensino supletivo para adultos e pioneira do movimento feminista com destacada atuação política em fins do século XIX e princípios do século XX. Junto com a irmã Zamira, fundou o Colégio Amaral Lisboa.  

 

14ª filha de Maria Carlota do Amaral e Joaquim Pedro da Silva Lisboa, comandante da Guarda Nacional de Rio Pardo. Diplomou-se na Escola Normal de Porto Alegre, em 1881, com distinção em todas as matérias e foi contratada como professora do Estado. Sua família tinha posicionamento contrário ao Partido Republicano. Eram federalistas e o fato causou-lhe perseguições políticas, que a obrigou a exonerar-se do cargo público e entrar no Partido Federalista, vindo a participar da Guerra Federalista no Rio Grande do Sul em 1893.

 

Na época sua irmã publicou na imprensa um poema elogiando o federalista Gumercindo Saraiva. Um republicano, major do Exército -Antero de Fontoura-, não gostou do elogio feito ao seu opositor e achando que foi ela e não a irmã a autora do poema, escreveu-lhe uma carta recriminando a atitude nos seguintes termos: “Essa não é a missão da mulher, deixar o lar doméstico para vir intrometer-se na política. Com tanto cultivo da inteligência, não pensais que a mulher, principalmente a solteira e sem pai, deve arrojar-se a vir provocar homem...” Ela se aborreceu com o insulto e decidiu resolver a parada nos moldes gaúchos da época.

 

Adquiriu uma arma, procurou o major e exigiu retratamento apontando-lhe a arma. Deve ter se desculpado, pois o desfecho não resultou em tiro, mas lhe rendeu um processo-crime. Foi julgada e absolvida por estar no pleno direito de “defesa da honra”. Este pode ser mais um pioneirismo alcançado por Ana Aurora, por se beneficiar de um direito até então só utilizado pelos homens. O episódio ficou marcado em sua biografia e alavancou sua carreira como colunista política e “membra honorária” dos federalistas. Pouco depois, junto com as irmãs Zamira e Carlota, fundou o Colégio Amaral Lisboa, dirigindo-o até 1924. Junto ao trabalho educacional, foi articulista em diversos órgãos da imprensa, onde expunha seus ideais políticos e educacionais. Através destes artigos, alguns deles utilizando-se de pseudônimos, ganhou notoriedade na política local.  

 

Colaborou no jornal A Reforma, do Partido Federalista; no O Canabarro, de Santana do Livramento; Gaspar Martins, de Santa Maria; Correio do Povo,  de Porto Alegre e jornais do Rio de Janeiro. Foi também escritora, poeta e dramaturga, tendo o primeiro livro -Minha defesa- publicado em 1895. Em Caxias do Sul, fundou e dirigiu o periódico O Estímulo, mantido de 1916 a 1918, ao mesmo tempo em que se dedicava a Literatura. Seu segundo livro -Traços meus-, uma coletânea de contos, foi publicado em 1924, pela Livraria do Globo.

 

Manteve intensa vida social com participação destacada na Sociedade Feminina Sempre-Viva e Grêmio Rio-pardense de Letras. Em 1915 criou curso de ensino noturno gratuito para adultos, bem antes do ensino supletivo ser instituído em 1931.  Casou-se em 1922 com o Dr. Hermenegildo de Barros Lins e mudaram-se para o Ceará. Após breve estadia no Rio de Janeiro, voltou a morar em Rio Pardo, onde passou a cuidar do Colégio fundado pela família.

 

Junto com a irmã Zamira, dedicou-se durante 55 anos ao ensino, acolhendo alguns alunos gratuitamente. Em meados da década de 1930, o colégio passou por uns perrengues financeiros, devido em parte ao episódio ocorrido com o major, e as irmãs tiveram que viver numa condição precária em idade avançada. Em 1937 o governo do Estado, em reconhecimento aos serviços prestados na educação, lhes concedeu uma modesta pensão vitalícia, permitindo-lhes a sobrevivência. Seus ex-alunos também reconheceram suas contribuições ao ensino e ergueram uma herma na Praça Barão de Santo Ângelo, no centro da cidade, em 1944, expondo o busto das irmãs. Na inauguração do pedestal sua expressão, aos 84 anos, exprimia uma comoção e agradecimento à homenagem prestada.

 

Faleceu em 22/4/1951 e deixou alguns livros publicados, além dos já citados:  Preitos à LiberdadeA culpa dos pais. Em termos biográficos, encontramos apenas breves verbetes na Wikipedia, que serviram para costurar esta síntese, e o livro Mulheres em cena: as trajetórias de Ana Aurora e Malvina Tavares no limiar do século XX, de Carlos Dias, publicado pela Editora Primas, em 2016. Malvina Tavares foi uma destacada ativista política, contemporânea de Ana Aurora, que se encontra no radar deste Memorial.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 24 de agosto de 2022

OS BRASILEIRO: FRANCISCO JULIÃO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

OS BRASILEIROS: Francisco Julião

José Domingos Brito

 

 

 

Francisco Julião Arruda de Paula nasceu em Bom Jardim, PE, em 16/2/1915. Advogado, escritor e político. Ficou conhecido como líder do movimento “Ligas Camponesas”, no início da década de 1960. Parlamentar e advogado do movimento, batalhou pela reforma agrária e foi protagonista de importantes conquistas sociais para o campesinato brasileiro.

 

Filho de Maria Lídia Arruda de Paula e Adauto Barbosa de Paulo, aos 13 anos, foi estudar no Recife e concluiu o curso secundário no Instituto Carneiro Leão, em 1933. Em seguida entrou na Faculdade de Direito, diplomando-se em fins de 1939. Na Faculdade, um núcleo de oposição ao governo, envolveu-se na política social junto aos camponeses. Após montar seu escritório de advocacia, verificou a enorme distância que separava “a lei codificada e a que realmente se aplicava no campo” e costumava dizer que a “grande revolução em curso se limitava a tirar o camponês da porta do delegado para a porta do juiz”. Como advogado dos camponeses, escreveu alguns  documentos, como a “Carta aos foreiros de Pernambuco”, em 1946, incentivando a presença dos camponeses nas audiências e julgamentos dos processos.  Em 1951 publicou seu primeiro livro -Cachaça-, um relato sobre a prática dos latifundiários em pagar os trabalhadores com a bebida, o qual foi elogiado por Gilberto Freyre. Ingressou no PSB-Partido Socialista Brasileiro, em 1954, e foi eleito deputado estadual. No ano seguinte assumiu a defesa dos moradores do engenho Galileia, um engenho desativado, cujo proprietário arrendou as terras em pequenos sítios, num sistema de cooperativa, às 140 famílias lá existentes.  

 

O proprietário do engenho decidiu acabar com a cooperativa e expulsar os camponeses. Julião entrou com um processo na justiça afim de garantir a posse pelos moradores, deflagrando uma luta jurídica, com ganho de causa 4 anos depois pelos camponeses. Foi a partir daí que o movimento ganhou o nome de “Ligas Camponesas”. Em 1955 ocorreu o “Congresso pela Salvação do Nordeste”, organizado pela Prefeitura do Recife, sob a gestão de Pelópidas Silveira. Na ocasião deu-se uma concentração de 3 mil camponeses na Assembleia Legislativa, onde Josué de Castro, autor do livro Geografia da fome, fez uma palestra sobre a reforma agrária. O movimento das “Ligas” foi intensificado até 1958, quando Cid Sampaio foi eleito governador. Uma coligação dos partidos de esquerda foi vencedora pela primeira vez desde o fim do Estado Novo. Com a criação de um departamento de terras e colonização, no governo, foram organizadas algumas cooperativas de agricultores visando diminuir o poder das “Ligas”, que passam a despertar o interesse da imprensa e ganham repercussão nacional.

 

No início da década de 1960, o jornal The New York Times publicou artigos sobre a gravidade da situação econômica-social e do movimento político no Nordeste.  Pernambuco foi visitado por jornalistas e políticos dos EUA, que viam a situação como séria ameaça. Segundo analistas, o impacto causado pela recente revolução cubana foi utilizado pelos norte-americanos para criar uma “mitologia em torno das ligas”, que deu ao movimento “uma dimensão que ele não tinha”. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros e a posse de Jango, o programa de reformas de base ganhou impulso. Após o Congresso de Trabalhadores Agrícolas, realizado em 1961, foi decidida a “radical transformação da estrutura agrária do país” e a “aplicação da parte da legislação trabalhista já existente que se estende aos trabalhadores agrícolas”, além da “elaboração de um estatuto que vise uma legislação adequada aos trabalhadores rurais”.

 

A partir de 1962, deu-se o enquadramento institucional patrocinado pelo governo. A CLT-Consolidação das Leis do Trabalho e o direito de organização sindical foram estendidos ao campo. No mesmo ano, Julião foi eleito deputado federal numa coligação do PSB-Partido Socialista Brasileiro com o PST- Partido Social Trabalhista e foi combatido pelo governo de João Goulart e pela Igreja. Nas eleições para governador, aliou-se a candidatura de Miguel Arraes, que teve apoio de todas as forças nacionalistas e de esquerda. A vitória de Arraes ocorreu no momento em que se dava em todo o país a polarização entre as forças que defendiam reformas sociais e as tendências conservadoras. No ano seguinte, deu-se a primeira greve dos trabalhadores rurais de Pernambuco, que paralisou a economia do estado e tiveram suas reivindicações atendidas.

 

As tensões políticas foram intensificadas em todo o País e tivemos o Golpe Militar de 31 de março de 1964. Julião encontrava-se na Câmara dos Deputados, que foi cercada pela tropa militar. Saiu dali escondido num carro e foi para Belo Horizonte disfarçado de migrante nordestino. Em 9 de abril, com a edição do Ato Institucional nº 1, ele estava entre os primeiros atingidos e passou a ser procurado. Em 3 de junho foi encontrado e preso por 20 dias em Brasília. Em seguida foi entregue à tutela do IV Exército, no Recife, onde ficou 40 dias numa cela solitária. Depois foi ficou preso num alojamento do Corpo de Bombeiros junto com o governador Miguel Arraes.

 

Em 27/9/1965, foi libertado através de um habeas-corpus impetrado por seu advogado Sobral Pinto. Deram-lhe 24 horas para deixar o País e recebeu convite de Fidel Castro para viver em Cuba. Preferiu viver com a família em Cuernavaca, México. A partir daí, passou a proferir palestras, ministrar cursos e redigir artigos regulares para os jornais Siempre e El Dia, além de publicar o livro Cambão: a cara oculta do Brasil. Mais tarde participou do Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio, em Lisboa sob a liderança de Leonel Brizola, em 1979.  No mesmo ano, com a anistia, retornou ao Brasil e passou a reorganizar o PTB junto com Brizola. No entanto, perderam a sigla numa disputa com a ex-deputada Ivete Vargas e criaram o PDT-Partido Democrático Trabalhista.

 

Em 1985 participou da campanha eleitoral do candidato a prefeito de São Paulo, Ademar de Barros Filho. Foi criticado por isto, mas alegou que ele representava o capital nacional e que era preciso unir forças com diversas correntes políticas. Em 1986 concorreu a uma vaga de deputado constituinte por Pernambuco, pelo PDT, com apoio do PT-Partido dos Trabalhadores e PSB-Partido Socialista Brasileiro. No arco das coligações partidárias, participou de comícios do PFL-Partido da Frente Liberal ao lado de usineiros e apoiou a candidatura do pefelista Roberto Magalhães ao Senado. Tal aproximação com seus adversários na década de 1960, provocou um estranhamento entre seus eleitores e correligionários, incluindo seus dois filhos Anatólio e Anatilde, dirigentes regionais do PDT, que se desligaram do Partido e ingressaram no PMDB-Partido do Movimento Democrático Brasileiro, em protesto contra a atitude do pai.

 

Pouco depois, derrotado eleitoralmente, declarou ter dado “um golpe de misericórdia no próprio mito”. Em fins de 1986 recebeu convite de uma editora mexicana para escrever o livro Os últimos soldados de Zapata e voltou a viver no México, onde faleceu em 10/7/1999. Além dos livros citados, publicou Irmão Juazeiro (1961), O que são as Ligas Camponesas (1962), Até quarta, Isabela (1965) e Escuta camponês (s.d). No Exílio, traduziu do francês, junto com Miguel Arraes, o livro A mistificação das massas pela propaganda política (1967), de Sergei Tchakhotine. Em termos biográficos, temos um alentado trabalho de 10 anos de pesquisa, realizado por Cláudio Aguiar, que resultou no livro Francisco Julião: uma biografia, publicado pela Ed. José Olympio em 2015.

   

Documentário "Testemunho - Francisco Julião" (2002)

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 17 de agosto de 2022

AS BRASILEIRAS : NIOMAR BITTENCOURT (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGO SBRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Niomar Bittencourt

José Domingos Brito

 

 

 

Niomar Moniz Sodré Bittencourt nasceu em 4/9/1916, em Salvador, BA. Escritora, jornalista, empresária, mecenas e proprietária do Correio da Manhã (1901-1974), um dos jornais mais importantes nas décadas de 1950-60. Pretendeu e conseguiu fazer do MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro a “obra de sua vida”, conforme declarou Lucio Costa.

 

Filha de Maria de Teive Argollo e do deputado Antonio Moniz Sodré de Aragão. Estudou breve período no Colégio Sacré Couer de Jesus, de onde foi expulsa por não se adaptar às rígidas normas da escola. O estopim se deu com o fato de se recusar a tomar banho de camisola. Em seguida foi estudar Colégio Sion do Rio de Janeiro, menos rígido, porém ainda inadequado para o temperamento da moça que o deixou antes de graduar-se.  

 

Desde jovem começou a escrever novelas, contos e crônicas, colaborando mais tarde em jornais e revistas: A Noite, Vamos Ler, Carioca. Aos 15 anos apaixonou-se pelo primo e manteve o namoro em segredo até o dia em que o pai flagrou o casal. Deu-se o maior “barraco”; o velho danou-se e expulsou o rapaz de casa. No outro dia ela fugiu indo morar num hotel. Mandou avisar o pai que só voltaria se fosse para casar com o primo. Teve que esperar até completar 16 anos, a idade permitida, e casou-se em 1932 com o primo Hélio Moniz Sodré Pereira. Viveu com ele até princípios da década de 1940 e separou-se. Pouco depois casou-se com o jornalista Paulo Bittencourt, dono do Correio da Manhã.

 

Passou a se interessar por artes plásticas e tornou-se uma grande colecionadora de obras de arte. Era amiga do empresário Raymundo Ottoni de Castro Maia e da escultora Maria Martins, junto aos quais engajou-se na criação do MAM-Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, inaugurado em 1948. Durante 10 anos ocupou sua diretoria e projetou a sede atual no Aterro do Flamengo. Depois ficou como presidente de honra, membro do conselho deliberativo, do comitê internacional e dos comitês de exposição, aquisição e doação no Brasil e no exterior. Segundo Lucio Costa, ao assumir a direção do Museu, deliberou fazer dele a obra de sua vida. Projetou o MAM no cenário internacional.  

 

Com a morte do marido, em 1963, assumiu a direção do Correio da Manhã até 1969, quando foi presa, processada devido ao posicionamento político do jornal e teve os direitos políticos cassados pelo AI-5 por 10 anos. Apesar do apoio dado ao Golpe Militar de 1964, passou a criticar logo em seguida o regime ditatorial, denunciando casos de tortura entre os presos políticos. Em fins de 1985 foi homenageada com um almoço no MAM, onde o então presidente José Sarney discursou e se desculpou em nome do governo brasileiro, pelas perseguições políticas, junto com seu jornal, no período do regime militar. O jornal sofreu algumas pressões econômicas e políticas, que forçaram sua transferência a um grupo empresarial que modificou a linha editorial e posicionamento político.

 

Como decorrência do endividamento dos arrendatários, ela recusou-se a retomar o jornal antes que expirasse o prazo do contrato. Assim, foi decretada a falência do jornal, que deixou de circular em 1974. No mesmo ano mudou-se para Paris, onde viveu 10 anos, retornando ao Brasil em 1984. Em seguida participou do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro e da ABI-Associação Brasileira de Imprensa, representando-a na Conferência de Chapultepec, no México. Como uma das fundadoras do MAM, representou o Brasil na Bienal de Veneza. Em 1993 foi diagnosticada como portadora do Mal de Alzheimer e faleceu em 31/10/2003.

 

Não contamos ainda com uma sua biografia publicada em livro, mas temos um trabalho biográfico consistente na forma de uma dissertação de mestrado -De coadjuvantes a protagonistas: a trajetória de três mulheres que trocaram os salões de sociedade pelo controle de grandes jornais brasileiros nas décadas de 50 e 60 apresentada por Flávia Bessone na PUC/Rio, em 2001. A parte referente a Niomar foi publicada na Internet, acessível no link:

http://esquecidaniomar.blogspot.com/search/label/Biografia

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 03 de agosto de 2022

AS BRASILEIRAS : ALMERINDA GAMA

AS BRASILEIRAS: Almerinda Gama

José Domingos Brito

 

 

   

Almerinda Farias Gama nasceu em 16/5/1/1899, em Maceió, AL. Advogada, escritora, jornalista, poeta, tradutora e sindicalista nas horas deo lazer. Foi uma das primeiras mulheres negras a ter participação destacada na política brasileira e pioneira no combate ao patriarcalismo. Costumava dizer que “A inteligência não tem sexo” “Eu sempre, por instinto, me revoltei contra a desigualdade de direitos entre homem e mulher”.

 

Filha de Eulália da Rocha Gama e José Antônio Gama, ficou órfã do pai aos 8 anos e foi morar com uma tia em Belém do Pará. Já quase adulta fez curso de datilografia e pouco depois frequentou a Escola Prática de Comércio. Aos 21 anos passou a escrever crônicas para o jornal A Província. Aos 24 casou-se com o primo, o escritor Benigno Farias Gama, que escrevia para vários jornais, falecido 2 anos depois. Logo percebeu que o salário pago aos homens era metade daquele pago às datilógrafas.  

 

Em 1929 mudou-se para o Rio de Janeiro e filiou-se à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), presidida pela bióloga Bertha Lutz, que a incentivou a criar o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, reconhecido em 1933. Na FBPF a pauta predominante era o direito ao voto feminino, conquistado em 1932. Outra conquista foi a criação de uma data para a comemoração do “Dia das Mães”, com o Decreto nº 21.366, de 5/5/1932, consagrando o segundo domingo de maio para a celebração da data no Brasil.

 

Pouco depois passou a colaborar com O Jornal, com a coluna “Para a mulher no lar”, onde escreveu diversos artigos sobre a falta de estímulos para a publicação de livros escritos por mulheres sobre, incluindo uma carta aberta ao escritor Humberto de Campos, contrário ao ingresso de mulheres na ABL-Academia Brasileira de Letras. Participou da Assembleia Constituinte de 1933, junto com a deputada Carlota Pereira de Queiroz, como delegada classista representando o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e a Federação do Trabalho do Distrito Federal. Candidatou-se a deputada federal em 1934, sem êxito. Em sua propaganda política dizia-se Advogada consciente dos direitos das classes trabalhadoras, jornalista combativa e feminista de ação. Lutando pela independência econômica da mulher, pela garantia legal do trabalhador e pelo ensino obrigatório e gratuito de todos os brasileiros em todos os graus“.

 

Devido à sua atuação nas lutas pelo ensino obrigatório e gratuito, foi homenageada com seu nome dado ao “Ginásio Almerinda Gama”, dirigido por Laurentino Garrido, em São João do Meriti. Em seguida passou a dirigir o Partido Proletário Socialista, ao lado de Plínio Gomes de Melo, Vasco de Toledo, Waldemar Rikdal, João Vitaca e Orlando Ramos, entre outros. Permaneceu na direção do Partido até 1937, quando o Partido foi extinto com o golpe do Estado Novo. Por esta época concluiu o curso de Direito, em meados de 1935.

 

Junto a estas atividades, foi professora e tradutora dos idiomas francês, inglês e espanhol e publicou algumas coletâneas de poemas -Zumbi (1942) e O dedo de Luciano (1964), além de contos e crônicas em revistas e jornais do Rio de Janeiro. Em 1943, foi contratada como escrevente do 9º Ofício de Notas, onde trabalhou até 1967. Em 1984, concedeu ao CPDOC da FGV-Fundação Getúlio Vargas uma longa entrevista para o projeto Velhos Militantes, publicado em livro, pela Editora Zahar, em 1988.  

 

Pouco antes de completar 100 anos, faleceu em 31/3/1999 em São Paulo. Em 2016 a Prefeitura de São Paulo instituiu o “Prêmio Almerinda Farias Gama”, para distinguir iniciativas na área das comunicações ligadas à defesa da população negra. Como biografia temos a dissertação de Mestrado em História na Universidade de Brasília, realizada por Patrícia Cibele Tenório, A trajetória de vida de Almerinda Farias Gama (1899-1999): feminismo, sindicalismo e identidade política, em 2020. No canal Youtube temos dois belos documentários sobre sua trajetória:  ABVP - Almerinda, uma mulher de trinta - YouTube e Almerinda, a luta continua - YouTube

 

ALMERINDA, UMA MULHER DE TRINTA

ALMERINDA, A LUTA CONTINUA


José Domingos Brito - Memorial quarta, 27 de julho de 2022

OS BRASILEIROS: DYONÉLIO MACHADO

OS BRASILEIROS: Dyonélio Machado

José Domingos Brito

 


 

Dyonélio Tubino Machado nasceu em Quaraí, RS, em  21/8/1895. Escritor, poeta, ensaísta, jornalista, psiquiatra, político e um dos pioneiros da psicanálise no Rio Grande do Sul. Foi também um autor destacado na 2ª geração do Modernismo brasileiro.

 

Filho de Elvira Tubino Machado e Sylvio Rodrigues Machado, morto num duelo quando ele era uma criança, fato que o marcou por toda a vida. Para ajudar no sustento da família, vendia bilhetes de loteria junto com o irmão. Contudo, continuou estudando e se dando bem na escola. Auxiliava os alunos mais atrasados e com isso conseguiu gratuidade na escola para si e o irmão. Aos 12 anos conseguiu um emprego como auxiliar no jornal O Quaraí e passou a conhecer a intelectualidade local. O gosto pelo jornalismo estimulou-o a fundar um jornal intitulado O Martelo por volta dos 16 anos, demonstrando certo interesse pelo comunismo

 

Em 1921 mudou-se para Porto Alegre e fundou o jornal A Informação, ligado ao Partido Republicano. Pouco depois publicou o ensaio Política contemporânea: três aspectos e ingressa na Faculdade de Medicina, em 1924. Diplomado em 1929, foi trabalhar no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Em seguida, passou 2 anos no Rio de Janeiro, onde se especializa em psiquiatria e neurologia e publica sua tese de doutorado: Uma definição biológica do crime. De volta à Porto Alegre, foi um dos responsáveis pela divulgação da psicanálise no Rio Grande do Sul. Em 1934 traduziu o livro Elementos de psicanálise, de Edoardo Weiss e fez dessa especialidade sua profissão.

 

No entanto, manteve o interesse pelo jornalismo, que foi estendido à literatura. Assim, participou de um círculo de amigos conhecido como “a turma da Praça da Harmonia”. A estreia literária se deu em 1927 com uma coletânea de contos: Um pobre homem. Por insistência do amigo Érico Veríssimo, escreveu o romance Os Ratos, em 1935, e ganhou o Prêmio Machado de Assis, tornando-se sua obra prima. No mesmo ano, devido à “Intentona Comunista”, foi preso por 2 anos e na cadeia adere ao PCB-Partido Comunista Brasileiro. Em 1942 publicou O louco do Cati, mais um romance muito bem recebido pela crítica e público.

 

Eleito deputado constituinte, pelo PCB, em 1947, manteve-se até ser cassado com a dissolução do partido. Afastou-se da política e do mercado editorial por quase 20 anos, dedicando-se à medicina e escrevendo romances. Além da medicina e da literatura, foi um entusiasta do jornalismo. Participou da fundação da pioneira ARI-Associação Rio-Grandense de Imprensa, em 1935, e foi colaborador dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias. Em 1946, junto com Décio Freitas, fundou a Tribuna Gaúcha, porta-voz do PCB. Em 1966, com a reedição de Os Ratos, voltou a cena literária com a publicação de Deuses econômicos (1976), Endiabrados (1980), Ele vem do fundão (1982) e O estadista, publicação póstuma em 1995.

 

Sua obra, após um período de esquecimento, foi resgatada no meio acadêmico a partir de 1990, devido ao caráter psicológico arraigado em suas obras, particularmente em Os Ratos e O Louco do Cati. Foi considerado um “escritor maldito” bem antes do tempo em o termo foi aplicado a alguns escritores na década de 1970. Ele mesmo confirmou esta impressão ao declarar “Eu sou um rebelde. Eu não sou do público. Sou incapaz de escrever algo pensando no que vão achar, qual será a impressão que causará. Sou incapaz de ser vendido à editora, ou ao público”, publicado no livro O cheiro da coisa viva, em 1995, pela Graphia Editorial.

 

Independente da fama de maldito, fato é que Os Ratos e O Louco do Cati encontram-se no cânone da literatura brasileira, conforme diversos críticos e estudiosos que se debruçaram em sua obra através de teses e dissertações acadêmicas. Faleceu em 19/6/1985 e seu último livro – Proscritos- teve publicação póstuma em 2014 pela editora Siglaviva. Entre as biografias do autor, contamos com uma “intelectual”, escrita por Marinês Dors: Dionélio Machado (1895-1985): os múltiplos fios da trajetória ambivalente de um intelectual, na forma de uma dissertação de mestrado realizada na UNISINOS-Universidade do Vale dos Sinos, em 2008 e outra, digamos, “literária”, escrita por Maria Zenilda Grawunder: Instituição literária: análise da legitimação da obra de Dyonélio Machado, publicada pela EDIPUCRS, em 1997.

 

Encontramos também um “retrato” do autor, que pode se constituir numa síntese biográfica, escrita por Jonas K. Moreira Dornelles: Dyonélio Machado como figura pública e intelectual brasileiro – notas para compreensão, na forma de um artigo publicado na revista Opinião Filosófica, vol. 10, nº 2, de 2019, a disposição na Internet: https://opiniaofilosofica.org/index.php/opiniaofilosofica/article/view/921/756


José Domingos Brito - Memorial quarta, 20 de julho de 2022

AS BRASILEIRAS: CRISTINA TAVARES

 

AS BRASILEIRAS: Cristina Tavares

José Domingos Brito

 


 

Maria Cristina de Lima Tavares Correia nasceu em 10/6/1934, em Garanhuns, PE. Linguísta, professora, jornalista e política. Como deputada federal foi uma das fundadoras do PSDB-Patido da Social Demcracia Brasileira e ficou conhecida como defensora intransigente de uma política nacional de informática. Foi a primeira mulher a liderar uma bancada na história do parlamento brasileiro.

 

Filha de Maria Mercês de Lima Tavares Correia e José Alves Tavares Correia, dono do maior hotel de Garanhuns, o antigo Sanatório Tavares Correia. Certamente realizou os primeiros estudos num dos 3 grandes colégios da cidade: Diocesano, 15 de Novembro ou no Colégio Santa Sofia, dirigido às moças. Em 1955 graduou-se em línguas neolatinas pela Faculdade de Filosofia do Recife e passou a trabalhar  no jornalismo, atuando no Jornal do Comércio, Diário de Pernambuco e Jornal da Cidade, e como correspondente da Folha de São Paulo em Recife, além de dirigir a surcursal da revista Visão no periodo 1973-75.

 

Em 1960, recebeu o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir em viagem pelo Recife. O filósofo apaixonou-se por Cristina e queria levá-la à Paris. Na ocasião sua esposa ficou doente e registrou em suas memórias: “Enquanto eu jazia no meu leito de dor, ele passeava com ela”.  Em meados da década de 1970, ingressou na política, pelas mãos do deputado Fernando Lira e candidatou-se a deputada federal, em 1978, pelo MDB-Movimento Democrático Brasileiro, fazendo parte do “Grupo Autêntico” e integrando a assessoria de Ulysses Guimarães, presidente do Partido. Foi empossada no ano seguinte e exerceu a vice-presidência da Comissão de Comunicação e titular de CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre fome, desnutrição e saúde, comercialização do café brasileiro e cheias do Rio São Francisco.

 

Em seguida, pelo mesmo partido, já transformado em Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ganhou mais dois mandatos consecutivos como deputada federal: em 1982 (legislatura 1983-1987), com 27.963 votos, e em 1986 (legislatura 1987-1991), com 40.613 votos. Com a extinção do bipartidarismo, em 1979, tornou-se vice-lider do PMDB. Nesta legislatura, foi relatora do “Simpósio sobre Informática” e do “Simpósio sobre”. Em 1982 reelegeu-se deputada federal e fundou o Centro de Estudos Políticos e Sociais Teotônio Vilela. Na Câmara Federal atuou com destaque nas comissões de Economia, Indústria e Comércio e de Comunicação e Informática. Votou a favor das eleições diretas em 1984 e no candidato oposicionista Tancredo Neves, em 1985, que não pode assumir devido ao falecimento em 31 de abril.

 

No mesmo ano integrou a delegação brasileira no “Seminário sobre Dívida Externa”, em Havana.  Na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, foi relatora das comissões da Família, da Educação e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação e titular da Comissão de Sistematização.  Ainda na Constituinte votou a favor da limitação do direito de propriedade privada, do mandado de segurança coletivo, da jornada de 40 horas semanais, da unicidade sindical, do voto aos 16 anos, da criação do fundo de apoio à reforma agrária e contra a pena de morte, a pluralidade sindical, o presidencialismo e o mandato de 5 anos para José Sarney. Devido a um câncer de mama, faltou às votações do segundo turno e licenciou-se do mandato para tratamento no exterior.

 

Atuou na Constituinte em defesa da Lei de Informática, da revisão do Código Nacional de Telecomunicações e mudanças no regime de propriedade dos meios de comunicação. Defendeu também reinvidicações do movimento feminista: descriminalização do aborto, instalação obrigatória de creches nas empresas e ampliação dos direitos da mulher trabalhadora. Em 1988 participou da fundação do PSDB-Partido da Social Democracia Brasileira e pouco depois. Na primeira eleição presidencial por voto direto, em 1989, filiou-se ao PDT-Partido Democrático Trabalhista e apoiou à candidatura de Brizola. No pleito de 1990, candidatou-se à reeleição como deputada pelo PDT, mas não obteve êxito e deixou a Câmara dos Deputados em 1991. Em seguida passou a dirigir, no Recife, a seção regional do Instituto Alberto Pasqualini, organismo de estudos políticos ligado ao PDT. Faleceu em 23/2/1992, vitimada por um câncer.

 

Em sua vida pública, elaborou 139 projetos, proferiu 334 discursos, participou de diversas Comissões Parlamentares e foi relatora de dois simpósios. Na Constituição de 1986, apresentou 227 emendas, das quais 95 foram aprovadas. Deixou 6 livros publicados: Cristina Tavares Correia, repórter (1978), relato sobre sua visão da imprensa; Conversações com Arraes (1979), suas conversas com o governador; Informática: a batalha do século XXI (1984), em co-autoria com Mílton Seligman; Informática e a Nova República (1985), Onde está o meu filho? (1985), em co-autoria com Chico de Assis, Gilvandrio Filho, Glória Brandão e Jodeval Duarte e A última célula: minha luta contra o câncer (1990), um relato pungente sobre seu martírio.

 

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Pernambuco instituiu, em 1993, o “Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo”, outorgado anualmente aos profissionais destacados na área. Na falta de uma biografia p.p. dita, temos o texto de Tereza Cruvinel -Cristina Tavares: ensaio biográfico- publicado na série “Perfis Parlamentares” nº 71, da Câmara dos Deputados, em 2016, e o trabalho Cristina Tavares: memória, imagem e representação, apresentado no XIII Encontro Estadual de História, em 2020, que pode ser acessado no link

1601080002_ARQUIVO_4ac1aab915564734b3eff6d5700c42c8.pdf (anpuh.org)


José Domingos Brito - Memorial quarta, 13 de julho de 2022

OS BRASILEIROS: PINHEIRO MACHADO

OS BRASILEIROS: Pinheiro Machado

José Domingos Brito

 

 

 

José Gomes Pinheiro Machado nasceu em Cruz Alta, RS, em 8/5/1851. Advogado, jornalista e militar-civil ou vice-versa. Foi um dos políticos mais influentes da República Velha (1889-1930) e recebeu o epiteto de “o condestável da República”. Na condição de senador, devido ao seu poder e influência, era visto como um símbolo da “política dos governadores”.  

 

Filho Maria Manoela de Oliveira Ayres e do deputado federal Antônio Gomes Pinheiro Machado. Estudou na Escola Militar e aos 15 anos largou o curso para lutar, como voluntário e contra a vontade do pai, na Guerra do Paraguai. Afastou-se do Exército em 1868 e passou a viver na fazenda da família até meados da década de 1870. Em seguida foi viver em São Paulo afim de ingressar na Faculdade de Direito, concluindo o curso em 1878. Durante o curso, e interessado na política, juntou-se a alguns colegas, criou o Clube Republicano Acadêmico e fundou o jornal A República.

 

Logo após formado, casou-se com Benedita Brazilina da Silva Moniz, voltou para o Sul e passou a viver em São Luiz Gonzaga, onde montou escritório e fundou o primeiro partido republicano da província junto com Venâncio AiresDemétrio RibeiroApolinário Porto AlegreRamiro BarcelosJoaquim Francisco de Assis Brasil e Júlio Prates de Castilhos, seu grande amigo. Com a Proclamação da República (1889), foi eleito senador e passou a viver no Rio de Janeiro. Em 1893, com a Revolução Federalista em seu estado, decidiu licenciar-se do cargo para assumir o comando da Divisão Norte. Com sua experiência em combates, foi bem-sucedido na Batalha de Passo Fundo, ganhou a patente de general de brigada honorário e retornou ao Senado.

Sua primeira articulação política se deu com o presidente Deodoro da Fonseca. A pedido de Júlio de Castilhos tentou convencê-lo a moderar o relacionamento com os políticos, apelando em nome do Rio Grande do Sul para que não fechasse o Congresso Nacional. O diálogo não logrou sucesso, mas impressionou o então presidente. Em 1897 ocorreu o atentado contra o Presidente Prudente de Morais e ele foi acusado de ser o mandante junto com Francisco Glicério. Foi preso por alguns dias, mas logo foi solto devido à falta de provas. No início da República o ambiente político era bastante conturbado e os partidos eram organizados apenas em âmbito regional. Com sua influência e ambição ampliou o âmbito político com a criação do PRC-Partido Republicano Conservador Nacional.

 

Em 1902 tornou-se vice-presidente do senado e passou a coordenar a Comissão de Verificação de Poderes, um simulacro de tribunal de justiça eleitoral. Com tal poder em mãos, conseguiu eliminar diversos mandatos parlamentares de alguns adversários. No período, que foi até 1914, seu poder político atingiu o ápice. Na época havia uma piada contando que Hermes da Fonseca ao passar a faixa presidencial para seu sucessor Venceslau Brás, teria dito: “Olha Venceslau, o Pinheiro é tão bom amigo que chega a governar pela gente". Teve intenção de disputar a presidência, mas seus oponentes não deixaram. Assim, continuou nos bastidores da política. Seu temperamento era difícil e algumas vezes enfrentou o clamor das ruas. Ao tentar impor o nome de Hermes da Fonseca ao senado quase foi linchado por uma multidão.

 

Em 8/9/1915, acompanhado pelos deputados paulistas Cardoso de Almeida e Bueno de Andrade no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, foi apunhalado pelas costas por Francisco Manço de Paiva e faleceu. O assassino foi preso e assumiu a autoria do crime sem revelar mandantes. Meses antes, previu sua própria morte numa entrevista ao jornalista João de Rio: “Morro na luta. Matam-me pelas costas, são uns ‘pernas finas’. Pena que não seja no Senado, como César”. Era famoso na política nacional e implacável com seus desafetos. Seu conterrâneo e senador Pedro Simon disse que ele era “um político afastado dos holofotes, mais voltado para a atividade de gabinete e totalmente interessado nas manobras de bastidores e na costura dos grandes acordos políticos. Era uma eminência parda... Quem mandava e elegia presidentes era o Machado, um dos mais influentes políticos da República, de quem hoje ninguém fala.”

 

Era poderoso também no Nordeste, com suas ligações com o Padre Cícero no Ceará. Através de seus conchavos políticos, colocou o Padre como terceiro vice-presidente estadual da província, ampliando seus poderes na região. Seus embates com Rui Barbosa no plenário do Senado eram frequentes. A “Águia de Haia”, diplomata, jurista e jornalista tinha tudo para ser eleito presidente da República nas eleições de 1910, mas perdeu para Hermes da Fonseca, devido às suas articulações.

 

Os dois brigavam por qualquer coisa: o estouro do tempo das falas, ofensas infantis e correções gramaticais expostas por Rui, que irritavam ainda mais o “nobre” senador. Foi um político importante para a consolidação da República e foi homenageado com um monumento na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, inaugurado em 1931, além de nomear uma cidade no Rio Grande do Sul. Sua biografia -Pinheiro Machado- escrita de modo quase mítico, foi publicada em 1951 pelo historiador Cyro Silva, editada pela Livraria Tupã Editora. Quase 70 anos depois, outra biografia, não menos mítica a julgar pelo subtítulo, saiu em 2018 publicada por seu sobrinho-bisneto José Antônio Pinheiro Machado: O Senador acaba de morrer: a vida e o assassinato de um dos políticos mais importantes da História do Brasil.

 

Grandes Personagens - Pinheiro Machado

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de julho de 2022

A BRASILEIRAS: MARIA LACERDA DE MOURA

AS BRASILEIRAS: Maria Lacerda de Moura

José Domingos Brito

 

 

 

 

Maria Lacerda de Moura nasceu em Manhuaçu, MG, em 16/5/1887. Escritora, professora, jornalista, ativista política e uma das pioneiras do movimento feminista no Brasil. Destacou-se também na luta pelas reformas educacionais e campanhas nacionais de alfabetização.

 

Teve os primeiros estudos em Barbacena, onde foi diplomada professora pela Escola Normal Municipal, em 1904. Foi diretora do Pedagogium de Barbacena e teve atuação destacada na Campanha Barbacense de Alfabetização. Não era bem-vista pela igreja local, devido ao fato de seus pais serem espíritas e anticlericais. Publicou crônicas no jornal da idade a partir de 1912 e teve seu primeiro livro -Em torno da educação- publicado em 1918. Por essa época conheceu o jornalista José Oiticica e teve contatos com as ideias pedagógicas renovadoras de Maria Montessori, Paul Robin, Sebastien Faure e Francisco Ferrer y Guardia. Em 1921 mudou-se para São Paulo e iniciou contatos com o movimento feminista e operário, comandado pelos anarquistas.

 

Foi convidada para unir-se à Bertha Lutz, líder do Movimento Sufragista, com quem fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, logo transformada em Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922. Por esta época foram conquistados o ingresso de meninas no Colégio Pedro II, o voto feminino e leis de proteção à mulher e à criança. Ainda em 1922 foi presidente da Federação Internacional Feminista, mas logo afastou-se do movimento por considerar que estava muito ligado ao sufrágio feminino. Para ela, a luta pelo direito de voto respondia a uma parcela muito limitada das necessidades femininas.

 

Colaborou regularmente com a imprensa operária nos jornais A Plebe, O Combate, A Tribuna e o jornal feminista gaúcho O Corymbo. Em 1923 fundou a revista Renascença, publicação cultural divulgada entre setores progressistas. Na revista intensificou suas convicções teosóficas em contato com seu programador visual, o poeta e pintor santista Ângelo Guido. Em 1926 manteve contatos com a obra do anarquista francês Han Ryner, causando-lhe grande impacto e segundo ela mesma "desejo maior de uma purificação interior bem mais alta", dando-lhe "a noção mais alta da liberdade ética... livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais".

 

No período 1928-1937, viveu numa comunidade agrícola em Guararema (SP), formada por anarquistas e desertores espanhóis, e passou a se destacar na militância política. A convite de instituições educacionais, proferiu palestras no Uruguai e na Argentina, onde manteve contatos com Luiz Carlos Prestes, do Partido Comunista, exilado em Buenos Aires, numa entrevista para o jornal O Combate. Como jornalista tratava de temas ligados ao amor livre, direito ao prazer sexual, divórcio, maternidade consciente, prostituição, combate ao clericalismo, ao fascismo e ao militarismo. Seu posicionamento político era bastante avançado para a época e em muitos aspectos eram semelhantes àqueles das feministas da década de 1960.

 

Entre 1934 e 1935 publicou dois livros -Clero e fascismo: horda de embrutecedores! e Fascismo: filho dilecto da igreja e do capital- gerando polêmicas no meio político. Em 1935 rompeu com a Fraternidade Rozacruz, com a qual mantinha certa proximidade, ao saber que sua sede em Berlim havia sido cedida aos nazistas e passou a atuar no Comitê Feminino Contra a Guerra. Com o Estado Novo, em 1937, a Comunidade de Guararema foi desmantelada pela repressão polícia, deixando-a na clandestinidade por alguns meses. Voltou a morar em Barbacena, onde tentou retomar a vida de professora e ampliar suas reflexões nas ciências ocultas.

 

Não suportou o marasmo de uma cidade do interior e mudou-se em 1938 para o Rio de Janeiro. Em 1942 a saúde deu sinais de alerta e passou a levar uma vida mais tranquila participando de um programa na Rádio Mayrink Veiga sobre astrologia. Sua última atividade pública foi uma conferência na Fraternidade Roza-Cruz Antiqua, em 1944, intitulada O Silêncio e veio a falecer em 20/3/1945. Não obstante a intensa vida social,  casou-se em 1905 com Carlos Ferreira de Moura; não teve filhos; manteve o casamento até 1925, quando separou-se, mas continuaram amigos até o fim de sua vida. Teve 2 filhos adotivos: um sobrinho e uma órfã carente. De 1926 a 1937, teve como companheiro o francês André Néblind, mentor da Comunidade Guararema, preso e deportado em 1937.

 

Foi uma política bastante criticada pelos conservadores, mas foi defendida por estudantes de esquerda, intelectuais e escritores, como Raquel de Queiroz. É muito pouco citada na história oficial, incluindo os estudos sobre anarquismo no Brasil e até mesmo na história do feminismo, mesmo tendo escrito 20 livros. Não fosse o extenso trabalho de pesquisa e resgate realizados pela historiadora Miriam Moreira Leite, pouco saberíamos sobre esta feminista diferenciada.

 

Publicou dois livros: Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura (2003), um estudo biográfico, e Maria Lacerda de Moura, uma feminista utópica (2005), uma pesquisa historiográfica, além do documentário Maria Lacerda de Moura: trajetória de uma rebelde (2003), que pode ser visto no link https://www.youtube.com/watch?v=pom4W-FW4jo

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 29 de junho de 2022

OS BRASILEIROS: PEREIRA PASSOS

 

 

OS BRASILEIROS: Pereira Passos

José Domingos Brito

 

 

Francisco Franco Pereira Passos nasceu em São João Marcos, RJ, em 29/8/1836. Engenheiro, político e prefeito do Rio de Janeiro (1902-1906), nomeado pelo presidente Rodrigues Alves. Foi chamado por Olavo Bilac de “furor das picaretas regeneradoras” e recebeu da população o apelido de “Bota Abaixo”, devido a radical transformação urbana ocorrida na cidade, colocando-a no patamar das metrópoles mundiais.

 

Filho de Clara Oliveira e Antônio Pereira Passos, barão de Mangaratiba. Teve os primeiros estudos no Colégio São Pedro de Alcântara e ingressou na Escola Militar (atual Escola Politécnica da UFRJ), onde diplomou-se engenheiro civil em 1856. No ano seguinte mudou-se para Paris e estudou na École de Ponts et Chaussées. Conviveu com a reforma ubana empreendida pelo Barão Haussmann, o “artista demolidor”,  prefeito da cidade, que ficou conhecido na história do urbanismo. Retornou ao Brasil, em 1860, e passou a dedicar-se à construção e expansão das ferrovias requeridas pela demanda da economia cafeeira: Estrada de Ferro Santos-Juundiaí (1867), prolongamento da Estrada de Ferro D.Pedro II (1868). Foi também consultor do Ministério da Agricultura e Obras Publicas (1870).

 

Voltou à Europa em companhia do Visconde de Mauá, a serviço do Governo Imperial e estudou os sistemas ferroviários, particularmente na Suiça, onde analisou a estrada de ferro com grande inclinação para aplicar o sistema no prolongamentio da estrada de ferro da Serra de Petrópolis. Tal sistema foi aplicado fambém na Estrada de Ferro do Corcovado, a primeira estrada turística do Brasil. Convidado pelo Barão de Mauá, diriigiu o Arsenal de Ponta da Areia, na construção de vagões, trihos e equipamentos ferroviários. Na condição de engenheiro do Império, acompanhou todas as obras urbanas e integrou a comissão de planejamento da reforma urbana da capital, base do futuro plano diretor que iniciaria mais tarde como prefeito.

 

Passou mais um ano em Paris, onde estudou na Sorbonne, no College de France e visitando siderúrgicas e obras públicas. Na volta ao Brasil, passou a residir no Paraná para acompanhar a construção da ferrovia ligando o Porto de Paranaguá a Curitiba, um projeto realizado pelos irmãos Rebouças (André e Antonio) que até hoje se destaca pela ousadia em sua concepção. Após sua inauguração em 1882, retornou ao Rio de Janeiro e assumiu a diretoria da Companhia Ferro-Carril de São Cristovão. Em dois anos reestruturou a empresa e propôs a  construção de uma grande avenida no centro da cidade. O plano só veio  prosperar 20 anos depois com a abertura da Avenida Central, quando tornou-se prefeito. Vale lembrar que no início do séc. XX, o Rio de Janeiro era uma grande  cidade com quase um milhão de habitantes, conhecida no mundo como “cidade da morte”, devido a precariedade de sua infra-estrutura com o rápido e desordenado crescimento ocorrido pela imigração europeia e pela transição do trabalho escravo para o livre.

 

Quando assumiu a prefeitura, em 1902, o centro da cidade com sua estrutura colonial não dispunha de equipamentos urbanos e eclodiam as habitações coletivas insalubres (cortiços) em ruas estreitas sem abastecimento de água e rede de esgotos. Tal adensamento da população em condições precárias foi a causa de epidemias de febre amarela, varíola e cólera no segundo ano de seu governo, resultando na ação do médico Oswaldo Cruz e a consequente “Revolta da Vacina”, em 1904. Assim, a reforma urbana visava o saneamento, o urbanismo e embelezamento da cidade. Logo no inicio, foram iniciadas as obras da Av. Beira Mar ligando o centro da cidade ao Morro da Viúva. Esta obra foi muito útil na ligação posterior com a abertura dos túneis.

 

Um dos marcos de sua administração é Avenida Central (atual Av. Rio Branco), com 1.800 m. de comprimento e 33 m. de largura, que ainda hoje exerce o papel de centro econômico e administrativo. Outro marco destacado é a Av. Atlântica no bairro de Copacabana. A lista de suas obras é grande e vale registrar algumas: Biblioteca Nacional (1905), Vista Chinesa (1903), ajardinamento da Praça Tiradentes, Largo do Machado, Praça da Glória entre outras (1903), Mercado Municipal (1907), Aquário do Passeio Público (1904), Teatro Municipal (1905), Av. Maracanã, Embelezamento de Paquetá (1904), Palácio Monroe (1906), alargamento e abertura de diveras ruas do centro etc., além da demolição de alguns morros para permitir o arejamento de zonas densamente povoadas. Calcula-se que 1.600 velhos prédios foram demolidos para alargamento e construção de novas ruas.

 

Com suas obras e o trabalho do sanitarista Oswaldo Cruz, o Rio perdeu o apelido de “Cidade da Morte” e passou ficar conhecido como “Cidade Maravilhosa”. O custo social da empreitada foi enorme. A população com alguma renda teve que mudar-se para o subúrbio e os  mais pobres tiveram que habitar nas encostas dos morros, engrossando o contingente das favelas que começavam a surgir desde a abolição da escravatura. Boa parte da população permaneceu na região e nos morros do centro da cidade: Providência, Santo Antônio. Outros, pouco habitados, sofreram uma rápida ocupação com o contigente operário, dando origem as favelas.    

 

Foi um dos primeiros presidentes do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e teve papel destacado no desenvolvimento da engenharia em seus primórdios. A prefeitura do Rio de Janeiro prestou-lhe uma homenagem em reconhecimento ao seu trabalho com um monumento e seu busto esculpido em bronze por Rodolfo Bernardelli, localizado na Praça da Igreja da Candelária, em 1913, ano de seu falecimento a bordo do navio Araguaia, quando realizava mais uma de suas viagens à França. Publicou também uma breve biografia -Pereira Passos, vida e obra- na coleção “Rio Estudos, nº 221, em agosto de 2006.

 


A REFORMA URBANA DO RIO DE JANEIRO - YouTube

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 15 de junho de 2022

AS BRASILEIRAS: ALZIRA SORIANO

AS BRASILEIRAS: Alzira Soriano

José Domingos Brito

 


 

Luiza Alzira Teixeira Soriano nasceu em 29/4/1897, em Jardim de Angicos, RN, na época um distrito de Lages. Política e primeira mulher prefeita de uma cidade na América Latina numa época em que o “Feminismo” engatinhava. Assim, deu provas de sua condição com base em fatos e atitudes muito além das palavras de ordem e proclamas provenientes de uma necessidade do meio social.

 

Filha de Margarida de Vasconcelos e Miguel Teixeira de Vasconcellos, coronel da Guarda Nacional e lider politico regional, casou-se aos 17 anos com um promotor público, com quem teve 4 filhas e faleceu 4 anos depois vitimado pela Gripe Espanhola, em 1919. Alzira contava com 22 anos; estava grávida da quarta filha e voltou a morar na fazenda dos pais.  Em seguida foi morar no Recife, afim de educar melhor as filhas, na casa da sogra. Porém, não se deu bem e retornou à Jardim de Angicos. Passou a administrar a fazenda e participava das reuniões políticas promovidas por seu pai. Nestas reuniões, chamou a atenção do governador Juvenal Lamartine de Faria e da lider feminista Bertha Lutz, que lá se encontrava justamente para propor uma candidatura feminina.

 

Lembremos que o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado do Brasil a instituir o voto feminino em 1927 e Bertha Lutz foi lider feminista, fundadora da “Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher”, em 1919 e pioneira na luta pelo sufrágio feminino.

Contando com o apoio do pai, de Lamartine e Bertha Lutz,  aceitou disputar a prefeitura de Lages como candidata do Partido Republicano em 1928. Durante a campanha sofreu todo tipo de preconceito e difamação. Chegaram a dizer que ela tinha um caso com o governador. Achavam, também, que pelo fato de querer ser uma “mulher pública”, poderia ser uma prostituta.

 

Foi eleita, em 1929, com mais de 60% dos votos e o fato revelou-se num fenômeno mundial, noticiado no jornal New York Times. O adversário político -Sérvulo Pires Neto Galvão- envergonhado por ter perdido a eleição para uma mulher, abandonou a política e a própria cidade. Seu governo foi responsável pela construção de estradas, mercado público, escolas e a implantação da iluminação pública a vapor. Na eleição presidencial de 1930, apoiou o paulista Júlio Prestes.  Porém, com a Revolução de 1930 e o “Estado Novo”, que levou Getúlio Vargas ao poder, os prefeitos de todo o país foram substituídos por interventores.

 

Apesar de ser convidada a permanecer na prefeitura, não aceitou o cargo de interventora municipal. Antes de deixar o  cargo, visitou seus eleitores para agradecer o apoio recebido. Conta a história que um de seus opositores ao vê-la na rua, passou a cantarolar versos contra ela. Sua reação consistiu nuns tapas na cara do opositor, quebrando-lhe os óculos. Em casa e repreendida pela famíla, revelou que “só tive essa reação por que disse o que faria e não quis bancar a covarde”.  

 

Mudou-se para Natal em 1932, onde as filhas foram estudar; retornou à fazenda Primavera e reconstruiu sua atividade política. Em 1947 foi eleita vereadora de Lajes pela UDN-União Democrática Nacional. Na época enfrentou opositores políticos até em sua família, incluindo o irmão caçula, eleito prefeito. Mas os laços familiares se mantiveram intactos. Foi  reeleita vereadora de Lajes por mais dois mandatos e presidiu  a Câmara Municipal. Em fins de 1961, descobriu um câncer no útero e foi se tratar no Rio de Janeiro. A doença estava em estado avançado e retornou à Natal, onde veio a falecer em 28/5/1963, aos 66 anos.

 

Hoje o desenho de seu retrato encontra-se no brasão da bandeira do Município de Jardim de Angicos e é reconhecida como pioneira da participação política da mulher no Brasil. Em 2008, a cidade de Lages instituiu a “Semana Alzira Soriano”, evento anual para concentrar estudos e debates sobre a defesa dos direitos da muher e sua participação política. Em 2018, a Prefeitura de Jardim de Angicos adotou a data de seu nascimento como feriado municipal.

 

No mesmo ano recebeu, como homenagem póstuma, o “Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queiróz”, da Câmara dos Deputados. Ainda não dispomos de uma biografia disposta a relatar todos seus feitos e legado no mundo da Política municipal, aquela mais ligada ao eleitor. Mas podemos contar com um trabalho acadêmico de conclusão de curso de licenciatura em História -A primeira prefeita brasileira Alzira Soriano: o poder político coronelístico, Lages/RN, 1928- Trata-se de uma pesquisa, digna de uma dissertação de mestrado, desenvolvida por Isabel Engler e apresentada na UFFS-Universidade Federal da Fronteira Sul, em 2019, disponivel no link ENGLER.pdf (uffs.edu.br)   


José Domingos Brito - Memorial quarta, 08 de junho de 2022

OS BRASILEIROS: PRUDENTE DE MORAES

OS BRASILEIROS: Prudente de Moraes

José Domingos Brito

 

 

 

Prudente José de Moraes Barros nasceu em 4/10/1841, em Mairinque, SP. Advogado, político e primeiro presidente civil do Brasil (1894-1898), numa eleição direta. Com ele dá-se a ascensão da oligarquia cafeicultora de São Paulo no poder político nacional e a consolidação da Repúlica, que manteve-se em constante disputa após sua proclamação em 1889.

 

Filho de Catarina Maria de Moraes e José Marcelino de Barros, foi descendente dos primeiros colonizadores de São Paulo. Ficou órfão do pai aos 5 anos; graduou-se advogado em 1863 e passou a exercer a profissão em Piracicaba por 2 anos. Ingressou na politica e elegeu-se vereador em 1865. Na condição de  mais votado, assumiu a presidência da Câmara Municipal. Em 1866 casou-se com Adelaide Benvinda Gordo e tiveram 9 filhos. A casa onde viveram, atualmente sedia o Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes. Como vereador conseguiu mudar o nome da cidade de Vila Nova da Constituição para Piracicaba, um nome indígena que significa “lugar onde moram os peixes”.

 

Na eleição seguinte foi deputado provincial (1868-1869) pelo Partido Liberal. Abraçou a causa republicana em 1876 e a causa abolicionista em 1886. Com a proclamação da República, em 1889, passou a integrar a junta do Governo de São Paulo e logo governador do Estado até 1890 No ano seguinte foi eleito senador, exercendo a presidência da Assembleia Nacional Constituinte e a vice-presidència do Senado (1891). Neste ano disputou a presidência com Deodoro da Fonseca, numa eleição indireta, e perdeu. Porém, assumiu a presidência do Senado até 1894, quando foi eleito presidente da República numa eleição direta. Governou o País até 1898 e passou chefiar o Partido Republicano Dissidente.

 

Em plena crise econômica, em decorrência da política do "encilhamento", enfrentou intensa oposição política, liderada por militares florianistas; pelo Partido Monarquista que buscava se reorganizar; e por parcelas dos setores médios da população, além da Revolta Federalista no Rio Grande do Sul em 1893-95. Em 1896 licenciou-se do cargo por motivo de saúde, agravando a crise política, que passou a ser enfrentada pelo vice Manuel Vitorino, aliado de Floriano. A crise agiganta-se com a eclosão da Guerra de Canudos, no sertão da Bahia, liderada por Antonio Conselheiro, e vista como uma reação da Monarquia. Na verdade, era apenas um movimento messiânico pregando uma vida ascética, que atraiu uns 30 mil sertanejos.

 

Os revoltosos venceram as tropas da Bahia e mobilizou o Exército a enviar tropas federais, sendo vencidas em duas batalhas. A batalha final deu-se em agosto de 1897 com a devastação do arraial de Canudos por uma expedição do Exército de 8 mil homens, equipada com canhões. A batalha resultou numa carnificina denunciada por Euclides da Cunha em seu livro Os Sertões. Pouco depois o presidente reassume o governo na nova sede do governo, o Palácio do Catete. Em 5/11/1897, na recepção dos batalhões que retornavam de Canudos, sofreu um atentado cometido por um soldado, que resultou na morte do ministro da Guerra Marechal Bittencourt. Foi decretado o “estado de sítio” no Distrito Federal, livrando-se dos oposicionistas mais radicais.

 

Não obstante o período conturbado de seu governo, conseguiu êxitos em questões fundamentais para o País:  restabeleceu as relações diplomáticas com Portugal, rompidas por Floriano durante a Revolta da Armada; assinou o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o Japão, com o objetivo de fomentar a vinda de imigrantes japoneses; enfrentou a questão diplomática com os ingleses, que tomaram posse da  Ilha da Trindade e com a França, que invadiu o Amapá. Nestas questões, valeu-se sempre do arbitramento internacional, contando com os governos de Portugal e Suiça, e foram resolvidas favoravelmente ao Brasil. Obteve sucesso, também, na questão dos limites com a Argentina, arbitrada pelo presidente dos EUA e comandada pelo Barão do Rio Branco. 

 

Não menos fáceis foram as questões econômico-financeiras, herdadas da crise do encilhamento, acentuadas em sua administração, devido aos gastos militares, aumentando as dívidas com os credores estrangeiros. Assessorado por seus ministros da FazendaRodrigues Alves e Bernardino de Campos, negociou com os banqueiros ingleses a consolidação da dívida externa. Ao fim de seu mandato em 15/11/1898, gozava de grande popularidade e passou o cargo ao sucessor Campos Sales. Retornou à Piracicaba e retomou a advocacia até 3/12/1902, quando veio a falecer vitimado por uma tubeculose.

 

Escreveu, entre outros textos, Orçamento e política geral (1888), Projeto de impostos sobre escravos (1888) e A nação brasileira (1894), além dos discursos e um belo manifesto ao assumir, como primeiro civil, a presidência da jovem República Brasileira. Foi homenageado com seu nome dado à cidades em 3 estados: Presidente Prudente (SP), Prudentópolis (PR) e Prudente de Morais (MG). Entre suas biografias, destacam-se Prudente de Moraes: uma vida marcada (1971), de Antonio Barreto do Amaral, Biografia de Prudente de Moraes (s.d.), da Academia Piracicabana de Letras e Os Presidentes: Prudente de Moraes (1983), de Hélio Silva.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 01 de junho de 2022

AS BRASILEIRA: ANTONIETA DE BARROS

AS BRASILEIRAS: Antonieta de Barros

José Domingos Brito

 

 

 

Antonieta de Barros nasceu em 11/7/1901, em Florianópolis, SC. Professora, jornalista e política, foi a primeira mulher negra brasileira a ocupar um mandato como deputada e uma das primeiras mulheres eleitas no Brasil. Batalhou pela emancipação feminina, pela educação de qualidade e pelo reconhecimento da cultura negra no Sul do País.

 

Filha da lavadeira Catarina de Barros e Rodolfo de Barros, ficou órfã do pai ainda criança. A mãe era empregada na casa do político Vidal Ramos, pai de Nereu Ramos, futuro presidente da República. Sua irmã e seu irmão foram ativistas no incipiente movimento negro local. Em seguida a mãe criou uma pensão para estudantes em sua casa, criando um ambiente propício à alfabetização dos filhos.

 

Teve os primeiros estudos na Escola Lauro Miller e aos 17 anos ingressou na Escola Normal Catarinense. Colaborava na edição da revista da escola e presidiu o Grêmio Estudantil. Diplomada professora em 1921, criou no ano seguinte o “Curso Particular Antonieta de Barros” em sua casa, voltado à população carente. Queria ser advogada, mas o curso de Direito era vedado à mulher. Mais tarde lecionou na escola onde fez o curso primário, no Colégio Coração de Jesus e na escola onde se formou professora, na qual foi diretora nos anos 1944-51, quando foi exonerada por motivos políticos. Além do magistério, teve atuação destacada como jornalista e escritora. Fundou e dirigiu o jornal A Semana entre os anos 1922-27, conseguindo com isto outro pioneirismo: a primeira mulher negra a exercer o jornalismo.

 

Suas crônicas tratavam das questões ligadas à educação,  condição feminina, desmandos políticos e preconceito. Em 1930 dirigiu a revista Vida Ilhoa e escrevia sob o pseudônimo “Maria da Ilha”. Em 1937 reuniu algumas de suas crônicas e publicou o livro Farrapos de ideias. Participou da Associação Catarinense de Imprensa e passou a trocar correspondência com a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, através de sua fundadora, a bióloga Bertha Lutz. Em 1934, na primeira eleição em que as mulheres puderam ser votadas, foi convidada pelo deputado Nereu Ramos a ingressar no Partido Liberal Catarinense e candidatar-se a Deputada.

 

Foi eleita deputada estadual em 1935 e ficou responsável pelos capítulos Educação e Funcionalismo na Assembleia Constituinte. Em 1937 assumiu a presidência da Assembleia Legislativa e concluiu seu mandato no mesmo ano com a instauração do “Estado Novo” e o fechamento dos parlamentos em todo o País. Voltou à política em 1947, foi eleita deputada em 1948, centrando sua atuação na área da educação. Batalhou pela concessão de bolsas de cursos superiores e magistério, dirigidos à alunos carentes e foi autora da lei estadual nº 145, de 12/10/1948, instituindo o Dia do Professor e feriado escolar no estado.

 

Foi vítima do preconceito e atacada pelo deputado Oswaldo Rodrigues Cabral, em 1951, quando disse que suas ideias políticas e educacionais eram uma “intriga barata da senzala”. Sua delicada resposta veio através de um artigo publicado no jornal O Estado: “Fizemos do Magistério o nosso caminho, e agimos sempre respeitando a professora que não morreu em nós, ainda, graças a Deus. Como, pois, a intriga? Compreendemos que a delicada sensibilidade do nobre Deputado tenha sofrido diante daquela frase. Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos são arianos – apesar de portador de um diploma de jornalista – não milita no ensino público. Dizemos felicidade porque, à sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes”.

 

Aposentou-se em 1951, mas continuou lecionando até o ano seguinte, quando veio a falecer em 28/3/1952, vitimada pela diabetes. Ela passou por um processo de “apagamento histórico” até fins da década de 1990, quando a ex-senadora Ideli Salvatti iniciou o resgate de sua memória e uma série de homenagens foram e vem sendo feitas com seu nome extrapolando a fronteira de seu Estado: nome do auditório do palácio do governo, nome do programa de formação de jovens aprendizes, projeto de inclusão de seu nome no “Livro dos Heróis da Pátria”, Medalha Antonieta de Barros, comenda da Câmara Municipal, concedida a mulheres relevantes etc., além de seu nome dado à alguns logradouros de Florianópolis. Sua biografia -Antonieta de Barros: professora, escritora, primeira deputada catarinense e negra do Brasil- foi publicada em 2021 por Jeruze Romão.

 

QUEM FOI ANTONIETA DE BARROS?



José Domingos Brito - Memorial quarta, 25 de maio de 2022

OS BRASILEIROS: ARY BARROSO

OS BRASILEIROS: Ary Barroso

José Domingos Brito

 


 

Ary Evangelista Barroso nasceu em 7/11/1903, em Ubá, MG. Compositor, pianista, cronista, jornalista, radialista e autor de Aquarela do Brasil, uma das músicas mais gravadas no País, que deu origem ao chamado “samba-exaltação”. ??????????????????????Foi um grande revelador e incentivador de talentos musicais.

 

Filho de Angelina de Resende e do promotor público João Evangelista Barroso, perdeu os pais logo cedo e foi criado pela avó materna e pela tia Ritinha, com quem aprendeu a tocar piano, solfejo e teoria musical. Teve os primeiros estudos em sua cidade natal, Viçosa e Cataguases. Aos 12 anos iniciou como pianista auxiliar no Cinema Ideal, em Ubá, e aos 15 compôs o cateretê De longe e a marcha Ubaenses gloriosos.

 

Em 1920 faleceu o tio Sabino Barroso, ex-ministro da Fazenda, e recebeu uma gorda herança de 40 contos de réis. No mesmo ano mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi viver sob a tutela do Dr. Carlos Peixoto. Ingressou na Faculdade de Direito aos 18 anos; conheceu e fez amizade com diversos futuros radialistas, juristas, políticos, artistas e caiu na boemia. Assim, foi reprovado no 2º ano e abandonou o curso. Logo, torrou o dinheiro da herança e teve que se empregar como pianista de cinema, teatro e diversas orquestras da cidade. 

 

Sem largar o piano, retomou o curso de Direito, concluído em 1929. Nesse meio tempo, tocou em diversas orquestras e passou a compor: Amor de mulato, Cachorro quente e Oh! Nina em parceria com Lamartine Babo. Junto com Mario Reis compôs Vou à Penha e Vamos de deixar de intimidades, seu primeiro sucesso. No ano seguinte venceu o Grande Concurso de Música Popular, promovido pela Casa Edison e o jornal Correio da Manhã, com a marchinha Dá nela e ganhou 5 contos de réis. Aproveitou o prêmio para casar-se com Ivone Belfort de Arantes, em 1930. Pouco depois foi trabalhar na Rádio Phillips como pianista, mas logo se torna, também, locutor esportivo, humorista e animador.

 

Em São Paulo, comandou o programa “Hora H”, na Rádio Cosmos, logo transferido para a Rádio Cruzeiro do Sul, no Rio de Janeiro. Na mesma Rádio foi substituir um colega como locutor esportivo e empolgou a torcida. Flamenguista fanático, irradiava o jogo ao mesmo tempo em que torcia ostensivamente, comemorando os gols de seu time ou lamentando os gols do adversário. Em 1937 lançou o programa “Calouros em desfile”, onde obrigava os candidatos a só cantarem músicas brasileiras. O sucesso do programa levou-o à grande Rádio Tupi.

 

Outras gravações vão surgindo até o grande sucesso Aquarela do Brasil, gravada por Francisco Alves em 1939 com arranjos e acompanhamento de Radamés Gnattali, regravada centenas vezes aqui e no exterior. Até hoje é uma das músicas que mais produz direitos autorais ne exterior. Nos EUA foi interpretada por Frank Sinatra e Bing Crosby, cujo sucesso rendeu-lhe um contrato para trabalhar em Hollywood. Compôs a trilha sonora do filme Você já foi à Bahia?, dirigido por Walt Disney e foi  premiado pela Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, em 1944. No ano seguinte compôs a trilha sonora para a comédia musical Brazil, dirigida por Joseph Santley, indicada ao “Oscar” de 1945. Como compositor, deixou diversas músicas clássicas do cancioneiro popular: No rancho fundo (1931), Na batucada da vida (1934), No tabuleiro da baiana (1936), Na baixa do sapateiro (1938), Camisa amarela (1930), Os quindins de Yayá (1941), Risque (1952), É luxo só (1957) etc.  Nas décadas de 1940 1950  tornou-se o compositor mais gravado por Carmen Miranda. 

 

Motivado pelos amigos, ingressou na política, em 1946, e foi o vereador mais votado do Rio de Janeiro, pela UDN-União Democrática Nacional. As duas causas em que mais atuou foi a construção do Estádio Maracanã e a defesa do direito autoral. Era dotado de excepcional senso de humor. Quando foi internado no hospital, diagnosticado com cirrose hepática que o vitimaria, ligou para seu amigo David Nasser, despedindo-se porque ia morrer. Nasser perguntou: “Como você sabe?”. “É que estão tocando muito minhas músicas no rádio”, respondeu tranquilo. Realmente, faleceu em 9/2/1964, num domingo de carnaval.

 

Segundo os críticos, Ary Barroso celebra a invenção da brasilidade mestiça da Era Vargas, quando o samba, a mulata, a ginga e a natureza tropical passam a traduzir as cores da nação. Foi homenageado pela Escola de Samba União da Ilha do Governador, em 1988, com o enredo "Aquarilha do Brasil", contando sua história. No ano de seu centenário (2003), a Rede STV SESC SENAC produziu o documentário O Brasil Brasileiro de Ary Barroso, dirigido por Dimas Oliveira Jr., com depoimentos de diversos amigos. Sergio Cabral pesquisou sua vida e escreveu uma bela biografia -No tempo de Ary Barroso- publicada pela Lumiar Editora. Os interessados numa visão panorâmica de seu legado, podem consultar seu site oficial na Internet Ary Barroso : Vida

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 18 de maio de 2022

AS BRASILEIRAS: CARLOTA QUEIROZ

AS BRASILEIRAS: Carlota Queiroz

José Domingos Brito

 

 

 

Carlota Pereira de Queiroz nasceu em São Paulo, SP, em 13/2/1892. Médica, pedagoga, escritora, historiadora e política, foi a primeira deputada federal do Brasil. Teve uma atuação diferenciada no incipiente movimento feminista e participou dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.

 

Filha de Maria Vicentina de Azevedo Pereira de Queiroz e José Pereira de Queiroz, foi diplomada professora pela Escola Normal Caetano de Campos, em 1909, onde lecionou e foi inspetora de 1910 a 1913.  Logo se interessou por métodos modernos de ensino, como os sistemas Frobel e Montessori e pouco depois se entediou com a carreira. Escreveu no seu diário: “Desiludi-me com a carreira de professora. O meio era acanhado, não havia grande futuro, os melhores lugares eram dos homens. Eu aspiro a mais. Deixei o magistério público, continuando a dar aulas particulares para ter certa independência econômica”.

 

Em 1920 ingressou na Faculdade de Medicina da USP e no 4º ano transferiu o curso para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, vindo a diplomar-se em 1926. Sua tese -Estudos sobre o câncer- recebeu o prêmio Miguel Couto. Na volta à São Paulo, assumiu a chefia do laboratório de clínica pediátrica da Santa Casa de Misericórdia e do serviço de hematologia da Clínica de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP. Em 1929 viajou para a Suíça, na condição de comissionada pelo governo paulista, para estudar dietética infantil.  

 

Na Revolução Constitucionalista de 1932, organizou e liderou um grupo de 700 mulheres para dar assistência aos feridos. Tal participação e seu envolvimento na luta pelos ideais democráticos defendidos por São Paulo, levaram-na a ingressar na política em 1933, elegendo-se como deputada federal pelo Partido Constitucionalista. Integrou a Comissão de Saúde e Educação, trabalhando pela alfabetização e assistência social. Foi de sua autoria o primeiro projeto sobre a criação de serviços sociais, bem como a emenda que viabilizou a criação da Casa do Jornaleiro e a criação do Laboratório de Biologia Infantil.

 

Como deputada batalhou pela defesa da mulher e das crianças e, como pedagoga, reivindicou melhorias no sistema educacional. Além disso, publicou uma série de trabalhos em defesa dos direitos da mulher. Ocupou o cargo até o Golpe de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso. Em seu discurso de posse, discorreu sobre o novo papel que a mulher deveria ocupar no quadro político do País: “Além de representante feminina, única nesta Assembleia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista, resultante da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. (...) E assim foi que ingressaram nas carreiras liberais. Essa nova situação despertou-lhes o interesse pelas questões políticas sociais. O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução”.

 

Como integrante do IHGSP-Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, desde 1934, tinha certa predileção pela história e publicou dois livros sobre a formação de seu Estado, envolvendo sua família:  Um Fazendeiro Paulista no século XIX (1965) e Vida e Morte de um Capitão-Mor (1969), ambos publicados pelo Conselho Estadual de Cultura. Na área médica integrou a Associação Paulista de Medicina, Association Française pour l'Étude du Cancer", Academia Nacional de Medicina e Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires. Em 1950 fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, da qual foi presidente nos anos seguintes.

 

A primeira deputada federal do País ainda não tem uma biografia p.p. dita, mas tem um biógrafa: Mônica Raisa Schpun publicou extenso artigo -Entre feminino e masculino: a identidade política de Carlota Pereira de Queiroz- nos Cadernos Pagu, nº 12 em 1999, relatando sua vida e legado. Segundo ela, Dona Carlota não era uma feminista-padrão. Ao contrário de Bertha Lutz (a segunda deputada do País), era contrária à criação do Departamento Nacional da Mulher. Ela se opôs que “seus cargos fossem preenchidos por mulheres. Cotas eram consideradas sexistas por Carlota”. Em alguns pontos “não concordava com as feministas... e se permitiu fazer política defendendo aquilo que lhe parecia mais importante”. Os interessados no artigo podem acessá-lo no link Microsoft Word - n12a20.doc (ufsc.br)


José Domingos Brito - Memorial quarta, 11 de maio de 2022

OS BRASILEIROS: PATATIVA DO ASSARÉ

OS BRASILEIROS: Patativa do Assaré

José Domingos Brito

 

 

 

Antônio Gonçalves da Silva nasceu em 5/3/1909, em Assaré, CE. Poeta, compositor, cantor, violeiro e improvisador (repentista). Considerado um dos principais representantes da música popular nordestina do século XX, recebeu o epiteto “Patativa do Assaré” devido ao fato de sua poesia cantada se comparar à beleza do canto dessa ave.

 

Nascido numa família pobre e vivendo da agricultura de subsistência, ficou cego olho direito, aos 4 anos, deviddo ao sarampo. Aos 8 anos, com morte do pai, passou a trabalhar no sustento da família. Aos 12 frequentou a escola local, onde  foi alfabetizado em 6 meses. Aos 16 anos comprou sua primeira viola e passou e cantar repentes com apresentações em festas e feiras. Aos 20 mudou-se para Belém e foi “descoberto” pelo folclorista e jornalista José Carvalho de Brito, correspondente do jornal Correio do Ceará. Apresentando-o com “Patativa”, publicou alguns poemas no jornal e no seu livro O caboclo do Pará e o matuto cearense, um capítulo sobre o jovem violeiro. Pouco depois retornou ao Ceará e incoporou o topônimo Assaré ao nome. “Patativa” é um passáro cantador conhecido na região.

 

Em meados de 1956, frequentava a feira de Crato e participava de um programa da Rádio Araripe, declamando seus poemas. Aí  teve contato com José Arraes de Alencar, que gostou dos poemas e incentivou a edição de seu primeiro livro Inspiração nordestina, em 1956. Mais tarde saiu uma 2ª edição ampliada com o título Cantos do Patativa. Mais um lançamento se deu em 1988, com a coletânea de poemas Ispinho de fulô. Ao todo lançou 12 livros, alguns deles em pareceria ou organizado por Geraldo Gonçalves de Alencar. A fama vai se alargando no encontro com outro ícone  nordestino: Luiz Gonzaga gravou sua toada A triste partida e deu o titulo ao seu novo LP em 1965.

 

Mais tarde, em 1973, Fagner gravou o poema O vaquêro com o nome Sina, sem lhe dar o crédito. Porém retratou-se e tornaram-se amigos, vindo a autorizar Fagner gravar Vaca estrela e boi fubá, em 1980, cantada em dupla com Luiz Gonzaga. Em 1970 lançou uma nova coletânea Patativa do Assaré: novos poemas. O livro que o tornou mais conhecido viria em 1978 com Cante lá que eu canto cá, apresentado na programação cultural do encontro da SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1979. No mesmo ano se apresentou no Teatro José de Alencar, num espetáculo produzido por seu conterrâneo Fagner, que editou o show e lançou o LP Poemas e canções pela gravadora CBS.

 

Apartir daí ficou conhecido no meio intelectual e estudantil, com presença constante em eventos artisticos. No mesmo ano lançou seu primeiro disco “Poemas e canções”, produzido por Fagner. A amizade entre o poeta e o cantor foi consolidada em apresentações, como no Festival de Verão de Guarujá e no Memorial da América Latina, em 1981. Neste ano esteve no programa “Som Brasil”, da TV Globo, apresentado por Rolando Boldrin. Em 1985 Chico Buarque de Holanda, Milton Nascimento e Fagner musicam seu poema Seca d’água, em solidariedade aos flagelados das enchentes no Nordeste. No mesmo ano, o Banco do Estado do Ceará lançou um disco com seus poemas. Em 1989 foi lançado o LP Canto Nordestino, produzido por Rosemberg Cariry. Seus últimos lançamentos foram o livro Aqui tem coisa e o LP 85 anos de poesia, em 1994. Faleceu em 8/7/2002.

 

Não obstante a popularidade alcançada, costumava dizer que nunca buscou a fama, nem teve intenção de se tornar um profissional da poesia. Manteve a família de 9 filhos como agricultor e passou toda a vida em Assaré. Era dotado de um grande poder de memória e não escrevia seus poemas. Tal capacidade se manteve até mais dos 90 anos recitando os poemas, que se distinguiam pela oralidade no sotaque carregado. Sua obra, quando transcrita para meios gráficos, perde boa parte do significado expresso verbalmente (voz, entonação, pausas, expressões faciais...). Já na oralidade ficam realçados a ironia, veemência, hesitação...

 

No entanto, ele sabia criar versos nos moldes camonianos, incluindo sonetos na forma clássica. Ele mesmo diferenciava seus versos em linguagem culta daqueles em linguagem popular, que chamava de “poesia matuta”. Mais tarde deixou de fazer cantorias com seus versos para concentrar-se apenas na poesia: "Eu deixei de ser violeiro, porque nunca tive prazer em cantar ao som da viola. (...) minha ideia de versejar estava muito acima dessa nossa poesia de viola, que podemos dizer é uma poesia mais ou menos corriqueira. (...) sempre gostei de escrever meus versos, a atualidade, a marcha da vida".

 

Foi homenageado diversas vezes com premiações, títulos e comendas: diploma de “Amigo da Cultura”, outorgado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (1982);  recebeu  títulos de doutor honoris causa de 6 universidades; cidadão honorário de Fortaleza (1982) e Rio Grande do Norte (2000); prêmio Ministério da Cultura na categora Cultura Popular (1995); nomeação de duas bibliotecas públicas no Piauí e a  rodovia ligando Assaré a Antonina do Norte entre outras homenagens. Em 1999 foi inaugurado o “Memorial Patativa do Assaré” em sua cidade.

No ano de seu centenário (2009), o projeto Patativa do Assaré Encanta em Todo Canto percorreu num caminhão 95 cidades do Ceará com o objetivo de difundir a poesia popular. Alguns livros e biografias dão conta de seu legado: O metapoema em Patativa do Assaré: Uma introdução ao pensamento literário do poeta, de Francisco de Assis Brito, da Faculdade de Filosofia de Crato (1984); Filosofando com Patativa, de Jesus Rocha, pela Stylus Comunicações (1991); Patativa do Assaré: as razões da emoção, de Cláudio Henrique Sales Andrade, pela Editora UFC (2004).

 

RAIMUNDO FAGNER - PATATIVA DO ASSARÉ | AVE POESIA - YouTube

 

   


José Domingos Brito - Memorial quarta, 27 de abril de 2022

OS BRASILEIROS: PIXINGUINHA

OS BRASILEIROS: Pixinguinha

José Domingos Brito

 

 

Em 1956 consolida a fama com seu nome dado à rua onde vivia desde 1939. Em fins do ano seguinte teve um encontro com Louis Armstrong no Palácio Laranjeiras, num jantar oferecido pelo presidente Juscelino Kubitschek. A  nata da música brasileira estava presente: Dorival Caymmi, Ary Barroso, João de Barro, Herivelto Martins, Lamartine Babo, Ataulfo Alves... Seguem-se mais shows e discos, intercalados por uma crise cardíaca logo superada, até 1958, na festa de recepção da Seleção Brasileira, campeã mundial de futebol. Cobrindo o evento, estava lá seu futuro biógrafo, o jornalista Sergio Cabral: “Eu, que estava lá e já era fã, aproveitei o intervalo da música para ir conversar com ele. Queria puxar o saco do Pixinguinha”. Pouco depois o presidente Jânio Quadros nomeou-o para integrar o Conselho Nacional de Música, a pedido do professor Mozart de Araújo, em 1961. Em seguida enveredou noutras áreas e produziu a trilha sonora do filme Sol sobre a lama (1963), de Alex Viany, em parceria com Vinicius de Moraes. O “poetinha” disse mais tarde que essa parceria “foi uma coisa dos deuses, nenhum casamento valeu tanto dentro da alma quanto essa parceria com Pixinguinha”. Para ele Pixinguinha era “o maior de todos os músicos populares brasileiros”. Logo saiu a primeira gravação da suíte Retratos, em 4 movimentos pela CBS, orquestrado por Radamés Gnattali, que dá ao primeiro movimento o nome de Pixinguinha.

Em meados de 1964 foi internado por 50 dias no Hospital Getúlio Vargas com um edema pulmonar e passou a fazer eletrocardiogramas quinzenalmente. Após gravar um disco em parceria com Vinicius, em 1966, participou da série de depoimentos ao MIS-Museu da Imagem e do Som, seguido de outras homenagens ao completar 70 anos. Na ocasião foi homenageado com um almoço no Palácio do Itamaraty, ao lado de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Elis Regina e Gilberto Gil, oferecido pelo Ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto. Pouco depois, foi condecorado com a Ordem do Mérito do Trabalho, pelo Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho. As homenagens culminam num concerto no Teatro Municipal, onde ele, no camarote presidencial, vê suas músicas interpretadas por Radamés Gnattali, Jacob do Bandolim, conjunto Época de Ouro, entre outros.

O espetáculo resultou no LP Pixinguinha 70, lançado em pelo MIS.

 

Em 1969, vendeu sua casa em Ramos e mudou-se para outra alugada em Jacarepaguá. Novas dificuldades econômicas levam-no a se mudar novamente, agora para Inhaúma, num apartamento do Conjunto Residencial dos Músicos. Em junho de 1972 sua esposa Betty veio a falecer e a tristeza tomou conta da casa até a manhã do dia 17/2/1973, quando recebe a visita dos amigos Hermínio Bello de Carvalho, Walter Firmo e Eduardo Marques. Conversam amenidades, ouvem música e, na despedida, ele chora. À tarde, foi até Ipanema batizar o filho de um amigo. No instante em que foi assinar o livro da igreja, caiu no altar fulminado por um infarto. Dentre as homenagens ao músico, além das regravações de discos, merece destaque o “Dia Nacional do Choro”, em 23 de abril, data presumida de seu nascimento, criado em 2000; tema-enredo da Escola de Samba Portela, em 1974: “O Mundo Melhor de Pixinguinha”; estátua no Bar da Portuguesa, em Ramos; filme Pixinguinha, um homem carinhoso (2021), dirigido por Denise Saraceni etc. Entre as biografias, cabe destacar: Pixinguinha, vida e obra (1978) de Sergio Cabral, e Pixinguinha, filho de Ogum bexiguento (1998), de Marília Trindade Barbosa e Arthur de Oliveira Filho. Toda sua obra, biografia, cronologia e legado são mantidos pelo IMS-Instituto Moreira Salles, aberto à visitação e no site https://pixinguinha.com.br.

 

PIXINGUINHA E A VELHA GUARDA DO SAMBA

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 13 de abril de 2022

OS BRASILEIROS - RADAMÉS GNATTALI

OS BRASILEIROS: Radamés Gnattali

(José Domingos Brito)

 

 

 

Radamés Gnattali nasceu em Porto Alegre, RS, em  27/1/1906. Músico, compositor, pianista, maestro e um dos mais destacados arranjadores musicais. Substituiu Pixinguinha na gravadora RCA Victor; trabalhou 30 anos como arranjador na Rádio Nacional; fez arranjos para os 4 grandes cantores do rádio: Francisco Alves, Silvio Caldas, Carlos Galhardo e Orlando Silva; participou da criação do choro, como forma musical e foi um dos maiores compositores da música clássica brasileira.

 

Nascido numa família de músicos italianos, foi iniciado no piano aos 3 anos pela mãe Adélia Fossati Gnattali. Aos 14 ingressou no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre e passou a dedicar-se ao estudo da música através do piano, flauta, clarineta, violino e viola, dentre outros instrumentos. Formado em 1924, iniciou tocando piano em cinemas e bailes de Porto Alegre, além de participar de serestas e blocos carnavalescos tocando cavaquinho e violão. No ano seguinte integrou o quarteto de cordas de Henrique Oswald, onde atuou por 4 anos. 

 

Em fins da década de 1920, mudou-se para o Rio de Janeiro com a intenção de tornar-se concertista. Antes, porém, teve que se manter tocando viola e piano em orquestras de teatro e da Rádio Clube do Brasil e integrar o quarteto do Hotel Central. Em 1930 apresentou ao público suas primeiras composições eruditas. Mas para garantir a manutenção, aproximou-se da música popular e passa a trabalhar como arranjador, regente e compor para o teatro musicado. Por essa época gravou seus primeiros choros utilizando o pseudônimo “Vero”. Com a proliferação das rádios comerciais e início da indústria fonográfica, passou a ser mais solicitado e deixa a carreira de concertista em segundo plano.

 

Segue compondo música erudita nas horas vagas entremeadas com alguns concertos. Em 1936, foi contratado como maestro e arranjador na Rádio Nacional e criou a Orquesta Carioca. Com o acréscimo de 2 violões, cavaquinho e vasta percussão, criou a Orquestra Brasileira de Radamés Gnattali, em 1943. A proposta é clara: dar um ar mais brasileiro às orquestrações.  Segundo os críticos, ele criou um estilo próprio ao sistematizar uma nova forma de orquestrar o samba, ao transferir a cadência rítmica da percussão para o naipe dos metais. Tal recurso pode ser ouvido no “riff” da Aquarela do Brasil, executado pelos saxofones. “Riff’ (refrão) é um pequeno fragmento rítmico-harmônico, em geral sincopado, executado na forma de “ostinato”, que vem a ser uma figura repetida obstinadamente.

 

Tal como Pixinguinha, suas composições têm alguma influência do jazz, como no uso da orquestra completa de metais, que gera nos arranjos um timbre influenciado pela música norte-americana, mas criando um estilo próprio. Na década de 1930, o rádio e a música popular representam a ideologia do governo Vargas. Assim, de modo semelhante ao maestro Villa-Lobos, ele aproveita o espaço aberto aos novos maestros e arranjadores. Claro que sua atuação, como a de Villa-Lobos, não é fazer propaganda do governo. Porém, estão em consonância com os projetos do governo e com a atuação da Divisão de Radiodifusão do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda. O trabalho destes compositores ajudou a criar um “imaginário sonoro” do País com um repertório “nacional” de qualidade musical.

 

Com o fim da era Vargas, em 1945, liberta-se dessa fase nacionalista neoclássica e parte para as grandes formas musicais, tais como “Trio miniatura”, “Brasiliana nº 1” e “Concerto romântico’. Mesmo nos arranjos feitos para os 4 grandes cantores do Rádio, podem-se ouvir alguns instrumentos e timbres considerados como precursores da bossa nova. O arranjo de “Copacabana”, por exemplo, gravado em 1946 por Dick Farney, é considerado por alguns críticos como um marco neste processo, que culminou na bossa nova. Outra inovação é a instrumentação de suas peças, escrevendo para solistas, como “Concerto para harmônica de boca e orquestra”, para Edu da Gaita e “Concerto para acordeão e orquestra”, para Chiquinho do Acordeom.

 

Com o fim das orquestras radiofônicas e o surgimento da TV, passou a trabalhar na TV Excelsior e TV Globo como maestro e arranjador no período 1968-1979 e volta a dedicar-se à composição erudita. Ainda na década de 1970, com o renascimento do “choro”, deu algumas “canjas” com apresentações em público. Assim, transitou entre o popular e o erudito com uma vasta produção -mais de 400 obras- no repertório da música brasileira. Uma de suas últimas composições foi o “Hino de Mato Grosso do Sul”, que venceu o concurso público nacional, em 1979. Em 1983 recebeu o Prêmio Shell na categoria de música erudita.

 

No mesmo ano, junto com Elizeth Cardoso, prestou homenagem a Pixinguinha com o recital “Uma Rosa para Pixinguinha” e gravou o disco Vivaldi e Pixinguinha. Encerrou a carreira com a gravação de diversos volumes de história infantil para discos LP (Coleção Disquinho). Em 1986 sofreu um AVC que o deixou meio paralisado e veio a falecer em 13/2/1988. Temos uma vasta bibliografia sobre seu legado musical e em termos biográficos contamos com os livros de Valdinha Barbosa e Ana Maria Devos: Radamés Gnattali, o eterno experimentador, publicado pela FUNARTE, em 1985, e o de Aluísio Didier: Radamés Gnattali, publicado em 1996 pela editora Brasiliana Produções.

 

Radamés Gnattali - Gatinhos no piano (Radamés Gnattali, piano; e conjunto)

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de abril de 2022

AS BRASILEIRA: GUIOMAR NOVAES

AS BRASILEIRAS: Guiomar Novaes

José Domingoa Brito

 


 

Guiomar Novaes nasceu em São João da Boa Vista, SP, em 28/2/1894. Compositora e pianista com sólida carreira internacional e destacada intérprete das obras de Chopin e Schumann. Foi uma das responsáveis pela divulgação de Villa-Lobos no exterior e participante da Semana de Arte Moderna de 1922.

 

Filha da pianista Ana de Carvalho Meneses e José da Cruz Novaes, major e negociante de café. Foi a 17ª dos 19 filhos do casal. Demonstrou interesse pelo piano aos 4 anos, tocando de ouvido. Aos 6 anos a família se mudou para a capital e passou a ter aulas com o professor Eugênio Nogueira, além do incentivo da mãe. Em seguida teve aulas com o professor Luigi Chiaffarelli, famoso mestre italiano, quando foi aprimorada na base técnica e teórica. Aos 8 anos estreou, digamos profissionalmente, em salas de concerto e foi notícia de jornal como menina prodígio. Em São Paulo, era vizinha do escritor Monteiro Lobato, e serviu-lhe de inspiração para criar a personagem “Narizinho”.

 

Aos 15 anos foi contemplada com uma bolsa de estudos no Conservatório de Paris, onde estudou com o mestre húngaro Isidore Philipp. Lá passou por uma banca examinadora, da qual participava o compositor Debussy, e ficou em primeiro lugar ente 35 concorrentes, além de ganhar 1200 francos e um piano de cauda. Ao chegar em Paris foi convidada para visitar a Princesa Isabel, também pianista, que desejava ouvi-la. Foi ela quem estimulou Guiomar a incluir em seu repertorio a Grande fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro. Após 2 anos de curso no Conservatório, recebeu diversas ofertas de contratos e fez uma turnê pela Europa.

 

Retornou ao Brasil em 1914 e nos anos seguintes fez apresentações no Madison Square Garden (1915) e Carnegie Hall (1916), acompanhada pela Orquestra Filarmônica de Nova Iorque. No Brasil, os organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922 precisavam de um nome importante para se apresentar no evento e ela foi convidada. Não gostou do deboche à música de Chopin e manifestou seu protesto numa entrevista. Mesmo assim, fez sua apresentação num dos poucos momentos em que a plateia ficou em silencio para ouvi-la tocar. No mesmo ano se casou com o arquiteto e compositor Oscar Pinto, com quem teve um casal de filhos. 

 

A partir daí incluiu em seu repertório as obras de Villa-Lobos, tornando-se importante divulgadora do maestro nos EUA, onde se apresentou inúmeras vezes.  A imprensa norte-americana a reconheceu como a melhor pianista do mundo. Em 1938 foi convidada a tocar para o presidente Franklin Roosevelt. Em meados da década de 1950, seu marido faleceu. Sofreu um abalo e cogitou um fim de carreira, mas logo se ergueu e voltou aos palcos, fortalecendo-se com a música. Em 1963 foi convidada para representar a América Latina na comemoração dos 15 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU.

 

Em março de 1967 foi escolhida, entre vários artistas do mundo, pela rainha Elizabeth II para participar da inauguração do Queen Elizabeth Hall, em Londres. No mês seguinte foi, de novo, convidada pela rainha para um recital no Palácio de Buckingham. Foi condecorada diversas vezes com títulos, medalhas, insígnias, comendas, e homenagens, dentre as quais o grau de “Chevalier” da Legião de Honra da França (1939) e a Ordem Nacional do Mérito (1955), concedida pelo governo brasileiro. Sua última temporada se deu em 1972 nos EUA, aos 78 anos, e veio a falecer em 7/3/1979, em São Paulo, vitimada por um infarto do miocárdio. Foi velada na Academia Paulista de Letras e sepultada no Cemitério da Consolação ao som da Marcha Fúnebre, da Sinfonia Eroica, de Beethoven, executada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a regência do Maestro Eleazar de Carvalho. 

 

Sua vasta discografia, num período de 60 anos, foi gravada pelas companhias RCA Victor, Duo Art, Columbia Vox, Vanguard e Fermata, que gravou seu último disco com uma série de obras de compositores brasileiros: Francisco Mignone, Marlos Nobre, Souza Lima, Camargo Guarnieri e Villa-Lobos. Dois documentários nos dão um retrato fiel da grande pianista: Guiomar Novaes: depoimento e memória (1978), produzido por Olívio Tavares de Araújo e Infinitamente Guiomar Novaes (2003), dirigido por Norma Benguel. Boa parte de sua biografia pode ser encontrada em Guiomar Novaes do Brasil: a trajetória da pianista em Nova York, incluindo 2 CDs, publicada em 2011 por Luciana Medeiros e João Luiz Sampaio.

 

Documentário sobre a pianista Guiomar Novaes - YouTube

 


José Domingos Brito - Memorial terça, 22 de março de 2022

AS BRASILEIRAS: ANESIA PINHEIRO MACHADO

AS BRASILEIRAS: Anesia Pinheiro Machado

José Domingos Brito

 

 

 

Anesia Pinheiro Machado nasceu em Itapetininga, SP, em 5/6/1904. Jornalista, taquígrafa e aviadora, foi a primeira mulher a realizar um voo com passageiro; primeira brasileira a realizar um voo acrobático e decana mundial da aviação feminina. Foi também pioneira como atriz do cinema mudo e ativista do movimento de emancipação da mulher ao participar do Primeiro Congresso Internacional Feminista, representando a Liga Paulista pelo Progresso Feminino, em 1922.

 

Filha de Aurélia de Vasconcelos Pinheiro Machado e Gustavo Pinheiro Machado, teve os primeiros estudos em sua cidade natal. A paixão pela aviação se deu em 1920, na “Festa do Divino”, quando um piloto norte-americano a convidou para dar um passeio em seu avião. No ano seguinte voltou a voar com outro piloto, de quem recebeu informações sobre o curso de pilotagem. Aos 17 anos mudou-se para São Paulo e iniciou o curso, tendo como instrutor o piloto alemão Fritz Roesler. Seu primeiro voo solo se deu em 17/3/1922, pilotando um biplano Caudron G.3., e recebeu o brevet do Aero Club do Brasil no mês seguinte, junto com Thereza de Marzo, as duas primeiras brasileiras a terem licença de voo. 

No mesmo ano, nas comemorações do centenário da Independência, realizou o primeiro voo São Paulo-Rio de Janeiro, onde participou do show de acrobacias aéreas. Na ocasião foi homenageada por Santos Dumont, que lhe deu uma medalha de ouro, réplica de uma que ele recebeu da Princesa Isabel. O fato foi relevante também para a causa feminista, devido a sua participação nos eventos feministas realizados naquele ano. Dois anos após, participou da Revolta Paulista de 1924 ao lado dos capitães Joaquim e Juarez Távora, chegando a ser detida pelas tropas revoltosas.

 

Sua participação na Revolta deu-se com um voo sobre as tropas legalistas e sobre o encouraçado Minas Geraes, jogando flores e panfletos com a frase "E se fosse uma bomba?". Por conta disso, foi proibida de voar. Por isso, no período 1927-1928, voltou ao jornalismo e manteve um coluna sobre aviação no jornal O Paiz; trabalhou no DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda e na Assembleia Legislativa, voltando a voar somente em 1939. Em seguida realizou um voo acrobático que impressionou a fundadora da Women’s International Association of Aeronautics, Elizabeth Lippincott McQueen, em 1940. No mesmo ano obteve licenças de piloto privado e piloto comercial do DAC-Departamento de Aviação Civil e 2 anos após, obteve a licença de piloto instrutor pelo Aeroclube do Brasil.

 

Recebeu, em 1943 durante a II Guerra Mundial, convite da FAA-Federal Aviation Administration para realizar um curso avançado de aviação nos EUA e trabalhou como piloto e instrutora de voo na Panair do Brasil, de 1944 a 1948 e no CPOR-Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, da FAB-Força Aérea Brasileira. São diversos feitos e pioneirismos na aviação: travessia da Cordilheira dos Andes e uma viagem transcontinental pelas três Américas, em 1951; proclamada “Decana Mundial da Aviação Feminina”, pela Federação Aeronáutica Internacional, durante a Conferência de Istambul, em 1954. Na ocasião recebeu o Diploma “Paul Tissander”, pioneiro da aviação francesa.

 

No livro Frontier by air (1942), a escritora e jornalista Alice Roger Hager deixou registrado que “Anesia is the finest pilot in the country, there was no question abour her ability. When we went to the Aero Club she took a little Bucher up and outflew any women stunt pilot I have ever seen”. Foi homenageada nos EUA como cidadã honorária em diversos estados: Missouri, Oklahoma, Iowa, Louisiania e Kansas. Entre nós, recebeu o título de Cidadã Carioca e Paulistana. Recebeu dezenas de condecorações civis e militares, brasileiras e estrangeiras. Sua cidade natal, orgulhosa de seus feitos, exibe hoje sua estátua em tamanho natural no Largo dos Amores. 

 

Faleceu em 10/5/1999, aos 95 anos. Perguntada diversas vezes por que dedicou-se à aviação, dizia: “O meu desejo de voar talvez seja fruto do meu anseio, sempre cada vez mais intenso, de me elevar, de sair da banalidade do viver comum. É o incontido ímpeto de minha alma, que me impulsiona e me leva a procurar as emoções mais fortes do voo. A vida corriqueira não me satisfaz; ando sempre em busca de alguma coisa nova. É essa faceta de minha personalidade que dirão inconstante, que fez com que eu me dedicasse à aviação”.

 

Anésia Pinheiro Machado, fantastico 2002 - YouTube

 

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 21 de março de 2022

OS BRASILEIROS: PAULO PRADO
 

OS BRASILEIROS: Paulo Prado

José Domingos Brito

 

Descendente de uma influente família paulista, era o primogênito do conselheiro Antônio Prado, primeiro prefeito da cidade de São Paulo, e Maria Catarina da Costa Pinto e Silva. Em 1890, aos 21 anos, diplomou-se advogado e viajou para a Europa, onde passou alguns anos com o tio Eduardo Prado, que o levava para conversar com o português Eça de Queiroz e outros intelectuais e escritores deste quilate. Na companhia do tio, de Olavo Bilac e Domício da Gama, participou das homenagens ao 10º aniversário da morte de Gustave Flaubert, em Rouen. Durante a viagem de Paris a Rouen, dividiu o vagão na 1ª classe com Émile Zola, Edmond de Goncourt e Guy de Maupassant. Convivia também com alguns brasileiros que, de vez em quando, por lá flanavam, tais como Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco. Só voltou em meados de 1910, a chamado do pai para cuidar dos negócios da família, que não eram poucos. Entre 1911 e 1924, foi gerente e presidente da exportadora de café Casa Prado, Chaves & Cia., a maior empresa brasileira no ramo. Seu envolvimento com a arte deu-se em 1919 ao promover a “Exposição de Pintura e Esculturas Francesas” no hall do Teatro Municipal e a montagem da peça O contratador de diamantes, de Afonso Arinos.

Sua importância na Semana de Arte Moderna de 1922 pode ser vista através do diálogo de seus organizadores, publicado na entrevista de um deles, Rubens Borba de Moraes:

– Mas, para fazer essa coisa, precisamos de dinheiro.

E aí alguém disse:

– Justamente com o dinheiro não tem importância. Nós vamos falar com o Paulo Prado.

O Paulo Prado era um grande senhor, um homem milionário, que ia todos os anos à Europa, tinha vivido em Paris, tinha conhecido Eça de Queiroz e estava a par do que você falasse sobre Picasso…de maneira que disse:

– Nós vamos fazer isso. Mas é preciso fazer o seguinte: vamos arranjar o dinheiro com os homens ricos de São Paulo, eu peço para eles, e eles dão esse dinheiro para fazer isso.

E organizamos a Semana de Arte Moderna, e esses milionários paulistas entraram com o dinheiro… e depois ficaram decepcionadas com as manifestações da Semana”. (clique aqui para ler). Após a “Semana”, começou a promover a emigração de alguns artistas modernistas à Paris, como Brecheret, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Villa Lobos, bem como a imigração do poeta Blaise Cendrars ao Brasil e a visita do arquiteto Le Corbusier, em 1929, para conferências em São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires.

Sua relevância no movimento modernista é confirmada através dos depoimentos de seus protagonistas Mário de Andrade: “Sem ser artista ou poeta, sem ser o propositor central dos padrões renovadores de expressão – embora fosse conhecedor e opinasse a respeito – Paulo Prado foi justamente quem deu expressão social ao Modernismo, o que significa dizer que deu o sentido de movimento às experiências até então isoladas dos modernistas” e Oswald de Andrade: “sem a inteligência e a compreensão de Paulo Prado, nada teria sido possível. Ele foi o agente de ligação entre o grupo que se formava e o medalhão Graça Aranha”. Seu nome não é apenas o primeiro a aparecer na lista dos financiadores da Semana. Encarregou-se também do programa, da divulgação e demais detalhes de evento. Mário de Andrade reitera que seu prestígio “abre a lista das contribuições e arrasta atrás de si os seus pares aristocratas e mais alguns que sua figura dominava”.

Suas atividades, além do poderio econômico, extrapolou para a política cultural, que vinha despontando desde muito antes ao negociar com o poeta Paul Claudel, Encarregado dos Negócios da França no Brasil, o estabelecimento do Convênio Franco-Brasileiro em 1917. Por tal feito recebeu a mais alta condecoração francesa: a medalha da Legião de Honra, instituida por Napoleão Bonaparte para recompensar os méritos militares ou civis à nação francesa. Mesmo após a “Semana de 1922” são lançadas diversas revistas de divulgação da produção modernista e seu mome aparece s associado à fundação e ao controle de boa parte dessas publicações. Assumiu o controle da Revista do Brasil, de grande repercussão e longevidade no início do século XX, a Revista do Brasil, editada de 1918 a 1925 por Monteiro Lobato. Devido ao sucesso da publicação, Lobato funda a editora “Monteiro Lobato & Cia”, que conta com sua colaboração financeira na montagem do parque gráfico, e revolucionou o mercado editorial brasileiro. Nesse período, entre 1923 e 1925, enquanto Lobato concentra seus esforços na editora, a Revista do Brasil passa a ser dirigida por Paulo Prado.

Como se viu, o empresário viveu entre duas épocas e dois mundos bem distintos: fins do século XIX e início do século XX, numa Europa que se modernizava e um Brasil que ainda não engatinhava no modernismo. Por esta razão é visto como uma figura de “transição”, representando o ponto de encontro de duas épocas, e duas mentalidades distintas. É também um período de transição da Monarquia à República, da escravidão negra à mão de-obra livre, do apogeu da exportação do café aos primórdios da industrialização. Em contatos com o historiador Capistrano de Abreu (1853-1927), passou a se interessar pela história e publicou dois livros: a história de São Paulo – Paulística (1925) – e a formação do Brasil – Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira (1928), que causou grande polêmica entre os intelectuais. A pedido de Capistrano, empreendeu parte do projeto inacabado de Eduardo Prado, financiando diversas obras raras sobre a história do Brasil. A coleção Eduardo Prado: para conhecer melhor o Brasil teve seus primeiros volumes iniciados em 1922.

O Retrato do Brasil busca explicar as origens do atraso econômico e cultural do País e dos vícios crônicos dos regimes políticos, através do processo de formação racial e cultural da nacionalidade. Segundo alguns estudiosos, apresenta “uma noção racista de superioridade do povo branco paulista e uma concepção do negro como uma raça inferior e corruptora no seio das famílias”. Ou seja, uma noção contraposta a suas ideias de ruptura com o passado, expostas na Semana de Arte Moderna. Tal contradição, levou seu amigo Gilberto Freyre a descrevê-lo como “um dos casos mais curiosos de Dr. Jekyll e Mr. Hyde que já houve no Brasil”, exagerando na comparação.

No entanto, trata-se de um livro que vem sendo reeditado até hoje e considerado básico para o entendimento de algumas peculiaridades na formação do povo brasileiro. Em 2012 o pesquisador Carlos Augusto Calil organizou uma nova edição pela Companhia das Letras, revista e ampliada incluindo a seção “Outros retratos do Brasil” com textos dispersos do autor. Tal lançamento e a repercussão causada certificam que “o apelo veemente à modernização do Brasil e a denúncia dos males da política ainda hão de reverberar como questões candentes (e irresolutas) ao leitor de hoje”. Segundo o historiador Francisco Iglésias, o ensaio de Paulo Prado “é um livro muito errado, mas fundamental e brilhante que se lê com muito prazer”. Para o historiador Boris Fausto, trata-se de “uma tentativa de fazer uma psicologia coletiva, ao passo que as análises de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque têm uma amplitude muito maior e dão mais atenção à vida material. Nesse sentido, Retrato do Brasil seria, isso sim, um precursor da tendência que seria depois chamada de história das mentalidades”.

Não contamos ainda com uma biografia p.p. dita do empresário paulista, mas um apanhado de seu envolvimento com a cultura brasileira pode ser visto no bem intitulado artigo – A face oculta e visionária da Semana de Arte Moderna de 1922 – à disposição na Internet (clique aqui para ler) o que se aproxima mais de uma biografia pode ser visto no livro de Carlos Eduardo Ornelas Berriel – Tietê, Tejo, Sena; a obra de Paulo Prado – lançado pela editora Papiros, em 2000.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 09 de março de 2022

AS BRASILEIRAS: LEOLINDA DALTRO

AS BRASILEIRAS: Leolinda Daltro  

José Domingos Brito

 

   

 

Leolinda Figueiredo Daltro nasceu em Salvador, BA, em 14/7/1859. Professora, escritora, política, indigenista, pioneira na luta pela emancipação das mulheres com direito ao voto e pioneira no reconhecimento do indígena como elemento constituinte da nação e sua integração na sociedade. Atuou na fundação do PRF-Partido Republicano Feminista e batalhou por um sistema de alfabetização laica dirigido aos índios. Era uma “antropóloga amadora”.

 

Casou-se ainda jovem, teve 2 filhos, mas logo separou-se do marido e pasou a estudar a fim se tornar professora. Aos 24 anos, casou-se de novo, teve mais 3 filhos e mudou-se para o Rio de Janeiro. Pouco depois separou-se de novo ou ficou viúva, não se sabe ao certo. Porém, sabe-se que criou os filhos sozinha na condição de professora. No Rio, tornou-se próxima de Quintino Bocaiúva e amiga pessoal de Orsina da Fonseca, esposa do presidente Hermes da Fonseca.

 

Como professora, passou a se interessar pelos índios e defendia sua incorporação à sociedade através da alfabetização laica. Em 1896 iniciou um ambicioso projeto de percorrer o País levando suas ideias. Deixou os filhos com parentes e partiu em direção à São Paulo, onde encontrou, inclusive apoio financeiro, da elite paulista: a família Prado. Prosseguiu viagem até o Triângulo Mineiro e seguiu para os sertões de Goiás, chegando até o Maranhão e Pará. Em 1902, procurou o Instituto Histórico Brasileiro, de Goiás, para propor a criação de uma associação civil de amparo aos indígenas, mas foi impedida de participar da reunião sob a alegação de que era mulher.

 

De volta ao Rio de Janeiro, fundou o Grêmio Patriótico Leolinda Daltro, para defender a catequisação dos índios sem a interferência da Igreja. Com esta “bandeira”, passou a participar cde movimentos cívicos, ganhou notoriedade na imprensa e o tema dividia a opinião pública. Nessa época foi muito criticada e rdicularizada com suas ideias referentes à educação indígena. De qualquer modo, o Governo criou o Serviço de Proteção ao Índio-SPI, em 1910, mas ela não foi convidada para a cerimônia de fundação. Mesmo assim, ela comemorou esta pequena vitória no cuidado com os índios.

 

A partir daí passou a lutar pela conquista do direito ao voto da mulher e requereu seu alistamento eleitoral. Coma a recusa do pedido, fundou em 1910 o Partido Republicano Feminino para integrar as mulheres no movimento sufragista. Para isso contou com a participação da poeta Gilka Machado e colaboração de sua amiga, a primeira dama Orsina da Fonseca. Lembremos que o movimento sufragista das mulheres só tomou corpo 12 anos depois com Bertha Lutz e a criação da FBPF-Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, e que o direito ao voto das mulheres (alfabetizadas e assalariadas) deu-se apenas em 1932, com o governo Vargas, e que o direito ao voto de todas as pessoas alfabetizadas e maiores de 18 anos, deu-se apenas em 1946.

 

Com sua experiência de professora, assumiu a direção da “Escola de Ciências, Artes e Profissões Orsina da Fonseca” e passou a atuar junto com as amigas Gilka e Orsina em defesa da igualdade entre os sexos, contando com apoio de alguns intelectuais, entre estes o famoso jornalista Carlos de Laet. Em 1919, lançou-se candidata à Intendência Municipal (atual prefeito) numa campanha simbólica argumentando: “Como mulher que sou, com um sentido superior de altruísmo, tenho me preocupado com a necessidade de minorar o sofrimento humano e de se atingir uma melhor distribuição da Justiça.” No ano seguinte registrou suas andanças pelos sertões e experiências com os índios e publicou o livro Da catequese dos índios do Brasil (notícias e documentos para a história) 1896-1911 pela tipografia da Escola Orsina da Fonseca. Em 1911, João do Rio publicou uma crônica citando sua coragem: “O Brazil é dos índios. E tanto o Brazil é dos índios, que, ao pensar em symbolizar o Brazil, logo os desenhistas pintam um jovem índio de casaca, claque alto e tanga emplumada... Como nunca tive a coragem civilisadora da professora Daltro, só consigo aproximar-me dos authenticos proprietários deste paiz quando por cá aparece alguma caravana de sujeitos de nariz esborrachado, a pedir ao Papae Grande instrumentos agrários. Essas caravanas são conduzidas por jesuítas dedicados”.    

 

Mais tarde ela declarou que estava feliz e que podia morrer vitoriosa na luta pela emancipação política da mulher pelo fato de alcançarem o direito ao voto em 1932. Com mais de 70 anos, ainda participou da luta feminista na década de 1930, integrando a “Aliança Nacional de Mulheres” e veio a falecer num acidente de automóvel em 4/5/1935. A revista “Mulher”, da FBPF noticiou que “teve ela que lutar contra a pior das armas de que se serviam os adversários da mulher: o ridículo. Talvez isto a houvesse magoado profundamente tanto que se afastou das lides feministas. Mas a sua obra patriótica não parou aí: dedicou-se à obra da alfabetização no meio desses milhões de analfabetos, nela consumindo a sua velhice”.

 

Em junho de 1935, a revista “Ilustração Brasileira” também publicou seu necrológio. A lembrança de seu legado e a merecida honra que lhe foi atribuída muito mais tarde, em 2003, quando a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou a Resolução nº 233, instituindo o “Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro”, outorgado todo ano a 10 mulheres por seu destaque na vida pública e na defesa dos direitos femininos. Procurei alguma biografia sua na Internet e não encontrei. Achei apenas alguns estudos acadêmicos, dissertações e teses sobre sua vida e legado e outros verbetes que me ajudaram a compor esta síntese biográfica. Infelizmente ainda não despertou o interesse das feministas ou historiadores numa biografia mais completa.

 

Leolinda Daltro, a brasileira que era chamada de “mulher do diabo", por querer justiça.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 02 de março de 2022

OS BRASILEIROS: OSWALD DE ANDRADE

OS BRASILEIROS: Oswald de Andrade

José Domingos Brito

 


 

José Oswald de Sousa de Andrade nasceu em São Paulo, SP, em 11/1/1890. Poeta, escritor, advogado, jornalista e dramaturgo. Destacado integrante do modernismo literário brasileiro, é considerado -junto com Mário de Andrade- um dos “dínamos” da Semana de Arte Moderna de 1922. Era conhecido pelo estilo e temperamento irreverente, combativo e inovador. Suas ideias vieram a influenciar o Movimento Tropicalista em meados da década de 1970.  

 

Filho de Inês Henriqueta Inglês de Souza de Andrade (irmã do escritor Inglês de Souza) e José Oswald Nogueira de Andrade, tradicional família paulista. Teve os primeiros estudos no Ginásio Caetano de Campos e iniciou no jornalismo em 1909, como colunista da seção “Teatros e Salões”, do Diário Popular. No mesmo ano ingressou na Faculdade de Direito, interropendo o curso diversas vezes. Em seguida, foi conhecer o Rio de Janeiro, onde ficou hospedado na casa do famoso tio escritor. Em 1911, com ajuda financeira da mãe, fundou o irreverente semanário O Pirralho, contando com a colaboração de  Amadeu Amaral, Cornélio Pires e Alexandre Marcondes entre outros. Mais tarde, Di Cavalcanti veio a ilustrar as capas e conteúdo da revista.

 

Passou uma temporada de 7 meses na Europa em contato com artistas e escritores envoltos no “Movimento Modernista”, em 1912. A morte de sua mãe, apressou a volta, trazendo a tiracolo a estudante francesa Kamiá (Henriette Denise Boufflers), com a qual tem seu primeiro filho (Nonê), e reassume seu posto na redação d’O Pirralho. No ano seguinte, passa a frequentar reuniões de artistas e intelectuais na Vila Kirial e conhece o artista plástico Lasar Segall. Seu primeiro trabalho publicado se dá em 1913 com a peça A recusa, um drama em três atos. Em 1914 ingressa na Faculdade de Filosofia de São Bento e no ano seguinte torna-se membro da Sociedade Brasileira dos Homens de Letras, fundada em São Paulo por Olavo Bilac. Em 1917 namorou a jornalista Maria de Lourdes Olzani, e através dela conheceu Mário de Andrade. Conheceu também a pintora Anita Malfatti e, junto com Mário, defende a pintora das críticas acirradas feitas por Monteiro Lobato. Por esta época começa a se esboçar o grupo que viria a realizar a Semana de Arte Moderna. Em 1920 edita a revista Papel e Tinta e passa a colaborar no jornal Correio Paulistano.  

 

Publicou o romance Os condenados em 1922 e inicia namoro com a pintora Tarsila do Amaral, seu relacionamento mais prolongado, que durou até 1929. Em novas viagens pela Europa, amplia o percurso pelo Oriente Médio e África. Em Paris participa de encontros com a intelectualidade francesa; dá palestra na Sorbonne e mantém amizade com o poeta Blaise Cendrars. De volta ao Brasil, publicou no Correio da Manhã o "Manifesto da Poesia Pau Brasil", em 18/03/1924, no mesmo ano em que foi divulgado o “Manifesto Surrealista” de André Breton. Como se vê, o Brasil seguia os passos do movimento artístico das vanguardas mundiais. Neste ano integrou a "Caravana Modernista", com Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Olívia Penteado, Blaise Cendrars, Goffredo Telles e René Thiollier,  ao carnaval do Rio emendando até Belo Horizonte. Aí foram recebidos por Carlos Drummond de Andrade, Aníbal Machado e Pedro Nava e excursionam pelas cidades históricas. Em 1925 publicou Memórias sentimentais de João Miramar, viaja de novo pela Europa com Tarsila, monta apartamento em Paris, passa a frequentar a casa de campo de Blaise Cendrars e publica na França o livro de poemas Pau Brasil.  

 

Em 1928 divulgou o “Manifesto Antropófago” na Revista de Antropofagia, criada junto com os amigos Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado. A ideia do Movimento Antropofágico era assimilar, deglutir outras culturas, mas não copiar. Na crise econômica mundial de 1929, deu-se uma crise também no seu casamento e no relacionamento com o amigo Mário de Andrade. Seu novo amor agora é uma jovem de 20 anos: Pagu, com quem se casou em 1930. O “casamento” se deu no Cemitério da Consolação, causando certo alvoroço na imprensa. No mês seguinte, a união foi oficializada na igreja e no cartório, com Pagu já grávida do filho, que foi batizado com o nome Rudá Poronominare Galvão de Andrade. O primeiro nome significa o deus do amor e o segundo o nome indígena para um ser malicioso. Com Pagu, uma moça politizada e ligada ao teatro, ele aproxima-se da política, torna-se militante do Partido Comunista e fundam o jornal O Homem do Povo, que durou até 1945.

 

Em 1933 publicou o romance Serafim Ponte Grande e patrocinou a publicação do livro Parque industrial, romance de Pagu. No ano seguinte, deixa Pagu e une-se à pianista Pilar Ferrer. Publica A Escada Vermelha, terceiro romance d'A trilogia do exílio, e O homem e o cavalo. Quando Lévi-Strauss esteve em São Paulo, em 1935, foi seu cicerone e acompanhou-o numa excursão até Foz do Iguaçu. Passa a escrever sátira política para a revista A Platéia; integra o movimento artístico cultural “Quarteirão” e a tocar sua vida boêmia. Em dezembro de 1936, aos 46 anos é hora de casar-se mais uma vez, agora com a escritora Julieta Bárbara Guerrini, tendo como padrinhos o jornalista Casper Líbero e o pintor Portinari. Seu estilo de vida boêmia era conhecido de todos, tanto como casamenteiro em grande estilo.   

 

Passa a residir no Rio de Janeiro e em São Paulo simultaneamente. Sua atuação política se dá com artigos publicados na revista Problemas. Na área da dramaturgia, sua peça mais conhecida é O rei da vela, publicada em 1937 e representada apenas em 1967 pelo Grupo Oficina, com direção de José Celso Martinez Corrêa. Em 1943 começou a publicar a coluna "Feira das Sextas" no Diário de São Paulo e casa-se com Maria Antonieta d'Alkmin. No ano seguinte reúne no volume Ponta de Lança artigos esparsos publicados na imprensa. Pouco depois ciceroneou Pablo Neruda em visita ao Brasil e iniciou a organização da Ala Progressista Brasileira, reunindo alguns políticos num programa de conciliação nacional. Em seguida lançou um “Manifesto ao Povo de São Paulo” e rompeu com o Partido Comunista em 1945. No final da década publicou na revista Anhembi o ensaio   O modernismo e manteve contato com um outro modernista. Recepcionou o escritor Albert Camus e realizaram uma excursão à Iguape, em 1949, para assistir às tradicionais festas do Divino. Como bom anfitrião, foi encarregado de receber o escritor francês de passagem por São Paulo para fazer conferências.

 

Em fins da década de 1940 e início de 1950, dedicou-se mais ao jornalismo e manteve a coluna “3 linhas e 4 verdades” na Folha de São Paulo e a série “A Marcha das Utopias” n’O Estado de São Paulo. Em 1954, a saúde sofre uns abalos e passa a escrever o primeiro volume de sua autobiografia: Memórias: Um homem sem profissão, publicado pela José Olympio Editora. Por esta época o escritor Marcos Rey foi encontrá-lo para tratar da edição de um livro de depoimentos e entrevista, que não chegou a ser concluído. Via-se que não ia bem de saúde e veio a falecer pouco depois, em 22/10/1954. Veja sua última entrevista no link Oswald de Andrade (tirodeletra.com.br). Sua trajetória ficou registrada no trabalho de Maria Augusta Fonseca -Oswald de Andrade–Biografia-, publicado em 1985. Um trabalho que segundo ela: "o resgate da vida do artista não leva apenas às suas agruras pessoais, mas recobre uma parte substantiva da tumultuada história do país, que vai de fins do século XIX à primeira metade do século XX".

 

BIOGRAFIAS - Oswald de Andrade - YouTube

 

 


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