Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 22 de março de 2017

A BANDEIRA DE 1817

 

Proclamada a República de 6 de março de 1817, uma bandeira toda branca substituiu, desde os primeiros momentos, o pavilhão nacional do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, criado pelo decreto de 13 de maio de 1816. Ao descrever os acontecimentos daquele dia, Muniz Tavares, informa que “as tropas de Domingos Teotônio Jorge traziam arvorada uma bandeira branca em vez da real”.

Também na Paraíba confirma o mesmo autor: “A bandeira branca, símbolo da insurreição, foi içada com estrondosos vivas da multidão que não ficou ociosa”. O mesmo aconteceu na tomada da Fortaleza de Itamaracá, pelo padre Pedro de Souza Tenório.¹

A bandeira de então, a do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, era toda branca, tendo no centro as armas da união, isto é, o escudo das armas de Portugal e

Algarves sobreposro as armas do Reino do Brasil e por timbre a coroa real.

 

 

O mesmo Louis François de Tollenare, nascido em Nantes (França), em 4 de abril de 1780 e lá falecido em 23 de dezembro de 1853, que se encontrava no Recife de 1816 a 1818, continua no seu papel de testemunha ocular dos fatos que aconteceram nesse conturbado período, depois registrados em seu manuscrito publicado, parcialmente, por Alfredo de Carvalho (1905) sob o título de Notas Dominicais. Tal manuscrito, desconhecido por Muniz Tavares, mas largamente citado por Oliveira Lima, vem a ser republicado na primeira fase da Coleção Pernambucana (v. 16) em 1978.²

Segundo Tollenare, em suas Notas Dominicais, o pavilhão branco tinha por fim tornar menos brusca a transição de regime era uma bandeira com que “os fortes do Recife anunciavam, havia muito tempo, o aparecimento de navios na costa e as embarcações vindas de fora, vendo sempre o sinal acostumado, entravam sem desconfiança: era isto o que justamente se queria, porquanto havia falta de víveres na cidade e se receava que o aspecto de uma nova bandeira assustasse os que traziam”.

Todavia, esta bandeira provisória, foi aos poucos sendo substituída por outra, descrevendo o mesmo Tollenare, em 16 de março, o projeto de um novo pavilhão; foi ventilada também a hipótese da adoção do pavilhão tricolor francês, porém logo afastada “por representar as três ordens honoríficas existentes na França”.

 

Pela informação de L.F. de Tollenare, que trata dos vários acontecimentos naquele domingo 16 de março, uma nova bandeira veio a surgir 2 de abril, e não no dia 1, como é largamente afirmado por vários historiadores: “A nova bandeira é azul e branca; embaixo há uma pequena cruz vermelha; na parte azul, em cima, um sol, cercado de um arco-íris, e uma estrela, ao lado da qual se espera ver juntar-se muitas outras”.

Proscreveu-se da conversação as antigas fórmulas, cuja polidez achou-se demasiado servil.

Em lugar de “Vossa mercê”, diz-se “Vós”, simplesmente; em lugar de Senhor é-se interpelado pela palavra Patriota, o que equivale a cidadão e ao tratamento de tu, de que nos servimos em França, nos nossos tempos demagógicos.

As cruzes de Cristo e outras condecorações reais abandonam as botoeiras; faz-se desaparecer as armas e os retratos do rei. Prepara-se uma nova bandeira nacional; a Branca arvorada a princípio, tinha apenas por fim tornar menos brusca a transição; apresentaram-na como símbolo de intenções pacíficas.

É, aliás, a com que os fortes portugueses anunciam aqui, há muito tempo, o aparecimento de navios na costa.

As embarcações vindas de fora, vendo sempre o sinal acostumado, entram sem desconfiança, é o que se quer, porque há falta de víveres; receiava-se que uma nova bandeira não assustasse os que os trazem.

Apesar dos protestos de amizade que os novos governantes prodigam aos estrangeiros, fazemos todos preparativos para deixar um país que experimentará provavelmente, bastante calamidades antes de alcançar a felicidade política que procura.

Segundo escreve F. A. Pereira da Costa no volume VII dos Anais Pernambucanos, p. 412, a fim de expressar os reais propósitos do novo regime.³

Naquele dia, 2 de abril, “um bando soleníssimo do governo provisório da república”, a toque de caixas, apareceu nas ruas convidando todo o povo para, no dia seguinte, a bênção solene das novas bandeiras nacionais no Campo da Honra, assim denominado pelos patriotas o Campo do Erário, hoje Praça da República.

Muniz Tavares, em sua História da Revolução de Pernambuco em 1817, não se refere ao arco-íris, na descrição que faz da nova bandeira, e o padre Joaquim Dias Martins (Mártires Pernambucanos) não menciona a cor azul, salientando que constava do arco-íris tendo sobreposto o sol, e sobreposta a cruz, ocupando a metade inferior do campo branco e por baixo as iniciais S. P. S. L. E.; que representam a legenda latina Salus populos suprema lex est.

A descrição de Tollenare é a mais exata, estando bem de acordo com o desenho em aquarela, com notas explicativas em inglês, enviado pelo governo provisório aos Estados Unidos da América do Norte e entregue por Antônio Gonsalves da Cruz, o Cabugá, encontrado no Arquivo da Secretaria dos negócios Estrangeiros de Washington. A descoberta do documento se deu em 1886 pelo Dr. José Augusto Ferreira da Costa, representante do Brasil junto ao mesmo governo, que remeteu uma cópia da aquarela ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em carta datada de 20 de novembro daquele ano.

A aquarela original foi oferecida em 21 de agosto de 1919 àquela instituição, pelo então ministro Barros Pimentel, nela se encontrando, em inglês, a seguinte nota explicativa:

“As três estrelas representam os Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, que, segundo as últimas notícias (5 de abril), compunham a Confederação para a liberdade e independência. Logo que outras províncias do Reino do Brasil tiveram aderido à Confederação, outras estrelas serão colocadas em volta do arco-íris. O arco-íris tem três cores, simbolizando paz, amizade e união, que a Confederação oferece aos europeus portugueses e aos povos de todas as nações que vierem pacificamente aos seus portos ou porventura venham residir entre eles. O sol significa que os habitantes de Pernambuco são filhos do sol e vivem sob ele. A cruz alude ao nome de Santa Cruz (the Holy Cross) dado ao Brasil na época de seu descobrimento”.

Alfredo de Carvalho, em artigo publicado na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, nº 65/70, se refere à nova representação da bandeira, também em aquarela, possivelmente retirado dos autos da Devassa, que figurou na Exposição de História do Brasil, realizada no Rio de Janeiro em 1881, sob o nº 20.075, devendo se encontrar hoje na Seção de manuscritos da Biblioteca Nacional.

O projeto da bandeira, segundo o mesmo Alfredo de Carvalho, presume-se ao padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro (1766-1817), professor de desenho do Seminário de Olinda, ficando a sua confecção a cargo do pintor Antônio Álvares, pardo fluminense residindo então no Recife, que realizou o desenho e depois o remeteu ao alfaiate José do Ó Barbosa, capitão de milícias do Regimento dos Homens Pardos, para executar os estandartes da nova república. Para isso contou com a ajuda de sua mulher e suas filhas, além de seu irmão Francisco Dornelas Pessoa, capitão do mesmo Corpo, “trabalho este que fizeram gratuita e desveladamente”.4

Os primeiros pavilhões foram confeccionados em seda, “composto de pequenas partes da mesma fazenda para representar não só o colorido como o desenho de todas as peças de que se dispunha o estandarte”, destinados aos três corpos do exército.

Escrevendo no Domingo de Páscoa, 6 de abril de 1817, Tollenare, relata as cerimônias da Semana Santa, salientando: “Havia alguma inquietação quanto à inauguração da nova bandeira nacional; exerceu-se uma polícia muito vigilante e tudo se passou tranquilamente” (ob. cit.).

Provavelmente no dia 3 de abril, pois como salientamos anteriormente se o domingo ocorreu no dia 6, a Quinta-Feira Santa aconteceu no dia 3, concordando assim com o calendário, era armado um altar no Campo da Honra, hoje Praça da República, voltado para o Oriente, tendo sido iniciada a cerimônia da bênção das bandeiras às oito horas da manhã presidida pelo Deão de Olinda, Dr. Bernardo Luís Ferreira Portugal (1755-1835), com três regimentos formados.

Terminado o discurso, feito o juramento, o Deão fez entrega dos estandartes aos governadores da nova República, Manuel Correia de Araújo, Domingos José Martins e padre João Ribeiro Pessoa Montenegro, que, entre salvas e músicas militares dão o primeiro a Pedro da Silva Pedroso, coronel comandante do Regimento dos Homens Brancos; o segundo a Francisco Dornelas Pessoa, dos Pardos; e o terceiro a Joaquim Ramos de Almeida, dos pretos.

“Pedroso, por fim, levou seu estandarte ao general Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa e a José de Barros Lima, o Leão Coroado”.

O restante do dia, em que pese ter sido numa Quinta-Feira Santa, foi todo de festa, com grande regozijo popular, havendo ainda muitos discursos sobressaindo a todos o do poeta Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque. O carmelita frei Joaquim do Amor Divino Caneca, que mais tarde veio a ser mártir da Confederação do Equador, fez a distribuição de versos patrióticos, denominados Canção Pernambucana, dos quais somente três estrofes chegaram aos nossos dias:

Cidadãos pernambucanos
Sigamos de Marte a lida;
É triste acabar no ócio,
Morrer pela Pátria é vida.

Quando a voz da Pátria chama
Tudo deve obedecer;
Por ela a morte é suave,
Por ela cumpre a morrer.

O patriota não morre
Vive além da eternidade
Sua glória, seu renome
São troféus da humanidade

“Com facilidade, comenta Muniz Tavares, quase todos juram; raramente um ou outro mantém o juramento; os vínculos sagrados se despedaçam com imprudência, calamidade de todas as idades, que devendo excitar as lágrimas, move o riso”.

_________________________________________________

¹ Muniz Tavares, p. 72 (op. cit.).

² TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 3. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978. 272 p. il. (Coleção pernambucana; 1ª fase, v. 16). Inclui desenhos do autor e notas sobre a Bahia p.207-270.

³ Existe um conflito em datas, entre Tollenare, Muniz Tavares, padre Joaquim Dias Martins, autor de Mártires Pernambucanos (1821 ou 1822), alguns depoimentos na Alçada, cartas e Pereira da Costa. Este último, com base no relato do padre Dias Martins, afirma que a nova bandeira veio surgir no 1º de abril ocorrendo a bênção no dia seguinte; desprezando o relato do monsenhor Muniz Tavares que, escrevendo muito tempo após, diz ter o fato acontecido no dia 21 de março, caindo, assim, num lapso de memória. A data de Pereira da Costa, embora aceita pacificamente até pela Constituição do Estado de Pernambuco (art. 5º, 1º), também não corresponde à verdade: Escrevendo em suas Notas Dominicais, no Domingo de Páscoa, 6 de abril. Tollenare se refere aos atos da Semana e a “inauguração da nova bandeira nacional”. João Lopes Cardoso Machado, escrevendo a um compadre em 17 de junho de 1817, situa a benção das bandeiras “na Quinta-Feira de Endoenças” (Documentos Históricos, vol. 102, p. 6). Todas as testemunhas e cronistas são unânimes, com exceção do depoimento do Deão de Olinda que fala de Sexta-Feira Santa (Documentos Históricos, vol. 105, p. 175), em ter a bênção das bandeiras ocorrido na Quinta-Feira Santa. Sendo, portanto, domingo dia 6 a quinta-feira ocorreu no dia 3 e não no dia 2; conferindo assim com o calendário.

4 Antônio Álvares, além da nova bandeira, pintou retratos dos membros do governo provisório, sendo por isso atrozmente perseguido. Dos trabalhos do artista pardo fluminense resta, na galeria do Instituto Arqueológico, o de José Luís de Mendonça faltando os demais. O de Domingos José Martins, segundo Oliveira Lima, parece não ser de sua autoria, mas “antes trabalho europeu”. Foi o artista condenado a ser surrado nas grades da cadeia, pelo almirante Rodrigo José Ferreira Lobo, mas livrou-se da pena apadrinhando-se com um retrato de Dom João VI, “que possuía, e com o qual abraçou quando foi preso”, sendo porém recolhido à cadeia onde ficou até a vinda do general Luís do Rêgo Barreto que, conhecendo o pintor do Rio de Janeiro, mandou-o soltar. É de autoria do mesmo artista, denominado por Teixeira Melo de habilíssimo pintor, as estampas coloridas da Flora Fluminense, escrita pelo frade Francisco José Mariano da Conceição Veloso e concluída em 1790. Nasceu o artista no Rio de janeiro, na segunda metade do Século XVIII e fez seus estudos na Europa, pouco se sabe com respeito a sua vida após 1817. Os irmãos Francisco Dornelas Pessoa e José do Ó Barbosa, homens pardos, alfaiates, capitães de corpos milicianos de gente de sua cor, por patente régia, foram também arrastados às enxovais da cadeia onde permaneceram por um ano. Só não foram açoitados, conforme havia determinado Rodrigo lobo, pelo fato “de velar, e de dormir sempre em uniforme de capitão, feito pelo rei”. (Pereira da Costa, ob. cit., VII, p. 424 e 467).


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