Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 13 de março de 2021

A BARRA DE DONA LEONITA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A BARRA DE DONA LEONITA

Barra de São Miguel, 30 km ao sul de Maceió, é uma das praias mais bonitas do Brasil, tornou-se município no final da década de 1960 e eu fui candidato à prefeito em 1972, eleito, exerci o cargo entre 1973 e 1977. Tive duas alegrias: uma quando tomei posse, outra quando passei o mandato. Foi minha primeira e única experiência política.

Barra de São Miguel foi revelada ao Brasil e ao mundo pela prefeita que me antecedeu, uma senhora nativa, batalhadora. Dona Leonita Cavalcante. Viúva corajosa conseguiu educar seis filhos, Angélica, Manduca, Júlia, Isabel, Rosinha e Miriel. Tornaram-se pessoas trabalhadoras, brilhantes, graças à dedicação e ao amor daquela extraordinária mulher. A Prefeita morava em uma enorme casa, estilo barroco, piso de tijolos batido, ajanelada, no centro da cidade. Fim de semana recebia a família e os amigos. A casa se enchia de agregados. A moçada aproveitava a praia, uma extensa passarela de areia fina e branca servindo de tapete para água do mar. Encravada mar adentro uma faixa de pedras, de arrecifes naturais, complementava a beleza cênica. Na enchente da maré, a água transbordante forma pequenas cachoeiras, espetáculo apaixonante.

Na hora do almoço Dona Leonita servia deliciosas comidas em uma mesa enorme, antiga, de madeira grossa. O almoço preparado pela própria Leonita tinha o sabor divino de suas mãos: carapeba, arabaiana ao molho de camarão, fritada de siri, e o indelével, delicioso, sacro-santo arroz de polvo.

Durante a noite os jovens convidados carteavam baralho acompanhado de cerveja até o amanhecer, ou aportavam em algum bar com muitas conversas, biritas, inacreditáveis histórias bem humoradas. Dona Leonita, mamãe grande, cuidava muito bem de suas filhas, das amigas, e dos rapazes. Controlava, tinha disciplina. Ai de quem desobedecesse às regras determinadas.

Certa manhã, partimos de Maceió para Barra em caravana, quatro carros, incluindo o de Dona Leonita e sua cunhada Dona Moema que lhe acompanhava.

No caminho passamos pela bela cidade barroca de Marechal Deodoro, resolvemos calibrar com algumas cervejas. Os carros estacionaram em frente a um bar com uma enorme sinuca, perto da casa onde o Marechal Deodoro da Fonseca nasceu. A moçada revezava na sinuca e cerveja: os irmãos Bentes, Edson Frazão, Alfredo Zagalo, Guilherme Palmeira, Esdras Gomes, Manduca e as filhas da Dona Léo e outros convidados.

Jogamos, bebemos intermináveis saideiras. De repente apareceu um menino chato, peru de jogo. Ficou grudado na borda da mesa de sinuca, peruando e atrapalhando as jogadas. Depois de mandar, várias vezes o menino se afastar da sinuca, Frazão, com sua irreverência intempestiva e irresponsável, disse para o garoto chato: “Ôh menino, tem o que fazer não? Aqui nessa cidade tem Delegado? Pois vá dizer a ele, que ele é corno!”

O menino desapareceu. Meia hora depois, por sorte, Angélica avistou quatro soldados, um gordo senhor e o menino, descendo a ladeira vindo na direção do bar. Ela percebeu a situação, alertou que o delegado estava chegando com a Polícia. Foi um desespero para esconder Frazão. O Magro se enfiou no sótão do bar, calado, permaneceu escondido.

O delegado apareceu brabo perguntando quem o tinha chamado de corno. O infrator ia ser preso por ofensa à autoridade. Dona Leonita interferiu, disse que o rapaz falou de brincadeira, e que tinha voltado para Maceió. O delegado, amigo de nossa Prefeita, depois de muita conversa, tomou outro rumo.

Alguém veio nos informar: o delegado havia bloqueado as saídas da cidade, estava revistando todos carros. Dona Leonita teve a idéia: deitaram o magro Frazão no chão traseiro do carro, coberto por uma manta. Conseguiram passar pelo ofendido delegado que olhava atentamente enquanto o carro passava pelos policiais.

À noite estávamos em três rodas de jogo de baralho na casa da Barra, quando bateram na porta. Era o delegado de Marechal Deodoro com a Polícia. Dona Leonita foi atender, Frazão escondeu-se ligeiro no banheiro do fundo do quintal. O diálogo foi difícil, o delegado foi informado que o indivíduo estava hospedado naquela casa, só saía com ele preso, não podia ficar desmoralizado, foi chamado de corno; ofensa mortal naquela época.

Foram horas de conversa, de negociação. Afinal Dona Leonita usou seus melhores argumentos: serviu à comitiva um gostosíssimo arroz de polvo, uma deliciosa fritada de maçunim, acompanhando cerveja bem gelada. O gordo delegado com olhar glutão foi esvaziando todos os pratos com cerveja. Dona Léo com conversa e comida, venceu. O delegado partiu de bucho cheio, sonhando com o divino arroz, com promessa de castigo por parte da Prefeita ao ofensor e de um jantar especial para ele na próxima semana.

Dona Leonita deixou de lado o coração bondoso, deu uma espinafração no magro Frazão. Ele ficou sério, ouviu tudo caladinho.

Hoje Barra de São Miguel é um local chique, atração turística do Brasil e do mundo, uma das praias mais bonitas do Nordeste. Todo novo rico, constrói ou compra uma casa na Barra de São Miguel.

A prefeitura é disputadíssima, o novo prefeito é o ex senador Benedito de Lira, pai de Arthur, o presidente da Câmara.


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