Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis domingo, 23 de dezembro de 2018

A CARTOMANTE COLOMBIANA

 



Em outubro de 2005, estive nos Estados Unidos por razões profissionais. Terminados os trabalhos, adiei a viagem de retorno ao Brasil e passei uma semana em Miami. Depois quinze dias de trabalho, em ritmo intenso, queria passar uns dias descansando.

Aproveitei a ocasião para visitar um amigo – a quem chamarei aqui de Ricardo – que há anos morava naquela cidade da Flórida.

Conhecendo Miami como se houvesse vivido ali desde a infância, Ricardo levou-me para visitar muitos lugares e encontrar gente nova. Um dos lugares visitados foi um restaurante cubano, onde almoçamos certa vez. Como de costume, havia ali vários amigos dele, que nos receberam calorosamente.

Todos no lugar falavam espanhol. Despertou-me especial atenção uma colombiana, chamada Vera, que aparentava uns sessenta anos de idade e vestia roupas de cores aberrantes. Na cabeça, usava uma espécie de lenço vermelho, que prendia apenas parcialmente seus cabelos, dando-lhe a aparência de algumas ciganas de filmes e novelas.

À medida que a conversa avançava, percebi que ela frequentemente se referia a um certo Pablo, como sendo alguém conhecido das outras pessoas que estavam ali. Narrava fatos pitorescos envolvendo o tal Pablo, e todos riam.

Tentando compreender melhor o que se passava, perguntei:

– Con su permiso, señora, ¿quién es Pablo?

Ao ouvir minha pergunta, Vera deu uma sonora gargalhada. Mas não respondeu. Simplesmente lançou um olhar para meu amigo Ricardo e fez um movimento com a cabeça, como se o autorizasse a me responder. Ele entendeu o sinal e me disse, sorrindo, mas baixando a voz:

– A Vera é cartomante do Pablo Escobar. Cartomante só, não. É uma espécie de conselheira, guia espiritual, essas coisas …

– Cartomante de quem? – perguntei. Não por não haver entendido o que Ricardo me dissera em claro português, mas por achar que havia ali alguma espécie de brincadeira.

– Do Pablo Escobar. O colombiano.

– Então, ela foi cartomante dele, não? Porque, se o cliente dela for o Pablo Escobar que estou pensando, já morreu há uns dez anos.

Foi a vez de Ricardo olhar para Vera, como a lhe pedir autorização para seguir na explicação até o final.

Antecipei-me, porém, ao diálogo mímico dos dois e perguntei diretamente a ela, em espanhol:

– ¿Entonces usted fue cartomante de Pablo Escobar?

– En español, se habla “usted fue” o “yo fui” para hechos pasados – respondeu ela falando lentamente. – En el presente decimos: “usted es” o… “yo soy”!

– Sí, claro! Pero Pablo Escobar ha muerto desde hace más de 10 años…

Nova gargalhada de Vera. E continuou falando, agora, em um espanhol rápido e misturado a sorrisos, que, pelo que entendi, significava o seguinte:

– Não morreu nada! Armou toda aquela história de ter sido morto. Depois, se escondeu aqui, em Miami. Tudo combinado com o governo dos Estados Unidos. Fez parte do acordo para ele se entregar.

A essa altura, tive certeza de que ela realmente estava brincando comigo. O Pablo de quem falava era certamente algum amigo íntimo, a quem ela acrescentava o sobrenome Escobar, apenas como uma “broma”. Sorri e fiz um ar de quem havia acreditado no que acabara de ouvir, dando o caso por resolvido.

A partir daí, a conversa prosseguiu até nos despedirmos, sem mais nada digno de relato.

Ocorreu, porém, que, na noite daquele mesmo dia, Ricardo me levou a conhecer uma movimentada boate de Miami. O lugar estava lotado, com muita gente ocupando toda a calçada e parte da rua. A bilheteria já estava fechada e os seguranças, atentos para não permitirem a entrada de mais ninguém.

Falei para Ricardo que não havia problema. Que poderíamos ir embora e voltar no dia seguinte, mais cedo. Mas ele respondeu apenas:

– Espera, aí. Deixa eu ligar pra Vera, que ela dá um jeito.

Ligou, disse algumas palavras em espanhol que não entendi e deu uma gargalhada. Depois, desligou e falou para mim:

– Pronto. Resolvido!

Minutos depois, dois homens enormes, vestindo paletó, gravata e camisa pretos, saíram da boate e vieram em nossa direção. Dirigiram-se ao Ricardo e falaram com ele, em inglês, parecendo-me que pediam uma confirmação de que ele era mesmo quem procuravam. Em seguida, pediram-nos que os acompanhassem e conduziram-nos para a entrada da boate.

Lá dentro, Vera nos aguardava com um sorriso e um abraço. Estava em uma área restrita do lugar. Uma espécie de camarote, guardado por vários seguranças, semelhantes aos que nos foram buscar lá fora.

Acomodei-me por ali e fiquei observando o movimento. A todo o momento passavam garçons com bandejas repletas de latas de cerveja e drinks coloridos. Sem saber que tipo de bebida os tais drinks continham, preferi a segurança da cerveja.

Algum tempo depois, o fornecimento de cerveja foi suspenso, chegando a mim a informação de que, em toda a Flórida, a venda de bebidas alcoólicas era proibida de zero hora ao meio dia do domingo (nunca tentei confirmar isso).

A partir daí, o lugar começou a esvaziar-se lentamente. Vera já tinha ido embora bem antes. Ricardo sinalizou para irmos também. Pedi a um dos garçons que me orientasse sobre como fazer o pagamento das cervejas que havia consumido, mas ele me respondeu que eu não precisaria pagar nada. Falando em inglês, disse algo que me pareceu significar:

– Não precisa pagar nada. Todos aqui são convidados do Chefe!

Apontou para um homem ao fundo daquele espaço VIP e disse:

– Look there! He’s The Boss!

Em seguida, talvez por ter percebido meu sotaque e minha aparência latina, completou:

– Un gran hombre. El Patrón! – e afastou-se.

Como o tal “Patrón” estava cercado por muita gente, não consegui ver seu rosto. Reparei bem que era o único usando roupas de cor clara, provavelmente branca, nada mais que isso. Em meio àquele aglomerado de pessoas, a aproximação, para colher mais detalhes, era difícil. A iluminação também não ajudava.

Fomos embora e nunca perguntei nada a Ricardo sobre aquela noite, mas até hoje me pergunto se aquele homem da boate, chamado “The Boss” ou “El Patrón”, tinha alguma relação com a nossa conversa do almoço.

Alguns dias depois, retornei ao Brasil.

(*) Esta é uma obra de ficção. Tanto as datas como os nomes verdadeiros de pessoas e lugares foram incluídos para dar mais apelo dramático ao conto.


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