Há sonhos estranhos, que nos dão a impressão de termos feito uma viagem ao além, onde nos encontramos com uma pessoa que é a perfeição da beleza, e que nos atrai física e espiritualmente. Quanto mais longo é o sonho, maior o desapontamento (ou alívio), que sentimos quando despertamos.
Os gênios Chico Buarque (letra) e Edu Lobo (música), em parceria, compuseram a belíssima música “A Moça do Sonho”, que nos transporta a um universo de fantasia, em busca da perfeição da pessoa amada.
O encontro desses dois gênios resultou nessa belíssima composição, uma verdadeira obra prima.
O “eu lírico” fala da mulher dos sonhos do poeta, num desejo desesperado de que fosse tudo realidade.
Essa canção foi composta para a peça de teatro Cambaio (2001). O eu lírico ou eu poético é a voz que se expressa em uma poesia. Tal voz manifesta sentimentos, emoções, pensamentos e até opiniões. Portanto, tudo que é dito em uma poesia deve ser atribuído ao eu lírico, e não ao poeta.
Na composição “A Moça do Sonho”, o poeta, em sonho consegue visualizar a mulher que mora na sua imaginação. Mas, não dá para perceber nitidamente seus traços fisionômicos, o que lhe faz se arriscar a perguntar quem é ela. Mas, tomado de emoção, não consegue falar. Sua voz fraqueja.
“Entre escadas que fogem dos pés/ e relógios que rodam pra trás/ se eu pudesse encontrar meu amor/não voltava jamais.”(Diz o poeta)
Soprando o rosto da moça, com tristeza, verificou que ele se desfez em pó e sumiu.
Como numa magia, a moça voltou sussurrando uma canção. Ele resolveu novamente perguntar quem era ela, mas numa luminosidade que não lhe permitia enxergar bem, sentiu que ela fugia novamente, devagarinho.
Procurando evitar a fuga, a segurou. Ele a ouviu gemer, mas não sabia dizer se era por prazer ou dor. O vestido se desfez, desapareceu, mas o poeta não conseguiu vê-la nua.
No seu rosto, não identificou a mulher dos seus devaneios.
E o poeta ficou a imaginar, que seria bem melhor se vivêssemos os sonhos e não a realidade. Porque os sonhos são manifestações dos desejos, vontade daquilo que pretendemos viver. A realidade, muitas vezes, é cruel.
Seria muito bom, se houvesse um lugar, onde os sonhos tivessem a energia do que é verdadeiro.
Nesse lugar, a Moça do Sonhos seria a rainha que fascinaria o poeta todos os dias, com seu sorriso, seu rosto de beleza deslumbrante e seus gemidos de prazer. Lá teria uma cama, onde, quem sabe, a cada noite ele se fizesse presente nos seus sonhos.
Quando os sonhos desaparecem e se findam, o que fazer para revivê-los? Onde encontrá-los? Devia haver uma praça com ofertas, para que pudéssemos localizar aqueles sonhos que se foram, mas que ainda temos esperança de que ressurjam!
Nada evitará que continuemos nessa busca. Mas, se eles forem encontrados, não voltarão jamais a ser como antes.
A MOÇA DO SONHO Canção de Chico Buarque (Letra) e Edu Lobo (Música)
Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó
Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez
Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu
Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava jamais