Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo sexta, 14 de abril de 2023

A VILA DO JOÃO-DE-BARRO (CONTO DE JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A VILA DO JOÃO-DE-BARRO

José de Oliveira Ramos

A nova moradia do João-de-barro

 

São muitas as leis brasileiras que protegem as florestas.

O povo brasileiro é quem faz com que essas leis não signifiquem muita coisa – e, nisso, tem a conivência dos aplicadores dessas leis como forma de punir e coibir a repetição dos crimes ambientais.

Na Austrália, algumas leis não são diferentes das leis brasileiras. O que faz a diferença é a aplicação da legislação vigente com maior rigor – e isso garante o respeito às leis e a preservação do meio ambiente.

No Brasil, todo dia é dia de caçar.

No Brasil, todo dia é dia de prender e criar pássaros silvestres, em que pese a também corriqueira e repetitiva apreensão dos transgressores – mas a pena aplicada é que desmoraliza a legislação e incentiva a continuidade da prática do crime.

Conheci Timbaúba, um povoado localizado entre Queimadas, outro povoado, e Pacatuba, municípios atualmente integrados à Região Metropolitana de Fortaleza. Timbaúba é onde existia uma importante (ainda que pequena) mata no pé da serra do município de Pacatuba. Era ali, na Timbaúba, que muitos desenvolviam o hábito de caçar (e matar) passarinhos e outros animais silvestres (cotias, pacas, tatus, camaleões, teiús, mucuras e até alguns veados) para o complemento alimentar.

Mas, era lá, também, na Timbaúba, que as crianças e alguns adultos apreendiam pássaros e capturavam outros tantos, em arapucas e alçapões e, por vezes, ainda recolhiam nos ninhos os filhotes recém-nascidos.

Criavam os filhotes para o deleite de escutar o canto ou para uma futura venda. Sabiás, galos de campina, rolinhas, azulão, sanhaços, graúnas, corrupiões e xexéus. Frutas e papa de leite com farinha de mandioca serviam como alimento para os filhotes.

Naqueles anos, diferentemente de hoje, não eram tão numerosas as famílias que ali viviam por livre escolha. A capital não ficava tão distante e onde as principais dificuldades podiam ser resolvidas em pouco tempo.

Numerosa, a família de José Dourado, mais conhecido por “Seu Zeca” que, ao lado de Dona Amarilis, chegou naquela localidade no início dos anos 40. Mais precisamente, no ano de 1943. Cada ano, nascia uma criança. E assim foi em 43, 44 e 45.

Depois nasceriam outros. Duas meninas e mais um menino, num total de seis filhos.

Infelizmente, por total descuido da gestão pública municipal, as escolas de iniciação (primário, ginasial e científico) não eram tantas. Quem pretendesse ir à frente nos estudos, precisaria mudar de cidade para alcançar novas metas.

Não foi diferente com a família de “Seu Zeca” e Dona Mamá (Amarilis), que acabaram entendo que, por força da necessidade do estudos dos meninos, precisariam mudar para a capital, ainda que ali mantivessem aquele pequeno sítio. E assim fizeram.

Trouxeram parentes de Queimadas para morar na casa da Timbaúba e, só então, resolveram mudar para a capital.

Qualquer mudança de lugar de moradia por longo tempo será traumática para alguém. As antigas amizades, a vizinhança conhecida, as facilidades de locomoção e o conhecido estilo de vida. Quem parte sofre, ainda que sonhe com melhores perspectivas, e quem fica vai nutrir o sentimento da perda por algum tempo.

Os três meninos mais velhos precisavam dar continuidade aos estudos. Paulo, 13 anos; Moisés, 12 anos; e, Alfredo, 11 anos. Paulo, além dos estudos, tinha algumas tarefas domésticas em apoio aos pais e era o responsável por levar todo dia o almoço de “Seu Zeca” quando esse cuidava da roça – e lá havia sempre alguma coisa por fazer.

Moisés e Alfredo ajudavam a mãe nas tarefas domésticas e estudavam. Nas horas vagas, se dedicavam à caça de passarinhos, armando arapucas e catando filhotes. Os dois, diziam os outros meninos de Timbaúba, eram donos de ótima pontaria e tinham as melhores baladeiras. Sabiam quase tudo de pássaros e até conseguiam imitar o cântico de alguns deles, como o bem-te-vi e a graúna.

Alfredo, sempre mais tímido, mas também bom conhecedor de passarinhos, conseguiu tirar do ninho ainda em penugem, um casal de João-de-barro e dele cuidou por meses.

Chegara o dia da partida. Sem alcançar outra solução, Alfredo resolveu abrir a gaiola e soltar o casal de João-de-barro, antes, tendo o cuidado de acariciar demoradamente as cabeças das duas aves. As aves voaram, mas pousaram num florido ipê que havia ao lado da porteira de acesso para a casa da família.

O caminhão da mudança partiu, e algumas lágrimas impediram que alguém prestasse atenção no que acontecia em volta. Antes que o caminhão sumisse definitivamente na estrada, Alfredo e Moisés ainda viram o aceno do casal que ficara morando na casa da Timbaúba.

Na viagem poucas palavras. Paulo observava o casario diferente da vida urbana da capital, sem qualquer semelhança com as casas simples da Timbaúba. Moisés e Alfredo traçavam planos, antes mesmo de saber se ainda conseguiram matrícula numa nova escola da capital.

A primeira semana na nova moradia foi atribulada. Novas amizades e até dava para perceber algum tipo de rejeição entre as crianças que já moravam naquela rua e os que acabavam de chegar.

O tempo passou. A primeira semana, a segunda e a terceira. As aulas foram iniciadas numa escola não tão distante dali. Livros novos, amigos novos, professores novos e uma nova rotina.

Mas, jamais deixaram de ter espaço para o lazer. E tinham. Moisés e Alfredo se revezavam no pedalar da bicicleta que trouxeram de Timbaúba. Alfredo, quando chegou sua vez de pedalar, foi um pouco mais distante.

Enquanto esperava a passagem de um carro, teve a atenção desviada pelo destino.

É, só pode ter sido o destino ou a interferência da natureza das coisas. Ao levantar a vista para um poste, Alfredo nem acreditava no que estava vendo e falou mais alto para si mesmo:

– Meus bichinhos! São eles! Os meus passarinhos!

Alfredo acreditava mesmo que o casal de João-de-barro também resolvera acompanhar a família e, num poste de madeira, resolveu construir ali a sua nova moradia. E até foi mais longe: construiu quase que uma vila inteira, sinalizando que a família estava próximo de crescer. A fêmea pusera três ovos.

Coisas que só Deus pode fazer e nos permitir compreender.


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