Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Coluna do Calixto - Onde Reminiscências, Viagens e Aventuras se Encontram domingo, 15 de julho de 2018

ANGOLA SIM, SENHORA! – PARTE II ( O DIA DO HOMEM)

 

ANGOLA SIM, SENHORA! – PARTE II (O DIA DO HOMEM)

Robson José Calixto

  

Andrew Birchenough, oficial da Organização Marítima Internacional - IMO, e Olívio Jacinto, do Ministérios dos Transportes de Angola, que costumavam participar das reuniões da IMO, em Londres, estavam no saguão. Cumprimentei-os e partimos para pegar veículo que nos levaria à Academia do Instituto Portuário e Marítimo de Angola - IMPA.

 

 

Eu, Olívio e Andrew.

 

Foi aí que descobri que não precisava de carro algum para chegar à Academia, pois do Hotel Diamante até lá era tão somente uma quadra, quer dizer, podíamos ter ido muito bem a pé, em menos de cinco minutos.

 

Cumprimentei os primeiros participantes angolanos que encontrei. Fiz questão de assinara a lista de presença e fui conversar com o Andrew, pois eu deveria ter chegado no dia anterior para sincronizar nossas palestras, abordagens e tempo, mesmo havendo uma programação inicial. Foi tudo muito rápido, enquanto esperávamos a chegada do Diretor do IMPA. O auditório estava cheio. Muitos tinham se formado em Cuba, Baku, também na Alemanha e na Inglaterra, entre outros.

 

Foi então que alguns problemas começaram. O Mestre de Cerimônia era um angolano alto e um pouco rechonchudo, Osmário, começou chamando os designados para sentar à mesa para a Cerimônia de Abertura. Só que ele tinha certa dificuldade no inglês e certamente o sobrenome do Andrew, Birchenough, não era da coisa mais fácil para se pronunciar. E, ao longo de todo evento, Osmário o chamou de diversas formas: Birchnef, Brizjnev, Brejnev, e por aí vai... Na minha cabeça só rolava: "o Angolano transformou um completo inglês em um russo... e em tempo de tensão entre os dois países, isso era heresia, quase um crime". Eu só olhava a cara do Andrew que, a cada vez que ouvia a pronúncia do seu sobrenome, parecia duvidar se realmente era com ele".

 

Discurso para cá e para lá, em português, e foi passada a palavra ao Andrew para sua saudação e comentários iniciais, em inglês. Para o evento tinha sido contratada uma empresa de intérpretes, só que o mais experiente saiu e deixou em seu lugar um rapaz bem novo, por volta de uns vinte anos, que possivelmente tinha experiência com inglês coloquial, mas não o técnico ou o ambiental. Ademais, pronunciava suas palavras muito baixo e de forma um pouco lenta. Então, a coisa não casou, não deu "match". Várias vezes o intérprete traduziu de forma contrária ao que se queria dizer e por não conhecer o inglês técnico-ambiental, substituía as palavras em inglês por palavras em português que não se encaixavam no contexto. Começou a virar uma "mess". Tive que intervir, fazendo conexões entre o que o Andrew dizia e o que deveria ser traduzido pelo intérprete, que invertia os sentidos das frases... Andrew suava e percebia que a coisa não estava funcionando, e sim confusa. Olívio saiu atrás do intérprete sênior, tentando fazer com que pessoalmente fosse fazer a interpretação do evento.

 

Finalmente, chegou a minha vez de fazer apresentação. Sentindo a tensão no ar e o incômodo dos angolanos coma interpretação, mostrei um mapa onde apareciam Brasil e Angola geologicamente articulados, ligados. Realmente, quando Gondwana, continentes, estavam agregados, Angola e o estado do Rio de Janeiro se imbricavam bem na cidade de Luanda, daí eu disse: "- Como sou carioca e nasci no Rio de Janeiro, se ainda houvesse a Gondwana, de repente eu poderia ter nascido do lado de cá, como angolano e vivido em Luanda". A audiência caiu na gargalhada e a tensão desabou, o que me permitiu fluir nas minhas 5 outras apresentações para os dois dias de evento, ainda mais que era tudo em português, não precisando de tradução.

 

Às vezes, eu fazia perguntas para audiência e quando afirmativa a resposta, os angolanos exclamavam: "- Sim, Senhora!". Como "Sim, Senhora"?, deveria ser "Sim, Senhor". Depois de muitos "Sim, Senhora!", os questionei por que respondiam daquele jeito e me explicaram que era um costume, via de respeito à figura da Mãe, de cada mãe, que quando ordenavam aos filhos alguma coisa, eles respondiam assentindo: "Sim Senhora!"

 

Convivendo com os angolanos, percebi que eles gostam de comer muito, um café se transforma em uma refeição, e almoço é bem deliciado, homens e mulheres ganham seus quilinhos rapidamente. Comem muito amendoim, torrado, no sal, com açúcar melado, pé-de-moleque. Gostam de bolo, em particular de chocolate, mandioca em papa, que parece uma canjica, cocada, frutas como melancia e melão, e bebem sempre água mineral em garrafa plástica, já que não confiam na potabilidade de sua água para beber.

 

Eles têm uma bebida, um refresco, que se chama Kiságua, feita de milho e é doce, lembrando bebida de soja com sabor meio neutro. Servem a partir de uma espécie de vasilhame de plástico.

 

Angola é muito rica em petróleo e diamantes, mas é terra virgem para maior desenvolvimento econômico-social, comércio e parques industriais. Quase tudo é importado e, há alguns anos, precisaram importar papel higiênico, como me disse um dos participantes do evento. Dessa forma, o que Angola ganha na venda de commodities perde na importação de produtos manufaturados de maior integração, valor agregado, transferindo renda. Tal desequilíbrio faz com que tudo em Angola seja muito caro, em particular a comida. Um bife de frango, com um ovo e uma pequena porção de arroz e batata frita, como em um “Prego no Prato”, pode sair a US$ 20.

 

Vi os Angolanos como um povo alegre, amistoso e com suas marcas da longa e sangrenta guerra civil. Outro participante me perguntou: " – Já matou alguém? Eu já matei. O tempo da guerra mexeu com muito com nossas cabeças. Praticamente, todas as famílias angolanas perderam e choraram por alguém para a guerra: marido, filho, pai, avô."

 

Ele continuou a explicar que muitos procuravam fugir da guerra tentando postos na Polícia, que era urbana. Muitos homens morreram na guerra e, por isso, o país tem muito mais mulheres do que homens. Daí terem institucionalizado tradicionalmente a sexta-feira como o "O Dia do Homem". Quando seria dado o direito ao homem casado de deixar sua casa, esposa e filhos, e só voltar domingo à noite, para poder, nesse intervalo, dar carinho, consolo e calor às outras mulheres que não tinham marido e ficavam sozinhas, devido ao déficit de figuras masculinas. Para o participante, as mulheres tinham que aceitar essa situação esdrúxula, pois também poderiam ficar sozinhas, sem um marido. Todavia, uma participante se opôs à essa tradição, dizendo que não era bem assim, que aquilo ocorria com a mulher que aceitava, o que não era o caso dela. Ai do marido dela não estar em casa no final de semana....

 

O sotaque do português pronunciado pelos angolanos está entre o de Portugal e o do Brasil, muito influenciado pelas novelas brasileiras. Pelas ruas, em nome de bairros, bebidas ou lojas, se veem várias referências às novelas, por exemplo, D. Xepa.

 

Quando Andrew voltou a ministrar uma nova palestra, o intérprete mais experiente já estava na Academia, o que facilitou bem mais para a interlocução com os participantes. O intérprete mais jovem não mais apareceu, disseram que precisava descansar.

 

Ao fim do primeiro dia, Andrew me convidou para tomar um drink, contudo, eu estava tão cansado que preferi ir para o quarto e dormir, na verdade, desmaiei de sono.

 

 

O Pensador. Foto: RJC.

 

Ao todo, fiz seis apresentações – quase 200 slides de Power Point –, com muita participação da audiência, perguntas e questionamentos, ainda mais quando eu apresentava detalhes da legislação nacional angolana relacionada ao tema, que eles pouco conheciam. Ao final do segundo dia, Andrew recebeu uma escultura da Palanca Negra, com seus chifres convolutos enormes. Eu ganhei uma escultura, também em madeira, da figura tradicional, e mais importante, "O Pensador". Gostei mais da minha, que se relacionava diretamente ao que me propus a fazer com os angolanos: refletir, pensar, questionar e entender.

 

Depois do encerramento, nos levaram para conhecer o Restaurante Del Mar, na Ilha de Luanda. Amplo, requintado, na beira da praia, bem iluminado, decorado em madeiras (em diversos tons) – inclusive nas pias do banheiro – e caro. Pareceu-me lugar bastante frequentado pela elite angolana, em particular a branca, ou do funcionalismo público e militares, em especial os mais antigos.

 

Voltei para hotel e arrumei minhas coisas, já que voltarei para o Brasil na tarde/noite do dia seguinte. Foi aí que algo inesperado se sobressaiu.

 

Apareceu como um incômodo, uma dada pressão do lado esquerdo do ventre e, depois, aumento na temperatura do corpo, como no início de uma febre. Mais adiante, uma pontada mais aguda e a indicação da necessidade de se correr para o banheiro e liberar o número 2, que vinha em forma líquida, amarela e muito malcheirosa: Eu estava com diarreia, apesar de todos os cuidados de higiene e com o consumo de água e comida que tomei – doença de viajante!

 

Daí em diante, era voltar para cama e correr para o banheiro. Várias vezes, muitas vezes. Meu sono da madrugada acabou, não dormi mais e, até o meio-dia, fiquei liberando o líquido para vez se a bactéria que tinha me bagunçado saía junto.

 

Não tomei qualquer remédio para reprimir a diarreia e segurar o surto, apesar de ter comprimidos de imodium comigo. Anos atrás, fui severamente repreendido por uma médica pernambucana que me atendeu em emergência em Brasília por ter tomado um imodium para segurar diarreia. Ela me questionou se eu queria morrer, me explicando que quando não se deixa livremente o corpo tentar expulsar a bactéria, e a prendemos no nosso interior, há o perigo de ela se espalhar e atacar outros órgãos, provocando septicemia. Com isso na cabeça, não me arrisquei e preferi continuar sofrendo com as evacuações involuntárias.

 

Tudo que me foi programado para o dia foi para o espaço, conseguindo um check out tardio. Na parte da tarde, consegui comer um pouco de arroz e um filé de frango grelhado, o que me deu alguma energia, mas não impediu o fim da diarreia, porém com um aumento no intervalo das evacuações.

 

No avião de volta, consegui dormir um pouco, de lado, enquanto ele atravessava, quase em linha reta, o Oceano Atlântico.

 

            A greve se dilatava, mas já diminuía sua extensão e impacto. Em São Paulo, no aeroporto, comprei uns probióticos para tentar já refazer a flora estomacal. Cheguei num sábado em Brasília mas, no domingo à noite, precisei procurar emergência, pois senti que aquilo, a doença temporária, poderia se estender a uma infecção urinária. Medicado, reforço nos probióticos.

 

Registre-se que enquanto Andrew e eu estivemos em Angola fomos tratados com todo carinho e sempre em segurança. Será que voltarei um dia a Angola?

  

Brasília, 12 de junho de 2018

           


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