Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Arthur Azevedo terça, 28 de setembro de 2021

BANHOS DE MAR (HISTÓRIA EM VERSOS DO MARANHENSE ARTHUR AZEVEDO)

 

BANHOS DE MAR

Arthur Azevedo

 

 

Manuel Antônio de Carvalho Santos,

Negociante dos mais acreditados,

Tinha, em sessenta e tantos,

Uma casa de secos e molhados

Na Rua do Trapiche. Toda a gente

– Gente alta e gente baixa –

O respeitava. Merecidamente:

 

A sua firma era dinheiro em caixa.

Rubicundo, roliço,

Era já outoniço,

Pois há muito passara dos quarenta

E caminhava já para os cinquenta.

O bom Manuel Antônio

(Que assim era chamado),

Quando do amor o deus (Deus ou demônio,

Porque como um demônio os homens tenta,

Trazendo-os num cortado)

Fê-lo gostar deveras

De uma menina que contava apenas

Dezoito primaveras,

E na candura de anjo

Causava inveja às próprias açucenas.

 

Tinha a menina um namorado, é certo;

Porém o pai, um madeireiro esperto,

Que no outro viu muito melhor arranjo,

Tratou de convencê-la

De que, aceitando a mão que lhe estendia

Manuel Antônio, a moça trocaria

De um vaga-lume a luz por uma estrela

 

Ela era boa, compassiva, terna,

E havia feito ao moço o juramento

De que a sua afeição seria eterna;

Porém dobrou-se à lógica paterna

Como uma planta se dobrara ao vento.

 

Sabia que seria

Tempo perdido protestar; sabia

Que, na opinião do pai, o casamento

Era um negócio e nada mais. Amava;

Sentia-se abrasada em chama viva;

Mas... tinha-se na conta de uma escrava,

Esperando, passiva,

Que um marido qualquer lhe fosse imposto,

Contra o seu coração, contra o seu gosto.

 

Calou-se. Que argumento

Podia a planta contrapor ao vento?

 

No dia em que a notícia

Do casamento se espalhou na praça,

A Praia Grande inteira achou-lhe graça

E comentou-a com feroz malícia,

E na porta da Alfândega,

E no leilão do Basto

Outro caso não houve era uma pândega!

Que às línguas fornecesse melhor pasto

Durante uma semana, ou uma quinzena,

Pois em terra pequena

Nenhum assunto é facilmente gasto,

E raramente um escândalo se pilha.

Quando um dizia: – A noiva do pateta

Podia muito bem ser sua filha,

Logo outro exagerava: – Ou sua neta!

 

O moço desdenhado,

Que na tesouraria era empregado,

E metido a poeta,

Durante muito tempo andou de preto,

Co'a barba por fazer, muito abatido;

Mas, se a barba não fez, fez um soneto,

Em que chorava o seu amor perdido.

 

Do barbeiro esquecido

Só foi à loja, e vestiu roupa clara,

Depois que a virgem que ele tanto amara

Saiu da igreja ao braço do marido.

 

Pois, meus senhores, o Manuel Antônio

Jamais se arrependeu do matrimônio;

Mas, passados três anos,

Sentiu que alguma coisa lhe faltava:

Não se realizava

O melhor dos seus planos.

 

Sim, faltava-lhe um filho, uma criança,

Na qual pudesse reviver contente,

E este sonho insistente,

E essa firme esperança

Fugiam lentamente.

À proporção que os dias e os trabalhos

Seus cabelos tornavam mais grisalhos.

 

Recorreu à Ciência:

Foi consultar um médico famoso,

De muita experiência,

E este, num tom bondoso,

Lhe disse: – A Medicina

Forçar  não pode a natureza humana.

Se o contrário imagina,

Digo-lhe que se engana.

 

 Manuel Antônio, logo entristecido,

Pôs os olhos no chão; mas, decorrido

Um ligeiro intervalo,

O médico aduziu, para animá-lo:

– Todavia, Verrier, se não me engano,

Diz que os banhos salgados

Dão belos resultados...

Experimente o oceano!

 

No mesmo dia o bom Manuel Antônio,

Á vista de juízo tão idôneo,

Tinha casa alugada

Lá na Ponta d'Areia,

Praia de banhos muito frequentada,

Que está do porto à entrada

E o porto aformoseia.

 

Nessa praia, onde um forte

Do séc'lo dezessete

Tem tido vária sorte

E medo a ninguém mete;

Nessa praia, afamada

Pela revolta, logo sufocada

De um Manuel Joaquim Gomes,

Nome olvidado, como tantos nomes;

Nessa praia que... (Vide o dicionário

Do Doutor César Marques) nessa praia,

Passou três meses o quinquagenário,

Com a esposa e uma aia.

 

Não sei se coincidência

Ou propósito foi: o namorado

Que não tivera um dia a preferência,

Maldade que tamanhos

Ais lhe arrancou do coração magoado,

Também se achava a banhos

Lá na Ponta d'Areia...

 

Creia, leitor, ou, se quiser, não creia:

Manuel Antônio nunca o viu; bem cedo,

Sem receio, sem medo

De deixar a senhora ali sozinha,

Para a cidade vinha

Num escaler que havia contratado,

E voltava à tardinha.

 

Tempos depois – marido afortunado!

Viu que a senhora estava de esperanças...

 

Ela teve, de fato,

Duas belas crianças,

E o bondoso doutor, estupefato,

Um ótimo presente,

Que o pagou larga e principescamente!

 

Viva o banho de mar! Ditoso banho!

Dizia, ardendo em júbilo, o marido.

– Eu pedia-lhe um filho, e dois apanho!

Doutor, meu bom doutor, agradecido!

 

Pouco tempo durou tanta ventura;

Fulminado por uma apoplexia,

Baixou Manuel Antônio à sepultura.

 

O desdenhado moço um belo dia

A viúva esposou, que lhe trazia

Amor, contos de réis e formosura.

 

E no leilão do Basto

Diziam todos os desocupados

 

Que nunca houve padrasto

Mais carinhoso para os enteados.


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