Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 18 de abril de 2018

BATALHA DOS GUARARAPES

 

 Primeira Batalha dos Guararapes. Pintado em Portugal por artista anônimo (1758)
Acervo Museu Histórico Nacional

Na primeira Batalha dos Montes Guararapes, em 19 de abril de 1648, o exércitos luso-brasileiro era formado por 2.200 homens, divididos em quatro terços, comandados pelos mestres de campo João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, o governador dos Índios, capitão-mor Filipe Camarão, e o governador dos pretos, Henrique Dias, não dispondo de qualquer peça de artilharia.

A técnica portuguesa de combate, posta em prova quando das guerras contra Espanha, no Alentejo, seguia o figurino das guerras de Flandres. Eram os exércitos formados por Terços de Infantaria, constituídos de 2.000 homens, subdivididos em companhias de 200 homens cada uma, formadas por igual número de piqueiros e arcabuzeiros. Os piqueiros eram armados com um longo pique (lanças com 18 pés de comprimento), espada, peitoral e celada; os arcabuzeiros, sem armadura defensiva, dispunham apenas do arcabuz ou espingarda de mecha com sua forquilha e uma adaga.

Nas guerras europeias, marchavam em formação de grandes quadrados de 50 piqueiros em cada face, rodeados e flanqueados nos vértices por outros quadrados de arcabuzeiros, alternando assim as descargas de armas de fogo com as cargas de armas brancas.

Nas Guerras Brasílicas, porém, tais conhecimentos cediam lugar à malícia e ao elemento surpresa, desenvolvido pelos índios, e pela improvisação, obedecendo a topografia e a vegetação do terreno; tudo aliado ao denodo dos combatentes e sua inigualável técnica em manobrar com a espada.

Documento holandês datado de 9 de julho de 1648, dirigido pelo Conselho do Recife aos Estados Gerais, diz bem dessas técnicas estranhas aos comandantes seguidores dos estrategistas europeus:

Todos os dias a experiência nos mostra que se habituaram a esta guerra de tal modo que podem medir-se com os mais exercitados soldados, como se tem visto nas refregas que com eles temos tido e como ainda se vê diariamente nos encontros que temos com eles a cada momento. Resistem muito bem agora de pé firme e logo que descarregam suas espingardas atiram-se sobre os nossos, para se baterem corpo a corpo. Sabem também armar emboscadas em lugares e passos apropriados e vantajosos, fazer sortidas dentro do mato e, em geral, produzir muito mal aos nossos. Quanto às armas estão bem munidos, sabem muito bem se servir delas, e no tocante às suas qualidades corporais excedem muito aos nossos soldados mais exercitados, quando à agilidade e disposição. Além disso, sabem melhor que os nossos se submeter às provações, tais como a falta de víveres, enquanto os nossos soldados têm de carregar sempre alforges ou então transportar os víveres logo atrás deles.

Em 17 de abril de 1648, governador das Armas Holandesas, general Sigmund von Schkoppe, temível pela crueldade com que tratava os seus adversários e pelo espírito de disciplina para com seus subordinados, sai do Recife à frente de um formidável exército de 4.500 homens, divididos em sete regimentos, acrescidos de cerca de 1.000 índios tapuias e negros carregadores.

 

No dizer de Diogo Lopes Santiago depois da meia-noite da sexta para o sábado, marchando em direção aos Afogados

Com grande estrondo de armas, tocando caixas, clarins e trombetas, por imaginar, como de feito segurou sua gente, que logo os nossos vendo seus bem ordenados e formados esquadrões que constavam de 7.400 soldados (afora setecentos gastadores e negros, que eram os que carregavam a bagagem) com seis [cinco, nos relatórios holandeses] peças de artilharia, e suas luzentes e brilhantes armas e 71 bandeiras tremulando.

Os regimentos holandeses eram comandados pelos coronéis Johan van den Brincken, Guilherme de Hauthyn, Adolph van Els, Hendrick van Haus e Cornelis van der Brande.

Nas reformas implantadas por Maurício de Nassau, os batalhões dos exércitos holandeses no Brasil eram formados por 500 homens, divididos por fileiras de 300 piqueiros e 200 mosqueteiros, que se alternavam por ocasião do desenvolvimento da batalhas.

Cruzando o rio Tejipió, nos Afogados, as tropas holandesas seguiram em direção à Barreta, onde existia uma pequena estância defendida por 86 homens sob o comando do capitão Bartolomeu Soares Canha. Travou-se então o combate da guarnição com os tapuias que acompanhavam as tropas holandesas e que lutavam à maneira dos luso-brasileiros. O seu comandante, junto com alguns, conseguiu escapar restando 47 soldados, que foram imediatamente degolados, e mais sete prisioneiros logo enforcados por ordem de Von Schkoppe.

Neste local os holandeses fizeram uma parada, pernoitando na leitaria de Antônio Cavalcanti [na altura da atual igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem], enquanto aguardavam a chegada de cinco peças de artilharia que haviam feito conduzir pelo rio Tejipió.

O comandante português, general Francisco Barreto de Menezes, que se encontrava no Arraial Novo do Bom Jesus [Torrões], resolveu reunir seu conselho de oficiais que, por sua vez, decidiu ir ao encontro das tropas invasoras nos Montes Guararapes.

Reunindo 2.200 homens, marcharam por três léguas em busca das três colinas que se erguiam na margem do caminho onde as tropas holandesas teriam de passar em busca da Muribeca, ou de Nazaré do Cabo, deixando 300 homens na guarnição do Arraial Novo.

As tropas luso-brasileiras chegaram a Guararapes:

No sábado, à tarde, e pelas 10 horas da noite se acabaram de situar em troços, em uma baixa e planície que está ao pé do último monte, que vulgarmente chamam Outeiro”, distante três léguas do Arraial Novo e uma légua da Muribeca. Restava ao inimigo uma passagem de pouco mais de cem passos de largo, cerca de cem metros, entre o monte e um terreno alagadiço que o contornava. Estacionavam assim os luso-brasileiros, escondidos entre a vegetação e o manguezal, em sítio acomodado, não só para reprimir o ímpeto do inimigo, mas ainda para destruí-lo.

No domingo, 19 de abril, saiu Von Schkoppe no comando de suas tropas da Barreta em direção à povoação da Muribeca, sendo molestado por escaramuças após uma hora de marcha, o que o obrigou a galgar os montes Guararapes deixando os nossos em desvantagem. No testemunho presencial de Diogo Lopes Santiago:

Ocupavam os holandeses o alto do monte, a campina e a planície bem junto do boqueirão, e por outra parte os tapuias e os índios fazendo ostentação de seus bem compostos e ordenados esquadrões e de suas luzentes e brilhantes armas tocando muitos clarins, trombetas e caixas, arvorando 61 bandeiras de cores diversas, principalmente azul e cor laranjada, trazendo o estandarte dos Estados, ao qual todas as bandeiras faziam salva; este era de tafetá carmesim azul, no qual vinham esculpidas e bordadas as armas de Holanda e dos da Companhia das Índias Ocidentais postas no mesmo carmesim com muita curiosidade e perfeição, e no campo um leão rompante coroado, estendendo as garras […] Constava a vanguarda do inimigo de dois esquadrões, um de oitocentos e outros de novecentos soldados, com a flor de toda a sua gente, e traziam os soldados velhos das fortalezas, deixando-as guarnecidas com os que de novo haviam vindo na armada de Holanda, por não serem ainda práticos nem experimentados na terra; e muita parte da gente que vinha no exército eram franceses, alemães, polacos, húngaros, ingleses e de outras nações das partes do norte, e o resto holandeses, todos versados e experimentados nas guerras de Flandres, Alemanha e outras províncias.

No seu relatório, Francisco Barreto de Menezes, citado pelo major Antônio de Souza Júnior¹ , diz:

Tanto que o inimigo se descobriu pelo alto dos Montes Guararapes, mandei tocar a investir, tendo posto na vanguarda os mestre de campo Fernandes Vieira e para dar nos lados do inimigo o capitão-mor Camarão, de uma parte e da outra o governador Henrique Dias. Dada a primeira carga, em ambas as partes, investimos à espada, rompendo ao inimigo todos os seus batalhões.

Os Terços de Fernandes Vieira e de Filipe Camarão atacaram na baixada os regimentos de von Schkoppe, Adolph van Els e Servaes Carpentier, que, falecendo em combate vem a ser substituído por Keerweer, que constituíam uma brigada, enquanto o Terço de Henrique Dias investira contra os regimentos de Brinck e Hauthyn postados no alto do monte.

Dada a primeira descarga, os soldados comandados por Henrique Dias passaram a usar de suas rapieiras [espadas] em combate corpo a corpo, conseguindo romper as fileiras do inimigo. Recuando para o outro lado do monte, deixaram para trás as peças de artilharias, munições e caixas do dinheiro, que seria usado no pagamento das tropas. Vislumbrando a vitória, com a fuga do inimigo imediato, entregaram-se, então, ao saque descuidando-se do combate.

No êxtase de que estavam tomados, não se aperceberam do contra-ataque holandês partido de um regimento de reserva, sob o comando do coronel Hendrick van Haus, que, por pouco, não viria a decidir a sorte da batalha. Nessa refrega, o coronel Haus é ferido mortalmente, o que obrigou o deslocamento das tropas de Cornelis van der Brande, que, retomando a artilharia anteriormente conquistada, viria a causar muito estrago entre as nossas forças se não fosse a imediata intervenção de Barreto de Menezes que enviou, em socorro aos homens de Henrique Dias, parte do terço comandada por André Vidal de Negreiros.

Na interpretação dos fatos, comenta o major Antônio de Souza Júnior:

Verdadeiramente apavorados diante do ímpeto ofensivo dos patriotas, que se serviam de preferência, de arma branca e buscavam o combate corpo a corpo, os holandeses foram lançados sobre os terrenos alagadiços no sopé dos montes e aí postos fora da luta, na maioria atolados no brejo ou derrubados por certeiros golpes de espada.

Interpretação bem de acordo com o relatório de von Schkoppe que, ferido no artelho, foi uma simples testemunha dos fatos desenrolados em Guararapes:

Os nossos quiseram passar o alagado, pensando que havia solo firme, mas foram obrigados a retroceder; o inimigo vendo que os nossos com grande desordem se retiravam em direção à direita, sem mosquete, lança, espada ou algo para enfrentá-lo caiu sobre os nossos por detrás com grande fúria e encerrou os que estavam no alagado e não puderam resistir e daí resultou terem ficado tantos oficiais e soldados. Dominada a desordem, coloquei a tropa novamente no alto do monte e verifiquei que o total de nossa força tinha sofrido baixa de mais de 1500 homens, dos quais alguns tinham fugido para a Barreta e outros tinham conduzido uma boa parte dos oficiais para a Barreta. Eu tinha sido, muito tempo antes deste encontro, ferido e como estava muito enfraquecido com grande perda de sangue do meu ferimento, dei ordem ao major Claesz (Tonis) para avisar ao coronel (Cornelis) van der Brande que se mantivesse nos montes que ocupávamos e se retirasse com a noite, em boa ordem, para a leitaria (de Antônio Cavalcanti).

No seu relatório, o coronel Cornelis van der Brande confirma a versão do general Sigmund von Schkoppe:

Depois de termos lutado desde antes do meio-dia de 19 de abril, durante cerca de três horas e depois da luta ficarem os dois exércitos um em frente ao outro, observando-se, partimos à noite com boa ordem e chegamos ao destino já tarde, com um forte aguaceiro.

Por sua vez, Francisco Barreto de Menezes conclui:

Amanhecendo segunda-feira, o dia de Nossa Senhora dos Prazeres, mandei descobrir o campo, achando, nas demonstrações dele, ter-se retirado o inimigo com grande pressa e destroço, pois deixou na campanha 900 homens mortos e entre eles alguns feridos, uma peça de artilharia de bronze, muitas munições e armas e as 30 bandeiras que tenho referido…

No amanhecer do dia 20 de abril, foram encontradas no campo da batalha, 33 bandeiras e estandartes, duas peças de artilharia em bronze, armas das mais diversas, muita pólvora, cunhetes de balas, alfaias, animais domésticos, algemas e grilhões diversos, uma grande quantidade de moedas em ouro, mantimentos e até uma sortida farmácia.

Nas baixas do exército holandês, segundo minucioso relatório incluído pelo major Antônio de Souza Júnior em Do Recôncavo aos Guararapes (1949), figuravam 523 feridos e 515 outros, entre mortos e prisioneiros, dos quais 46 oficiais. No confronto perderam a vida os coronéis Hendrick van Haus, Cornelis van Elst e Servaes Carpentier, ficando feridos o general van Schkoppe e o coronel Guilherme Houthain. O coronel Pedro Keerweer que sucedera o coronel Carpentier, fora dado por desaparecido nos relatórios holandeses, mas, na verdade, se encontrava como prisioneiro de João Fernandes Vieira.

Do lado dos luso-brasileiros foram computados 84 mortos, incluindo-se os que perderam a vida no combate da estância da Barreta, e mais de 400 feridos.

Em seus comentários, o major Antônio de Souza Júnior diz que a primeira Batalha dos Guararapes, estudada no quadro de sua época e guardadas as proporções, é um grande acontecimento militar, digno de figurar com realce entre os que deram renome de grandes capitães a Gustavo Adolpho, Turenne e outros chefes militares do século XVII.

E, mais adiante, enfatiza:

Destarte, sem nenhum exagero patriótico, mas, ao contrário, à luz da palavra oficial dos que tiveram a responsabilidade de dirigir a batalha que se travou nos Guararapes, aos 19 dias do mês de abril do ano de 1648, podemos asseverar que tanto o comando como as tropas luso-brasileiras demonstraram nítida superioridade moral e profissional em relação ao comando e às tropas holandesas.

A vitória dos Guararapes nesse dia não foi, portanto, obra fortuita dos acontecimentos, mas o resultado da ação vigilante e decidida dos chefes, da bravura e espírito combativo dos soldados que constituíam aquele indomável exército de patriotas.

* * *

(¹) SOUZA-JÚNIOR, Antônio de. Do Recôncavo aos Guararapes. Rio de Janeiro, 1949 p. 152.

 


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