Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Raimundo Floriano - Perfis e Crônicas quarta, 17 de maio de 2017

BOLA DE SEBO

BOLA DE SEBO

Raimundo Floriano

(Matéria publicada em 18 de maio de 2015)

 

 

                        Será que leem meus escritos?

 

                        Tenho cá minhas dúvidas!

 

                        No Facebook, quase certeza de que sou pouco lido. Embora conte já com 1008 amigos, a página Raimundo Floriano - Escritor, crida há quase um ano, onde posto matérias semanalmente, mereceu, até hoje, 293 curtidas.

 

                        Aqui no Jornal da Besta Fubana, médio, a coisa anda a meia-trave. No dia 13.4.15, postei a matéria NEIDE SANTOS - DESAFIO AOS CORDELISTAS FUBÂNICOS, esperando que a turma apresentasse seus reptos ao cordel de minha autoria enaltecendo nossa Madre Superiora, mas ninguém se pronunciou, retorno algum mereci.

 

                        Teimoso que sou, retomo o assunto aqui postado no dia 4.5.15, sob o título ESCRITOR: QUEM ME DERA SER!

 

                        E recomeço pinçando fragmento de notícia publicada na Revista do Correio, sobre profissões mais paqueradas:

  

                        No dia 4, falei sobre o escritor. Agora, tecerei algumas considerações sobre a carreira de bibliotecário, a segunda mais desejada no Império Britânico.

 

                        Quando tomei possa na Câmara dos Deputados, em março de 1967, falaram-me que aquele prédio parecendo um caixote, no Anexo II, era a Biblioteca, superlotada de bibliotecárias cada qual a mais linda. Aliás, em matéria de beleza feminina, já naquele tempo só era feia quem optasse por isso. Todas as porteiras das fazendas, na estrada de Brasília para Goiânia, traziam esta mensagem publicitária: “Mulher bonita usa perfume Liz Taylor”. Hoje, com o domínio da TV, sabemos que “não existe mulher feia; existe mulher que não conhece os produtos da Jequiti”.

 

                        Mas retomemos o assunto do qual, com esta digressão, quase me perdi.

 

                        Nove anos depois de entrar na Câmara dos Deputados, fui lotado na Biblioteca, com exercício na Seção de Publicações. E, ai, conheci a verdadeira natureza do trabalho das bibliotecárias.

 

                        Claro que, no item boniteza, elas continuavam imbatíveis – não existe mulher feia. Porém havia mais, muito mais.

 

                        A etimologia de seu nome já indica a que vieram: do grego biblion = livro.

 

                        Se o escritor é o pai, a bibliotecária é a mãe do livro. E que mãe carinhosa e dedicada! Com que prazer ela manuseia um exemplar, classifica-o, assume sua guarda!

 

                        A bibliotecária conhece cada volume que passa por suas mãos. Sabe sua história e tem ciência de seu conteúdo. Basta que alguém informe vagamente o tema sobre o qual pesquisa, para que ela vá direta e rapidamente ao ponto. Tudo isso porque é leitora fiel e atenta.

 

                        Falar em leitor fiel, outro dia, uma bibliotecária amiga me chamou a atenção sobre o conto-título do livro de que encabeça esta matéria, escrito pelo francês Guy de Maupassant no ano de 1880. Eu falei 1880!

 

                        Instigado pela amiga, aproveito o ensejo para testar a atenção de meus leitores, no sentido de que eles procurem detectar a semelhança do conto Bola de Sebo, com algo lido ou ouvido mais recentemente, na segunda metade do século passado.

 

                        A trama se passa em dezembro de 1880, sob o governo de Luís Napoleão Bonaparte – que assumira o título de Napoleão III, Imperador dos Franceses. Num conflito que durou poucas semanas, o Exército Prussiano dominava a França. Alguns comerciantes de Ruão tinham grandes transações no Havre, cidade ainda ocupada pelo Exército Francês e buscavam alcançar aquele Porto, indo por terra até Diepe, onde tomariam um barco. Valendo-se eles da influência de oficiais alemães com os quais haviam travado conhecimento, obtiveram do Comandante local autorização para viajar.

 

                        Uma grande diligência foi reservada para a viagem, devendo sair na madrugada duma terça-feira, para evitar ajuntamento. Às 4 horas da manhã, partiram. Eram dez passageiros: a Sra. e o Sr. Loiseau, negociante de vinho por atacado; o Sr. Carré-Lamadon, proprietário de tecelagens de algodão, portador da Legião de Honra e membro do Conselho Geral, e a Sra. Carré-Lamadon, consolo dos Oficiais de boa família que iam servir em Ruão; o Conde e a Condessa Hubert, ele também membro do Conselho Geral; duas Freiras, uma velha, marcada pela varíola, e a outra, fraquinha, de cara bonita e doentia; O Sr. Cornudet, o democrata, herdeiro do pai, antigo confeiteiro; e, por último, uma mulher dessas chamadas “de vida fácil”, ou puta, famosa por sua gordura, o que lhe valera o apelido de Bola de Sebo.

 

                        Baixinha, redonda, banhuda, com os dedos rechonchudos, pele brilhante e esticada, uma peitaria avolumada, ela continuava apetitosa e atraente. O rosto era uma maçã, de onde saltavam dois magníficos olhos negros. A boca era encantadora, própria para o beijo, com dentes brilhantes e microscópicos. Diziam que era dotada de qualidades fora de série.

 

                        Logo que a reconheceram, correu entre as mulheres um murmúrio com as palavras “prostituta”, “vergonha pública”, ao que Bola de Sebo ergueu a cabeça, passeando um olhar atrevido e desafiador pela vizinhança. A presença da rapariga tornava as damas de bem subitamente amigas, quase íntimas, pois compunham um buquê de esposas dignas diante daquela descarada, pois sempre o amor legal trata do alto seu companheiro livre.

 

                        A carruagem seguia lentamente. Às dez horas da manhã, ainda não tinha percorrido quatro léguas. A fome começou a aperrear as mentes e barrigas de todos. Os homens, procuravam, comida nos sítios na beira da estrada, mas em vão.

 

                        Às três horas da tarde, com todos esfomeados, Bola de Sebo puxou lá debaixo do banco um grande cesto coberto por uma toalha, cheio de todo tipo de comida, bebida e frutas, que prepara para uma viagem de três dias. Delicadamente, começou a comer uma asa de frango com um pãozinho. Todos a olhavam com inveja. O desprezo das damas pela rapariga tornou-se feroz, uma vontade de matá-la, atirá-la para fora, ela, as garrafas de vinho, o cesto de mantimentos.

 

                        Mas Bola de Sebo, magnânima, ofereceu a comida para todos, repartiu o que trazia com as damas e os senhores ricaços para os quais, naquele momento, o estômago falava mais alto que o orgulho.

 

                        A viagem prosseguiu. À noite, chegaram a uma vila, parando diante do Hotel do Comércio, onde pernoitariam. Ali, foram recebidos por soldados alemães que os acolheram e agasalharem na estalagem. Na hora da ceia, o dono do albergue perguntou:

 

                        – Quem é a Senhorita Elizabeth Rousset? Bola de Sebo respondeu:

                        – Sou eu!

                        – Senhorita, o Oficial prussiano quer falar-lhe imediatamente!

                        – Comigo?

                        – É, se a senhorita for Elizabeth Rousset.

 

                        Bola de Sebo ficou meio confusa, refletiu um instante, depois declarou petulantemente:

 

                        – É possível, mas não irei!

 

                        Para encurtar a história, o Comandante prussiano queria que Bola de Sebo fosse servi-lo na cama, dormir com ele.

 

                        As senhoras de bem ficaram injuriadas, por não ter sido uma delas a escolhida para transar com o Comandante. Bola de Sebo, cheia de brios, endureceu o jogo: com ele não se deitaria!

 

                        De seu lado, o Comandante prussiano também tesou: se ela não lhe proporcionasse uma noite de amor, a carruagem não daria continuidade à viagem. Os passageiros tentaram convencer Bola de Sebo com estes argumentos:

 

                        – Vai com ele, vai, Bolinha! Você dá para todo mundo! É só mais um!

 

                        Mas a rapariga mantinha-se inflexível.

 

                        Diante do impasse, todos passaram a tratar Bola de Sebo com carinho e simpatia, chamando-a de Madame Rousset, Senhora Rousset, Senhorita Rousset, até de queridinha. E ela, tô nem aí!

 

                        E o tempo foi passando. Até que um dia, condoída pela situação dos demais companheiros de viagem, Bola de Sebo tomou uma decisão:

 

                        – Hoje à noite, eu vou! Só faço isso por todos, exclusivamente!

 

                        Naquela noite, houve festa na estalagem, com muita bebida, champanhe, música, dança e cantoria, enquanto Bola de Sebo se submetia ao sacrifício pelo bem de todos.

 

                        Na manhã seguinte, com a carruagem já liberada, todos só esperando a chagada de Bola de Sebo, de repente ela apareceu, um pouco sem jeito, meio envergonhada. Com timidez, caminhou em direção aos outros, que, num movimento único, lhe viraram as costas, como se nunca a tivessem visto.

 

Todos lhe viraram as costas

 

                        Dessa vez, Bola de Sebo não prepara seu farnel para a viagem. E, durante o resto do percurso, os companheiros, providos de alimento e vinho, fartavam-se nas refeições, mas sem nada oferecer àquela que os salvara. Nem ao menos a palavra lhe dirigiam.

 

                        E Bola de Sebo, vez em quando, sem conseguir conter as lágrimas, chorava baixinho, provocando este comentário das senhoras de bem:

 

                        – Está chorando de vergonha! Bem feito!

 

************

                        Querido leitor, se você me suportou até aqui, sou-lhe eternamente grato. E é a você, dileto amigo, que tenho a curiosidade de perguntar: já ouviu ou leu essa história, contada por outro autor, em algum momento de sua vida? 


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