Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 14 de fevereiro de 2018

CANCIONEIRO DE QUARTA-FEIRA

 

 

Depois de um Carnaval, vem a quarta-feira ingrata, onde  “tudo é cinzas!”. A partir de então tem início a Quaresma que, no passado, era tempo de reflexão, jejum e abstinência completa de carne.

Em cada Quarta-Feira de Cinzas, porém, resta no peito do verdadeiro folião a verdadeira saudade, uma lembrança do carnaval que passou, assim expressada por vezes com lágrimas e acalentadas pelos versos do próprio cancioneiro carnavalesco de Edu Lobo.

 

 

 Hoje não tem dança
Não tem mais menina de trança
Nem cheiro de lança no ar
Hoje não tem frevo
Tem gente que passa com medo
Na praça ninguém pra cantar.

Como no poema de Vinícius de Moraes, musicado por Carlos Lyra, chegou ao fim mais um carnaval (Marcha da quarta-feira de cinzas):

 

 

Acabou o nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais
Brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas
Foi o que restou
Pelas ruas, o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando
Cantigas de amor…

Na quarta-feira, o folião de ontem volta à realidade do dia-a-dia, depois de conviver naquele reino azul da fantasia, sob a égide do Rei Momo, onde por momentos parecia ter encontrado a morada da felicidade. Ao reencontrar-se consigo mesmo, mirando-se no espelho ao amanhecer da quarta-feira, o folião cansado, vem descobrir dentro de si que o carnaval, apesar dos guizos e de todo colorido que se faz presente aos olhos, é uma festa triste; como nos versos de Raul e João Victor do Rego Valença, os Irmãos Valença (Saudade):

De que nos serve a folia
Tanto prazer e alegria
O carnaval é a ilusão
Deixando uma triste recordação
E se voltamos chorando
É a saudade
Que nos vem
Alguém nos ficou amando
E ficamos querendo alguém

De há muito o cancioneiro carnavalesco vem sendo tomado de versos inspirados na nostalgia trazida pela quarta-feira, desde os anos vinte quando os blocos carnavalescos regressavam às suas sedes cantando marchas, como esta de Raul Moraes (Despedida):

 

 

Adeus, ó minha gente,
O bloco vai embora
Sentindo que a alma chora
E o coração fremente
Diz, findou-se o carnaval.
Até para o ano, adeus
Guarda nossas saudades
Que implorarão aos céus
Felicidades para, nossa alma liberal
Essa canção saudosa,
Há de fazer chorar
E sempre a relembrar
Nossa gente buliçosa
De regresso a cantar.

A espera de um outro carnaval é o acalanto que embala a alma de todo poeta e sonhador, como nos versos de Capiba, em De chapéu de sol aberto (1973):

 

 

 Espero o ano inteiro,
Até ver chegar fevereiro
Para ouvir o clarim clarinar
E a alegria chegar!
Esta alegria que em mim
Parece que não terá fim
Mas se um dia o frevo acabar!
Juro que vou chorar…

O carnaval é talvez a forma de suavizar a vida desses poetas, daí a tristeza que toma conta do espírito de todos no alvorecer da quarta-feira, como naquele frevo de Nelson Ferreira:

Um carnaval a mais
Que beleza, no entanto…
Um carnaval a menos, que tristeza.
Vida, não foge tão depressa.
Ainda quero viver muitos carnavais…

Alguns deles não se conformam com a chegada da quarta-feira e por vezes teimam prolongar o seu próprio carnaval interior, como se fosse um ópio a lhes transportar para o mundo da fantasia e do surrealismo, como no frevo de Rudy Barbosa e Adelmo Tenório (Por que saideira?):

Estou vendo, a manhã está dizendo:
Já é quarta-feira! Por que saideira,
Se eu não queria, pra casa voltar…
Voltar, pra quê!
Voltar, pra quê!
Se vai voltar esta saudade de você

Vou desfilar meu sorriso
E ser o palhaço, desta multidão.
Pra  repousar meu cansaço,
Igual ao seu braço,
Não encontro mais não

Solidão, eu me embriago agora!
Está chegando a hora
D’ a tristeza voltar
Solidão, eu me embriago agora!
Está chegando a hora
D’ a tristeza voltar.

Para o autêntico folião, particularmente para os românticos dos anos dourados, quando a permissividade dos costumes não era a tônica dos festejos carnavalescos, a contagem regressiva da madrugada de uma quarta-feira se transformava em suplício; como nos versos de Geraldo Costa e José Menezes (Terceiro dia):

A noite morre, o sol vem chegando…
E a tristeza vai aumentando
A gente sente uma saudade sem igual
Que só termina
Com um novo carnaval

Mas o que ensina a lição é que se vai um carnaval, mas fica-se sempre com uma saudade; como no frevo dos irmãos Reinaldo e Fernando Oliveira (É quarta-feira, é madrugada):

É quarta-feira, é madrugada…
O sol já chegou
O carnaval foi tudo um sonho bom que passou
Recordar não adianta nada, meu bem…
Melhor esperar, prô ano que vem!

Saudade vive escondida…
Esperando todo fim de carnaval
Não adianta esperar por toda vida
Nem por um ponto final.

Para aquele folião empedernido, porém, que viveu o carnaval até os últimos acordes; folião daqueles que em anos passados só saía dos salões acompanhando as orquestras, sob o comando de Nelson Ferreira, Guedes Peixoto ou José Menezes, em meio à turba frevolenta até os jardins da Praça do Entroncamento ou da Praça do Internacional, para só assim encerrar, às sete horas da manhã da quarta-feira, o seu carnaval.

Para esses, que viveram tantas paixões e que ainda hoje estão a lembrar daqueles rostos juvenis, que se perderam em meio aos confetes e serpentinas dos passados carnavais, pelo menos o frevo de Luiz Bandeira, gravado por Carmélia Alves em 1957 (Copacabana nº 5699, matriz 1725),  ficou na lembrança: 

Audio clip: Adobe Flash Player (version 9 or above) is required to play this audio clip. Download the latest version here. You also need to have JavaScript enabled in your browser.

 

 É de fazer chorar
Quando o dia amanhece e obriga o frevo acabar
Ó quarta-feira ingrata
Chega tão depressa
Só pra contrariar
Quem é de fato, um bom   pernambucano…
Espera um ano,
e se mete na brincadeira
Esquece tudo, quando cai no frevo.
E no melhor da festa,
Chega a quarta-feira.

Sim meus amigos, o nosso carnaval acabou. Como o poeta Vinicius de Moraes só nos resta cantar: 

Audio clip: Adobe Flash Player (version 9 or above) is required to play this audio clip. Download the latest version here. You also need to have JavaScript enabled in your browser.

 

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando
Seu canto de paz
Seu canto de paz
Seu canto de paz.

Mas para aquele pernambucano, ausente da terra, distante dos amigos e obrigado a conviver com gente estranha que não sabe o que é Carnaval, o espírito da quarta-feira  dura o ano inteiro e o acompanha onde quer que se encontre.

Longe do Recife, exilado voluntário do seu próprio chão, privado da paisagem e dos sons que acalenta em sua alma de folião, ele estará sempre a cantar baixinho, como a embalar o seu próprio coração, balbuciando a letra daquele frevo-canção, composto por Antônio Maria Araújo de Morais (Recife, 1921 – Rio, 1964) num de seus momentos de banzo e de saudades do seu torrão: Frevo nº 1 do Recife, gravado inicialmente pelo “Trio de Ouro” em 9 de agosto de 1951. O sucesso veio a ser regravado depois com competência por muita gente, a exemplo de Claudionor Germano e Expedito Baracho.

 

 

Ô, ô, ô, ô, ô… saudade
Saudade, tão grande.
Saudade que eu sinto
Do Clube das Pás, do Vassouras,
Passistas traçando tesouras,
Nas ruas repletas de lá…
Batidas de bombo,
São maracatus retardados,
Chegando à cidade, cansados,
Com seus estandartes no ar.
 
Que adianta
Se o Recife está longe
E a saudade é tão grande
Que eu até me embaraço
Parece que eu vejo
Valfrido Cebola, no passo;
Haroldo Fatia, Colaço…
Recife está perto de mim


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros