Nesse carnaval, quem esteve nas ruas, ou mesmo nos clubes e outros recintos fechados, deve ter notado a forte presença da bandeira de Pernambuco, nas suas cores azul e branco e nos seus símbolos, como o arco-íris, a cruz e o sol dourado, nos chapéus, camisas, blusas, bermudas e até mesmo em estandartes de agremiações carnavalescas e nas golas dos caboclos-de-lança.
Não sabem esses alegres foliões, portadores das cores de nossa bandeira, que dão um brilho todo especial ao colorido de nosso carnaval e até mesmo nos outros dias do ano, que homenageando os nossos símbolos estamos a cultuar as figuras dos mártires que foram imolados por conta deste pavilhão da República de Pernambuco, proclamada a seis março de 1817.
O projeto daquela bandeira, segundo Alfredo de Carvalho, se deve ao padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, hábil professor de desenho do Seminário de Olinda, um dos que morreram pela causa da República de Pernambuco de 1817. A ele coube a criação daquele símbolo, cortado por faixas azul e branco, tendo na parte superior o arco-íris nas cores verde, azul e vermelho (simbolizando a união de povos), o sol em ouro, lembrando que todos os pernambucanos são filhos do sol e vivem sob ele, e a estrela, representando a fidelidade província de Pernambuco aos ideais propagados pela República de 1817, ficando na parte inferior de fundo branco a cruz em vermelho a lembrar a primeira denominação do Brasil (Terra de Santa Cruz).
A arte final, porém, ficou a cargo do pintor Antônio Álvares, pardo fluminense residindo então no Recife, que realizou o desenho e depois o remeteu ao alfaiate José do Ó Barbosa, capitão de milícias do Regimento dos Homens Pardos, para executar os estandartes da nova república. Para isso contou com a ajuda de sua mulher e suas filhas, além de seu irmão Francisco Dornelas Pessoa, capitão do mesmo Corpo, “trabalho este que fizeram gratuita e desveladamente”.
Foi o pintor condenado a ser surrado nas grades da cadeia, pelo almirante Rodrigo José Ferreira Lobo, mas livrou-se da pena apadrinhando-se com um retrato de Dom João VI, “que possuía, e com o qual abraçou quando foi preso”, sendo, porém recolhido à cadeia onde ficou até a vinda do general Luís do Rego Barreto que, conhecendo o pintor do Rio de Janeiro, mandou-o soltar. É de autoria do mesmo artista, denominado por Teixeira Melo de habilíssimo pintor, as estampas coloridas da Flora Fluminense, escrita pelo frade Francisco José Mariano da Conceição Veloso e concluída em 1790. Nasceu o artista no Rio de janeiro, na segunda metade do Século XVIII e fez seus estudos na Europa, pouco se sabe com respeito a sua vida após 1817.
Os irmãos Francisco Dornelas Pessoa e José do Ó Barbosa, homens pardos, alfaiates, capitães de corpos milicianos de gente de sua cor, por patente régia, foram também arrastados às enxovais da cadeia onde permaneceram por um ano. Só não foram açoitados, conforme havia determinado Rodrigo Lobo, pelo fato “de velar, e de dormir sempre em uniforme de capitão, feito pelo rei”.
Na Quinta-Feira Santa, 3 de abril de 1817, foi armado um altar no Campo da Honra, hoje Praça da República, de frente para o Leste tendo sido ali realizada a cerimônia da bênção das bandeiras às 8h presidida pelo Deão de Olinda, Dr. Bernardo Luís Ferreira Portugal, com três regimentos formados.
Debelada a revolução republicana e deixando o governo provisório o Recife, em 19 de maio de 1817, logo no dia seguinte os portugueses saíram às ruas com as bandeiras do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve alçadas, dando vivas a El-Rei e morras aos patriotas pernambucanos, ao mesmo tempo em que despedaçavam as bandeiras republicanas. Os heróis de então foram enforcados e arcabuzados, com seus corpos mutilados depois de mortos, enquanto pais de famílias eram seviciados nos interiores das masmorras do Recife e de Salvador e os lares eram desonrados.
O pavilhão azul e branco desapareceu aos olhos dos pernambucanos, permanecendo, porém, no âmago de sua gente as idéias de liberdade, bem como os sonhos de uma nova República. Em 1917, quando das comemorações do Centenário da República de 1817, foi à bandeira concebida pelo padre João Ribeiro oficializada, por proposta do Instituto Arqueológico, símbolo do Estado de Pernambuco.
Em 1937, quando da decretação do Estado Novo, foram todas as bandeiras dos estados brasileiros queimadas em cerimônia solene no estádio do Vasco da Gama (Rio de Janeiro), menos a Bandeira de Pernambuco que, deixando de ser símbolo oficial do Estado, foi transformada em pavilhão do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, passando a tremular em frente de sua sede na Rua do Hospício.