Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura - Contos e Crônicas segunda, 30 de agosto de 2021

DE MADRUGADA (CONTO DO FLUMINENSE RAUL POMPÉIA)

DE MADRUGADA

Raul Pompéia

 

 

 

I

 

Top, um lindo perdigueiro malhado, era o cão de um meu vizinho; e o meu vizinho um esquisito, desses homens que fazem não se sabe o que, e vivem não se sabe como, isto é, cosendo o manto das aparências ricas, com as misérias íntimas. Via-se-lhe a família a rir nas soirées, enfaixadas nas sedas, e não se via se chorava, quando a chitinha doméstica substituía os tecidos faustosos. O meu vizinho Ricardo, por seu lado, era alegre, de uma alegria frenética, nervosa; isto em sociedade. Concentrado em seu gabinete, era um abstrato meditador e um meditador triste.

 

II

 

Top não o abandonava nessas horas de melancolia; o generoso cão entrava no quarto do dono e, pé ante pé, ia enrodilhar-se junto da poltrona de Ricardo. Punha-se a fitá-lo, imóvel e interrogador. A melancolia do dono parecia influir na existência do pobre animal.

Top ia perdendo visivelmente o curvilineado elegante das formas e começavam a emergir-lhe na pele umas saliências ósseas de mau desenho.

Era uma pena ver-se aquele homem e aquele cão, cruzando às vezes um olhar morno e cheio de tristeza, isolados na meia sombra do quarto. Felizmente ninguém surpreendia tais cenas.

 

III

 

Esta noite, um rumor despertou-me. Era a minha pêndula que dava horas. Não me foi possível contar as pancadas. Saltei do leito e com um fósforo iluminei o mostrador do relógio. Eram quatro horas. Boa hora de levantar-se para quem gosta de o fazer bem cedo. Contrariei com esforço a preguiça da madrugada, que me entorpecia, e preparei-me para um passeio. Devia ser agradável. Ao menos divertido. À hora em que o Rio de Janeiro salta n'água da Guanabara, para os seus mergulhos higiênicos, sempre se tem o que ver...

 

IV

 

Saí.

 

V

 

Uma hora mais tarde, a minha curiosidade de passeante foi atraída por uma coisa extraordinária.

Eu costeava o cais da praia d... Num ponto em que o pequeno muro de cimento faz uma entrada, recolhendo o mar num remanso onde as algas apodrecem e dormem as ondas, vi uma sombra saltar do chão para o muro e do muro para o chão, de um modo aflitivo, soltando como que gemidos, espiando para o mar, tentando pular e com medo. A luz do dia que chegava e as estrelas que fugiam deixaram-me ver. A sombra era um cão: o perdigueiro malhado do meu vizinho. Uma pancada forte senti no peito.

 

VI

 

Encaminhei-me com pressa para o lugar. Antes de lá chegar, vi o cão atirar-se para o lado do mar e sumir-se.

Corri. No ponto em que estivera Top eu inclinei-me. Descansei os antebraços no cimento do cais e examinei o mar. Fazê-lo e recuar foi coisa de um segundo. Lá embaixo boiava um cadáver de costa para cima, com os braços abertos. Perto dele, o perdigueiro debatia-se tentando puxá-lo.

 

VII

 

Entretanto, brilhava a aurora vermelha como uma chaga, derramando nas ondas as cores da tragédia.

Eu vi sobre o parapeito do cais um objeto branco. Era um envelope.

Fugi.


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