Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina sexta, 05 de outubro de 2018

DO SAMBA DE RODA AO FREVO DE RUA
DO SAMBA DE RODA AO FREVO DE RUA

frevo como música tem sua origem no repertório das bandas militares em atividade na segunda metade do século XIX no Recife. O maxixe, o tango brasileiro, a quadrilha, o galope e, mais particularmente, o dobrado e a polca, combinaram-se, fundiram-se, dando como resultado o frevo, criação do Carnaval do Recife ainda hoje em franca evolução musical e coreográfica.

Da pronúncia popular do verbo ferver originou-se o vocábulo frevo, no que são concordes todos os estudiosos do assunto.

Lembro, porém, a observação de José Antônio Gonsalves de Mello, em depoimento pessoal, quando chama a atenção da presença daquele verbo, em sua forma de pronúncia usada pelas camadas menos letradas da população, frever, em autos populares.

 

Exemplo dessas manifestações, ainda no século XVIII, nos é dado por Francisco Pacífico do Amaral, em Escavações (Recife 1884), ao relatar as festas em homenagem ao governador José César de Menezes, ocorridas em 19 de março de 1775, quando dois “eremitas”, Antão e Bernabé, cantam dentre tantas essas quadrinhas:

Dizei bem, vá de função,
Ferva o meu Padre a folia
Bebamos, que a tudo chegam
As esmolas da caixinha.

O mesmo pesquisador chama a atenção para o conto de Luís de Guimarães Júnior (1845-1898), publicado no Diario de Pernambuco de 8 de fevereiro de 1871, sob o título “A alma do outro mundo. Conto do Norte”. O conto tem o subúrbio recifense do Ibura como cenário, tecendo o seu autor, então estudante da Faculdade de Direito do Recife, comentários sobre o que ele denomina de “samba do Norte”:

O samba de roda do Norte é uma coisa digna de ver. As toadas das cantigas em desafio prendem d’alma e provocam os sentidos. Há certa poesia selvagem naquelas danças características, entrecortadas de moda e trovas, que revela exuberantemente o mundo de sentimento da alma rude e ingênua do povo!

No seu texto, o autor transcreve várias estrofes dos cânticos, fazendo referências a Tertuliano, a quem chama pelo apelido, Teto, descrevendo-o como “um rapaz magro, amorenado, como por lá diziam, de olhos vivos e cintura delgada. Morava em Olinda; nas redondezas de 40 léguas não se começava um samba sem ele chegar. – ‘Ferva o samba minha gente! Entra na roda, Teto!’ – Dançava como um corisco e pulava como um macaco! Corta jaca, Teto! O passo da tesoura! O passo do tesouroO caranguejo!”.¹

– Corta jaca, Teto!

– O passo da tesoura! O passo da tesoura!

– O caranguejo!

Teto entrou e lançou ao chão com uma agilidade graciosa e chapelinho de palha. Estava em angas de camisa e trazia uma gravata de seda vermelha, que ondulava-lhe ao pescoço, como a bandeira inglesa no mastro grande de uma fragata! As guitarras gemeram; as facas atacaram as botijas, os violões e as violas uniram-se ao ruidoso concerto com as suas longas e plangentes notas:

Batam bem nessa viola,
Deixem as cordas quebrar
Que eu quero espalhar saudades
Quero penas espalhar!

Derivado de fervorescente, efervescente, ferver – palavras então conhecidas popularmente como frevorescente, efrevescente e frever -, o frevo lembra ainda, segundo Luís da Câmara Cascudo, in Locuções tradicionais no Brasil (1977), “confusão, movimentação desusada, rebuliço, agitação popular”, ou ainda, para Pereira da Costa, in Vocabulário Pernambucano, “apertões de grande massa popular no vaivém em direções opostas, como pelo Carnaval , e nos acompanhamentos de procissões, passeatas e desfilar de clubes Carnavalescos”.

No meio dos clubes Carnavalescos, porém, o vocábulo frevo já se encontrava presente em 1907, segundo demonstra Evandro Rabello em artigo sobre o cronista carnavalesco, Osvaldo de Almeida, publicado no Diario de Pernambuco de 11 de fevereiro de 1990. Naquele ano, 1907, o Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosapublica no Jornal Pequeno, edição do sábado de Carnaval, 9 de fevereiro, o repertório da agremiação onde aparece O Frevo como uma das marchas a ser executadas pela orquestra:

Empalhadores do Feitosa, em sua sede que se acha com uma ornamentação belíssima, fez ontem esse apreciado clube o seu ensaio geral, saindo após em bonita passeata, a fim de buscar o seu estandarte que se acha em casa do sr. Alfredo Bezerra, sócio emérito do referido clube. O repertório é o seguinte:

Marchas – Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois Pensamentos e Luís Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Ária – José da Luz; Tango – Pimentão. Agradecemos o convite que nos foi enviado para o segundo dia de Carnaval .

Para o Carnaval de 1907 o Clube Empalhadores do Feitosa contratou como orquestra a primeira fração da Banda da Polícia Militar, realizando o seu ensaio geral na quinta-feira, dia 7 de fevereiro, no Hipódromo, onde se encontrava a sua sede, fazendo no primeiro dia de Carnaval uma visita à povoação da Torre, seguindo depois para o seu “passeio” pelos bairros do centro do Recife.

Em sua edição de 22 de fevereiro de 1909, o Jornal Pequeno traz ocupando a sua primeira página uma interessante xilogravura de autor desconhecido com a frase Olha o Frevo, anunciando desta maneira os festejos Carnavalescos daquele ano. Tal ilustração, encontrada pelo autor destas notas, passou a ser usada quando da criação do primeiro Baile da Saudade no Carnaval de 1973; festa que se repetiu por dezoito anos, sendo proclamada a mais animada prévia do Carnaval Pernambucano.

Olha o Frevo, veio a ser popularizada a partir de então, figurando em todos os convites e impressos do Baile da Saudade, bem como na série de cinco LPs, sob o mesmo título, editados pela Fábrica de Discos Rozenblit no Recife.

Pereira da Costa, em seu Vocabulário Pernambucano, assim comenta: “O termo frevo, vulgaríssimo entre nós, apareceu no Carnaval de 1909: Olha o Frevo! — era a frase de entusiasmo que se ouvia no delírio da confusão e apertões do povo unido, compacto, ou em marcha acompanhando os clubes”.²

Na segunda década do século vinte o vocábulo e seus derivados aparecem com frequência no noticiário Carnavalesco da imprensa do Recife:

– “O apertão do frevo, nesse descomunal amplexo de toda uma multidão que se desliza, se cola, se encontra, se roça, se entrechoca, se agarra” (Jornal do Recife, nº 65, 1916).

– Ou nesses versinhos: “O frevo que mais consola, / O que mais nos arrebata, / É o frevo que se rebola / Ao lado de uma mulata” (Diario de Pernambuco nº66, 1916).

– “Os rapazes souberam arranjar uma orquestra tão boazinha, que vem dar uma vida extrapiramidal ao rebuliço do frevo” (O Estado de Pernambuco nº 48, 1914).

– “O clube levará um dos seus carros com uma pipa do saboroso binho berde para distribuir com o pessoal da frevança” (Jornal Pequeno nº 39, 1917).

– “Do mundo a gente se esquece / Pinta a manta, pinta o bode, / E se o frevar recrudesce / Mais a gente se sacode” (Diario de Pernambuco nº 66, 1916).

Por sua vez, Rodolfo Garcia, no seu Dicionário de Brasileirismos (Peculiaridades Pernambucanas)³, transcrevendo o nº 32 de A Província, Recife: 2 de fevereiro de 1913, aponta o original registro:

O Frevo, palavra exótica
Tudo que é bom diz, exprime,
É inigualável, sublime,
Termo raro, bom que dói…
Vale por um dicionário,
Traduz delírio, festança,
Tudo salta, tudo dança,
Tudo come, tudo rói


¹ Conto publicado na íntegra — Guimarães Júnior, Contos sem Pretensão: A Alma do Outro Mundo. Universidade da Amazônia NEAD – Núcleo de Educação à Distância. Av. Alcindo Cacela, 287 – CEP: 66060-902 – Belém – Pará. Fones: (91) 4009-3196 /4009-3197. www.nead.unama.br E-mail: nead@unama.br

² COSTA. F.A. Pereira da. Vocabulário pernambucano. Prefácio de Mário Souto Maior. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978. 816 p. Coleção Pernambucana, 1ª fase, v. 2.

³  GARCIA, Rodolfo. “Diccionário de Brasileirismo (Peculiaridades Pernambucanas) in Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 76 (1), p. 633-947. Rio: 1913.

 


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