Naquela época, não havia Código de Defesa do Consumidor. Se houvesse, o pai, com certeza, teria problemas. Justo ele, tão correto, desde sempre pregador do bem. O pai jamais pensou em prejudicar quem quer que seja. Enganar o próximo? Nem pensar. Chegava a ser radical. Quando garoto, ele me dizia: “Não faça ‘mal’ a nenhuma moça”. E eu torcendo para que uma e outra, para que todas as moças, enfim, me fizessem o “mal” necessário. Escapei da virgindade. Certos conselhos não podem – nem devem – ser seguidos.
Perdão. A ideia era falar de negócios e de propaganda enganosa que, a bem da verdade, não era exatamente propaganda enganosa. Era um equívoco semântico. Enveredei num papo de drive-in, que era para onde íamos, os apaixonados, naqueles tempos de fusca. Claro, me refiro aos prontos, como eu. Motel era coisa para gente bem de vida.
Voltemos ao que importa. O pai nasceu em Florianópolis, Santa Catarina. Filho único, ele chegou por aqui, em São Paulo, há muitas décadas, com a mãe (viúva), duas maletas, uns trocados no bolso, uma máquina de costura de mão e todos os sonhos do mundo. Estudou, trabalhou, deu aulas particulares. Um mouro, o pai. Casou-se. Menos de um ano depois, eu dei o ar da graça.
Por mais que o pai trabalhasse, não tinha jeito: o dinheiro do mês mal dava para a quinzena. Ele matutou, matutou, resolveu empreender. Precisava, dramaticamente, dar vida melhor para a mãe, assegurar o futuro dos filhos. Certo dia, ante a penúria que toda geladeira vazia denuncia, resolveu abrir o próprio negócio: comprou um triciclo daqueles para a entrega de pães, contratou um conhecido desocupado, traçou um plano de vendas e sonhou alto: o cara sou eu, deve ter imaginado. Então, anunciou em alto e bom som, cheio de confiança: vamos fazer “bananas recheadas”. Fez mais: delegou às mães – à dele e à minha – a tarefa de fazer as tais das “bananas recheadas”, que nada mais eram que pastéis de bananas, salpicados de açúcar e canela. Deliciosos. Até hoje sinto o cheiro deles (ou delas?). E babo. Cachos de bananas verdes foram dependurados por toda a casa, à espera do ponto certo. Pequeninho, eu me lambuzava com as bananas e com a farinha que caia dos sacos igualmente espalhados pelos cantos.
Como o dinheiro era curto, o negócio, infelizmente, naufragou em menos de uma semana. Não havia capital de giro. No primeiro dia, após horas de rua, o conhecido desocupado, recém-alçado à condição de vendedor, retornou à sede da empresa: vendera apenas uma das quase duzentas “bananas recheadas” com as quais fora para as portas de fábrica na hora do almoço. Segundo mãe e avó, comemos “bananas recheadas” até passar mal. Sem se alterar, o pai quis saber do funcionário o que justificaria tal insucesso (o pai jamais usaria o termo fracasso) de vendas do primeiro dia. Varou a madrugada refazendo a estratégia. No dia seguinte, pediu às mães que repetissem a produção da véspera. Dizem que não foi fácil fazê-lo aceitar a ideia de que cem bananas estavam de bom tamanho. E olhe lá! Pela mãe – a minha –, o “empreendimento” teria morrido ali mesmo, evitando, assim, trabalho inútil e novos prejuízos.
O pai sempre pensou grande. Mais: nunca desistiu facilmente de alguma ideia. De tempos em tempos – e durante anos –, voltava ao assunto, ameaçava retomar a iniciativa, para a apreensão de todos nós. Não se conformava com o fato de as “bananas recheadas” não terem encantado a freguesia. “Se fosse hoje, com a internet e tudo mais…” Eu desconversava sinceramente, ele também desconversava, mas só aparentemente. A ideia de retomar a aventura lhe formigava os miolos. O fato é que ele jamais conseguiu me explicar por que um simples, embora delicioso, pastel de banana era chamado de “banana recheada”. A banana não levava recheio algum, ela era o recheio. Que diabos! “Questões culturais, tradição de minha terra”, limitava-se a dizer, sem convencer ninguém. Vai ver que foi por isso que o negócio não deu certo. Sei não. Como, porém, explicar o fracasso da granja do quintal de casa?