Em 11 de maio de 1644, João Maurício de Nassau deixou triunfantemente a sua Cidade Maurícia. Montado a cavalo, seguido de um grande séqüito de admiradores, cavalgou ele pelo litoral em busca da Paraíba. A sua despedida de forma apoteótica, como a exaltar o sucesso dos sete anos do seu governo, mereceu de Netscher, escrevendo com a parcialidade de cidadão holandês, uma descrição sentida, com cores fortes e povoada por palavras tomadas de emoção, que vale a pena transcrever:
Pelo litoral passou por Olinda, Itamaracá, atingindo o Paraíba onde deveria embarcar. Por toda parte recebeu expressivas homenagens que significavam estima, reconhecimento e saudades. Sua viagem tomava o aspecto de uma marcha triunfal. As populações dos lugares por onde ia passando formavam alas para dizer-lhe adeus. Essas aclamações eram acompanhadas pelas bandas de música que toca¬vam o hino nacional Wilhelmus van Nassauwen e de salvas de canhões a lhe prestarem as últimas honras militares. O nosso aliado Jandui, chefe dos Tapuias, enviou uma delegação (entre a qual se achavam três dos seus sessenta filhos) para pedir a Maurício, mais uma vez, adiasse a partida, si isso fosse possível.
O seu embarque se dá no porto de Cabedelo, na Paraíba, levando em sua comitiva o Escabino e homem de negócios Gaspar Dias Ferreira, uma espécie de seu testa-de-ferro em negociatas nunca bem explicadas, figura misteriosa de agente duplo, com sua participação ainda por ser estudada.
Em Cabedelo, um grupo de índios afasta os guardas de sua escolta e o transporta, nos ombros, até o escaler que flutuava sobre as ondas, esperando para conduzi-lo até o Zuphen. Somente no dia 22 de maio de 1644 é que a esquadra levanta âncoras, deixando desolados nas praias dezenas de índios que com o Conde Nassau desejavam embarcar para a Holanda. Todo o episódio do seu embarque é descrito com cores vivas pelo cronista Gaspar Barlaeus (1647).
Partiu o Conde de Nassau no mesmo barco que o trouxera ao Brasil em 1637, o Zuphen. Ao seu redor navegava uma frota de treze navios, tripulados por 1.400 marinheiros, armados com 327 canhões, e um carregamento avaliado em 2.600.000 florins, composto principalmente de açúcar, pau-brasil, madeiras de lei [notadamente jacarandá e pau-violeta], fumo, pau-campeche [o caule e as raízes apresentam propriedades medicinais e deles se extrai matéria corante que contém hematoxilina], além de toda a produção de seus artistas e objetos vários, bem como curiosidades pertencentes ao seu museu de antropologia.
Depois de uma travessia, um tanto ou quanto atribulada, que lhe obrigara há vários dias de repouso após o desembarque no porto de Texel, o Conde de Nassau compareceu perante assembleia dos Estados-Gerais, reunidos na Haia, em 12 de agosto de 1644. Na ocasião, apresentou-lhes “um curto e prévio relatório a respeito de sua gestão no Brasil desde 1637”.
Em 20 de setembro do mesmo ano, tornou o Conde de Nassau à mesma assembléia onde, em nova audiência, pôde relatar a verdadeira situação do Brasil Holandês e, a exemplo do que fizera quando do seu Testamento Político, demorou-se bem mais no enfoque dos diversos assuntos, parte deles relacionados por Gaspar Barlaeus em seu livro (Amsterdã, 1647).
Reclamou o Conde de Nassau dos altos juros cobrados pela Companhia aos seus devedores, contrariando o próprio edital vigente que estabelecia o juro de 12% ao ano sobre as dívidas contraídas com a Companhia das Índias Ocidentais, conforme mais uma vez relata Gaspar Barlaeus em obra citada.
Além disso, deve atender-se a que um edito do ano de 1640 determinou que pelas dívidas garantidas por penhor não se cobrar juros superiores a 12% e pelas não garantidas apenas de 8%. São fáceis os exemplos de quão enormemente os nossos burlaram esta lei, exigindo um juro ilegal. Cosme de Oliveira, morador no Tijucupapo, tendo comprado alguns escravos por 9.000 florins, depois de pagar 12.000 de mora, foi preso por uma dívida de mais 15.000 florins. João Soares, cidadão de Muribeca, tendo recebido a crédito bens no valor de 36.000 florins, tendo pago 60.000, ainda devia de mora (ah! invoco o testemunho dos homens!) igual quantia! Seria, certamente, legal e justo abater-se os débitos destes quanto lhes foi cobrado com suma injustiça. Isto fizeram os Romanos, elaborando a Lei das Doze Tábuas para conterem os furores da plebe e suas justíssimas reclamações.
É desta época a notícia de uma curiosa festa brasileira, promovida por Nassau nos jardins e salões de sua residência, a Mauritshuis, na presença de nobres e embaixadores acreditados junto aos Países Baixos. Da crônica da vida diária da Holanda são freqüentes os comentários sobre esta festa, segundo se depreende da correspondência de muita gente famosa que descreve a festa brasileira com riquezas de detalhes. A nota de curiosidade da festa ficou por conta da apresentação da dança guerreira dos tapuias, nos mesmos moldes da que foi eternizada em tela por Albert Eckhout.
Na ocasião o Conde de Nassau fez apresentar os onze índios, que o acompanharam na sua viagem de regresso do Brasil, completamente despidos que com as suas setas e bordunas realizaram a dança ritual.
Assinala Besselaar que, “entre os convidados se achavam vários predicantes com suas esposas. Para alguns, a representação foi um grande escândalo e, justamente por ser motivo de escândalos para alguns, foi motivo de grande hilaridade para outros”.