Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel quarta, 24 de outubro de 2018

HISTÓRIA DA DONZELA TEODORA (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

 

HISTÓRIA DA DONZELA TEODORA

Leandro Gomes de Barros

 

Eis a real descrição

Da história da donzela

Dos sábios que ela venceu

E a aposta ganha por ela

Tirado tudo direito

Da história grande dela

 

Houve no reino de Túnis

Um grande negociante

Era natural da Hungria

E negociava ambulante

Uma alma pura e constante

 

Andando um dia na praça

Numa porta pôde ver

Uma donzela cristã

Para ali se vender

O mercador vendo aquilo

Não pôde mais se conter

 

Tinha feição de fidalga

Era uma espanhola bela

Ele perguntou ao mouro

Quanto queria por ela

Entraram então em negócio

Negociaram a donzela

 

O húngaro conheceu nela

Formato de fidalguia

Mandou educá-la bem

Na melhor casa que havia

Em pouco tempo ela soube

O que ninguém mais sabia

 

Mandou ensinar primeiro

Música e filosofia

Ela sem mestre aprendeu

Metafísica e astrologia

Descrever com distinção

História e anatomia

 

Ela que já era um ente

Nascida por excelência

Como quem tivesse vindo

Das entranhas da ciência

Tinha por pai o saber

E por mãe a inteligência

 

Em pouco tempo ela tinha

Tão grande adiantamento

Que só Salomão teria

Um igual conhecimento

Cantava música e tocava

A qualquer um instrumento

 

Estudou e conhecia

As sete artes liberais

Conhecia a natureza

De todos os vegetais

Descrevia muito bem

A castra dos animais

 

Descrevia os doze signos

De que é composto o ano

Da cabeça até os pés

Conhecia o corpo humano

E dava definição

De tudo do oceano

 

Admirou todo mundo

O saber desta donzela

Tudo que era ciência

Podia se encontrar nela

O professor que ensinou-a

Depois aprendeu com ela

 

Mas como tudo no mundo

É mutável e inconstante

Esse rico mercador

Negociava ambulante

E toda sua fortuna

Perdeu no mar num instante

 

Atrás do bem vem o mal

Atrás da honra a torpeza

Quando ele saiu de casa

Levava grande riqueza

Voltou trazendo somente

Uma extrema pobreza

 

Só via em torno de si

O vil manto da marzela

Em casa só lhe restava

A mulher e a donzela

Então chamou Teodora

E pediu o parecer dela

 

Disse ele: minha filha

Bem vês minha natureza

E sabes que o oceano

Espoliou minha riqueza

Espero que teus conselhos

Me tirem desta pobreza

 

Ela quando ouviu aquilo

Sentiu no peito uma dor

E lhe disse, tenha fé

Em Deus nosso salvador

Vou estudar um remédio

Que salvará o senhor

 

E disse: meu senhor saia

Procure um amigo seu

É bom ir logo na casa

Do mouro que me vendeu

Chegue lá converse com ele

E conte o que lhe sucedeu

 

O que ele oferecer-lhe

De muito bom grado aceite

E veja se ele lhe vende

Vestidos que me endireite

Compre a ele todas as jóias

Que uma donzela se enfeite

 

Se o mouro vender-lhe tudo

Com que possa me compor

Vossa mercê vai daqui

Vender-me ao rei Almançor

É esse o único meio

Que salvará o senhor

 

El-rei lhe perguntará

Por quanto vai me vender

Por dez mil dobras de ouro

Meu senhor há de dizer

Quando ele admirar-se

Veja o que vai responder

 

Dizendo alto senhor

Não fique admirado

Eu vendo-a com precisão

Não peço preço alterado

Dobrada esta quantia

Tenho com ela gastado

 

É esse o único meio

Para a sua salvação

Se o mouro vende-lhe tudo

Descanse seu coração

Daqui para o fim da vida

Não terá mais precisão

 

O mercador seguiu tudo

Quando a donzela ditava

Chegou ao mouro e contou-lhe

O desespero em que estava

Então o mouro vendeu-lhe

Tudo quanto precisava

 

Roupa, objetos e jóias

Para enfeitar a donzela

As roupas vinha que só

Sendo cortada pra ela

Ela quando vestiu tudo

Parecia ficar mais bela

 

O mercador aprontou-se

E seguiu com brevidade

Falou ao guarda da corte

Com muita amabilidade

Para deixá-lo falar

Com a real majestade

 

Então subiu um vassalo

Deu parte ao rei Almoçor

O rei chegou a escada

Perguntou ao mercador:

— Amigo qual o negócio

Que tem comigo o senhor?

 

Então disse o mercador

Sem grande humildade:

— Senhor venho a vossa alteza

Com grande necessidade

Ver se vendo esta donzela

A vossa real majestade

 

O rei olhou a donzela

E disse dentro de si:

Foi a mulher mais formosa

Que neste mundo já vi

Trinta ou quarenta minutos

O rei presenciou ela ali

 

Perguntou ao mercador:

Por quanto vendes a donzela?

Por 10 mil dobras de outro

É o que peço por ela

E não estou pedindo caro

Visto a habilidade dela.

 

Disse o rei ao mercador:

— Senhor, estou surpreendido

Dez mil dobras de ouro

É preço desconhecido

Ou tu não queres vendê-la

Ou estás fora do sentido

 

Disse o mercador: El rei

Não é caro esta donzela

Dobrado a esta quantia

Gastei para educar ela

Excede a todos os sábios

A sabedoria dela

 

O rei mandou logo chamar

Um grande sábio que havia

O instrutor da cidade

Em física e astronomia

Em matemática e retórica

História e filosofia

 

Esse veio e perguntou-lhe

— Donzela estás preparada

Para responder-me tudo

Sem titubiar em nada?

Se não estiver seja franca

Se não sai envergonhada

 

Então ela respondeu-lhe

— Mestre pode perguntar

Eu lhe responderei tudo

Sem cousa alguma faltar

Farei debaixo da lei

Tudo que o senhor mandar

 

O sábio ali preparou-se

Para entrar em discussão

Ela com muita vergonha

Ela não teve alteração

Pediu licença a El-rei

E ficou de prontidão

 

— Diz-me donzela o que Deus

Sob o céu primeiro fez

Respondeu o sol e a lua

E a lua por sua vez

É por uma obrigação

Cheia e nova todo mês

 

— Além do sol e a lua

Doze signos foram feitos

Formando a constelação

Sendo ao sol todos sujeitos

Desiguais na natureza

Com diversos preconceitos

 

Como se chama esses signos?

Perguntou o emissário

A donzela respondeu:

— Capricórnio e Aquário

Tauro, Câncer, Libra, Virgo

Pisces, Escórpio e Sagitário

 

— Existem outros três signos

Áries, Léo e Geminis

No signo Léo quem nascer

Será um homem feliz

Inclinado a viajar

Por fora de seu país

 

O sábio disse: Donzela

É necessário dizer

Que condições tem o homem

Que em cada signo nascer

Por influência o signo

De que forma pode ser?

 

Disse ela o signo Aquário

Reina o mês de janeiro

O homem que nascer nele

Tem o crescimento varqueiro

Será amante das mulheres

Ventaroso e lisonjeiro

 

Pisces reina em fevereiro

Quem nesse signo nascer

É muito gentil de corpo

Muito guloso em comer

Risonho, gosta de viagem

Não faz o que prometer

 

Em março governa Áries

Neste signo nascerão

Homens nem ricos nem pobres

Por nada se zangarão

Neles se notam um defeito

Falando sós andarão

 

Em abril governa Tauro

Um signo bem conhecido

O homem que nascer nele

Será muito presumido

Altivo de coração

Será rico e atrevido

 

Geminis governa em maio

Sua qualidade é quente

O homem que nascer nele

Será fraco e diligente

Para os palácios e cortes

Se inclina constantemente

 

Em julho governa Câncer

Sua qualidade é fria

O homem que nascer nele

É forte e tem energia

É gentil e tem muita força

E sempre tem alegria

 

Em julho governa Léo

Por um leão figurado

O homem que nascer nele

É lutador e honrado

Altivo de coração

Inteligente e letrado

 

Em agosto reina Virgo

Vem da terra a natureza

O homem que nascer nele

Tem princípio tem riqueza

Depois se descuidará

Por isso cai em pobreza

 

Em setembro reina Libra

A Vênus assinalado

O homem que nascer nele

Será um pouco inclinado

A viajar pelo mar

É lutador e honrado

 

O que nascer em outubro

Será homem falador

Inclinado aos maus costumes

Teimoso e namorador

Pouco jeito nos negócios

Falso grave e enganador

 

Então o mês de novembro

Sagitário é o reinante

O homem que nascer nele

Será cínico e inconstante

Desobediente aos pais

Intratável assim por diante

 

Em dezembro é Capricórnio

Tem a natureza de terra

O homem que nascer nele

Será inclinado a guerra

Gosta de falar sozinho

E por qualquer coisa espera

 

O sábio ali levantou-se

Disse ao rei esta donzela

Não há sábio aqui no mundo

Que tenha a ciência dela

E com isso vossa alteza

Que estou vencido por ela

 

O rei ali ordenou

Que fosse o sábio segundo

Foi um matemático e clínico

Um gênio grande e fecundo

E conhecido por um

Dos sábios maior do mundo

 

Chegou o segundo sábio

Que inda estava orelhudo

E disse: Donzela eu tenho

Dezoito anos de estudo

Não sou o que tu venceste

Conheço um pouco de tudo

 

A donzela respondeu

Com licença de el-rei

Tudo que me perguntares

Aqui te responderei

Com brevidade e acerto

Tudo vos explicarei

 

Perguntou o sábio a ela:

Em nosso corpo domina

Qualquer um dos doze signos

Que a donzela descrimina

Terá alguma influência

Os signos com a medicina?

 

Então a donzela disse:

Descrito mestre direi

Sabe que os signos são doze

Como eu já expliquei

Compactam com a química

Quer saber? Explicarei

 

Áries domina a cabeça

Uma parte melindrosa

Para quem nascer em março

A sangria é perigosa

A pessoa que sangrar-se

Deve ficar receosa

 

Libra domina as espáduas

Câncer domina os peitos

Para os que são deste signo

Purgantes tem maus efeitos

E as sangrias também

Não serão de bons proveitos

 

Tauro domina o pescoço

Léo domina o coração

Capricórnio influi nos olhos

Escórpio a organização

Geminis domina os braços

e influi na musculação

 

Virgo domina o ventre

E Aquário nas canelas

Para os que são desses signos

Purgas e sangrias são belas

Então Sagitário e Pisces

Ambos têm igual tabelas

 

O sábio dentro de si

Disse meio admirado

Onde esta discutir

Ninguém pode ser letrado

Esta só vindo a propósito

De planeta adiantado

 

O sábio disse: Donzela

Eu quero se tu puderes

Isto é, eu creio que podes

Não dirás se não quiseres

O peso, idade e conduta

Que têm todas as mulheres

 

Disse a donzela: A mulher

É sempre a arca do bem

Porém só quem a criou

Sabe o peso que ela tem

Isso é uma coisa ignota

Disso não sabe ninguém

 

Que me dizes das donzelas

De vinte anos de idade?

Respondeu: Sendo formosa

Parece uma divindade

Principalmente ao homem

Que lhe tiver amizade

 

As de trinta e quarenta

Que dizes tu que elas são?

Disse ela: Uma dessas

É de muita consideração

— Das de 50 o que dizer?

— Só prestam para oração

 

— Que dizes das de 70?

— Deviam estar num castelo

Rezando por quem morreu

Lamentando o tempo belo

O que dizes das de 80?

— Só prestam para o cutelo

 

Então classificas as velhas

Tudo de mal a pior?

E nos defeitos de tantas

Não se encontra um menor

Disse ela: Deus me livre

De ser vizinho da melhor

 

Donzela o sábio lhe disse

Sei que és caprichosa

Entre todas as pessoas

És a mais estudiosa

Diga que sinais precisam

Para a mulher ser formosa

 

Então a donzela disse:

Para a mulher ser formosa

Terá dezoito sinais

Não tendo é defeituosa

A obra por seu defeito

Deixa de ser melindrosa

 

Há de ter três partes negras

De cores bem reluzentes

Sobrancelhas, olhos, cabelos

De cores negras e ardentes

Branco o lacrimal dos olhos

Ter branca a face e os dentes

 

Será comprida em três partes

A que tiver formosura

Compridos os dedos das mãos

O pescoço e a cintura

Rosada cútis e gengivas

Lábios cor de rosa pura

 

Terá três partes pequenas

O nariz, boca e pé

Larga a cadeira e ombro

Ninguém dirá que não é

Cujos sinais teve-se todos

Uma virgem em Nazaré

 

O sábio quando ouviu isto

Ficou tão surpreendido

E disse: El-rei Almançor

Confesso que estou vencido

E quem argumenta com ela

Se considera vencido

 

El-rei mandou que outro sábio

Entrasse em discussão

Então escolheram um

Dos de maior instrução

A quem chamavam na Grécia

Professor da criação

 

Abraão de Trabador

Veio argumentar com ela

E disse logo ao entrar:

Previne-te bem, donzela

Dizendo dentro si

Eu hoje hei de zombar dela

 

Então a donzela disse:

Senhor mestre estarei disposta

De todas suas perguntas

O senhor terá resposta

Se tem confiança em si

Vamos fazer uma aposta?

 

Minha aposta é a seguinte

De nós o que for vencido

Ficará aqui na corte

Publicamente despido

Ficando completamente

Como quando foi nascido

 

O sábio disse que sim

Mandaram o termo lavrar

E a donzela pediu

Ao rei para assinar

Para a parte que perdesse

Depois não se recusar

 

Lavraram o termo e foi

Às mãos do rei Almoçor

Pra fazer válido o trato

E ficar por fiador

Obrigando quem perdesse

Dar as roupas ao vencedor

 

O sábio aí perguntou:

Qual é a coisa mais aguda?

Disse ela: é a língua

Duma mulher linguaruda

Que corta todos os nomes

E o corte nunca muda

 

Donzela qual é a coisa

Mais doce do que mel?

— O amor do pai a um filho

Ou dama esposa fiel

A ingratidão de um desses

Amarga mais do que fel

 

O sábio disse: Donzela

Conheces os animais?

Quero agora que descrevas

Alguns irracionais

Me diga qual é o bicho

Que possui oito sinais

 

Mestre, isto é gafanhoto

Vive embaixo dos outeiros

Tem pescoço como vaca

Esporas de cavaleiros

Tem olhos como marel

Um pássaro dos estrangeiros

 

Focinho como de vaca

Tem pés como de cegonha

Tem cauda como de víbora

Uma serpente medonha

E é infeliz o vivente

Que a boca dela se oponha

 

Tem peito como cavalos

E não ofende a ninguém

Tem asas como de águia

A que voa muito além

São antes oito sinais

Que o gafanhoto tem

 

Perguntou o sábio a ela:

— Que homem foi que viveu

Porém nunca foi menino

Existiu mas não nasceu

A mãe dele ficou virgem

Até que o neto morreu

 

— Este homem foi Adão

Que da terra se gerou

Foi feito já homem grande

Não nasceu, Deus o formou

A terra foi a mãe dele

E nela se sepultou

 

Foi feita mas não nascida

Essa nobre criatura

A terra foi a mãe dele

Serviu-lhe de sepultura

Para Abel o neto dele

Fez-se a primeira abertura

 

— Donzela qual é a coisa

Que pode ser mais ligeira?

Respondeu: O pensamento

Que voa de tal maneira

Que vai ao cabo do mundo

Num segundo que se queira

 

O sábio fitou-a e disse:

— Donzela diga-me agora

Qual o prazer de um dia

Qual prazer duma hora?

— Dum negócio que se ganha

Dum passeio que se queira

 

A donzela respondeu

Com a maior rapidez

Disse: um homem viajando

E se bom negócio fez

É um dos grande prazeres

Que verá por sua vez

 

Donzela o que é vida?

Disse ela: Um mar de torpeza

O que pode assemelhar-se

À vela que está acesa

Às vezes está tão formosa

E se apaga de surpresa

 

Donzela por quantas formas

Mente a pessoa afinal?

Respondeu: Mente por três

Tendo como essencial

Exaltar a quem quer bem

E pôr taxa em quem quer mal

 

Donzela que é velhice?

Respondeu com brevidade:

É vestidura de dores

É a mãe da mocidade

E o que mais aborrecemos?

Respondeu: É a idade

 

Donzela qual é a coisa

Que quem tem muito ainda quer?

Disse ela: É o dinheiro

Que o homem e a mulher

Não se farta de ganhar

Tenha a soma que tiver

 

Qual é a coisa que o homem

Possui e não pode ver?

Disse ela: O coração

Que aberto tem que nascer

Ver a raiz dos seus olhos

Não há quem possa obter

 

Donzela qual foi o homem

Que por dois ventres passou?

Disse a donzela: Foi Jonas

Que uma baleia o tragou

Conservou-o dentro três dias

E depois o vomitou

 

O sábio disse: Donzela

Qual o homem mais de bem?

Disse ela: É aquele

Que menos defeitos tem

Quem terá menos defeitos?

— Isso não sabe ninguém

 

— Donzela qual é a coisa

Que não se pode saber?

O pensamento do homem

Se ele não quer dizer

Por mais que a mulher procure

Não poderá obter

 

— Donzela o que é a noite

Cheia de tantos horrores?

Disse ela: É descanso

Dos homens trabalhadores

É capa dos assassinos

Que encobre os malfeitores

 

— Onde a primeira cidade

Do mundo foi construída?

— A cidade de Ninive

A primeira conhecida

Que depois de certo tempo

Foi pela Grécia abatida

 

Perguntou: Qual o guerreiro

Que teve a antigüidade?

Respondeu: Foi Alexandre

Assombro da humanidade

Guerreou vinte e dois anos

E morreu na flor da idade

 

Donzela falaste bem

Do maior conquistador

Diga dos homens qual foi

O maior sentenciador?

— Pilatos que deu sentença

a Cristo Nosso Senhor

 

De todos os patriarcas

qual seria o mais valente?

— O patriarca Jacó

Que lutou heroicamente

Com os anjos mensageiros

Do monarca onipotente

 

— Qual foi a primeira nau

Que foi para o estaleiro

— Foi a Arca de Noé

A que no mar foi primeiro

Onde escapou um casal

De tudo no mundo inteiro

 

— O que corta mais

Que a navalha afiada?

É a língua da pessoa

Depois de estar irada

Corta com mais rapidez

Que qualquer lâmina amolada

 

— Qual é o maior prazer

Com que se ocupa a história?

Respondeu: Quando um guerreiro

No campo ganha vitória

Sabei que não pode haver

Tanto prazer tanta glória

 

O sábio disse: Donzela

Tens falado muito bem

Me diga que condições

O homem no mundo tem?

Disse a donzela: tem todas

Para o mal e para o bem

 

É manso como a ovelha

E feroz como o leão

Seboso como o suíno

É limpo como o pavão

É falso como a serpente

É tão leal como o cão

 

É fraco como o coelho

Arrogante como o gelo

Airoso como o furão

Forçoso como o cavalo

E mais te digo que o homem

Ninguém pode decifrá-lo

 

É calado como peixe

Fala como papagaio

É lerdo como preguiça

É veloz igual ao raio

É sábio quando ouviu isto

Quase que dar-lhe um desmaio

 

Então inventou um meio

Para ver se a pegaria

Perguntou: O sol da noite

Terá luz quente ou fria?

A donzela respondeu

Que à noite sol não havia

 

Com a presença do sol

É que se conhece o dia

Se de noite houvesse sol

A noite não existia

E sem o sereno dela

Todo vivente morreria

 

Sem água, sem ar, sem luz

A terra não tinha nada

Não tinha os seres que tem

Seria desabitada

A própria vegetação

Não podia ser criada

 

Os reinos da natureza

Cada um possui um gênio

É necessário o azoto

Precisa o oxigênio

Para a infusão disso tudo

O carbono e o hidrogênio

 

O dia Deus fez bem claro

A noite fez bem escura

Se de noite houvesse sol

Estava o homem à altura

De notar esse defeito

E censurar a natura

 

O sábio baixou a vista

E ouviu tudo calado

Nada teve a dizer

Pois já estava esgotado

E tinha plena certeza

Que ficava injuriado

 

Disse ao público: Senhores

A donzela me venceu

Não sei com qual professor

Esta mulher aprendeu

Aí a donzela disse:

Então o mestre perdeu?

 

Ele vendo que estava

Esgotado e sem recursos

Ficou trêmulo e muito pálido

Fugiu-lho até os pulsos

Prostou-se aos pés de El-rei

Se sufocando em soluços

 

E disse: Senhor, confesso

A vossa real majestade

Que vejo nesta donzela

A maior capacidade

Ela merece ter prêmio

Pois tem grande habilidade

 

A donzela levantou-se

Foi ao soberano rei

Então beijando-lhe a mão

Disse: Vos suplicarei

Mande o sábio entregar-me

Tudo que dele ganhei

 

O rei ali ordenou

Que o sábio se despojasse

De todas as vestes que tinha

E à donzela as entregasse

O jeito que tinha ali

Era ele envergonhar-se

 

O sábio pôs-se a despir-se

Como quem estava doente

Fraque, colete e camisa

Ficando ali indecente

E pediu para ficar

Com a ceroula somente

 

Depois sufocado em pranto

Prostrado disse à donzela:

Resta-me apenas a ceroula

Não posso me despir dela

A donzela perguntou-lhe:

O senhor nasceu com ela?

 

O trato foi o seguinte

De nós quem fosse vencido

Perante a todos da corte

Havia de ficar despido

Como quando veio ao mundo

Na hora que foi nascido

 

El-rei foi o fiador

Nosso ajuste foi exato

O senhor tem que despir-se

E dar-lhe fato por fato

Ficando com a ceroula

Não teve efeito o contrato

 

E não quis dar a ceroula

O rei mandou que ele desse

Ou pagaria à donzela

O tanto que ela quisesse

Tanto que indenizasse-a

Embora que não pudesse

 

Donzela quanto queres

Perguntou o sábio enfim

A donzela ali fitou-o

E lhe respondeu assim:

A metade do dinheiro

Que meu senhor quer por mim

 

O rei ali conhecendo

O direito da donzela

Vendo que toda razão

Só podia caber nela

Disse ao sábio: Mande ver

O dinheiro e pague a ela

 

Cinco mil dobras de ouro

A donzela recebeu

O sábio também ali

Nem mais satisfação deu

Aquele foi um exemplo

Que a donzela lhe vendeu

 

O rei então disse à ela:

Donzela podes pedir

Dou-te a palavra de honra

Farei-te o que exigir

De tudo que pertencer-me

Poderás tu te servir

 

Ela beijou-lhe a mão

Lhe disse peço que dê-me

A quantia do dinheiro

Que meu senhor quer vender-me

Deixando eu voltar com ela

Para assim satisfazer-me

 

O rei julgou que a donzela

Pedisse para ficar

Tanto que se arrependeu

De tudo lhe franquear

Mas a palavra de rei

Não pode se revogar

 

Mandou dar-lhe o dinheiro

Discutiu também com ela

Mas ciente de tudo

Quanto podia haver nela

E disse vinte mil dobras

Não pagam esta donzela

 

Voltou ela e o senhor

À sua antiga morada

Por uma guarda de honra

Voltou ela acompanhada

O senhor dela trazendo

Uma fortuna avaliada

 

Ficaram todos os sábios

Daquilo impressionados

Pois uma donzela escrava

Vencer três homens letrados

Professores de ciências

Doutores habilitados

 

Abraão de Trabador

Com todos não discutia

Já tinha vencido muitos

Em música e filosofia

Em história natural

Matemática e astronomia

 

Ele descrevia a fundo

Os reinos da natureza

Era engenheiro perito

De tudo tinha a certeza

Descrevia o oceano

Da flor d'água a profundeza.

 

Tanto quando ele entrou

Que fitou bem a donzela

Calculou dentro de si

A força que havia nela

Confiando em sua força

Por isso apostou com ela

 

Caro leitor escrevi

Tudo que no livro sabei

Só fiz rimar a história

Nada aqui acrescentei

Na história grande dela

Muitas coisas consultei

 


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