Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 15 de fevereiro de 2017

MARACATUS, A PRESENÇA DA ÁFRICA NO CARNAVAL DO RECIFE

 

Maracatu Elefante – Dona Santa

O maracatu, da forma hoje conhecida, tem suas origens na instituição dos Reis Negros, já conhecida na França e em Espanha, no século XV, e em Portugal, no século XVI, passando para Pernambuco onde encontramos narrativas e documentos sobre tais coroações de soberanos do Congo e de Angola a partir de 10 de setembro de 1666, segundo testemunho de Souchou de Rennefort, in Histoire des Indes Orientales, publicado em Paris 1688.

As coroações de reis e rainhas de Angola na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Santo Antônio do Recife são documentadas a partir de 1674, segundo documentação reunida in Alguns documentos para a história da escravidão. Recife: Editora Massangana, 1988.

O folguedo do maracatu, semelhante aos bailes e batuques organizados pelos pretos de Angola ao tempo do governador José César de Menezes (1774-78), objeto de denúncia à Inquisição de Lisboa por parte dos frades capuchinhos da Penha (ANTT – Cartório da Inquisição nº4740), foi sempre alvo de censuras por parte das classes dominantes e de perseguição policial; segundo denúncia do mesmo jornal em sua edição de 11 de novembro de 1856 ao tratar do maracatu da praça da Boa Vista.

Cortejos de reis negros

Os cortejos dos reis negros, geralmente anotados pela imprensa, quando das festas de Nossa Senhora dos Prazeres e nas do Rosário de Santo Antônio, não eram conhecidos por maracatus, como se depreende do noticiário do Diario de Pernambuco de 20 de outubro de 1851:

… percorrendo à tarde algumas ruas da cidade, divididos em nações, cada uma das quais tinha à frente o seu rei acobertado por uma grande umbela ou chapéu-de-sol de variadas cores. Tudo desta vez se passou na boa paz e sossego, porquanto a polícia, além de ter responsabilizado, segundo nos consta, o soberano universal de todas as nações africanas aqui existentes, por qualquer distúrbio que aparecesse em seus ajuntamentos, não deixou por isso de vigiá-los cuidadosamente.

Os reis negros, em especial o Rei do Congo, possuidor de uma hierarquia própria sobre os membros das demais nações africanas aqui residentes, compareciam às festas religiosas protegidos pela umbela. Um grande pálio redondo, ladeado por dignitários de suas respectivas cortes, sendo o cortejo aberto pela bandeira da nação, juntamente com outras bandeiras arvoradas, e acompanhados por instrumentos de percussão, nem sempre ao gosto da população branca, como se depreende na observação do Padre Carapuceiro: “Alguns desses chapelórios ainda há poucos anos apareciam nos batuques dos pretos em dias de Nossa Senhora do Rosário, cobrindo o figurão chamado de rei dos congos” (Diario de Pernambuco, 15.3.1843).

O grande guarda-sol colorido sob o qual vinha amparado o rei de cada nação, como fora observado pelo Padre Carapuceiro, era denominado cumbi pelos africanos que, ainda em nossos dias, assim trazem protegidos os seus sobas. Inicialmente pensou-se que esta grande umbela havia sido transplantada do cerimonial da igreja católica, onde é utilizada como proteção ao santo viático, quando de sua saída às ruas, conforme bem retratou Emil Bauch em uma de suas cromolitografias tomadas da calçada da igreja matriz da Boa Vista, no Recife (c 1852).

Maracatus, ajuntamentos de negros

No Recife a denominação maracatu servia, a partir da primeira metade do século XIX, para denominar um ajuntamento de negros, como por ocasião da fuga da escrava Catarina, anotada por José Antônio Gonsalves de Mello em consulta à edição do Diario de Pernambuco de 1º de julho de 1845:

Em o dia 2ª feira do Espírito Santo do ano próximo passado, fugiu a preta Catarina, de nação Angola, ladina, alta, bastante seca de corpo, seio pequeno, cor muito preta, bem feita de rosto, olhos grandes e vermelhos, com todos os dentes da frente, pés grandes metidos para dentro, muito conversadeira e risonha, de idade de 22 anos; tem sido encontrada na Estrada da Nova da Passagem da Madalena e no Aterro dos Afogados, vendendo verduras e aos domingos no maracatu dos coqueiros do dito Aterro, e há notícia de ser o seu coito certo a matriz da Várzea; cuja escrava pertence a Manoel Francisco da Silva, morador na Rua Estreita do Rosário, 10, 3º andar, ou em seu sítio em Santo Amaro, junto à igreja, o qual gratificará generosamente a quem lh’ a apresentar.

Outro exemplo aparece na ata da sessão extraordinária da Câmara Municipal do Recife de 28 de abril de 1851, quando foi endereçada ao desembargador Chefe de Polícia “uma petição do preto africano Antônio Oliveira, intitulado Rei do Congo, queixando-se de outro que, sem lhe prestar obediência, tem reunido os de sua nação para folguedos públicos, a fim de que o mesmo desembargador providenciasse em sentido de desaparecer semelhantes reuniões, chamadas vulgarmente de maracatus, pelas conseqüências desagradáveis que delas podem resultar” (Diario de Pernambuco, 27.5.1851).

No Recife, os cortejos dos soberanos negros, trazendo os seus reis e rainhas, não saíam no período do carnaval, mas tão somente por ocasião de suas festas religiosas ou em ocasiões outras como o embarque de africanos libertos de volta à mãe África. A presença de “batuque do Rei do Congo” no carnaval do Recife só vem a ser registrada a partir do final dos anos cinqüenta do século XIX.

Os reis no Carnaval

Maracatu Elefante – Rainhas e princesas

Somente nos anos setenta do século XIX é descrita a presença desses cortejos de reis negros durante o carnaval, segundo noticia o Diario de Pernambuco sem sua edição de 10 de fevereiro de 1872, ainda sem a denominação de maracatus:

No dia 11 do corrente sairá da Rua de Santa Rita Velha (bairro de São José) a nação velha de Cambinda, a qual vai em direitura à Rua das Calçadas buscar a sua rainha, e depois percorrerá diversas ruas, e às 3 horas se achará em frente à igreja do Rosário [de Santo Antônio] onde se soltarão algumas girândolas de fogo e uma salva de 21 tiro; dali seguirá para o Recife e na Rua do Bom Jesus voltará com a vice-rainha de sua nação.

O maracatu era, até então, considerado a reunião de negros em determinado local. Um o batuque, na acepção de “dança africana ao estrépido de instrumentos de percussão” (Pereira da Costa), mas não o cortejo real que levava às ruas a corte dos reis negros, como faz ver o extenso editorial do mesmo jornal, publicado em 18 de maio de 1880:

…. Há tempos, que indicamos um maracatu que costuma reunir-se quase no extremo norte do Cais do Apolo, na freguesia de S. Pedro Gonçalves do Recife; hoje temos notícia exata de dois outros, dos quais os vizinhos têm as mais cruéis recordações. Juntam-se estes na freguesia da Boa Vista, um na Rua do Giriquiti, outro na Rua do Atalho. Neste último, anteontem, houve uma grande assuada e barulho, chegando a aparecer diversas facas de ponta. Felizmente, não se deram ferimentos, mas não esteve longe de assim acontecer. Urge, repetimos, providenciar em ordem a que cessem, desapareçam tão selvagens instrumentos, e o Sr. Dr. Chefe de Polícia, que volveu suas vistas contra as casas de tavolagem, deve também dirigir sua atenção para os maracatus.

O maracatu, na verdade, era tão somente o batuque dos negros, com localização fixa em determinado bairro da cidade. O cortejo real, como no caso anteriormente citado da “nação velha de Cambinda”, não parece ser a mesma coisa. A conclusão é reforçada pelo depoimento do carnavalesco João Batista de Jesus, “Seu Veludinho” do maracatu Leão Coroado, que segundo a tradição faleceu com 110 anos, prestado à pesquisadora Katarina Real em janeiro de 1966, in O folclore no Carnaval do Recife. Recife: Editora Massangana, 1990. 2ªed. p. 184:

Maracatu nem tinha o nome de maracatu. O nome era nação. Uma “nação” mandava ofício para outro “estado”. Surgiu essa palavra pelos homens grandes, quando ouviram os baques dos bombos, chamaram “aquele maracatu!”

Cortejo é chamado de maracatu

Com a abolição da escravatura negra, em 1888, e a proclamação da República, em 1889, a figura do Rei do Congo – Muchino Riá Congo – perdeu a sua razão de ser. Os cortejos dos reis negros já presentes no carnaval, por sua vez, passaram a ter como chefe temporal e espiritual os babalorixás dos terreiros do culto nagô. Assim vieram para as ruas do Recife, não somente nos dias de festas religiosas em honra de Nossa Senhora do Rosário, mas também nas festas carnavalescas.

Após a abolição, porém, os antigos cortejos das nações africanas, que continuaram a se fazer presentes no carnaval do Recife então sob a chefia dos seus babalorixás, passaram a ser chamados de maracatus, particularmente quando a notícia tinha conotação policial, como a divulgada pelo Diario de Pernambuco, em sua edição de 26 de fevereiro de 1889:

Revista Diária. Maracatu Porto Rico – Na Praça Pedro I, da paróquia de São Frei Pedro Gonçalves do Recife, deu-se anteontem um conflito entre os sócios do Maracatu Porto Rico, quando este fazia um ensaio. Ao que parece o conflito foi motivado por uma praça do 14º Batalhão, pois que cerca de 60 homens, armados de facas e cacetes, rebelaram-se contra a dita praça, que ferida tratara de fugir, quando ali compareceu o subdelegado da paróquia. Esta autoridade conseguiu prender seis dos tais desordeiros, inclusive o ofensor da praça, que foi vistoriada pelo sr. dr. José Joaquim de Souza.

Ainda recentemente, ao que se depreende do depoimento do presidente da Nação do Leão Coroado, Luiz de França, falecido aos 95 anos, “para conversar pouco, só digo que o maracatu é da seita africana”. (Diario de Pernambuco, 14 de janeiro de 1996).

As seculares nações africanas

A mais tocante descrição de um maracatu carnavalesco do início do século vem de Francisco Augusto Pereira da Costa (1851-1923) que, em 1908, assim relata o cortejo no seu Folk-Lore Pernambucano:

Rompe o préstito um estandarte ladeado por arqueiros, seguindo-se em alas dois cordões de mulheres lindamente ataviadas, com os seus turbantes ornados de fitas de cores variegadas, espelhinhos e outros enfeites, figurando no meio desses cordões vários personagens, entre os quais os que conduzem os fetiches religiosos, – galo de madeira, um jacaré empalhado e uma boneca de vestes brancas com manto azul -; e logo após, formados em linha, figuram os dignitários da corte, fechando o préstito o rei e a rainha.

Estes dois personagens, ostentando as insígnias da realeza, como coroas, cetros e compridos mantos sustidos por caudatários, marcham sob uma grande umbela e guardados por arqueiros.

No coice vêm os instrumentos: tambores, buzinas e outros de feição africana, que acompanham os cantos de marcha e danças diversas com um estrépito horrível.

Aruenda qui tenda, tenda,
Aruenda qui tenda, tenda,
Aruenda de totororó.

O autor chama a atenção do leitor para o Maracatu Cabinda Velha que, “desfraldando um rico estandarte de veludo bordado a ouro, como eram igualmente a umbela e as vestes dos reis e dignitários da corte, e usando todos eles de luvas de pelica branca e finíssimos calçados. Os vestuários dos arqueiros, porta-estandarte e demais figuras, eram de finos tecidos e convenientemente arranjados, sobressaindo os das mulheres, trajando saias de seda ou veludo de cores diversas, com as suas camisas alvíssimas, de custosos talhos de labirinto, rendas ou bordados, vistosos e finíssimos; e pendentes do pescoço, em numerosas voltas, compridos fios de miçangas, que do mesmo modo ornam-lhes os pulsos. Toda comitiva marchava descalça, à exceção do rei, da rainha e dos dignitários da corte, que usavam de calçados finos e de fantasia, de acordo com os seus vestuários”.

E concluindo, afirma Pereira da Costa:

“Quando o préstito saía, à tarde, recebia as saudações de uma salva de bombas reais, seguida de grande foguetearia, saudações essas que eram de novo prestadas no ato do seu recolhimento, renovando-se e continuando as danças até o amanhecer; e assim, em ruidosas festas e no meio de todas as expansões de alegria, deslizavam-se os três dias do Carnaval”.

Preservando a denominação de nação, os préstitos dos maracatus de baque virado (que utilizam nas suas apresentações tão somente instrumentos de percussão de origem africana) continuam a desfilar pelas ruas do Recife nos dias do carnaval e nos meses que antecedem a grande festa. Denominando-se de Nação do Elefante (1800), Nação do Leão Coroado (1863), Nação da Estrela Brilhante (1910), Nação do Indiano (1949), Nação Porto Rico (1915), Nação Cambinda Estrela (1953), além de outros grupos que surgiram mais recentemente, mantendo a tradição africana dos seus antepassados.


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