Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Família Albuquerque e Silva sábado, 25 de junho de 2022

MARIA ALICE, A MULATA DA FAMÍLIA
MARIA ALICE,  A MULATA DA FAMÍLIA

(25.06.1926- 03.03.2002)

Raimundo Floriano

 

 

Maria Alice, caricaturada por Juarez

 

                        Maria Alice foi um símbolo de alegria, da caridade e do amor ao próximo. Um paradigma de filha, irmã, esposa, mãe, e avó, além de amiga sincera e incondicional de todos que a conheceram.

 

                        As lembranças mais nítidas que tenho dessa minha irmã são as marcadas pelas festas, principalmente o Carnaval, quando ela ensaiava com as amigas as canções lançadas no ano e, nos bailes, divertia-se a valer, naquela inocência das festividades carnavalescas do sertão de outrora. Na foto abaixo, ela, com primas e amigas, preparando-se para o ensaio do Carnaval de 1950. Queriam sorriso mais brejeiro, mais espontâneo, mais faceto, mais puro?

 

Violeta, Maria Alice, Criseida, Flory, Iracy e Yolanda

 

                        Para abrir esta crônica, pedi ao Juarez Leite, meu ilustrador, que fizesse uma caricatura da Maria Alice, partindo de foto mais recente, batida há uns quinze anos, muito esmaecida. E ele, mesmo sem tê-la conhecido, captou, de forma brilhante, a jovial personalidade dessa irmã querida.

 

                        Maria Alice Albuquerque e Silva nasceu no dia 25 de junho de 1926, em Balsas (MA). Era filha de Rosa Ribeiro e Maria Bezerra, meus pais. Dez anos mais velha do que eu, era a terceira, numa prole de dez irmãos, da qual eu sou o sétimo.

 

                        Esta é sua foto mais antiga, batida quando estava com dois anos de idade:

 

Rosa Ribeiro, Maria Bezerra,

José, Pedro, Maria Isaura e Maria Alice

 

                        Estudou em Balsas até concluir o Primário, quando, em busca da realização do sonho de toda moça da época – ser professora –, foi estudar em Teresina (PI), onde cursou a Escola Normal Estadual.

 

                        Faço questão de relatar um episódio daquela época, que ela me contou em 1991, quando festejávamos o Centenário de Rosa Ribeiro, nosso pai, in memoriam.

 

                        Ainda adolescente, ela se encontrava de férias escolares em Balsas, devendo retornar para Teresina numa balsa, a chamada “balsa dos estudantes”, que sairia num domingo, em viagem que, ao sabor das águas, teria 15 dias de duração. Vejam bem como era sacrificada a vida dos estudantes naquele tempo, devendo interromper as férias duas semanas antes, para chegarem a ponto de pegar o início das aulas.

 

                        Sucedeu que, no mesmo dia em que se daria a partida da balsa, seria realizado em Balsas um grande piquenique, com muita música e animação, na Fazenda Maravilha, que a Maria Alice não queria perder de jeito e maneira. Por isso, na véspera da viagem, ela andava na maior tristeza, com a cara inchada de tanto chorar escondido pelos cantos lá de casa. Papai, notando isso e, cientificando-se do motivo, tomou uma providência inesperada. Sabendo que a balsa, que só viajava de sol a sol, pernoitaria na Fazenda Capim Branco, umas seis léguas rio abaixo, decidiu que Maria Alice iria ao piquenique e que, terminada a festa, ele a levaria até a dita fazenda. Assim se fez. Já no crepúsculo, montados em dois cavalos bons de sela, guiados pela lua e pelas estrelas, venceram o percurso, alcançando a balsa ao romper da aurora, antes de ela ser desamarrada para prosseguir viagem. Tal ação do velho Rosa Ribeiro me serviu de verdadeira lição para o modo de como me portar na condução da vida de minhas filhas.

 

                        Em Teresina, Maria Alice chamava a atenção pela beleza sertaneja. Essa rara formosura fez com que, em meados dos Anos 1940, fosse eleita Rainha dos Estudantes da Capital Piauiense.

 

Rainha dos Estudantes

 

                        Conquistado o diploma de professora, retornou para Balsas, onde lecionou no Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo até 1956.

 

                        Sempre que me recordo daquela época, vêm-me à lembrança as festas das quais ela participava e as músicas que ela cantava, principalmente no período carnavalesco. Sendo a mulata da família, minha imaginação infantil levava-me a crer que a marchinha A Mulata é a Tal – “Branca é branca, preta é preta, mas a mulata é a tal, é a tal...” – de Ruy Rey, lançada em 1948, fora composta especialmente pensando nela.

 

A mulata brejeira

 

                        Também ficou gravada em minhas recordações a imagem dela, de nossas primas Violeta e Iracy, as amigas Criseida e Yolanda e outras, fantasiadas de odaliscas, cada qual com um pandeiro árabe na mão direita, no Carnaval de 1947, em cordão que tinha como tema a marchinha Odalisca – “Vem, odalisca, pro meu harém...” –, gravação de Nélson Gonçalves. Como o Oriente Médio sempre foi rica fonte de inspiração para os compositores do passado, recordo-me, dela, novamente, fantasiada com seu grupinho, de odalisca, no Carnaval de 1951, dentro do tema da marchinha Levanta o Véu – “Levanta o véu, iaiá, levanta o véu, iaiá, eu sei que o teu Alá há de te perdoar...” – gravação do desconhecido Ivan de Alencar. A seguir, duas odaliscas:

 

Maria Alice e Yolanda

 

                        No dia 25 de fevereiro de 1956, Maria Alice casou-se com Raimundo de Sousa e Silva, nosso primo, filho de Cazuza Ribeiro e Ritinha Pereira, indo residir na vila de engenheiro Dolabela (MG), onde se localizava a Usina Malvina, uma das fábricas de açúcar e álcool do Grupo Matarazzo, da qual Raimundo era o Químico Industrial, situada em terras do Município de Bocaiúva. Seguiu com o casal a jovem Maria Júlia, que já vivia em nossa casa desde menina, sobrinha do Comandante Puçá e de Maria Rodrigues, de quem falarei em outra oportunidade.

 

Maria Alice e Raimundo

                        Em Minas, o casal teve dois filhos: Pedro Ivo, nascido em Bocaiúva, no ano de 1957, e Maria Isaura, nascida em Belo Horizonte, em 1958.

 

                        No início dos Anos 1960, o casal mudou-se para Brotas (SP), onde Raimundo recebera melhor proposta de trabalho em outra grande usina açucareira, pertencente àquele grupo empresarial. Ali permaneceu até 1963, quando veio a fixar residência em Anápolis (GO), onde Raimundo e outros empresários fundaram uma indústria no ramo de saboaria. Nessa cidade, em 1966, Maria Alice deu à luz Raimundinho, o filho caçula.

 

                        No ano de 1967, nova mudança, dessa vez em caráter definitivo. Com aposentadoria de Rosa Ribeiro, Maria Alice foi nomeada Tabeliã do Cartório do 2º Ofício de Balsas, sucedendo a papai, enquanto Raimundo assumia o cargo de Fiscal de Rendas do Estado. Eram as aves voltando ao ninho antigo. E a cidade muito ganhou com isso.

 

                        Inicialmente, porque, com eles, voltava a se instalar naquele meio um pouco da alegria do passado, um tanto perdida com o progresso vivido nos novos tempos. No sítio Bebedouro, distante cerca de légua e meia do centro da cidade, passaram a se realizar as mais animadas comemorações e os mais festivos encontros, com a participação de todos os familiares e demais amigos.

 

                        O sítio Bebedouro, oásis balsense de alegria e felicidade:

 

 Sítio Bebedouro

 

                        A seguir, o casal em meio à juventude foliona, no Clube Recreativo Balsense:

 

Maria Alice e Raimundo - Carnaval de 1975

 

                        Paralelamente ao trabalho e ao lazer, Maria Alice, com o total apoio e cooperação do Raimundo, deu continuidade ao trabalho de Maria Bezerra, nossa mãe, esmerando-se na assistência às pessoas carentes, na organização de festejos religiosos, na consolação dos aflitos, no aconselhamento aos transtornados, na visitação aos enfermos, na assistência aos agonizantes e na ajuda aos carentes, material ou espiritualmente. Com sua morte, passou-se a ouvir, novamente, 33 anos depois, no Município e em seus arredores, a mesma frase comum quando Maria Bezerra nos deixou: – Morreu a Mãe dos Pobres de Balsas!

 

                        Sua última viagem a Brasília foi realizada com um pretexto: comparecer à festa de aniversário dos filhos do Luís Fernando, nosso sobrinho, e à formatura, em Anápolis, de Reinaldo, filho da Maria Júlia, a garota que a acompanhou para Minas quando casou. O negão – clone do goleiro Dida –, meu afilhado, aos 21 anos de idade, graduava-se em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Goiás. Festa? Era com ela mesmo!

 

                        A solenidade se daria no dia 7 de março de 2002. No início do mês, já aqui em Brasília, Maria Alice, com problemas respiratórios – sofria de asma –, foi internada no HGO para os devidos cuidados médicos. A última vez em que a vi, foi na tarde do dia 2, quando ela, recuperada e rodeada de parentes, relembrava, cantando, sucessos carnavalescos do passado.

 

                        No dia seguinte, 3 de março, domingo, ela teve alta e foi para a casa do Afonso, nosso irmão, onde se hospedava. À tardinha, estando à mesa fazendo um lanche com ele, passou mal, perdeu os sentidos e nunca mais voltou. Partiu imediatamente, sem muito sofrer.

 

                        Hoje, sabemos que a vinda para festas era mais um pretexto por nós ignorado. Ela viera mesmo para despedir-se dos irmãos e do resto da família. E despedida mais alegre não poderia haver. No aniversário das crianças, estavam presentes cinco de seus irmãos e todos os descendentes e agregados das famílias de Rosa Ribeiro e Cazuza Ribeiro residentes em Brasília.

 

                        Maria Alice era Ministra da Eucaristia. Seu trabalho, juntamente com o Apostolado da Oração, mais conhecido como Grupo das Romeiras, em muito contribuiu para arraigar no coração de seus conterrâneos o sentimento da caridade e da fé católica.

 

                        Antes de exalar o último suspiro, nos braços de nosso irmão Afonso, ainda teve um átimo de lucidez e, ao ouvir a Lígia, nossa cunhada, telefonar pedindo uma ambulância, exclamou: – Não é preciso, gente, estou bem!

 

                        E estava mesmo! Naquele santo momento, ela já segurava na mão de Deus!

 

 


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