Ninguém conseguia entender aquele desassossego diuturno do pai. Justo ele, sempre sereno, quase monge. Não tinha boca para reclamar de nada. Qualquer comidinha por mais trivial que fosse – ovo frito, picadinho etc. -, encarava com satisfação sincera. Aposentado, passava horas e horas lendo seus muitos livros, uns cinco mil, algo em torno disso. Quem se irritava era a mãe, que gostava mesmo de conversar, ela dizia que não tinha companhia, que aquilo não era vida, coisas do tipo.
O pai, para surpresa de todos, foi-se transformando num homem irritadiço. Passou a reclamar de tudo: do sofá da sala, do colchão, das cadeiras da cozinha. No apartamento da praia, era a mesma coisa. Queria trocar todos os móveis, algo descabido. Tudo (e creio que todos) lhe aborrecia. Já não tinha a mesma paciência para com os livros.
O médico da família não dera conta do recado. Gastou-se uma fortuna com um geriatra tão famoso quanto picareta. E nada. O terceiro doutor também não resolveu, mas pelo menos teve uma serventia: pediu ao pai que fizesse hidroginástica. Uma fisioterapeuta da clínica foi direto ao ponto: era bom levá-lo a um neurologista. Àquela altura, após vários tratamentos, o pai só fazia piorar. Cada vez mais impaciente e trêmulo, relutou em seguir a sugestão, não acreditava mais nos médicos. Mas foi. A pulso.
A neurologista lhe pediu uma série de exames, para medir o tamanho do estrago já feito pela doença: Parkinson. Receitou alguns medicamentos. Visivelmente aborrecido com o diagnóstico, o pai não queria parar na drogaria. Voto vencido.
Quando o filho chegou em casa, duas horas depois, foi avisado de que o pai ligara, queria falar com ele:
– Filho, já tomei os dois remédios da noite. Eu me sinto tranquilo e desembaraçado. Milagre.
Naquela noite, pai, mãe, filho, filha e nora choraram de alegria. Mesmo sabendo que não haveria cura.