Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quarta, 29 de março de 2017

MONSENHOR MUNIZ TAVARES, TESTEMUNHA OCULAR DE 1817

 

Nascido em 16 de fevereiro de 1793, na freguesia de Santo Antônio do Recife, Francisco Muniz Tavares, filho do comerciante português João Muniz Tavares, natural  da ilha de São Miguel dos Açores, e de Rita Soares de Mendonça, natural do Recife, foi uma pessoa direcionada pelo destino.

 

Orientado pelos seus pais, naquele Recife desprovido de oportunidades para um jovem, vem abraçar a carreira eclesiástica, fazendo os seus estudos filosóficos e teológicos na Congregação dos Padres da Madre de Deus, concluídos em 2 de abril de 1808.

Em 1817 estava Muniz Tavares com vinte e quatro anos de idade, ocupando as funções na Capelania do Hospital do Paraíso, ao lado do padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro. O local era denominado de “Academia do Pátio do Paraíso”, onde eram debatidos o ideário dos filósofos do iluminismo, notadamente os filósofos franceses, que gozavam de grande simpatia por parte do padre João Ribeiro.

Vencido o movimento republicano de março de 1817, foi Muniz Tavares um dos primeiros prisioneiros do almirante Rodrigo Lobo que, agrilhoado [pelos pés e pelo pescoço] nos porões da corveta Mercúrio, foi enviado junto com outros prisioneiros para a cadeia da Bahia.

Recolhido às mais abjetas das masmorras, preso por corrente que impediam os seus movimentos, impedido inclusive de trocar a roupa imunda do seu corpo, o jovem sacerdote foi entregue a sanha de um carcereiro embriagado, de cuja boca era obrigado a ouvir os mais vis impropérios, contra os prisioneiros pernambucanos.

Nesta sucursal do inferno, Muniz Tavares teve a iniciativa de transformar o tempo ocioso do cárcere em horas de estudos. “Mediante avultado ganho para os carcereiro”, os prisioneiros tiveram acesso “ao uso do papel, pena, tinta, e com maior custo ainda tiveram algumas novelas e livros de viagens, que ambiciosamente passavam de mão em mão.”(¹)

 

Foi quando o jovem Muniz Tavares ponderou: Se nós havemos de entreter com essas novelas, que corrompem antes do que moralizam, por que não mandamos vir livros de instrução que utilizando-nos, matam o tempo que passamos na ociosidade.

Aceita por unanimidade a proposta, foi o cárcere, segundo Pereira da Costa, transformado numa universidade livre, com a entrada de “dicionários franceses, Telêmaco, Fábulas de La Fontaine e outros clássicos franceses, e logo após outros livros de línguas e ciências, convertendo-se a cadeia numa universidade, onde Muniz Tavares, Antônio Carlos [de Andrade e Silva], frei Caneca, Mena Calado, Pedroso, Vilela Tavares e outros difundiam o estudo das letras e das ciências, cabendo a Muniz Tavares a regência da cadeira de Lógica. Indivíduos houve, que entrando para a cadeia quase analfabetos, saíram possuindo alguma instrução literária […]. Enfim, como diz Antônio Joaquim de Melo, todo mundo estudava; a habitação das trevas transformou-se em asilo da luz”.²

Libertado da cadeia da Bahia, em 22 de fevereiro de 1821, Muniz Tavares “saiu dos cárceres sabendo muito mais do que quanto entrara”.

Voltando ao Recife, vem a ocupar às funções de professor de Latim da Vila do Cabo, mas logo depois é eleito pelos seus correligionários para o Congresso das Cortes de Lisboa onde representaria Pernambuco juntamente com sete outros deputados.

Tinha 28 anos quando partiu para Lisboa, em 29 de agosto de 1821, assumindo sua cadeira de deputado e logo chamando a atenção dos seus pares para a situação de Pernambuco, entregue a sanha despótica do capitão general Luiz do Rego Barreto cujos crimes e desmandos punham à sociedade em constantes sobressaltos.

No seu pronunciamento de 30 de agosto de 1821, Muniz Tavares requer a soltura de todos os presos, envolvidos na Devassa de 1817, que por sua participação em um movimento constitucional ainda padeciam nos cárceres de Lisboa e no degredo na costa da África. Requer que sejam repatriados “à custa do Tesouro Nacional, pois que obriga-los ao pagamento das despesas, seria impor-lhe pesada multa, que de certo não merecem.”

Mas o clima dos debates da Assembleia Constituinte de Lisboa se volta contra os deputados brasileiros, ameaçando-os em sua própria segurança pessoal, o que obriga a Muniz Tavares, após assinar o manifesto de 22 de outubro de 1822, embarcar de regresso a Pernambuco, quando encontra o Brasil independente pelo Grito do Ipiranga de 7 de setembro daquele ano.

Voltando a Pernambuco é condecorado com a Imperial Ordem do Cruzeiro, em 1º de dezembro de 1822, pelo Imperador D. Pedro I, sendo designado a compor à Assembleia Constituinte encarregada de escrever a primeira constituição, juntamente com outros nomes no cenário das ideias da nova nação.

Objeto de críticas exaltadas pelo redator do periódico Sentinela da Liberdade na guarita de Pernambuco, Sypriano José Barata de Almeida (nº 54/1823), Muniz Tavares envia carta à Câmara Constituinte apresentando renúncia do seu mandato de constituinte.

A Assembleia Constituinte, por unanimidade dos seus membros rejeitou o pedido, continuando Muniz Tavares no exercício de suas funções até a dissolução daquele colegiado por ato do próprio D. Pedro I.

A reação em Pernambuco não se fez tardar e logo o Thyphis Pernambucano, jornal que tinha como redator o carmelita frei Joaquim do Amor Divino Caneca (1779-1825), no seu número de 15 de abril de 1824 vem apresentar as bases da Confederação do Equador.

Muniz Tavares não aderiu ao novo movimento, explicando, na ocasião, que o seu objetivo era, tão somente, à independência da Pátria; “depois de atingir esse alvo, queria unicamente a sua prosperidade e o bem-estar: Não sigo partidos, só quero a ordem e a tranquilidade da minha Pátria”.

Em 1824, resolve viajar para a Europa onde, em Paris, se matricula na universidade e lá obtém o grau de Bacharel em Teologia, na data de 26 de março de 1825, conquistando, posteriormente, a láurea de doutor.

Em 1826 retornou ao Rio de Janeiro, sendo nomeado à 18 de maio para a Legação Diplomática do Brasil em Roma. Entre 23 de outubro de 1826 e maio de 1832, Muniz Tavares atua como diplomata junto à Santa Sé.

A partir de então, volta a Pernambuco e, retirado da vida pública, dá início a construção do seu livro História da Revolução de Pernambuco de 1817, obra cuja primeira edição veio a ser impressa no Recife, pela Typographia Imparcial de L.I.R. Roma, em 1840.

Comenta Manuel de Oliveira Lima, no prefácio da terceira edição do seu livro, Recife 1917, sobre Francisco Muniz Tavares:

A atividade política do doutor Muniz Ta¬vares não foi desde então tão brilhante quanto a que mareara sua juventude. Seu livro foi pelos historiadores cortesãos julgado um libelo democrático, quase tão virulento quanto o Libelo do Povo. Censuraram-no sob esse pre¬texto ou sustentaram vistas antagônicas, entre outros, Pereira da Silva, de quem a política fazia um áulico, e Varnhagen, sempre incisivo e intransigente nas suas opiniões conservadoras, repassadas da disciplina germânica. Faltaram-lhe pelo motivo alegado as simpatias do regime imperial, assim como depois da reação ultramontana de 1870, moralizadora do sacerdócio e expurgadora da doutrina e dos cânones, lhe faltaram mais acentuadamente as simpatias clericais.

O seu testemunho de testemunha ocular dos fatos acontecidos antes e depois de 6 de março de 1817, tornaram-se com o passar dos anos em fonte primeira de pesquisa histórica.

O seu livro não pareceu agradável aos áulicos do poder, geralmente sediados no Rio de Janeiro no convívio da Casa Imperial, como já observada Oliveira Lima em seu prefácio.

Em 1861, ao escrever o artigo “Luiz dei Rego e a posteridade – Estudo histórico sobre a revolução de Pernambuco de 1817”, o cônego Fernandes Pinheiro, na Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XXIV, classifica o livro de Muniz Tavares de narrativa apaixonada e romanceada dos fatos.

Felizmente era vivo Muniz Tavares que, em carta dirigida àquele articulista, publicada na edição do Diário de Pernambuco, de 18 de dezembro de 1861, contesta às críticas formuladas por quem defendia o comportamento do nosso último capitão general responsável pela repressão do movimento republicano de 1817:

Não, sr. Cônego, eu não confundo os fatos, o que disse e digo, é que Rodrigo Lobo principiou, Luiz do Rego continuou. Ninguém no princípio de sua governança julgava-se seguro, todos tremiam, as prisões não cessavam, o confisco as acompanhava, a força não tinha descanso. Sr. Fernandes Pinheiro, se V.S. conhecesse-me de perto, seria mais justo, não classificava-me-ia “romancista”. Confesso a minha inabilidade para este gênero de literatura. Os fatos que patenteei na minha obra, nem V.S. nem pessoa alguma de boa-fé os pode contestar.

Depois de ocupar vários cargos, nomeado pelo Governo de sua província, Muniz Tavares vem a ser escolhido Monsenhor da Capela Imperial do Rio de Janeiro (1850), afastando-se anos depois da vida pública, dedicando-se administrar o Hospital do Pátio do Paraíso.

Criado o Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, em 28 de janeiro de 1862, foi Francisco Muniz Tavares escolhido, por conta de seu passado de militante na Revolução Republicana de 1817, seu primeiro presidente, tarefa que desempenhou com brio e pertinácia por catorze anos.

Aos 81 anos de idade, em 17 de outubro de 1876, o monsenhor Francisco Muniz Tavares veio a ser acometido de um possível ataque cardíaco, quando celebrava em sua capela do Parnamirim, o que veio motivar o seu falecimento em data de 23 do mesmo mês.

O seu livro, História da Revolução de Pernambuco de 1817, além de sua primeira edição em 1840, teve uma segunda edição em 1884, com prefácio de Maximiano Lopes Machado; uma terceira edição em 1917, patrocinada pelo Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, valorizada pelos comentários de Manuel de Oliveira Lima; uma quarta edição em 1969, patrocinada pelo Governo de Pernambuco – Secretaria da Casa Civil, em 1969, com prefácio de José da Costa Porto, e finalmente a quinta edição entregue por nós à Companhia Editora de Pernambuco – CEPE, comemorativa do 2º Centenário da República de Pernambuco de 6 de março de 1817.

Santo Antônio do Recife, Julho de 2016.

_____________________

(1) COSTA, F. A. Pereira da. Dicionário biográfico de pernambucanos célebres. Apresentação de Leonardo Dantas Silva; Prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1982. 816 p. (Coleção Recife; v. 16). Fac-símile da 1ª ed. Recife: Typographia Universal, 1882. 


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