Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quinta, 16 de março de 2023

NO REINO DA BAZÓFIA (CRÔNICA DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)Q

 

NO REINO DA BAZÓFIA

Marcos Mairton

Há algumas semanas, houve um dia em que enriqueci significativamente o meu vocabulário. Não em um exemplar das Seleções Reader´s Digest, apesar do espaço ali dedicado a essa finalidade, mas em fonte tanto quanto ou mais profícua: a coluna “Penso, logo insisto”, do jurista e escritor José Paulo Cavalcanti, no Jornal da Besta Fubana.

Em sua crônica postada em 23 de abril deste ano, o grande José Paulo expôs o significado de palavras raras da língua portuguesa. Palavras só acessíveis aos que têm verdadeira intimidade com a última flor do Lácio, inculta e bela, como diria Bilac. Ou Fernando Sabino, pela boca de Geraldo Viramundo, em “O Grande Mentecapto”.

Vocábulos como biltre, burlão, engrimanço, pícaro e pirrónico. Uma riqueza!

Não sei se por serem palavras que muitos plebeus gostariam de dizer a certos nobres; não sei se por causa do título da crônica de José Paulo ser “Um país de estultos”; o fato é que, após sua leitura, lúdicos pensamentos levaram-me a um reino imaginário, em plena Europa Medieval.

Uma monarquia onde o rei vivia engalfinhando-se em querelas com os membros da sua corte de nobres, sempre ansiosos por uma oportunidade para se apropriarem do trono e da coroa.

Como se sabe, com a queda do Império Romano do Ocidente, a Europa transformou-se em verdadeira colcha de retalhos, com seus territórios ocupados por hunos, godos, alamanos, burgúndios e tantos outros.

Na minha cabeça de contador de histórias, se entre esses povos, chamados genericamente de bárbaros, existiram os vândalos, teriam convivido também com eles os biltres, os burlões, os engrimanços, os pícaros e os pirrônicos.

A essas etnias fictícias, cujos nomes engendrei a partir da crônica de José Paulo, não resisto à tentação de acrescentar os néscios, os torpes, os incautos, os sáfaros e até os probos. Embora estes últimos certamente fossem minoria, frequentemente desalojados de sua aldeias e perseguidos por seus inimigos.

Nessa viagem no tempo, percorro cerca de mil anos, até chegar à época da formação das monarquias nacionais absolutistas. E ao tempo do flagelo da Peste Negra.

Vejo, então, vários desses povos reunidos em uma mesma monarquia: néscios, biltres, sáfaros, burlões, probos e incautos, agrupados sob um mesmo brasão.

A unificação é um tanto forçada, e se dá mais por conveniência dos nobres que para benefício de camponeses, artesãos e mesmo de burgueses.

Daí por que, como fora antes anunciado, esses nobres vivem metidos em escaramuças. Entre si e com o monarca da vez. Digo “da vez” porque nesse reino, o rei, que pouco manda, frequentemente é deposto por outro nobre mais poderoso, mas que também acaba caindo.

Um reino onde a paz é sempre frágil e de curta duração. Alguns dos poucos momentos de menor beligerância ocorrem durante grandes festas populares que ali ocorrem, as quais recebem apoio do próprio rei e de todos os nobres.

Essas festas são conhecidas como “as badernas”, e acontecem todos os anos. Nelas, o povo se diverte livremente nas ruas dos burgos, bebendo, cantando e dançando, celebrando não se sabe exatamente o quê.

Em nossa viagem imaginária ao passado, encontramos esse reino em mais um período conturbado, enfrentando toda sorte de problemas econômicos, sociais e políticos, apesar de ter acabado de acontecer, com muito sucesso, mais uma edição das badernas anuais.

O país está sob o comando do Rei Lorpa, que é da linhagem dos néscios, mas, para conquistar o trono, precisou do apoio dos incautos e dos probos. Estes já não estão felizes com sua posição no governo, mas acreditam que ficariam em situação ainda pior, se a cetro voltasse para as mãos dos inimigos do Rei Lorpa.

Idolatrado pelos néscios, Lorpa é odiado pelos biltres, os sáfaros e os burlões. Estes também brigam entre si, mas têm agido como aliados, e tudo farão para arrancar o rei do trono. Ou o trono do rei, ainda que, para isso, seja necessário pôr em risco a unidade do próprio reino.

Tornando a situação ainda mais dramática, o reino, assim como todo o Velho Mundo, está sendo assolado pela Peste Negra.

Trazida da China pelas caravanas que faziam a Rota da Seda, ou pelos mercadores que cruzavam o Mar Mediterrâneo em suas naus, a peste já ceifou a vida de cerca de um terço da população do continente europeu.

Nesse reino, a situação não é diferente. Não se conhece prevenção ou tratamento para a doença. Tenta-se cuidar dos pacientes com sangrias, infusões, chás de ervas e novenas. Mas nada funciona.

Centenas de pessoas morrem todos os dias. Chega a faltar coveiros, porque os que não morreram têm medo de enterrar os cadáveres.

O povo sofre com a peste, a fome e o desemprego.

Mas o Rei Lorpa e os nobres de sua corte estão ocupados demais, em sua luta pelo trono, para dedicar alguma atenção a quem morreu ou está prestes a morrer.

Tempos difíceis no imaginário Reino da Bazófia.


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros