Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo domingo, 26 de fevereiro de 2023

O BURRO E EU (CONDO DE JOSÉ DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O BURRO E EU

José de Oliveira Ramos

 

Pavio pronto para irmos à Santa Missa

 

Desde quando meu Avô ficou agradecido pelo meu trabalho bom e rápido na carpina daquelas linhas de roça, e resolveu me presentear com um burro, que passei a conviver mais diretamente com os animais – principalmente com os que consideramos “domésticos”.

Sem muita criatividade e sem ter uma justificativa plausível, passei a chamar aquele burro pelo nome de “Pavio”. Crescemos praticamente juntos.
Era uma amizade que, garantia meu Avô, parecia inseparável.

Conversávamos, até.

Nos entendíamos através de sinais e tínhamos nosso “código de comunicação interpessoal” – na maioria das vezes, por conta da insistência na conversação, parecia que o burro era eu. Nunca me senti ofendido ou diminuído com essa comparação.

Pavio não gostava de cangalha. Provavelmente deve ter ouvido que, cambito e cangalha era para jumento. Ele respondia com um abano de rabo, quando eu preparava uma sela para preparar a montaria.

Certa vez, minha Avó cismou que eu tinha que buscar água no açude, antes de me dirigir à missa dominical. A celebração da missa começava cedo, e o Padre conhecia cada pessoa, pelo nome e por visitar as famílias que frequentavam a paróquia.

Traquinas e moleque como todo cearense, fui no quintal da casa e preparei o junto Roxo para ir pegar dos tonéis de água no açude. Deixei o jumento quase no ponto, faltando apenas a cangalha. Me dirigi até a sombra da mangueira onde Pavio estava ruminando milho misturado com borra de babaçu. Ele, Pavio, viu que eu me dirigia na direção dele, com a cangalha. Nossa Senhora do Pavio Curto.

Praaaa quuuêêê?!

Pense num animal que, de burro, virou uma fera!

Pensou?!

Pois assim foi Pavio.

Parei, pus a cangalha no chão, e disse:

– Caaaalma Pavio!

Nem lembro mais o que falei, e fui fazendo meia volta para levar a cangalha para o jumento Roxo, que ficara no quintal.

Pavio não sabia o que eu ia fazer, mas concluiu que a cangalha não seria colocada nele. Fez aquela conhecida “assopração” que os humanos também fazem com os lábios: fffrrruuuuu!

E era assim que nos comunicávamos. Pavio, o burro, e eu, o Zé.

Quando finalmente passei próximo dele (Pavio), levando o jumento Roxo para apanhar água, ele (Pavio), cavou o chão com a pata dianteira e soltou um pequeno relincho.

Entendi que, na linguagem dele, agradecia, ao mesmo tempo que esperaria minha volta, quando, com certeza, ele (Pavio) me levaria para a Santa Missa.

Na dúvida, pensei:

Ele (Pavio) me levaria, ou eu, o levaria?!

Fui e voltei rápido ao açude. Fiz o que minha Avó mandara. Agora era me preparar para ir à Sant Missa.

Calça branca. Camisa social. Alpargatas de couro com solado de pneu usado.

Quando Pavio me avistou trazendo comigo a sela, voltou a cavar o chão com a pata dianteira, querendo dizer que estava “pronto”. Coloquei a sela sem apertar muito no encilhamento.

Me abaixei e, de dentro do bornal retirei o par de esporas.

Prrraaaaaa quuuuêêêê?!

Pense num burro que virou animal. Pavio detestava ser “tangido” com espora ou chicote. Se alguém estivesse montado e esporasse, ele derrubava.

Fiz sinal pra Pavio com o polegar direito, aquiescendo e garantindo que não colocaria as esporas.

Acho até que eu sorriu levemente, quando viu que as esporas ficaram dependuradas numa das estacas.

Montei e lá vamos à Santa Missa.

Da casa da Vovó até a Igreja era uma boa distância. Coisa de cinco ou seis léguas. Sem que ninguém soubesse quem era o proprietário daquela terra, havia um espaço aberto que todos chamávamos de “capoeira”.

No exato momento que passávamos ao lado da capoeira, Pavio teve a atenção chamada por uma égua que, abrindo as pernas traseiras, soltou aquela mijada “cavalesca”.

Prrrrraaaaaa quuuuuêêêê, siô?!

Pavio saiu em disparada na direção da égua, sem esquecer de, antes, me derrubar. Quando estava tentando me levantar, Pavio já estava inteiro “dentro da égua”, com uma pajaraca que se aproximava dos 60 centímetros.

Tentei impedir, mas já era tarde. A pajaraca de Pavio já estava descendo. Mole! Provavelmente deixando alguma coisa dentro da égua.

Satisfeito, óleo trocado, Pavio fez apenas aquele conhecido:

– Frrrruuuuuu!

Pois, meu domingo terminou ali. Não fui mais à Santa Missa. Resolvi ir até ao açude tomar um bom banho e aproveitar para banhar Pavio também.

Tentando compreender a natureza das coisas e dos animais, acariciei a cabeça de Pavio e percebi que os olhos dele brilhavam feito duas pérolas. Me agradecia pela “pajaracada” que dera naquela égua.

Arre égua!

Pensativo, voltei para casa montando Pavio. E aproveitei para me questionar:

– O burro e eu; ou, eu e o burro?

Eu muitos anos depois do Pavio


Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros