Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina quinta, 28 de junho de 2018

O CANCIONEIRO DO CICLO JUNINO

 

 O ciclo junino é um dos mais festejados do calendário folclórico pernambucano sendo, também, o de origem mais remota. Os festejos dedicados aos santos de junho são antecedidos pelos chamados noiteiros do mês maio, em honra da Virgem Maria, de origem historicamente recente, vez que as primeiras indulgências datam de 21 de março de 1815, conferidas que foram pelo Papa Pio VII.

Em Pernambuco o mês mariano veio a ser introduzido em 1850, no convento do Carmo do Recife, sob a inspiração do frei João da Assunção Moura e popularizou-se através dos frades capuchinhos do convento da Penha: “no exercício do mês mariano tudo é música, poesia e flores” (Pereira da Costa).

Das igrejas os cânticos e ladainhas em honra da Virgem passaram a ser entoados nos noiteiros das residências, costume ainda hoje mantido na zona rural e em alguns bairros do Recife e Olinda.

TUDO COMEÇA COM SANTO ANTÔNIO

Terminado o mês de maio, tem início as Trezenas de Santo Antônio, logo no dia 1º de junho, mantendo assim esta secular devoção ao santo lisboeta introduzida em Pernambuco em 1550, quando foi erguida uma capela ao santo que deu origem, em Olinda, ao primeiro convento carmelita do Brasil: Convento de Santo Antônio do Carmo.

É Santo Antônio (Lisboa, 15.VIII.1195 – Pádua, 13.VI.1231) o orago mais popular do Brasil, onde possui 228 freguesias sob a sua invocação, vindo em segundo lugar São José com 71. Nas famílias, Antônio é o nome escolhido e rara é a cidade, vila ou povoado que não tenha uma, ou mais, ruas ou avenidas com o seu nome, igrejas sob sua devoção. Afirma Luís da Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, que “apesar de tanta bajulação e mudanças corográficas o Brasil possui 70 localidades como nome de Santo Antônio”.

Em Pernambuco os franciscanos fundaram o seu primeiro convento em terras brasileiras, em 13 de março de 1584, na então Vila de Olinda fincando a custódia sob a proteção de Santo Antônio. No Recife, a tradição do culto do santo data de 1606, quando foi iniciada a construção do convento franciscano da então ilha de Antônio Vaz, hoje denominada de Santo Antônio, estando o templo localizado na atual Rua do Imperador Pedro II.

Em 19 de novembro de 1709, a antiga povoação do Arrecife dos Navios veio a ser denominada de Vila de Santo Antônio do Recife, apesar do empenho do então governador Sebastião de Castro Caldas em denominá-la de São Sebas-tião, o que lhe custou uma advertência do Rei de Portugal. Em 1918 foi o santo lisboeta confirmado como padroeiro principal da cidade do Recife pelo Papa Benedito XV, ao conceder o co-padroado a Nossa Senhora do Carmo que ficou sendo “a padroeira menos principal”. Como se não bastasse é Santo Antônio o padroeiro dos pernambucanos, tendo sua imagem figurado nos estandartes dos exércitos luso-brasileiros quando da Insurreição Pernambucana eclodida em 13 de junho de 1645, dia de sua festa.
Durante treze noites, em residências das mais diver-sas, os seus devotos estão a cantar em coro:

Milagroso Antônio,
Nosso padroeiro.
Enche de alegria,
Pernambuco inteiro

SÃO JOÃO E SÃO PEDRO

Dentre as festas do ciclo junino, porém, é a de São João a mais festejada em Pernambuco. É também a festa popular mais antiga do Brasil, já sendo registrada por frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil 1500-1627, assim referindo-se aos naturais da terra… “acudiam com muita boa vontade, porque são muito amigos de novidades, como no dia de São João Batista por causa das fogueiras e capelas”.

Trata-se de uma festa de grande misticismo, a partir do próprio nome Batista – o que batiza cheio de graça -, em cuja noite se praticava feitiçarias, como demonstra a denúncia de Madalena de Calvos contra Lianor Martins, a Salteadeira, acusada dentre outras coisas, de trazer consigo uma semente enfeitiçada colhida na noite de São João, segundo depoimento prestado perante o inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, em 22 de novembro de 1593, quando da primeira visitação do Santo Ofício a Pernambuco.

As festas juninas foram trazidas para o Brasil pelos colonizadores portugueses, eles próprios ainda hoje cultores desta milenar tradição marcada pelas festas de Santo Antônio, em Lisboa e em Lagos; São João, no Porto e em Braga, e São Pedro, em Évora e Cascais. Na Europa as festas juninas coincidem com o início do verão, daí a presença da tradição de costumes pagãos dentro dos festejos, como adivinhações e o culto ao fogo.

No que diz respeito às fogueiras, ensina a tradição cristã divulgada pelos jesuítas ter sido um compromisso de Santa Isabel, prima da Virgem Maria, de mandar erguer um enorme fogaréu no sentido de anunciar o nasci-mento de seu filho João Batista:

“Houve um homem enviado por Deus cujo nome era João. Veio ele como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por seu intermédio. Ele não era a luz, mas devia dar testemunho da luz”. (João 1,6-8).

No Brasil a festa acontece com o início do inverno, tempo de colheita do milho e do feijão no Nordeste, que sempre está a espera das boas invernadas de modo a afastar o espectro das estiagens de modo a garantir a sua subsistência; como na polca de Zé Dantas e Luís Gonzaga, Lascando o cano(RCA 80/307B-1954):

Vamo, vamo Joana
Findou-se o inferno
Houve um bom inverno
Há fartura no sertão…,
Ai! …Joana, traz pamonha, milho assado
Vou matá de bucho inchado
Quem num crê no meu Sertão.
Traz a riuna que eu vou lascar o cano
Pela safra desse ano
Em louvor a São João.

CANCIONEIRO JUNINO

Em se tratando de um povo de bailadores, acostumado a dançar no meio da rua, no Brasil os festejos juninos é marcado, não somente pelas fogueiras, balões, comidas da época (nas quais predominam o milho, a mandioca, a castanha de caju e dos doces), mas também pela música em seus mais diferentes gêneros a movimentar os arraiás, residências, comércio, clubes sociais, pro-gramação de rádio e televisão e, sobretudo, a alma festiva dessa gente; como naquela polca de Zé Dantas e Joaquim Lima, Chegou São João, gravada por Marinês (RCA- BBL1075-B-l/ 1960):

Eita pessoá!
Chegou São João!
Vou me espraiá,
Vou dá no pé prô meu Sertão.
Eu vou pra lá,
Brincá com Tonha,
Com Zefa e Chico,
Comer pamonha e canjica
Vou soltar ronqueira,
Bebê e dançar coco
Em volta da fogueira.
Vou soltá,
Foguete, balão, buscapé
Bebendo aluá, cachaça e capilé

 

 

A festa de São João tem início com o Acorda Povo, logo na madrugada do dia 23, acordando os moradores ao som de zabumba, caracaxá, ganzá, triângulo, sanfona, tudo mo-vido a muita cachaça: “Acorda povo que o galo cantou / Foi São João que anunciou…”.

No por do sol do dia 23, véspera da festa do santo, são acendidas às fogueiras e a festa tem continuidade com a Bandeira de São João.

Uma procissão antecipada por uma estrela, coberta de papel celofane com 150 cm. de diâmetro, iluminada por vê-las no seu interior, é carregada por dois meninos. Seguem-se duas filas, formadas por homens e mulheres, que cantam e dançam em honra do santo, fazendo marcação com os pés e, por vezes, trocando umbigadas. Segue-se de uma bandeira, pintada com a imagem do Batista menino com o carneirinho, segurada em suas pontas por quadro adolescentes, antecedendo ao andor com a imagem do santo, esculpida em gesso ou madeira, carregado por quatro moças vestindo branco, encarnado e verde, cores mantidas também nas lanternas dos acompanhantes. Finalmente uma banda de pífanos, ou um terno de sanfona (acordeom, zabumba e triângulo), acompanha os seguidores no seu canto:

“Que bandeira é esta / Que vai levantar/ É de São João para festejar/ Que bandeira é esta / Que já levantou/ É de São João, primo do Senhor”.

A música é uma constante nos festejos juninos desde os primeiros dias da colonização. Foi assim com as capelas, referidas pelo frei Vicente do Salvador e descritas pelo Padre Carapuceiro, continuando em nossos dias com a adaptação de ritmos oriundos de outras plagas, como o xote (schot-tisch), proveniente da Hungria; a polca e a mazurca, originárias da Polônia, e a quadrilha, que teve por berço os salões aristocráticos de França e, no Brasil, veio a ser dança-da da Corte às casebres da zona rural, como bem assinala o jornal de críticas O Carapuceiro, em sua edição de 6 de abril de 1842:

“Nas baiúcas mais nojentas/ Onde a gente mal se vê/ Já se escuta a rabequinha,/ Já se sabe o balancê./ Nisto mesmo está o mérito/ Deste dançar tão jacundo,/ Que sem odiosa exclusão,/ Acomoda todo o Mundo”.

Não faltam nessas animadas festas os ritmos originários da terra, como o coco-de-roda, originário dos batuques africanos, que marcado por um ganzá, nas mãos do solista (tirador), acompanhado por um tambor em compasso biná-rio, e respondido pelas vozes dos dançarinos a marcarem o ritmo com sapateado dos seus tamancos de madeira, trocas de umbigadas e assim mantém a alegria a noite inteira. Para Pereira da Costa, in Folk-Lore Pernambucano (1908), o coco é a “dança querida do populacho, com certa cadência acompanhada a palmas, e na qual os foliões acomodam trovas populares repetidamente”[…] “o coco, porém, está tão vulgarizado que chegou mesmo à zona sertaneja, com a sua particular toada, mas, com letra variada, convenientemente acomodada ao canto, e obedecendo sempre a um estribilho contínuo, cantado em coro pelos circunstantes”.

Já era descrito no conto de Luís Guimarães Júnior (1845-98), que, estudante da Faculdade de Direito do Recife, publicou no Diario de Pernambuco, 8 de fevereiro de 1871, um conto sob o título “A alma do outro mundo”, onde comenta o que chamou de “samba do Norte” , na verdade o nosso coco-de-roda. Rodrigues da Carvalho, in Cancioneiro do Norte (1928), diz ser o coco a “dança predileta do pessoal dos engenhos de açúcar, negros e caboclos, cambiteiros, o mestre de fornalha, o metedor de cana, o banqueiro [mestre que dá ponto ao açúcar], os tangedores da almanjarra, etc.”. Mas na hora da alegria, onde a cachaça passa a dirigir os gestos e as ações, nem mesmo a autoridade está livre de uma roda de coco; como bem descreve Zé Dantas em gravação de Luís Gonzaga (RCA-Leme 801656A/1957):

O seu delegado, fez mais um esforço
E madrugada mandou um reforço
Mas desconfiado por não ter notícia
Veio ver o que houve, com a sua polícia
E de manhã cedo, a graça do povo
Era o delegado contando bem rouco
Nesse coco poliça num tem vez
Se acaba no pau, se falá em xadrez } bis

Também ligados ao Ciclo Junino, particularmente aos seus intérpretes, estão hoje o baião, o xaxado, a toada, a embolada, a ciranda e a marcha sertaneja, ou marcha junina, esta última originária das marchas populares com as quais Lisboa festeja o seu Santo Antônio e que vieram a ser conhecidas, através das companhias de revista, como marcha portuguesa, a exemplo da marcha de Zé Dantas e Luís Gonzaga, São João na roça (RCA 800895A/1952):

A fogueira tá queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou… ô
Vamos gente!…
Rapa pé nesse salão.

Ou esta outra marchinha, marca do romantismo das noites juninas, composta por Luiz Gonzaga e José Fernandes, Olha pro céu (Vitale 603326832), recentemente relançada na coletânea 50 anos de chão, em homenagem ao Rei do Baião:

Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo…
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo…

Foi numa noite
Igual a esta
Que tu me deste
O coração
O céu estava
Assim em festa
Porque era noite
De São João
Havia balões no ar
Xote, baião, no salão
E no terreiro, o teu olhar
Que incendiou meu coração

Tudo acontece numa mistura de ritmos e de cores, num cadinho conhecido no passado por forrobodó,já neste século por forrobodança e a partir dos anos quarenta por forró, como lembra Zé Dantas in Forró do Mané Vito, grava-do por Luís Gonzaga em 1949 (RCA 800668B/49) ser o local onde todos esses sons se misturam num grande baile popular.

Nas composições musicais do ciclo junino está toda moral do sertanejo, “Sertão das muié séria / Dos homi trabaiadô”… (A volta da asa-branca, toada de Zé Dantas, gravada por Luís Gonzaga, em 1950, RCA 800739 A) e a vida simples do seu povo:

Ai São João chegou,
Iaiá!
Ai São João chegou,
Sinhá!
Teu vestido de chita,
Já mandei preparar.
Minha roupa de lista,
Já mandei engomar,
Eu tenho uma festinha
Para te levar
Eu tenho uma fogueira,
Para o nosso lar

E hoje, o jovem romântico de ontem, pode lembrar com saudades aquelas noites juninas que não voltam mais, cantando aquele sucesso sempre atual, composto por Zé Dantas e Luiz Gonzaga em 1954, que leva o singular título de Noites brasileiras (RCA 801307 A):

Ai que saudade que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras das fogueiras
Sob o luar do sertão

Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita São João dos meus sonhos
Eita saudoso sertão, ai, ai…

 

 

 


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