O CASAMENTO DO CABEÇA DE CUIA COM A NUM-SE-PODE
Pedro Costa
Essa história aconteceu
Em uma época passada
Quando Teresina ainda
Não era tão habitada
O povo só acredita
Porque ela é bem contada
Crispim, Cabeça-de-Cuia
Um sofrido pescador
Matou a mãe, virou monstro
Ficou fazendo terror
De rio abaixo e arriba
Sem conhecer o amor
A história de uma moça
Que viveu na solidão
Aparecia nas ruas
Em noite de escuridão
Deixou muitos cabras frouxos
Com suas calças na mão
A Num-se-Pode existiu
Há muitos anos atrás
Nas ruas de Teresina
Assombrou muito rapaz
Porém desapareceu
Não foi vista nunca mais
E o Cabeça-de-Cuia
Foi cumprir a sua sina
Nunca encontrou as Marias
Sofreu, viveu na ruína
Tornou-se lenda folclórica
Popular de Teresina
Porém o tempo passou
Teresina evoluiu
Os esgotos aumentaram
O rio então poluiu
E o Cabeça-de-Cuia
Das águas podres saiu
A Num-se-Pode que era
Vista na escuridão
Quando a luz de Teresina
Era só lampião
Também ela apareceu
Numa noite de Apagão
Foi no bairro Porenquanto
Numa noite em Teresina
Ela e o Cabeça-de-Cuia
Se encontraram em uma esquina
Foi um encontro fatal
Pra os dois mudarem de sina
Ele que há muitos anos
Viveu atrás de donzela
Ela que muitos rapazes
Correram com medo dela
Os dois disseram, amor
Vamos sair da banguela
A Num-se-Pode gritou
Êita que macho gostoso
Esse cabeça de cuia
É feio mas é charmoso
Responda amor, me responda
Você quer ser meu esposo?
Disse o Cabeça-de-Cuia
– Esse é o meu pensamento
Pedir ao Padre Quevedo
Pra fazer o casamento
Só ele tem o enigma
De acabar o encantamento
Acertaram logo a data
Para a tal celebração
Local: Encontro dos rios
Numa noite de Apagão
Na lista dos convidados
Veja só a relação
Veio Zabelê com Metara
Barba ruiva, pobre Jó
Até Saci Pererê
A Velha d’um Peito Só
O Pé-de-Garrafa montado
No cavalo Piancó
Chegou o Padre Quevedo
Numa Mula-sem-Cabeça
Vestindo uma bata preta
Dizendo não me aborreça
Que o enigma dos encantos
Na minha frente apareça
Veio de Sete Cidades
Aquela gente encantada
Iurupari, feiticeiro
Com a Indira apaixonada
A Tartaruga Gigante
Chegou numa disparada
O índio Mandaú veio
Para a festa, convidado
Porca do Dente de Ouro
Foi transformada em guisado
Seu dente virou aliança
Pra o noivo ser coroado
Num traje típico de noiva
Se trajou a Num-se-Pode
Tinha o Cabeça-de-Cuia
Já preparado o pagode
Dizia o padre Quevedo:
Nessa vida tudo pode
Zabelê era o padrinho
E Metara era a madrinha
Saci era a testemunha
A noiva estava na linha
Dizia o Cabeça-de-Cuia
Num-se-Pode agora é minha!
Tudo pronto pra o casório
Com os noivos no altar
Entraram Sete Marias
Buchudas pra descansar
Falou o Cabeça-de-Cuia:
Essa agora é de lascar
Padre Quevedo falou:
– Não é coisa verdadeira
Foram feitas essas estátuas
Pelo Nonato Oliveira
Os enigmas lhe deram vidas
Mas é uma brincadeira
Calma senhorita noiva
Que seu noivo é muito sério
E não existe segredo
Que eu não desvende o mistério
Que os encantos da noite
Cheguem com seu ministério
Cabeça-de-Cuia, o noivo
Ficou meio desmiolado
A Num-se-Pode assustada
Todo mundo arrepiado
E os convidados dizendo:
– Ô casório demorado
Falou o Padre Quevedo
Com a sua sapiência
– Que os encantos dos enigmas
Os mistérios da ciência
Unam esses dois pra sempre
Com toda benevolência
Terminado o casamento
O forró já começou
A Maria da Inglaterra
Cantando “O Peru Rodou”
E foi servido o jantar
Que todo mundo gostou
Carneiro, bode, leitão
Guiné, galinha, buchada,
Canjica, quibebe-mole
Mungunzá e abobrada
Chá-de-burro, angu de milho,
Mão-de-vaca e panelada
Farofa, carne-pisada
Peixe frito e cozidão
Vatapá, queijo, coalhada
Arroz-doce e requeijão
Sarapatel escaldado
Maxixada com feijão
Tinha Maria-isabel
Baião-de-dois com pequi
Carne-de-sol com cuscuz
Tripa assada, buriti
Enfim, as comidas típicas
Do Estado do Piauí
Muitos doces e salgados
Tinham com variedade
Alfenim e quebra-queixo
Manuê e caridade
Broa, suspiro, pamonha
Tudo em melhor qualidade
Quem preparou o cardápio
Foi Maria Tijubina
Teve bastante bebidas
E não faltou cajuína
Foi o maior casamento
Que já houve em Teresina
A festa só terminou
Quando o dia amanheceu
Foram embora os convidados
O sol também se acendeu
E eu que estava presente
Narrei o que aconteceu
Vi dizer que a Num-se-Pode
Tá esperando um filhinho
Que é o do Cabeça-de-Cuia
Feito com muito carinho
E já andam na cidade
À procura de um padrinho.