Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José de Oliveira Ramos - Enxugando Gelo segunda, 08 de maio de 2023

O CORRIMBOQUE E O RAPÉ DA TIA MARIA (CRÔNICA DE JOSE DE OLIVEIRA RAMOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O CORRIMBOQUE E O RAPÉ DA TIA MARIA

José de Oliveira Ramos

Rapé no corrimboque

 

Tia Maria era a primogênita da minha avó. Mais velha que minha mãe – nasceram apenas elas duas. Minha mãe era neta de índia e Tia Maria, também, claro. Apesar disso, existia muita diferença física entre as duas. Minha mãe tinha o cabelo tipo “Black Power” e Tia Maria tinha o cabelo tipo Iracema, a virgem dos lábios de mel, personagem de José de Alencar. Minha mãe era mais do lado negro, africano. Tia Maria era totalmente “índia”.

As duas foram criadas no ambiente das dificuldades inerentes à época – 1915 para frente e, muitas vezes, se deixaram flagrar juntas rindo das “coisas do mundo moderno” que chegaram a viver nos anos 60. As duas são falecidas.

Tia Maria não conheceu totalmente os aspectos orgânicos da mulher. Nunca menstruou. Sim, antigamente, provavelmente por conta da alimentação diferente dos dias atuais, as jovens só conheciam menstruação depois dos 18 anos. Hoje, as meninas já sabem disso aos 11 anos.

Tia Maria casou aos 16 anos com Antônio Luciano, cabra bom de trabalho. Verdadeiro mestre no manuseio da foice, da enxada e do machado. Nascido no interior do Mato Grosso, chegou ao Ceará com vinte e poucos anos. Arrumou trabalho e terra para morar. Nem “esquentou tamborete” namorando e já foi pedindo para casar com Tia Maria.

A partir daí, Tia Maria não conheceu menstruação. Engravidou, pariu aos nove meses. Antes de conhecer o ciclo menstrual, já estava grávida novamente. Era, como dizíamos – os sobrinhos – “saindo gente e entrando gente”. Foram 23 filhos, todos vivos até a maioridade. De noite, a casa, com tantas redes, parecia uma hospedaria em dia de lotação.

Tia Maria fumava cachimbo e mascava fumo – uma cusparada dela matava qualquer mangangá e paralisava qualquer rola-bosta.

Mas, a principal diversão de Tia Maria era “cheirar rapé”. Quando estava grávida – e sempre estava – não fumava nem mascava. Aliviava a tensão e bolinava o vício cheirando rapé. O rapé que ela mesma fazia.

Mandava comprar fumo de rolo, daquele bem curtido, desenrolava e punha a secar ao sol. Torrava o fumo num alguidar de barro próprio para aquele serviço. Fazia o mesmo com a semente da imburana e ainda acrescentava a casca seca e esfarelada do cumaru.

Em algumas cidades interioranas do Nordeste, o rapé é largamente consumido e utilizado para provocar espirros que livrem da “constipação”, aliviando a respiração. Alguns usuários se viciam – caso da Tia Maria.

Numa bela manhã Tia Maria resolveu merendar algumas mangas. Comeu por ela, pela criança que tinha na barriga e por ela de novo. No dia seguinte a caganeira não esperou pelo raiar do sol. Dia claro, e Tia Maria já estava correndo para o buraco da merda, local onde as pessoas faziam suas necessidades fisiológicas. Cagou que deu tremedeira. Continuou cagando aquela bosta rala o dia todo.

– Eita! Vai acabá cagano inté o minino! –  advertiu Antônio Luciano.

– Mermão, hômi de Deus, tu quer que eu faça o que?

Tia Maria havia escutado, mas não se lembrava quando nem onde, que além dos remédios caseiros, o bom para acabar com aquela caganeira era esquecer. Esquecer até que tinha fiofó. E, para esquecer ou lembrar de alguma coisa, Tia Maria sabia que o bom mesmo era cheirar rapé.

– Minino, traz daí o meu corrimboque! – pediu a um dos filhos que estava mais próximo.

Zé Luciano, de oiças bem abertas escutou o pedido-ordem da mãe e se apressou em obedecer.

Tia Maria deu duas cafungadas no rapé. Não demorou e a resposta veio. Começou a espirrar. E tome espirro e mais espirro.

– Mulé, tu tá suano frio, quidiabos tu tem? – arguiu Antônio Luciano.

E tome espirro e, a partir daí, quanto mais espirrava, mais Tia Maria se cagava. Era um espirro pelo nariz e uma chicotada de merda por baixo. E tome rapé e tome espirro e tome caganeira!

A queda de pressão e o suor frio de Tia Maria começaram a preocupar Antônio Luciano, que se apressou em chamar a Rezadeira do lugar, Gertrudes de Noca, ficando mais aflito depois que Tia Maria desmaiou. Mas os espirros não paravam. Nem a caganeira, agora de chicotadas!

Gertrudes de Noca chegou, começou a rezar “in cruz” com capim limão, arruda e pião roxo. Ao passar alho nos pulsos de Tia Maria e perceber que essa despertara, Gertrudes de Noca perguntou:

– Maria, acorda Maria! Tu tá sentino arguma coisa? Tu quer arguma coisa?

– Quero o meu corrimboque, com o meu rapé!!! – respondeu Tia Maria.

 


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