Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de agosto de 2018

O EMBAIXADOR

 

O EMBAIXADOR

Luiz entrou para o serviço diplomático brasileiro em 1947, tendo servido em Belgrado, (capital da antiga Iugoslávia), México, Guatemala, Egito, Dinamarca, Japão, Venezuela, Suriname e República Dominicana.

Até então, fora um jovem imaturo, que, por competência pessoal, furara as barreiras tradicionais, que fechavam o acesso à carreira diplomática, a quem não pertencesse às elites dos estados mais influentes na República brasileira, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. Uma vez admitido, logo visualizou que poderia realizar seu sonho de conhecer o mundo, para melhor compreender os problemas do seu país.

Fez os primeiros estudos em Natal, seguindo, depois, para Recife (PE), onde se formou em Direito.

Durante todo o tempo em que andou pelo mundo, como Embaixador, Luiz acalentou o sonho de voltar para Natal, na companhia tranquila da esposa Verônica e da filha Graziela, quando chegasse a época da sua aposentadoria. Elas sempre concordaram com as suas escolhas de posto, dentro dos estreitos limites que lhe permitia a fria administração que o comandava de longe. Pensava em Natal todos os dias. Natal representava a paz com que ele sonhava.

Depois de 40 anos fora do Brasil, Luiz foi aposentado pelo Itamaraty, retornando em 1985.

Pouco tempo depois, estava morando em Natal, na Praia do Meio, numa enorme casa que mandara construir.

Imaginava que Natal continuava a mesma cidade branca, cheia de tranquilidade. Sonhava caminhar descalço novamente pela areia da praia e mergulhar na imensidão do mar azul.

Da varanda da sua casa, o Embaixador podia observar, com a família, a interminável e diária partida de futebol de areia, na qual os inúmeros contendores se esforçavam para fazer “gols”, nas balizas dos dois grupos.

Sua mulher, cuja formação acadêmica a tornou uma incansável observadora, disse-lhe subitamente: “É curioso. Os jovens que se batem nessas infindáveis peladas, neste sol causticante, não são negros, embora o pareçam. Na verdade, ou são índios ou mestiços de índios”.

Luiz parou para pensar e retorquiu: “São os mesmos brasileiros que receberam aqui nestas praias, em 1500, os primeiros portugueses e os comeram. Quanto progresso fizemos de 1500 pra cá… Não é?” E todos riram com a sua pertinente observação.

O Embaixador temia sofrer, em breve, um impacto visual, com a construção desenfreada de arranha-céus na Praia do Meio e com a cogitada construção de uma ponte colossal, que cruzaria a barra, ligando a Praia do Meio à Praia da Redinha. Considerava essa ideia um absurdo, fruto da cabeça dos improvisados urbanistas das novas gerações.

De repente, a tranquilidade na casa de Luiz, na Praia do Meio, começou a sofrer as consequências de um tresloucado projeto da autoridade que dirigia a prefeitura de Natal, que visava transformar a praia de Iemanjá em Zona turística, com barracas imitando as da Bahia.

Como todo governante nordestino, a maior autoridade municipal de Natal esqueceu de que o povo nordestino também tem suas necessidades fisiológicas. Resultado: As concentrações de bêbados e farristas, que passaram a utilizar as barracas construídas pela prefeitura, passaram a fazer suas necessidades mal cheirosas, na própria praia ou em torno do aconchegante muro de dois metros, da casa da esquina, em frente à casa do Embaixador. A poluição orgânica dos bêbados e dos farristas, e a poluição sonora dos poderosos aparelhos eletrônicos das tais barracas e mais os dos bêbados automobilistas, passaram a infernizar a vida do Embaixador e de sua família. A zona de concentração dos frequentadores era em frente à sua casa. O barulho não tinha hora para terminar.

O Embaixador tomou as providências necessárias, para solucionar o sério problema junto às autoridades competentes, mas não obteve êxito.

Para completar,a perturbação, os cultos e os alfabetizados de Natal resolveram se divertir, quebrando garrafas a tiros, na beira das praias urbanas, tornando impraticáveis as caminhadas na areia, com os pés descalços.

Num momento de inspiração, Luiz lembrou-se da técnica jesuítica, que ensina com o exemplo. E foi à luta. 
A partir de então, todos os dias via-se um homem com uma camisa vermelha e uma lata a tiracolo, onde estava escrito “GARI VOLUNTÁRIO”, percorrendo as praias do Morcego, dos Artistas, de Iemanjá, e Praia do Forte. Colhia cacos de vidro, sem se importar com o que os outros pensassem dele.

Luiz passou o primeiro mês, fazendo as suas colheitas de cacos de vidro, nos três quilômetros da Praia do Meio, dialogando sempre com os curiosos que o seguiam, as mulheres que o interrogavam e os céticos que o provocavam.

Os velhos pescadores lhe perguntavam por que o doutor estava pescando caco de vidro: “Pra botar em cima do muro?”, “Pra vender?”

Ele sentia que a curiosidade aumentava com o espetáculo diário e com o seu silêncio, que era outra palavra de ordem de um grande líder francês, o General De Gaulle. Nada como o silêncio para acentuar a autoridade. Até um simples pescador compreende a linguagem do silêncio.

Luiz sabia que o que estava fazendo incomodava. Nos altos círculos intelectuais da cidade, pelo telefone da Academia de Letras, um confrade o inquiriu sobre o disparate de um Embaixador, mesmo aposentado, estar colhendo cacos de vidro nas praias da cidade. E não faltava quem lhe dissesse que “uma andorinha só não faz verão.”

Nas suas costas, os “amigos” o ridicularizavam, dizendo que ele voltara do exterior, sueco, e que queria limpar as praias.

O exemplo que Luiz quis dar, apanhando lixo nas praias, logo teve repercussão. Certa manhã, na Praia do Meio, uma moça de ótima aparência aproximou-se dele e perguntou: – O Senhor é Embaixador mesmo? -Não, fui. – respondeu. E a moça continuou: – E está apanhando cacos de vidro, para que? – A ela, Luiz respondeu:

“Para ver se dou uma lição ao Governo, de como se começa a resolver um problema. E a moça continuou: “Eu vou tirar algumas fotografias do Senhor, se não for inconveniente.” E Luiz respondeu:– Não há nenhum inconveniente. Posso lhe assegurar.

Passadas duas semanas, pararam em sua casa enormes caminhões da Globo, com equipamento mirabolante. Vinham se certificar se era tudo verdade.

Duas semanas depois, o programa “Fantástico” abriu às 20:00, com a manchete: “Um embaixador aposentado limpa as praias de Natal, colhendo cacos de vidro”.

Seguiram-se as imagens que haviam feito.

Luiz solucionou sua insatisfação, perante a inércia do poder público municipal de Natal, mudando-se para Brasília, em 1991.

Em 1993, Luiz voltou a Natal. Muita coisa tinha mudado. As barracas imundas, que poluíam as areias e o mar, tinham desaparecido, devido à intervenção da Marinha, solicitada por ele próprio ao Almirante Didier. Permaneceram as barracas horríveis da Prefeitura, sem latrinas para os bêbados e os farristas.

Andando pela praia, um velho pescador aproximou-se de Luiz e perguntou: “Cadê os cacos de vidro, Embaixador? Acabaram, como o senhor queria?”

– Exatamente. – respondeu Luiz.

Em 1999, Luiz foi dar um mergulho, na baía que cerca todo o paredão do rochedo negro do Morcego, onde se situam grandes restaurantes, que antes jogavam esgoto na baiazinha. Notou a água azul, impecável. Indagou, então, aos moleques que o acompanhavam:

“Água limpa, hein? O esgoto não cai mais para este lado?”

O garoto foi franco: -Doutor, agora não há mais “merda” por aqui.

Luiz foi confirmar com o pessoal da Peixada da Comadre, a quem muitas vezes entregara memorando sobre a implantação dos coletores da CAESB. Estavam lá, sim. Os coletores tinham sido implantados e agora os excrementos colhidos são expulsos para longe, pela unidade de compressão dos esgotos da Praia do Meio. Ouviu encantado essa boa notícia, que serve para provar, que nem tudo está perdido, neste Brasil de tantos problemas.


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