Quando o menino recebeu das minhas mãos uma requinta [clarinete em mi bemol, utilizado em bandas de música], pouca coisa se poderia prever de seu futuro.
Era triste, pálido, desajeitado, esquálido até …
Era uma, entre dezenas de crianças que iniciava seus estudos musicais na Banda Sinfônica Juvenil Pernambucana que o Departamento de Cultura, por mim dirigido, acabara de instalar, naqueles idos de 1976, na Escola Cônego Jonas Taurino, dos Peixinhos.
Com a implantação do Núcleo de Formação de Instrumentistas de Cordas, que mais tarde veio a ter o nome de 3º Núcleo do Projeto Espiral, o menino resolvera estudar violino.
Incentivado pelo maestro Ademir Araújo. Edson Rodrigues e por outros professores da escola, o menino foi apresentado ao professor Luís Soler para as provas iniciais, em julho de 1978.
Já sabia alguma coisa de solfejo, tinha alguma prática em leitura musical. Era um bom começo para quem queria estudar violino com um dos instrumentos recentemente doados pelo maestro Marlos Nobre, então diretor do Instituto Nacional de Música da Funarte.
Mas os empecilhos foram aumentando:
Filho de uma humilde mulher do povo, sem profissão definida e sem o apadrinhamento dos poderosos, o menino compareceu à minha sala de trabalho informando não poder continuar nas aulas do Projeto Espiral.
O motivo era simples: com as aulas de violino, no turno da tarde não poderia continuar seus estudos na escola dos Peixinhos.
– Apela para um, telefona para outra, finalmente, com a compreensão de alguns, se consegue uma vaga para o menino na Escola João Barbalho, no Parque Treze de Maio, conciliando o horário dos dois cursos.
Na segunda-feira, 19 de julho de 1982, quando já alguns anos haviam passado, finalmente o menino nos proporcionou uma grande alegria:
A criança de antes era o instrumentista de hoje e, com a desenvoltura dos que prometem alcançar o estrelato, Israel Ramos de França era solista da Orquestra de Câmara da Universidade Federal de Pernambuco executando, em concerto regido pelo seu professor Luís Soller, a “Sonata de Câmara, de F. Veradini”.
Ao ouvir as notas que saiam do seu violino procurei lembrar aquela boa mulher, cujo único sonho era ver o sucesso do filho.
Na plateia não havia lugar para ela, pois de há muito deixara este mundo dos vivos e hoje, lá de outros mundos na paz do dever cumprido, pede a Deus pelo filho Israel que deixou na terra.
– Israel estava soberbo, o Teatro Santa Isabel lotado, o público o aplaudia de pé, a alma daquela boa mãe merecia de mim toda a gratidão.
Diario de Pernambuco, 2 de agosto de 1982