Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Marcos Mairton - Contos, Crônicas e Cordéis quarta, 25 de janeiro de 2023

O TELEFONEMA DO MINISTRO (CRÔNICA D MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMNDO FLORAIANO)

 

O TELEFONEMA DO MINISTRO

Marcos Mairton

 

Quarta-feira passada (21-10-2020), o Senado Federal aprovou a indicação do Desembargador Federal Kassio Nunes Marques para a cadeira deixada vaga pelo Ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal.

O fato me fez lembrar um conto que publiquei há quase três anos, e que alguns amigos juram que é baseado em fatos reais.

Não é. É ficção. Claro que em toda ficção há algo de realidade. Como em toda narrativa que se pretende verdadeira há um pouco de ficção (até no depoimento de uma testemunha, sob juramento).

Mas penso que, ao escrever um conto, o autor deve saber se está adaptando um fato real para a ficção, ou se está criando uma narrativa simplesmente imaginada, inserindo nela elementos de realidade.

O conto a seguir é dessa segunda espécie. Garanto.

Portanto, não fiquem perguntando nos comentários quem é Genário, porque essa pessoa não existe no mundo real.

Vamos ao conto.

* * *

AMIZADE SEM INTERESSE

Brasília, 23 de fevereiro de 2017. Circunstâncias alheias ao meu controle levaram-me a almoçar em um restaurante tipo self-service, naquele horário que aparentemente toda a população da cidade resolve se alimentar: entre 12:30 e 13:30.

Feita a pesagem da comida, fiquei com prato e talheres na mão, procurando uma mesa vaga. Ou, pelo menos, uma vaga em alguma mesa, embora não me agrade almoçar ao lado de pessoas totalmente desconhecidas.

Foi então que notei a presença de um conhecido meu, ocupando sozinho uma mesa de quatro lugares. Aproximei-me cumprimentando-o:

– Doutor Genário! Tudo bem? Posso me acomodar por aqui? Ou tá esperando alguém?

– Não, não… Senta aí – respondeu ele sem muito entusiasmo.

Achei compreensível sua reação. Como alertei já no princípio, não era um amigo que estava ali, mas apenas um conhecido. Desses que a gente encontra eventualmente em solenidades e lançamentos de livros. Talvez quisesse almoçar sozinho, planejando o que faria à tarde, olhando as mensagens no celular. Ou, por qualquer outra razão, preferisse não ter ninguém compartilhando sua mesa. Ainda mais alguém como eu, com quem não tinha intimidade, mas que sua boa educação recomendaria dar alguma atenção.

O certo é que, sendo ele uma pessoa bem educada, e precisando eu de um lugar para sentar, passamos a dividir a mesma mesa, em um clima cordialidade protocolar.

Prosseguiu assim por alguns minutos, até que meu celular tocou.

Não costumo atender a ligações enquanto estou almoçando, mas vi que se tratava de um amigo de longa data, Alexandre Monteiro, advogado em Fortaleza, que há semanas não dava notícias.

Desde que mudei para Brasília, em 2016, para atuar como juiz instrutor do Superior Tribunal de Justiça, esse amigo, em tom de gozação, passou a me chamar de Ministro. E eu, devolvendo a brincadeira, trato-o por Ministro também.

Atendi:

– Ministro Alexandre! Onde é que você anda, amigo?

Alexandre respondeu como de costume. Que andava muito ocupado, com muitos processos, viagens, etc. Na verdade, o que importa aqui não é o que conversamos, mas a reação do conhecido que compartilhava comigo a mesa do restaurante.

A partir do momento em que atendi o telefone, doutor Genário passou a olhar para mim com particular interesse. Como se quisesse participar da conversa telefônica. Sem entender seu comportamento, continuei a ligação, mas observando sua linguagem corporal.

A certa altura da conversa, Alexandre convidou-me para o aniversário da sua filha, e eu, no tom formalesco que costumamos brincar, perguntei:

– E quando é a solenidade, Ministro?

Ao ouvir aquela pergunta, doutor Genário abriu um sorriso, inclinou-se em minha direção e perguntou num sussurro:

– É o Ministro Alexandre de Moraes?

Revelava-se, assim, o motivo do súbito interesse do meu comensal pelo telefonema que eu acabara de receber: aconteceu que, no dia anterior, o Ministro Alexandre de Moraes, recém indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, havia tido seu nome aprovado pelo Senado Federal, após a regulamentar sabatina; aparentemente, o doutor Genário deduziu que sua excelência acabara de telefonar para mim, e, pelo andar da conversa, deveria estar me convidando para sua posse na Corte Suprema.

Diante de tamanho interesse do Doutor Genário por assuntos ministeriais, faltou-me coragem para lhe causar algum tipo de frustração. Assim, no mesmo instante em que, ao telefone, confirmava presença no aniversário para o qual acabara de ser convidado, olhei para o meu companheiro de refeição e levantei o polegar, em sinal de positivo.

E, admito, não me limitei a isso. Penitencio-me até hoje por tal conduta, mas, a partir daí, passei a induzir deliberadamente o doutor Genário a erro, desejando a Alexandre sucesso nos desafios, e lembrando-lhe de não permitir que o trabalho nos impeça de tomar umas cervejas juntos, de vez em quando.

Ao final daquela ligação, doutor Genário estava mais sorridente, conversando mais e comendo menos. Antes de ir embora, fez questão de trocarmos cartões de visita, embora já houvéssemos feito isso em ocasião anterior (não sei se ele lembrava disso).

No dia seguinte, às 10:45 da manhã, doutor Genário enviou uma mensagem para meu celular: “Caro amigo, almoçarei hoje naquele mesmo restaurante de ontem. Caso você chegue depois, saiba que seu lugar na minha mesa está reservado”.

Respondi a mensagem, agradecendo a gentileza, mas fui fazer a minha refeição em outro lugar.


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