Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura - Contos e Crônicas segunda, 15 de novembro de 2021

O TROPEIRO (CONTO DO MARANHENSE HUMBERTO DE CAMPOS)

O TROPEIRO

Humberto de Campos

 

 

 

O casamento do Sr. Antônio Moreira, comerciante e fazendeiro em São Bernardo das Russas, cidade cearense a duzentos e quarenta quilômetros de Fortaleza, estava anunciado para a véspera de Natal, que distava, apenas, oito dias. Há um mês, quase, não se falava em outra coisa. A festa devia ser estrondosa, com banda de música e danças por uma semana, e o que era mais, com uma abundância de comidas e bebidas como não havia notícia de outra na redondeza. Antegozando o sucesso daquele acontecimento, o Sr. Antônio chamou, uma tarde, um antigo tropeiro, e ordenou:

 

— João, você vai, amanhã, à capital. Daqui lá são quarenta léguas, das grandes. Você ponha a cangalha na burra preta; escanche, em cima, o jogo de malas, e, chegando à cidade, receba, na casa da modista para quem vai esta carta, o vestido da noiva.

 

E olhando o tropeiro, significativamente:

 

Mas, olhe: você deve estar aqui no sábado, à tarde. Se não, já sabe!

 

O caboclo correu ao cercado, pôs a cangalha na burra, atirou-lhe por cima o jogo das malas de couro, e partiu. Chegando a Fortaleza, recebeu a encomenda, e, para estar em São Bernardo no dia determinado, retrocedeu na mesma hora.

 

O prazo que o Sr. Moreira lhe havia dado para a viagem era, francamente, curto. O caminho não era bom, a burra era velha, e, sexta-feira, à tardinha, faltando ainda dezoito léguas, estava completamente estropiada. Debalde o caboclo, sacudindo o cabresto, lhe metia o relho, rogando-lhe pragas: a alimária reunia as forças, tentava um choto manhoso, e voltava ao mesmo passo triste, lento, fatigado.

 

De repente, surgiu à margem da estrada uma palhoça de lavrador. João bateu:

 

— Ôi, de casa!

 

— Ôi, de fora!

 

E apareceu à porta de esteira um sertanejo cobreado, dando as "boas-tardes".

 

O tropeiro, que era mais ou menos conhecido por ali, perguntou, interessado, se não havia um cavalo, um burro, um jumento, que lhe pudessem alugar. O dono da casa foi franco: animais, não tinha; informado, porém, do compromisso do viajante, lembrou-lhe, experiente, um remédio:

 

— Homem, você quer um conselho? E ensinou:

 

— Olhe, ali, atrás da casa, tem uma pimenteira. Está encarnada de pimenta. Você apanha uma porção delas, machuca num caco, faz uma bolota de pano, e... e... passa!

 

O João aceitou a receita: machucou as pimentas, enrolou alguns molambos à ponta de um pau, ensopou-os no molho, e passou.

 

Passou e despediu-se.

 

Daí a pouco, a burra começou a aumentar a marcha. Momentos depois, principiou a trotar; e, finalmente, largou, de malas às costas, numa carreira brutal, furiosa, desabalada, caminho em fora.

 

Seguro à ponta do cabresto, o caboclo, a princípio, acompanhou o quadrúpede. Quando, porém, este abalou na correria desbragada pela estrada silenciosa, não houve mais recurso: estava, ele também, cansado, fatigado, estropiado. Mas, recordando-se que tinha prometido estar com o animal em São Bernardo das Russas, e este se podia transviar com a roupa da noiva, reuniu, num supremo esforço todas as suas energias de inteligência e de músculos, arrancou, num movimento rápido, o cinturão de couro, e, fazendo em si mesmo o que havia feito com a burra, largou-se, também, pelo caminho soturno, numa carreira desenfreada!

 

No dia seguinte, pela manhã, oito horas antes da que lhe fora marcada, atravessavam os dois, o tropeiro e a burra, em disparada, as últimas ruas de São Bernardo das Russas.


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