Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Leonardo Dantas - Esquina sábado, 17 de março de 2018

OLINDA & RECIFE, DOIS DESTINOS NUMA SÓ HISTÓRIA

De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
a linha do horizonte.

As paisagens muito claras
não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
ou claridade somente

Carlos Pena Filho

Aos olhos de quem a contempla pela primeira vez, Olinda se apresenta povoada de sonhos e tomada pela claridade a ofuscar as retinas de quem chega: de limpeza e claridade/é a paisagem defronte…

Aquele conjunto de colinas, que pouco interessou aos indígenas habitantes de suas redondezas, antes da chegada do colonizador, fascinou Duarte Coelho, que chega a Pernambuco em 1535 e vê naquelas paragens o local ideal para a construção de uma vila.

Segundo a tradição recolhida pelo frei Vicente do Salvador, registrada na sua História do Brasil (1627), a denominação Olinda vem de “um galego criado de Duarte Coelho, porque, andando com outros por entre o mato, buscando um sítio em que se edificasse [a vila], e achando este, que em um monte bem alto, disse com exclamação e alegria: O’ linda!”.
 
A versão já fora antes relatada por Ambrósio Fernandes Brandão, autor dos Diálogos das grandezas do Brasil(1618), que residiu em Olinda na segunda metade do século XVI, sendo repetida pelo franciscano frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1695-1779) e pelo beneditino dom Domingos do Loreto Couto (c 1696- c 1762), chegando o historiador inglês Robert Southey (1810) a atribuir a exclamação ao próprio Duarte Coelho: “Oh! linda situação para se fundar uma vila!”.

Com a versão de frei Vicente do Salvador, que também residiu no convento franciscano de Olinda e começou recolher anotações para sua História em 1587, não concorda o historiador Adolpho de Varnhagen que, meticuloso em suas conclusões, lembra que a denominação teria origem em Portugal, “mais nada natural que aquele nome fosse de alguma quinta, ou casa, ou burgo, por qualquer título caro ao donatário na sua pátria, e que ele no Brasil quisesse perpetuar […] Sabe-se também que Olinda era o nome de uma das belas damas na novela do Amadis de Gaula, cuja leitura estava então muito em voga, não faltando leitores que lhe davam fé, como em nossos dias se dá à história”.

Alfredo de Carvalho, em Frases e palavras (1906), ao concordar com Varnhagen, chama a atenção para a existência, nas cercanias de Lisboa, das freguesias de Linda-a-Pastora e Linda-a-Velha.

A versão do frei Vicente do Salvador, corroborada por Ambrósio Fernandes Brandão, é a mais aceita para explicar o nascimento da primitiva capital de Pernambuco, cujo núcleo urbano parece delineado na carta de doação, assinada por Duarte Coelho Pereira, de 12 de março de 1537.

Naquele documento, impropriamente chamado de Foral de Olinda, a nascente vila recebe do primeiro donatário as terras de serventia, para uso comum dos seus habitantes. Nele se faz menção à existência da Câmara, da Rua Nova (Bispo Azeredo Coutinho), das fontes de águas potável, do Varadouro Galeota (onde aquela embarcação sofreu reparos) e do Arrecife dos Navios, porto da vila que veio dar origem à cidade do Recife. 
 
Nome poético, surgido de uma leitura de novela; ou denominação saudosista, a relembrar um sítio perdido na toponímia portuguesa; ou ainda, exclamação de um criado de Duarte Coelho, oriundo da Galícia, perdido entre as matas de cajueiros que se espalhavam na planície arenosa, hoje ocupada pelos bairros do Rio Doce e Rio Tapado, tudo serve para explicar o que há no nome: Olinda. Os olindenses, porém, a exemplo dos seus avós, têm uma explicação própria para todo esse feitiço que toma conta de quem a conhece: Quem não viu Olinda, não amou ainda!

O Arrecife dos Navios

Enquanto Olinda imperava do alto de suas colinas, ao longe em direção ao sul surgia, quase ao mesmo tempo, “um porto tão quieto e tão seguro, que para as curvas das naus serve de muro”, na observação da Prosopopea, poema épico escrito em Pernambuco pelo poeta Bento Teixeira, publicado em Lisboa (1601), que bem define a paisagem quinhentista do Recife.

Situada no cruzamento do paralelo, a oito graus e três minutos e 45,8 segundos de latitude sul, e do meridiano a 34 graus e 52 minutos e 14,8 segundos, de longitude oeste, a Barra do Arrecife, assim chamada no Diário de Pero Lopes de Souza (1532), veio a ser a ribeira do mar dos Arrecifes dos Navios, a que se refere o donatário Duarte Coelho Pereira em sua impropriamente chamada carta foral de 12 de março de 1537, uma minúscula povoação de mareantes e pescadores que viviam em torno da ermida de São Frei Pedro Gonçalves, por eles denominada de Corpo Santo.

Era o Recife um porto por excelência, o de maior movimento da América Portuguesa, escoadouro principal das riquezas da mais promissora de todas as capitanias: Pernambuco. Tal riqueza logo veio se tornar conhecida em todos os portos do Velho Mundo, de modo a despertar as atenções dos Países Baixos que, em guerra com a Espanha, sob cuja coroa estava Portugal e suas colônias, necessitavam de todo o açúcar produzido no Brasil para suas refinarias (26 só em Amsterdam). Com o insucesso da invasão da Bahia, onde permaneceram por um ano, mas com o valioso apoio de Isabel da Inglaterra e Henrique IV da França, rancorosos inimigos da Espanha, os Estados Gerais, reunidos na Haia sob a liderança da Holanda, voltaram o seu interesse para Pernambuco, utilizando-se para isso da Companhia das Índias Ocidentais, formada pela fusão de pequenas associações, em 1621, cujo capital elevara-se, na época, a 7 milhões de florins.
 
A produção de 121 engenhos de açúcar, “correntes e moentes” no dizer de van der Dussen, viria a despertar a sede de riqueza dos diretores da Companhia, que armou uma formidável esquadra sob o comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, que, com 65 embarcações e 7.280 homens, apresentou-se nas costas de Pernambuco em 14 de fevereiro de 1630, iniciando assim a história do Brasil Holandês.


 
Senhores da terra, os holandeses escolheram a povoação do Recife como sede dos seus domínios no Brasil, por ter nesta praça a segurança de que não dispunham em Olinda, “por ser aberta por muitas partes e incapaz de defesa”, na observação de Diogo Lopes Santiago. Na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os chefes holandeses pôr fogo na sede da capitania de Pernambuco, “a infeliz vila de Olinda tão afamada por suas riquezas e nobres edifícios, arderam seus templos tão famosos, e casas que custaram tantos mil cruzados em se fazerem” (Santiago). 
 
Em Olinda, cujos costumes e paisagem foram tão bem descritos pelo Frei Manuel Calado, “tudo eram delícias e não parecia esta terra senão um retrato do terreal paraíso”. Mas a segurança para Waerdenburch e demais chefes holandeses falava mais alto, daí fixarem-se no Recife e na ilha de Antônio Vaz que “são lugares próprios para, com oportunidade, fundar-se uma cidade” e “penso que ninguém que da Holanda vier para aqui quererá ir morar em Olinda” (Adolph van Els), sendo proibidas quaisquer construções no perímetro urbano da antiga capital.
 
A dominação holandesa prolongou-se por 24 anos, passando o Recife de simples porto de Olinda a capital da nova ordem.  
 
Em 1637, seis anos depois, o Conselho dos XIX da Companhia das Índias Ocidentais convidou para ocupar a função de Governador-Geral um jovem coronel do exército da União, Conde João Maurício de Nassau-Siegen. Alemão, nascido em Dillenburgo a 17 de agosto de 1604, João Maurício era o filho primogênito do Conde João VII e de sua segunda esposa Margarida von Helstein-Soderborg, uma parenta da família real da Dinamarca.

Na administração de João Maurício de Nassau um surto de progresso tomou conta do Brasil Holandês, cujas fronteiras foram estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O Recife, “coração dos espíritos de Pernambuco” na observação de Francisco de Brito Freyre, veio a sofrer inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a instalação do primeiro observatório astronômico das Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na ilha de Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido em 1606 o convento de Santo Antônio. A nova urbe, projetada por Pieter Post, um dos principais representantes, ao lado de Jacob van Campen, do classicismo arquitetônico nos Países Baixos, veio a receber a denominação de Cidade Maurícia, em 17 de dezembro de 1639, a Maurits Stadt dos holandeses, cujos mapas, aspectos e panorama (94×63 cm), aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam (1647), e em outras produções artísticas de sua época.

Coube ao Conde de Nassau realizar no Recife uma verdadeira revolução no âmbito de sua paisagem urbana. Ao seu tempo foi construído o palácio de Friburgo (Vrijburg), também conhecido como Palácio das Torres, e a casa da Boa Vista (1643). Foi ele responsável pela instalação do primeiro observatório astronômico das Américas, no qual Georg Marcgrave fez as suas anotações acerca do eclipse solar de 13 de novembro de 1640 (Barlaeus). No seu tempo foi erguido o templo dos calvinistas franceses, obedecendo ao traço de Pieter Post, sendo implantado o calçamento de algumas ruas e o saneamento urbano, além da construção de três pontes em grandes dimensões; a primeira ligando o Recife à Cidade Maurícia (a nova cidade erguida na ilha de Antônio Vaz), inaugurada em 28 de fevereiro de 1644, uma segunda, ligando esta ilha ao continente, e uma terceira sobre o rio dos Afogados.

Ainda no seu governo, o Conde João Maurício de Nassau fez plantar ao lado do seu palácio, em 1642, um grande jardim recreio, para o qual foram transportados árvores frutíferas e coqueiros já adultos, dispondo também de alguns animais provenientes das mais diferentes partes, inclusive da África. Esse primeiro zôo botânico das Américas veio servir de “laboratório” a membros de sua comitiva, notadamente o médico Willem Piso (1611–1678), o botânico, também cartógrafo e astrônomo, Georg Marcgrave (1610–1644) e o artista Albert Eckhout.

Durante 24 anos, passou o Recife de povoação acanhada do século XVI e início do século XVII a capital do Brasil Holandês. Foi tanto o crescimento do primitivo Arrecife dos Navios, foram tantos os melhoramentos obtidos, particularmente durante o governo do conde João Maurício de Nassau (1637-1644), que, mesmo após a expulsão dos holandeses (1654), o Recife jamais voltou a depender de Olinda.

Vila de Santo Antônio do Recife

O Povo dos Arrecifes era coisa do passado. O primitivo porto, após a retirada dos invasores flamengos, veio a ser disputado até pelos governadores que teimavam em ocupar o Palácio de Friburgo, construído em 1642 pelo conde Nassau na primitiva ilha de Antônio Vaz, deixando de prestar assistência à sede da capitania, Olinda, motivando assim os reclamos junto ao rei de Portugal.

A riqueza súbita dos habitantes do Recife, apelidados de mascates pelos naturais de Olinda, fez do antigo porto um núcleo de progresso, por vezes ofuscando a capital de Pernambuco e contrariando os senhores da terra. Fato notório para comprovação de tal progresso seriam as construções religiosas do final do século XVII, algumas delas hoje consideradas verdadeiras jóias de nossa arquitetura colonial. É deste período o início das edificações das igrejas dos Jesuítas (1655), Nossa Senhora da Penha (1655), Santo Amaro das Salinas (1681), Convento do Carmo (1667), Capela Dourada (1696) e Ordem Terceira do Carmo (1696), na ilha de Santo Antônio, que, juntamente com as igrejas de Nossa Senhora do Pilar (1680-86, restaurada entre 1898 e 1906) e Madre de Deus (1679), são testemunhos de uma época de fausto e riquezas.

No governo de Sebastião de Castro Caldas (1707-1710), o primeiro governador nomeado por D. João V, de Portugal, possuidor de nítido partidarismo em favor dos mascates, para desgosto dos olindenses e da chamada nobreza da terra, foi o Recife elevado à categoria de Vila. Com o nome de Santo Antônio do Recife, por carta régia de 19 de novembro de 1709, foi instalada a nova vila. No Largo do Corpo Santo (Bairro do Recife), foi erguido o pelourinho, símbolo do poder municipal, em 15 de fevereiro do ano seguinte (substituído por outro de maior porte, em 3 de março do mesmo ano). Logo foram escolhidos os primeiros vereadores de sua Câmara, aos quais caberia a administração municipal, não se devendo mais obediência aos vereadores de Olinda.

A então Vila estava circunscrita às freguesias de São Pedro Gonçalves e Santo Antônio, área compreendida pelos atuais bairros do Recife, Santo Antônio e São José; pois as terras da Boa Vista ficaram sob a dependência da Câmara de Olinda até a primeira metade do século XIX.

No século XVIII a influência econômica e política da capitania de Pernambuco se faziam presentes do Ceará até a foz do Rio São Francisco, transformando o Recife no principal porto exportador e importador de riquezas. Em torno do núcleo portuário, já então unido ao continente pelas imensas pontes construídas pelo Conde de Nassau (1643), cresceu o centro econômico da capitania reunindo no Recife um grande comércio, responsável pelo abastecimento de toda região. Através do Recife eram exportados o açúcar, o fumo, as peles, o algodão, o pau-brasil e outras riquezas produzidas pelas capitanias do Norte. Em contrapartida, ingressava pelo mesmo porto a maior parte dos bens consumidos, não somente no Recife e Olinda como nas mais remotas comunidades rurais, o que fazia movimentar o grande comércio e a pequena navegação de cabotagem, em atividade até a primeira metade do século XX.

Enquanto a nascente Vila de Santo Antônio do Recife prosperava, transformando-se no centro de maior comércio da região, a cidade de Olinda permanecia como que parada no tempo. Graças ao movimento constante de carga e descarga do seu porto, com a presença de navios que se destinavam não somente à Europa como também à África e até às Índias, a antiga povoação dos Arrecifes transformara-se na capital econômica da poderosa capitania de Pernambuco.

Olinda, por sua vez, jamais voltou a dispor do seu status de capital dos tempos que antecederam ao incêndio de 1631, transformando-se com o passar dos anos na sede administrativa de Pernambuco. Nela se encontravam o Palácio dos Governadores (séc. XVII) e o Senado da Câmara, a catedral do Salvador do Mundo (1540) e o Bispado (1677), o Hospital da Santa Casa de Misericórdia (1540) e a Cadeia Eclesiástica (Aljube), o Colégio dos Jesuítas (1568) e o Horto Botânico, o Seminário Diocesano (1800), assim como os conventos sedes das principais ordens religiosas – Franciscanos (1885), Carmelitas (1588) e Beneditinos (1592) –, e o Curso Jurídico, que veio a funcionar, entre 1828 e 1854, nas salas do Mosteiro de São Bento.

Com a abertura dos portos às nações amigas pelo Príncipe Regente Dom João, em 1808, o porto do Recife, que segundo Henry Koster possuía uma população de cerca de 25.000 habitantes, veio a se tornar de maior movimento comercial da colônia, chegando a exportar no ano seguinte 12.801 caixas de açúcar. Os altos preços obtidos por este produto, que em 1817 atingiu a quantia de 17 francos a arroba, e pelo algodão, “então com um aumento de 500 por cento”, fez surgir na província grandes fortunas e um maior intercâmbio com os Estados Unidos e a Europa.

Ao contrário do século XVIII, o século XIX é detentor de uma rica iconografia do Recife, Olinda e seus arredores. Talvez seja esta a parte do Brasil mais retratada pelos artistas, que aqui estiveram, a exemplo de Alberto Gabriel Frederico Secretan (1793-1852), um suíço de Lausanne que aportou no Brasil em 1827, demorando-se no Recife e em Salvador, chegando ao Rio de Janeiro em 5 de janeiro de 1836 onde faleceu em 1852. É dele a autoria da primeira litografia executada no Recife, datada de 1827 sob o título “Vista do Farol e do interior do Porto de Pernambuco tomada do Poço”.

Também viajantes eram surpreendidos com o panorama oferecido pelo Recife e Olinda. O mais importante deles seria Henry Koster, autor do clássico Travels in Brazil (Londres 1816), no qual publica várias paisagens do Recife, do interior e um Plano do Porto de Pernambuco (160/233 mm.), gravado por Sidney Hall. Outros viajantes preocuparam-se em retratar as belezas do Recife, Olinda e interior, a exemplo de Spix e Martius (1817), James Henderson (1816), L. F. de Tollenare (1817), Maria Graham (1821), que documentou a ilha dos Cocos e o Arco do Bom Jesus; do marinhista inglês Emeric Essex Vidal (1791-1861), que documentou em aquarelas a entrada do porto (1827), além de outros anônimos.

Com o passar dos anos, através de aterros dos terrenos de alagados e de cursos d’água, foi o Recife crescendo em área, muito embora, somente em 1817, por provisão de 6 de dezembro, foram desmembrados do termo de Olinda  o atual bairro da Boa Vista e a povoação dos Afogados.

Em 1823 foi o Recife promovido à categoria de Cidade, por Carta Imperial de 5 de dezembro, seguindo-se de sua elevação à Capital de Pernambuco, através de Resolução do Conselho Geral da Província datada de 15 de fevereiro de 1827.

Através de resoluções posteriores da presidência do Conselho da Província, foram unidas ao território do Recife as freguesias da Várzea e do Poço da Panela, bem como o restante da Boa Vista. Em 1862, o município do Recife era composto pelas freguesias de São Pedro Gonçalves, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Afogados, Muribeca, Poço da Panela, Várzea, Santo Amaro do Jaboatão e São Lourenço da Mata; estas duas últimas transformadas em município autônomo em 1873 e 1884.

Durante a República o município do Recife permaneceu com o seu território inalterado até 1919, quando, no governo de Manoel Antônio Pereira Borba, o Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco, pela Lei n.º 1430, sancionada em  10 de junho de 1919, estabeleceu os novos limites com o município de Olinda. Por aquele diploma legal estabeleceu-se uma linha divisória a partir da fortaleza do Buraco, “do marco subterrâneo colocado na raiz do molhe que nasce no istmo de Olinda e limita a bacia do porto, por uma linha imaginária à ponte da Tacaruna” [….] “até alcançar o marco divisório das propriedades Piaba e Jardim, próximo à margem do rio Paratibe; sobe, em seguida, o curso deste rio até a foz do riacho Cova da Onça, daí acompanhando os limites da propriedade desse nome até o marco do córrego Riacho Seco, ponto terminal da divisória dos dois municípios.”

Ainda nas confrontações e limites, a lei estadual n.º 1430, anteriormente citada, preceitua em seu artigo segundo: “Os terrenos que, atualmente, pertencem a um dos municípios [Recife ou Olinda] e que por este ato passam para o  outro, serão considerados ipso-facto entregues a cada um dos municípios para o qual foram transferidos, independentemente de mais formalidades, desde que for publicada a presente lei.”

A última modificação de limites do Recife ocorre em 1928, quando a Lei nº 1931, de 11 de setembro, que trata da nova divisão administrativa do Estado de Pernambuco, estabeleceu em seu artigo 3º o acréscimo do território do município do Recife “pela anexação que lhe é feita dos distritos de Beberibe e do Arruda e os territórios do povoado de Coqueiral e de toda vila de Tejipió, excetuada a parte denominada de  Sycupira, os dois primeiros desmembrados do município de Olinda e os dois últimos do de Jaboatão”.
 
Olinda, de onde se vê…

Ao longo dos séculos, porém, Olinda, com a sua paisagem tecida de sonho e claridade, impregnada pelas diversas tonalidades de verde, nas águas do seu mar, e de azul e outras cores no crepúsculo do seu céu, foi o eterno fascínio de todos que a conheceram. Enquanto o Recife reunia atenções pela sua importância econômica, Olinda reservava aos viajantes o deleite de sua paisagem litorânea, povoada de jangadas e outros tipos de embarcações, sendo hoje fonte de deleite e de paz para recifenses e olindenses.

O primeiro a escrever sobre a importância de tal paisagem foi Joaquim Nabuco, quando vista do terraço da igreja da Sé, “o olhar não precisa mover-se para apanhar a totalidade do cenário que se prolonga à beira do mar, salpicado das velas brancas das jangadas, penas destacadas das grandes asas da coragem, do sacrifício e também da necessidade humanas!”.

O que faz a grande beleza deste nosso torrão pernambucano é em primeiro lugar o seu céu, que muda a cada instante, leve, puro, suave, onde as nuvens parecem ter asas, e que não é o mesmo em um minuto; é depois o nosso mar, verde, vibrátil e luminoso, as nossas areias tépidas e cobertas de relva, os nossos coqueiros, que vergam desde o soco até ao espanador de um brilho metálico e dourado, com que parecem ao longe sacudir as nuvens brancas, as jaqueiras e mangueiras cuja sombra rendada é um oásis de frescura e abundância…

Em sua descrição, publicada no jornal O Paiz (Rio de Janeiro), em sua edição de 30 de novembro de 1887, Joaquim Nabuco, pinta, com a mão de um mestre, as belezas do seu torrão natal, utilizando-se das mais contagiantes cores de sua palheta.

… Não é uma dessas vistas de altura, das quais o mar fica tão abaixo aos pés do espectador, que perde o movimento e a vida, parecendo uma tela diáfana estendida sobre o fundo vazio do ar, vistas em profundidade, que dão vertigem e nas quais a perspectiva é tão longínqua como se víssemos por um óculo virado. A vista de Olinda é outra; é uma vista em comprimento, em que os planos sucedem-se uns aos outros como o desenvolvimento da mesma sensação visual, em que desde Olinda até ao Recife, e mais longe até o Cabo de Santo Agostinho, o olhar não precisa mover-se para apanhar a totalidade do cenário que se prolonga à beira do mar, salpicado das velas brancas das jangadas, penas destacadas das grandes asas da coragem, do sacrifício e também da necessidade humanas!

Com Joaquim Nabuco, concorda quem melhor pôde apreender as cores desta paisagem, o poeta Carlos Pena Filho, para quem Olinda é possuidora não somente de nuances mas de profundos mistérios.

Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tem verdágua e não se sabe,
a não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
só se reúnem na ausência

Mas lá longe, olhando-se em direção do Sul, espraia-se na nossa visão a Cidade do Recife, ocupando uma área de 221 quilômetros e 471 mil metros quadrados desta planície, formada pelas terras de aluvião trazidas pelo delta dos rios Capibaribe, Beberibe, Jiquiá e Jaboatão, bem como pelos constantes aterros promovidos pela mão do homem ao longo desses últimos quatro séculos.

O Recife tem seu centro urbano constituído por três ilhas: a do Recife, a de Santo Antônio e a da Boa Vista, as quais se interligam com o continente, através de pontes que são como braços a unir toda a cidade. A sua condição de planície tropical, refrescada pelos ventos alísios que nos chegam do Atlântico, sem registro de grandes temperaturas, estiada na maior parte do ano, com o eterno fascínio das praias de água morna, transforma a capital de Pernambuco num eterno convite para passeios a pé, nos quais o caminhante ganha às ruas sem maiores compromissos, gozando do cenário de suas pontes e da beleza dos seus monumentos, como a repetir os versos do poeta Ledo Ivo:

Amar mulheres, várias…
Cidades, só uma – Recife.
E assim mesmo com o vento amplo do Atlântico
E o sol do Nordeste entre as mãos.


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