Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento quinta, 23 de fevereiro de 2017

OS ALECTOROMAQUISTAS

OS ALECTOROMAQUISTAS

Raimundo Floriano

 

 

                        Em junho de 1988, fiz um pedido de elepês e livros à Funarte, que anunciava um grande lançamento de obras destacando, sonora e graficamente, nomes consagrados da Velha Guarda da Música Popular Brasileira. Para que não se confundissem quanto ao endereço, e também para lhe dar publicidade, anexei meu cartão de visita. Nele, e em todas as edições posteriores, me declaro alectoromaquista – pessoa que gosta de assistir a brigas de galo. Esse termo é derivado do grego. Alectoro quer dizer galo, e maquia significa combate.

 

                        A diretora-executiva da Funarte, achando-o original, mostrou-o ao humorista Millôr Fernandes, meu guru, que tinha uma coluna diária no Jornal do Brasil. No dia 6 daquele mês, Millôr publicou o cartãozinho em seu espaço no JB, e o sucesso foi mais que o inesperado, conforme já tive o ensejo de contar.

 

                        No quente da campanha eleitoral, em 1º de agosto de 1988, a página que Millôr assinava na revista IstoÉ Senhor ostentava esta matéria: Por que não tentar a alectoromancia? Essa palavra também vem do grego. Alectoro, galo, mais mancia, que é adivinhação. Com muita inteligência e graça, o autor explicava o modo de se escolher um candidato utilizando-se a antiga arte de predizer por meio de um galo que ia comendo os grãos de milho colocados sobre letras que formavam palavras. A coisa funcionava assim: se comesse os grãos sobre as letras s-v-o-a-c, formava Covas. No caso dum galo guloso, que devorasse i-n-r-u-e-n-a-l-a, o candidato escolhido seria Aureliano.

 

                        Fiquei orgulhoso. Meu guru – supus – inspirara-se em atributo meu para escrever tão bela peça literária!

 

                        O tempo se passou. E muito. Em dezembro de 2001, compareci ao Salão Negro do Congresso Nacional para o lançamento do livro Casos & Coisas, do publicitário Duda Mendonça, marqueteiro vitorioso dos grandes nomes da política brasileira. Após receber o autógrafo, fui apresentado a Alexandre Mendes de Oliveira, gerente de divulgações da Editora Globo, que patrocinava o evento.

 

                        Conversa vai, conversa vem, mostrei-lhe meu cartão. Alexandre gostou do que viu e me pediu que o destrinchasse. Ao decifrar-lhe alectoromaquia, ele me revelou:

 

                        – Então, o Duda também tem o mesmo gosto que você!

                        – Por quê?

                        – Possui mais de duzentos galos de briga!

                        – Então eu vou falar novamente com ele!

 

                        E fui. Aproximei-me dele, dando-lhe meu cartão:

 

                        – Duda, desculpe-me, eu até já peguei seu autógrafo, mas voltei, porque o Alexandre me informou que você, como eu, é alectoromaquista. Duda, surpreso, me interrogou:

                        – O que é isso?

 

                        E eu, peito inflado, falei bem alto, para que todos ali em volta me escutassem:

 

                        – É quem gosta de briga de galo!

                        – Que coisa, rapaz, eu não sabia!

 

                        E não sabia mesmo. Em Casos & Coisas, por cinco vezes menciona seu hobby, porém, em nenhum momento, cita a palavrinha mágica. Sinal de que o grande publicitário aprendera alguma coisa naquela noite.

 

                        Mas também me ensinara. De seu excelente texto, acessível e interessante para qualquer um que goste da boa leitura, extraí esta lição: tudo o que aconteceu de ruim em sua vida foi para seu próprio bem. Por isso, quando alguma coisa ruim aparece em seu caminho, ele logo vislumbra algo de bom se aproximando.

 

                        E a quem devo essa riqueza de vocabulário que inclui palavras tão exóticas? A resposta é uma só: ao doutor Antônio Neuber Ribas, meu primeiro chefe na Câmara dos Deputados.

 

                        Seu Ribas, como todos o chamávamos, mesmo depois dele colar grau em Direito e Administração, era um homem de vasta sapiência, grande cavalheirismo, seriíssimo no desempenho da função pública e um folgazão nas horas de lazer. Na Seção de Material da Diretoria do Patrimônio, exarava despachos, pareceres, ou esboçava correspondências a serem assinadas por autoridades do escalão superior, os quais eu tinha a incumbência de datilografar com o esmero exigido na confecção de todos os papéis daquela Casa. Aprofundando-me no estudo e na análise dos escritos magistralmente elaborados, nas ideias bem expostas, na mineirice ao se expressar, transformei-me num rato de dicionário, podendo hoje dizer – e nisso não o desmereço – que com Seu Ribas aprendi a redigir. E sua transmissão de conhecimentos aos auxiliares não se restringia apenas aos documentos oficiais. Gostava de comentar as notícias de jornais e tevês, ressaltando alguma gafe ou um vocábulo com acepção incomum. Aqui e ali, tirava um termo do bolso do colete, só para ver se pegava o interlocutor na curva. E isso me fazia mergulhar no Aurélio, à cata de sinônimos de palavras novas com que deparava na datilografia, na leitura dos escritores nacionais e estrangeiros, em que sempre fui viciado, ou na resolução de palavras cruzadas. Em nossas conversas, no intervalo do expediente, saía-se com perguntas desse tipo:

 

                        – Raimundo, o que é dintel?

                        – Ora, Seu Ribas, é o apoio lateral das prateleiras nas estantes!

                        – E o que é ambão?

                        – É um tipo de tablado, onde os oradores põem o texto que vão ler!

                        – Mas peanha você não sabe o que é!

                        – É um pedestal sobre o qual se assenta uma imagem!

                        – Você sabe o que é anônfalo?

                        – É a pessoa que não tem umbigo!

 

                        Ele se divertia com esses diálogos. E quanto mais ele perguntava, mais aguçava em mim a curiosidade e a vontade de aprender. De outra feita, atacava com as fagias:

 

                        – O que é andrófago?

                        – Pela etimologia da palavra, é quem come o homem!

                        – E ginecófago?

                        – Também, pela etimologia, é quem come a mulher!

                        – E sicófago?

                        – É quem come figo!

                        – Esta é até engraçada: o é coprófago?

                        –É quem come fezes!

 

                        Um dia, a casa caiu. Seu Ribas me apanhou de jeito. Detonou à queima-roupa:

 

                        – Raimundo, dê-me um sinônimo da palavra alectoromaquia.

                        – Olhe, Seu Ribas, agora o senhor me apertou sem me abraçar. Não sei!

 

                        Foi aí que Seu Ribas, meu mestre, me narrou o fato a seguir.

“Uma vez, Raimundo, na chefia da Assessoria Legislativa, eu estava assoberbadíssimo de serviço, despachando com o assessor Sonílton Campos Fernandes, quando entrou na sala o deputado paulista Minoru Massuda, que solicitou a redação da minuta de um projeto de lei permitindo a realização de brigas de galos em todo o território nacional. O deputado expôs seus motivos, afirmando que é até uma crueldade proibir esse esporte, uma vez que o galo é um animal guerreiro e só vive feliz quando se encontra em combate. Citou até o eminente chanceler Oswaldo Aranha, cujo galo Capacete de Aço era o terror das rinhas. Perguntado se apreciava essa modalidade de diversão, o deputado exibiu seu cartão de visita:

MINORU MASSUDA
Capitão PM
Deputado Federal
Galista

Ao vê-lo, o Sonílton sugeriu:

 

       – Deputado, não seria melhor colocar um nome mais apropriado para sua especialidade? Que tal alectoromaquista, termo que define todos os aficionados desse esporte?

 

                        Melhor não poderia haver. O deputado saiu felicíssimo, com o rascunho da proposição – que viria a ser o Projeto de Lei nº 3.500, de 1977 –  e com a bela palavra que, dali em diante, incorporaria a seu currículo.”

 

                        Após ouvir esse relato declarei:

 

                        – Seu Ribas, essa palavra que acabo de aprender passa a fazer parte do meu acervo intelectual e constará do meu cartão, pois fui um rinhadeiro militante nos meus tempos de criança.

 

                        Há poucos dias, rememorando com ele esses momentos de erudição, recebi mais uma aula:

 

                        – Raimundo, você podia acrescentar em seu cartão a palavra eolista!

                        – O que é isso, Seu Ribas?

                        – É a pessoa que curte o esporte de empinar papagaio ou pipa!

 

                        Verdadeira enciclopédia esse Seu Ribas!

 

Antônio Neuber Ribas: mineirice e sapiência

 

Uma alectoromaquia

 


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