Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Do Jumento ao Parlamento quarta, 07 de dezembro de 2016

OS ALMOCREVES

DO LIVRO DO JUMENTO AO PARLAMENTO

OS ALMOCREVES

Raimundo Floriano

 

Dom Ratinho, Raimundo Floriano, Afonso e Rosimar:

Três em riba dum!

 

                        Sei que vou enfrentar uma pedreira! Ainda nem comecei a narrar os acontecimentos, e já aparece um indivíduo, desses que só sabem é meter gosto ruim, querendo impugnar meu trabalho. Abstenho-me de identificá-lo. Nutro por todas as pessoas citadas nominalmente neste livro um sentimento de respeito, ou de admiração, ou de simpatia, ou de amizade, ou de tudo isso junto.

 

                         O sujeitinho se aproxima e fala assim:

 

                        – Raimundo Floriano, você está cometendo um plágio. A obra Do Jumento ao Parlamento já existe. Foi escrita pelo padre Antônio Vieira, jesuíta português, lá por volta de 1650.

 

                        Santa ignorância! Não perco o tempo com o energúmeno, por duas simples razões: nunca dei colher de chá pra muquirana e não sou lagoa, pra refrescar fiofó de pato. Esse nobre jesuíta, orador sacro e escritor, autor de Cartas e Sermões, viveu no Brasil no século XVII, e nosso Poder Legislativo só começou a funcionar no início do século XIX. O padre a quem ele se refere é outro, que teve marcante atuação no cenário religioso, político e cultural brasileiro no século passado, sendo, também, o principal e mais ilustre almocreve de nosso país.

 

                        Almocreve, como todos estão cansados de saber, é a pessoa que lida com mulos, o mesmo que muares, o mesmo que burros. Como os muares são filhos de jumento com égua, ou de cavalo com jumenta, almocreve, por extensão, é a pessoa que cuida de jegues.

 

                        O padre Antônio Vieira a quem me reporto, eleito deputado federal para a legislatura 1967-1971, nasceu em 1919, na cidade de Várzea Alegre, Estado do Ceará. Fez seus estudos eclesiásticos no Crato e Fortaleza. Ordenado sacerdote, foi professor durante 11 anos no Seminário do Crato onde dirigiu também o jornal da Diocese. Foi vigário de Icó e cura da Catedral de Iguatu. Escreveu habitualmente em jornais do Ceará, e seus artigos sempre trouxeram mensagens de bondade, esperança e amor. Seus livros Cem Cortes Sem Recortes e O Verbo Amar e Suas Complicações se esgotaram em poucos meses.

 

                        O Jumento, Nosso Irmão é sua obra-prima. Publicado em 1964 pela Livraria Freitas, é um tratado sobre o jumento, focalizando-o na História, Religião, Economia, Folclore e Literatura. Esgota o assunto.

 

                        Nesse tratado, ficamos sabendo que os primeiros jumentos aqui chegados parece terem sido trazidos por dona Ana Pimentel, esposa e procuradora de Martim Afonso de Sousa, donatário das capitanias hereditárias de São Vicente e do Rio de Janeiro, em 1534, na caravela Galga, e que tal alimária vive, normalmente, de 25 a 30 anos.

 

                        A Câmara dos Deputados conheceu também outro grande almocreve, na pessoa do deputado paraibano Januário Feitosa, representante do Ceará. Dele cuidarei mais adiante, dedicando-lhe página especial. Em Januário Feitosa, Uma Vida e Muitas Lutas, Raimundo Eufrásio Oliveira narra esta sua aventura no início da adolescência: aos 14 anos, recebeu do pai a incumbência de conduzir de Lagoa do Mato para Cajazeiras, na Paraíba, uma tropa de burros e jumentos, com 18 cargas de rapadura, pesando cento e vinte quilos cada uma. Em um dia e meio de viagem, ele cumpriu a tarefa com pleno êxito.

 

                        Grandes almocreves são o poeta Orlando Tejo e o escritor Esmeraldo Braga. Funcionários do Senado Federal, ambos produziram a peça teatral A Hora e a Vez do Jumento, que aborda o tema da extinção dos jericos na desenfreada matança para exportação de sua carne.

 

                        Sobre idêntico extermínio, outro letrado almocreve, o cordelista alagoano Enéias Tavares dos Santos, no romance Lamentação de um Cavalo Indo para o Matadouro, versejou:

 

   “O povo vive à deriva,

Sem religião, sem nada.

Por isso é que um fazendeiro,

Criatura desalmada,

Agora, em Minas Gerais,

Vendeu vários animais

Para uma charqueada.

 

Na carrada, iam jumento

Cavalo, burro e cachorro.

Um zurrava, outro latia,

Como quem pede socorro,

Ou, talvez, fossem dizendo:

Pelo jeito que estou vendo,

Desta vez eu sei que morro!

 

                              Damião Galdino da Silva, o Damião do Jegue, foi o mais popular almocreve do Parlamento.

 

                             Também funcionário da Câmara Alta, Damião nasceu no município paraibano de Espírito Santo. Em 1962, como soldado do Exército Brasileiro, integrou o Batalhão Suez e, no Oriente Médio, recebeu condecoração da ONU. De volta ao Brasil, reingressou na vida paisana e foi admitido no Senado como Motorista.

 

                           Em Brasília, equipou um jumento com faróis, sinaleiras, pisca-pisca, buzina, freios, velocímetro, bateria e outros acessórios. A esse veículo, deu o nome de Jericar. Bastou dar uma circulada na Praça dos Três Poderes com sua invenção, para ter, no dia seguinte, o nome e as fotos, dele e do jegue, publicados nos maiores jornais de todo o mundo.

 

                           Simpatizei com Damião do Jegue na primeira vez em que o vi, por um motivo pra lá de especial: sabia ele todo o repertório de forrós, sambas, marchinhas e frevos compostos ou interpretados por Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo. Sendo eu um jacksoniano juramentado, ouvi-o por mais de hora. Cantou muitas músicas que eu não conhecia e me ensinou a letra completa de várias outras.

 

                                 Em 1980, Damião resolveu doar o Jericar ao Papa João Paulo II, quando de sua visita ao Brasil. Criou-se, aí, um problema diplomático, e o Itamaraty não sabia como proceder para entregar o presente ao Santo Padre em Roma. A CNBB ficou de estudar o assunto.

 

                             Em 1983, depois de tanta espera, Damião iniciou uma série de atos de protesto. Subiu a rampa do Palácio do Planalto com o Jericar, acorrentou-se à Torre de TV, escalou o mastro da Bandeira Nacional e ameaçou suicidar-se, fez greve de fome, tudo isso sob o pretexto de conseguir mais atenção para o sofrido povo nordestino. Mais tarde, chegou a se candidatar a um cargo eletivo, obtendo votação inexpressiva.

 

                                     Era um agitador cultural, um cara criativo, um sonhador. Pena que tenhamos sido prematuramente privados de seu convívio!

 

                        Também eu fui um almocreve em minha infância e no Exército Brasileiro, servindo na Companhia de Petrechos Pesados - CPP do 25º Batalhão de Caçadores, Escola de Sargentos das Armas e 12º Regimento de Infantaria, onde todo o armamento de grande porte – metralhadoras e morteiros –, munição e suprimentos era hipotransportado, quer dizer, nas costas de muares, isso até fins de 1958, quando se iniciou a motorização.

 

                             Quando eu era menino, meu pai possuía dois jegues: o Jumento Velho e o Dom Ratinho. O Jumento Velho, como o próprio nome faz perceber, já trintenário, recebera carta de alforria e era mantido, na ração e no pasto, com tratamento especial, em merecida aposentadoria. Por seu turno, o Dom Ratinho, moço ainda, esbanjava polivalência, constituía-se em pau para toda obra.

 

                                      Naquele tempo, não existiam, ainda, nas plagas sul-maranhenses, água encanada e botijão de gás. Todos os dias, bem cedinho, púnhamos a cangalha no lombo do Dom Ratinho, pendurávamos nela dois caixotes, cada qual com duas latas de querosene vazias de 18 litros, e íamos ao rio buscar o precioso líquido. Uma vez por semana, à tarde, colocávamos-lhe a cangalha, equipada com 4 cambitos, e rumávamos para a mata, em busca de lenha para uso nos fornos e fogões. Na época da colheita, ele trazia de nossa roça, a 12 quilômetros da cidade, vencendo íngremes ladeiras, em abarrotados jacás, toda a produção de melancia, jerimum, macaxeira, milho, arroz, feijão e fava, num constante vai-e-vem.

 

                                       Aos domingos, todo encilhado, transformava-se em veículo de passeio. Levava-nos ao campo de aviação para vermos a chegada dos passageiros, uma das poucas diversões da cidade.

 

                                  Ocorria, muitas, vezes, não termos muita paciência para gastar tempo botando-lhe arreios. Era apenas um cabresto, e olhe lá. Como só dispúnhamos do Dom Ratinho, eu e dois dos meus irmãos, Afonso e Rosimar, montávamos em seu espinhaço, em pêlo, e saíamos a dar um giro pela cidade. Ao passarmos pelas ruas, era arriscado ouvirmos algum gaiato gritar:

 

                                            – Três em riba dum! A berruga é no cu dum!

 

                                              É como dizia o deputado Padre Antônio Vieira, ao prefaciar sua obra-prima:

 

Há um jumento na história de todo menino do sertão.

 


quarta, 07 de dezembro de 2016 as 12:21:23

Florindo Alves Simões
disse:

Relembrei algumas coisas da infância. De um burro empacador. De arrastar água da cacimba numa carretinha com um barril de madeira puxada por um petiço percherão.


Responder comentário - Cancelar
quarta, 07 de dezembro de 2016 as 12:54:43

Raimundo Floriano
disse:

Ô, Florindo, assim, eu vou ter que gastar meu dicionário, para entender tanto gauchês!


Responder comentário - Cancelar

Escreva seu comentário

Busca


Leitores on-line

Carregando

Arquivos


Colunistas e assuntos


Parceiros