OS CÃES RADIOATIVOS DESCENDENTES DE CHERNOBYL (1986)
COMPILADO D ESCRITO POR
Robson José Calixto
Cão radioativo descendente do incidente de Chernobyl. Fonte: Getty Images.
Introdução
No dia 26 de abril de 1986, às 01h:24min da manhã, o quarto reator nuclear da usina de Chernobyl explodiu, causando desastre sem precedentes em vista aos seus impactos socioeconômicos e ambientais, bem como na longevidade das pessoas e dos animais afetados pela contaminação mortal gerada. A radioatividade gerada teria sido 200 vezes as produzidas pelas bombas lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ao final da Segunda Guerra Mundial.
Em função do incidente e da contaminação gerada estima-se que:
Habitante de vila da região que insiste em permanecer morando no interior
da zona de exclusão da usina nuclear de Chernobyl. Fonte: Imgur.com.
Interessante saber que relatório de posse da KGB (Serviço Secreto da União Soviética), em 1979, indicava desvios no projeto da usina e violações na constituição e montagem dos geradores das unidades 1 e 2, o que poderiam causar vazamentos e acidentes. A KGB também sabia, no início de 1984, que a usina nuclear estava com problemas, com deficiências nos 3º e 4º blocos (ou unidades), devido à baixa qualidade dos equipamentos provenientes das empresas iugoslavas.
A partir daí, o Ministro de Energia e Eletrificação Soviético proibiu a publicação de qualquer informação a respeito de possíveis efeitos adversos sobre empregados e habitantes e meio ambiente da localidade. E pelo visto os soviéticos sabiam que a usina se tornara uma bomba relógio, apesar de propagandearem a sua máxima segurança.
Mapa da região onde fora implantada a usina nuclear de Chernobyl. Fonte: Wikipédia.
O Incidente
No dia anterior à explosão começaram os preparativos para teste de funcionamento de turbina no caso de defeito. Para esse teste a capacidade da usina foi reduzida e uma turbina desligada. Contudo, o controlador da rede de eletricidade da Ucrânia pediu que o teste fosse postergado, pois toda capacidade da unidade 4 estava sendo demandada. Tal fato provocou atraso de 10 horas no teste, enquanto isso, ocorriam trocas nos turnos das equipes e corpos de engenheiros. Informações sobre os procedimentos adotados foram repassadas. A retomada dos procedimentos ocorreria bem tarde da noite concomitante com a troca para equipe noturna, composta de técnicos pouco experientes e que não estavam preparados para a realização do teste, que deveria ter acontecido naquele dia, mas bem mais cedo. Ademais, havia um absurdo e mortal senso comum de que uma usina nuclear nunca explodiria.
Ainda durante a preparação do teste, já nas primeiras horas da madrugada do dia 26 de abril de 1986, alguns problemas começaram a se suceder, concomitante à dificuldade dos operadores de manter a capacidade de geração de energia da usina estável, além de equívocos na tomada decisão, a saber:
Começou o teste e tudo o que não era previsto para acontecer acontece em pouco mais de 30 segundos, mesmo que o acionamento para abaixar as hastes tivesse sido acionado. Ondas de choque são lançadas, tubos de combustível se deformam devido à pressão do vapor ter aumentado muito. Partículas de combustível caem na água de resfriamento que entra em ebulição, vaporizando-se. A pressão nos tubos se eleva ainda mais.
O que esperar da sequência de decisões equivocadas, estranhas, insanas, quiçá inocentes, e mortais? Bum! A tampa de 1000 toneladas acima dos elementos de combustível, em cima do reator, é soerguida: ocorre a primeira explosão, com a liberação de radiação. A lufada de ar com o oxigênio funcionou como comburente e chamas se espalharam engolfando o grafite utilizado nesses equipamentos. O metal dos tubos derretidos entrou em contato com a água produzindo reação química, com liberação de hidrogênio. Bum! Bum Nuclear!! Detritos flamejantes viajam pelo ar em direção ao telhado da unidade 3 da usina, coberta por betumem, novo incêndio se irrompe. Operadores que foram enviados para examinar o núcleo do reator, que já estava exposto ao ambiente, morrem imediatamente pela radiação – não bastavam as explosões, precisavam morbidamente comprovar que se vivenciava uma explosão atômica!
Mesmo com toda a tragédia se desencadeando os gestores da usina acreditavam que tudo estava bem e passavam a seus chefiados essa falsa realidade, ordenando que se injetasse mais água de resfriamento no reator. Claro morreriam pela exposição. Nem todos, que acabariam presos e sentenciados a 10 anos de prisão por infligirem as regras de segurança, mas só cumpririam 04 anos.
Bombeiros da brigada rapidamente chegaram, em número insuficiente e de forma inocente, desconhecendo a radiação liberada, ao local das explosões, todos morreriam quase imediatamente ou mais tarde devido à exposição à radiação. Policiais e mais bombeiros se mobilizaram para combater os incêndios ou para impedir que as pessoas entrassem ou saíssem da cidade, todavia não vestiam roupas apropriadas de segurança ou utilizavam dosímetros de radiação. Todos desenvolveriam doenças crônicas devido à exposição à radiação, ninguém fora avisado.
Corpo do perito em radiação Alexander Goureïev sendo velado. Ele atendeu o incêndio
no telhado da unidade 3, morrendo depois por doença provocada pela radiação recebida. Fonte: Imgur.com.
Enquanto isso a unidade 3 de Chernobyl continuava a pegar fogo e as brigadas se esforçando para controlar o incêndio. Essa unidade só seria fechada por volta 05 horas da manhã. Tudo poderia ter sido pior, pois havia ligação entre as 4 unidades, se não fossem 08 destemidos bombeiros que injetaram no ar nitrogênio, impedindo que a destruição dos 04 reatores. Metade desses bombeiros morreria logo a seguir. Por volta das 14 horas daquele 26 de abril de 1986 chegariam militares do Exército com equipamentos adequados.
Equipes de limpeza atendendo a unidade 3. No início foram utilizados robôs que não
resistiram o nível de radiação. Depois eles resolveram empregar humanos mesmo,
que não poderiam ficar mais que 40 segundo no local. Muitos morreriam ou teriam sérios problemas de saúde. Fonte: Imgur.com.
Todavia a unidade 4 continuaria liberar por 10 dias gases radioativos, aerossóis e partículas de combustível. O grafite também continuou a queimar, liberando mais radiação para a atmosfera.
Brigadista sendo atendido em clínica especializada de Moscou, em janeiro de 1987. Fonte: Imgur.
Os destroços do reator 4 foram enclausurados em uma estrutura de concreto, mas que ao longo do tempo fraquejou. Assim, a Ucrânia e mais oito países industrializados elaboraram um plano para estabilizar a estrutura remanescente, construindo um “sarcófago” em volta dela, com estimativa que dure 100 anos.
A nova estrutura planejada para confinamento da unidade 4 de Chernobyl. Fonte: IAEA.
Vista aérea do que restou da usina de Chernobyl. Ao fundo a unidade 4
enclausurada em seu “sarcófago”. Fonte: Getty Images.
O reator 2 acabaria por ser fechado em 1991, depois de um incêndio. Já os reatores 1 e 3 foram fechados, respectivamente, em 1996 e 2000.
O acidente nuclear de Chernobyl ocorreu não em uma área isolada, mas em uma com clima temperado e presença de flora e fauna. Ambos os efeitos de radiação aguda (morte por radiação de plantas e animais, perda de reprodução, etc.) e efeitos a longo prazo (mudança de biodiversidade, anomalias citogenéticas, etc.) foram observados nas áreas afetadas, em particular dentro da área de exclusão.
Peixes mortos sendo coletados do lago artificial de Chernobyl. Foto: Imgur.com.
Campo de maçãs contaminadas pelo incidente no reator da unidade 4 de Chernobyl. Forte: Imgur.com.
Os Cães Radioativos
Às quase 120.000 pessoas que foram evacuadas da área de exclusão do incidente nuclear só foi permitido levar o que podiam carregar com as mãos, assim gatos, cachorros e outros animais de estimação, em milhares, foram deixados para trás, morrendo ou sendo contaminados pela ingestão de água e alimentos contaminados.
Cão radioativo descendente fuçando o lixo em busca de comida. Fonte: Getty Images.
Estima-se que, na atualidade quase 900 cães (há controvérsia nesse número, podendo ser menor), vagueiem dentro e fora da zona de exclusão da usina nuclear de Chernobyl, pressionados e fugindo de lobos que habitam a região ou em busca de comida, fuçando compartimentos e o lixo deixado por trabalhadores e militares que lá habitam. Esses cães (abandonados) são descendentes daqueles que 31 anos foram deixados para trás durante a evacuação.
Cão radioativo abandonado sendo capturado para testes. Fonte: Getty Images.
Filhotes de cães radioativos sendo transportados para tratamento e testes. Fonte: Getty Images.
Em um projeto denominado “Cães de Chernobyl” pesquisadores voluntários capturam esses animais e realizam neles testes de radiação, para verificação da exposição a raios gama e derivados do plutônio, além de medirem o nível do césio nos seus interiores. Os pesquisadores os vacinam contra doenças parasitárias e rábicas, soltando-os no interior da zona de exclusão de forma que sejam monitorados e acompanhados, a partir de colocação de colares equipados com sensores de radiação e GPS. Testes já detectaram níveis de radiação 20 vezes maiores que o normal.
Medidor de radiação apontado níveis maiores que o normal em cão radioativo. Foto: Getty Images.
Cão radiativo e filhotes sendo cuidados por pesquisadores do Projeto “Cães de Chernobyl”.
Entretanto soltos, esses cães também são utilizados para marcar e mapear o nível de exposição à radiação em áreas da usina nuclear onde as pessoas não têm acesso, devido ao perigo de contrair problemas de saúde. As pessoas não vivem na zona de exclusão de Chernobyl, mas ela é o lar de centenas de cães abandonados.
Filhote abandonado dos cães radioativos de Chernobyl. Foto: Getty Images.
Brasília, 26 de agosto de 2017.
Nota do Escritor - Para a elaboração do presente texto, que é uma compilação, foram usadas as seguintes fontes:
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Triste demais, mas serve de lição iinfelizmente.