O criador do moderno teatro brasileiro, o polêmico e genial Nélson Rodrigues, foi ele próprio um grande personagem. Sua vida pessoal foi marcada por inúmeros percalços: teve o irmão, também jornalista, assassinado; o pai, por conta da morte do irmão, logo se foi; a tuberculose o mandou diversas vezes para sanatórios; a úlcera não lhe deu tréguas… Mesmo assim, Nélson Rodrigues trabalhou feito mouro, escreveu inúmeras peças de teatro, crônicas e tudo o mais que fosse preciso escrever para garantir a subsistência da família.
Sua trajetória, em detalhes, está descrita em “O Anjo Pornográfico”, de Ruy Castro. Um livro que deve – mais que lido – ser degustado, pela riqueza de informações e pela qualidade do texto. É dele que retiro a historinha que segue.
Durante três meses, Nélson ficou “internado” na sala de sua casa, já que se recusava a voltar para o hospital, onde fora operado da vesícula e para o qual fora levado outra vez por conta de complicações no pós-operatório. Vivia cercado de gente: familiares, vizinhos e parentes. “Durante o dia, o ‘quarto’ de Nélson tinha uma plateia de FLA-FLU”, escreve Castro.
Nas raras vezes em que ele ficava só (tinha medo de morrer sozinho), Nélson apelava em tom dramático para a sogra:
– Dona Concetta, fique comigo. Venha me ouvir gemer.
* * *
Nélson adorava sanduíche de mortadela. Mas a úlcera, sempre ela, lhe castigava. O mestre, então, chamava o contínuo – que à época, ao contrário de hoje, não era guri – e lhe propunha um bom negócio. Que o homem fosse buscar o sanduba. Ele pagava com gosto. Mas tinha um preço: o sortudo tinha que comê-lo na frente de Nélson. Que babava de satisfação.
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