Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Centenário de Balsas domingo, 18 de março de 2018

OS VERSOS QUE TE FIZ

 

OS VERSOS QUE TE FIZ

Sileimann Kalil Botelho

 

 

Dizem que, se sentirem a aproximação da morte, os elefantes costumam empreender o caminho de volta para a região onde nasceram e onde esperam, pacientemente, o fim próximo.

 

Creio que isso, de fato, aconteça e penso mais que, também o homem, como todos os animais, sofre dessa síndrome de retorno à terra natal.

 

Parto do meu próprio exemplo de migrante compulsório que teve de abandonar sua terra aos treze anos de idade e que alimentou o sonho, por mais de cinquenta anos.

 

Esse sonho falava de um retorno em situação equilibrada, quando montaria um pequeno jornal em que pudesse um outro sonho de contar, em letras de fôrma, as vicissitudes da luta pela sobrevivência; publicar alguns dos poemas que escrevera desde menino e fazer um registro semanal dos fatos que fossem desenrolando naquela que fora minha cidadezinha ideal.

 

Hoje, apenas mais um caipira/vagabundo, desses que tropeçam pelas ruas da metrópole, confesso quão lamentável me parece não ter podido fazê-lo. Os fatos trabalharam contra mim e, já disse alguém, – "não se brigam com fatos".

 

Consola-me saber que fiz algum esforço sem, contudo, ter conseguido realizar o velho sonho de ir esperar a morte na velha cidade que me viu nascer e de onde considero ter sido expulso por três vezes, como lhes conto:

 

A primeira delas ocorreu quando, dois anos após a morte de meu pai e esgotados os parcos recursos que deixara, minha mãe chamou-me (o filho mais velho) para explicar que, também, a casa, nos estavam tomando: que íamos passar fome e não queria fazê-lo na cidade onde era membro respeitável da sociedade. Certamente, não sabia quem era Menotti del Picchia e não pudera ouvir-lhe o conselho dos versos magistrais onde ensinava: "Não vás, porque nós bem sabemos que, na terra natal, a própria dor dói menos".

 

E partimos, numa balsa do Major Edísio Cesário da Silva, que nos cedera gratuitamente o espaço, para uma via-crúcis que o grande remédio do tempo não consegue fazer esquecer.

 

Minha segunda expulsão ocorreu de uma forma também comum nestes vastos Brasis de injustiça e miséria e onde há sempre pessoas "mais iguais" que outras, desde os distantes tempos de Pedro Álvares Cabral: Tinha um emprego estável e uma mulher, também estável, professora do Estado. Consegui nossa remoção para a cidade, mas, ao chegarmos, o Prefeito declarou que não daria posse, porque, no Grupo, só havia uma vaga que, estava reservada para uma sobrinha que se estava formando. Se quiséssemos, conseguiria uma vaga em cidade próxima para onde poderíamos ir.

 

Respondemos que ele tinha muitas sobrinhas e podia, perfeitamente, reservar essa outra vaga a alguma delas. E partimos de volta para o exílio.

 

E, a terceira expulsão, seria apenas uma das muitas brincadeiras que aprendi a fazer, na luta pela sobrevivência.

 

Meu sobrinho (e poeta) Odilon Nunes Botelho Júnior queria levar-me para ouvir com ele, os sinos da velha Matriz de Santo Antônio, onde fomos batizados. Era um convite tentador, quase irrecusável. Mas, veio acompanhado de um exemplar da História do Sul do Maranhão, escrita por Eloy Coelho Netto, meu antigo colega de bancos escolares. E foi nessa razoável História, que verifiquei estar sendo, pela terceira vez, expulso da minha cidade. O autor, em vários capítulos, analisa, com alguma competência, todos os aspectos físicos e humanos do promissor município e cita as principais famílias que praticamente o fizeram, desde a fundação da cidade. E a minha família não estava lá, embora nossas mães fossem amigas, nossos pais jogassem diárias e barulhentas partidas de gamão, e nós dois tivéssemos alisado os mesmos bancos do famoso Educandário Coelho Neto. Mas, talvez estranha coincidência, aquele Major Edísio que nos dera as passagens da primeira expulsão, era pai do autor.

 

Para mim, foi demais. Não consegui deixar de sentir-me excluído e, por isso, cancelei a viagem que, talvez, pudesse ter-me levado a realizar o velho sonho.

 

E, também, talvez, para dissimular um pouco, escrevi os versos abaixo, que dediquei ao Júnior e o transformei em mensageiro da minha mágoa:

 

Os versos que te fiz na aprendizagem

Do meu exílio, deste estar distante

Fracos de rima, tíbios na mensagem

Rasguei-os todos... Pobre diletante!

 

Mas tinham eles o frescor da aragem

Que te perpassa o solo a cada instante

O perfume das flores, a paisagem

A água do rio, pura, borbulhante.

 

Tinham o sabor da murta e da mangaba

Que eu colhia, no antigo Potosi

Em trançados bornais de piaçaba

 

E o amargor do pranto que verti

Na solidão que sobre mim desaba

Desde o dia fatal em que parti

 

(São apenas sessenta anos. "Mas, como doem".)

 

Nota do Editor: O escritor e poeta balsense Sileimann Kalil Botelho faleceu em Sobradinho (DF), no dia 24.04.2013, aos 86 anos de idade. É dele o poema Festas de Junho, publicado à página 89 de meu livro Memorial Balsense.


quinta, 27 de setembro de 2018 as 07:02:26

Boanice Botelho Kalil Júnior
disse:

Meu grande Tio Sileimann,... quanta falta faz ao nosso cenário diário,... quanta falta faz o ultimo sobrevivente dos moicanos, dos muitos honrados em que tive o prazer em dar-te bençãos, irmão mais velho do meu pai Boanice Botelho Kalil (falecido). Saudades eternas!!! Meu consolo é que um dia iremos nos encontrar.


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