Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura - Contos e Crônicas sexta, 05 de fevereiro de 2021

PERNA DE PAU (CONTO DO MARANHENSE COELHO NETO)

PERNA DE PAU

Coelho Neto

(Grafia Original)

 

 

Já grisalho, alto e magro, olhos miúdos e negros, mas de um brilho estranho, viam-no todas as manhãs passar à porta do colégio com uma grossa e nodosa bengala.

Conheciam-no pelo toc-toc da perna de pau; e logo, chamando-se uns aos outros, corriam todos os meninos às grades, e, quando o inválido passava, rompiam em assuada: — Oh, perneta!

Ele sorria docemente; os seus olhos bravios, de uma expressão feroz, ameigavam-se; e, longe de agastar-se, tirava o seu grande chapéu de abas largas e fazia uma barretada, não sei se para brincar com os pequenos, se para lhes mostrar os cabelos brancos.
 
Um dia o diretor chamou-o para lhe fazer presente de umas roupas, de sorte que, à hora do recreio, quando os meninos saíram para o pátio, viram com surpresa o Perna de Pau sentado tranquilamente em um dos bancos. 
 
Receosos murmuraram: — Vem dar parte! Vem queixar-se ao diretor! — mas o bom homem sorria com tanta meiguice, que um dos pequenos ousou acudir o seu chamado.
 
— Venha cá, meu menino! Tem medo de mim?
 
— Não! — disse com orgulho o pequeno.
 
— Então venha até cá... eu gosto muito de crianças.
 
O menino adiantou-se, e os outros, vendo a bondade do inválido, acercaram-se dele, e o bom homem ficou numa roda de crianças, feliz, sorrindo. Um dos pequenos, curioso, perguntou-lhe então ingenuamente:
 
— Que é da tua perna, homem?
 
— A minha perna, meu menino? A minha perna um bicho mau levou!
 
A estas palavras a curiosidade dilatou todas as pupilas, e os meninos, esquecendo o recreio, chegaram-se mais ao homem, perguntando:
 
— Que bicho? Como foi? Conta...
 
— Ah! Meus meninos... eu era um rapaz robusto; vivia na minha terra descansadamente, quando correu a notícia de uma fera, que deitava fogo pela boca, queimando as cabanas e as plantações dos pobres, andava se arrastando pela vizinhança da nossa terra.
 
Diziam que ela matava velhos e crianças. Muitos moços da minha idade partiram para combater a fera que lhes ameaçava a casa e a vida dos velhos pais; eu também tinha minha mãe, uma velhinha, e quando me disseram que o animal podia matá-la, não pensei mais, meus meninos, tomei de uma arma e parti num bando.
 
Todos quantos nos viam passar abençoavam-nos: um, porque nós íamos defender a sua casa; a mãe, porque íamos evitar que a fera lhe viesse arrancar o filho dos braços, o enfermo, porque não consentiríamos que fosse maltratado. Os velhos mostravam-nos os cabelos brancos, as donzelas atiravam-nos flores, e nós seguíamos, levando todas essas lembranças num registro, que um dos nossos conduzia, para que sempre lembrássemos do que viríamos e ouviríamos. 
 
E chegamos ao sítio em que a fera errava. Ah! Meus meninos! Quanto mal ela já havia feito! Quanta criancinha órfã, quanta cabana reduzida a cinzas, quantos campos devastados! Felizmente, encontramo-la e o combate travou-se.
 
Muitos dos meus companheiros lá ficaram, devorados pelo dragão terrível; eu, mais feliz, apenas perdi uma perna: e não me arrependo, nem lastimo a dor que sofri, porque, de volta à casa, encontrei minha mãe fiando, e vi minha terra tranquila e farta, todas as mães contentes, e os velhos respeitados.
 
— Que seria de vossas mães, meus meninos? Talvez tivessem sido vítimas como outras foram...
 
— E que bicho era? Perguntou o pequeno curioso.
 
— A guerra, meu menino! — disse o inválido — Foi na guerra que deixei a minha perna, e não me arrependo: fiz o meu dever, defendendo a minha Pátria, e, quando voltei com peito coberto de medalhas, ainda achei minha velha mãe que me abençoou. Hoje estou velho e doente, e os meninos riem-se de mim...
 
— Não riremos mais! — disse um pequeno com os olhos rasos d’água; e atirando-se ao pescoço do velho soldado, pôs-se a dizer, comovido:
 
—“Não riremos mais! Não riremos mais!” — e o Perna de Pau, no meio das crianças que procuravam abraçá-lo, rindo, mas com duas lágrimas nos olhos, dizia:
 
— Ah! Meus meninos, assim dão cabo de mim! — e todos festejavam o inválido, prometiam-lhe presentes, abraçavam-no.
 
Felizmente pôs termo ao assalto de ternura a sineta, chamando para a aula...

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