Apesar de uma realidade educacional espírita no Brasil de há muito já se fazer presente numa rede escolar que abarca os três graus fundamentais do ensino, do pré-escolar à pós-graduação, mormente no Centro-Sul do país, uma indagação ainda se faz presente nos quatro cantos do país: como fortalecer uma pedagogia espírita nos primeiros tempos de uma caminhada escolar, descaracterizando a formação de místicos e alienados da realidade terrena?
Um livro editado pela décima vez em 2004 bem poderia balizar uma estratégia educacional compatível com os crescentes desafios contemporâneos: Pedagogia Espírita, J. Herculano Pires, São Paulo, Editora Paidéia, 2004, 222 p. Nele, o notável pensador emite algumas reflexões consistentes, que muito deveriam ampliar a missão de educadores militantes que saibam assimilar um prognóstico amplamente recheado de múltiplas aspirações: “O ceticismo dos últimos tempos vai cedendo lugar a um despertar de novas e grandiosas esperanças. A Educação da Era Cósmica começa a nascer e os educadores começam a perceber que precisam renovar os processos educacionais.” Mas apesar dos avanços, Herculano lamenta com intensidade: “Infelizmente, a atitude cultural para com o Espiritismo continua, em sentido geral, a mesma do século passado: preconceituosa e ignorante. Ao lado do preconceito avulta a mais completa ignorância do conteúdo da doutrina e do seu significado, muito embora uma bibliografia espírita seja hoje um vasto acervo cultural, a imprensa espírita constituindo-se numa rede de jornais, revistas, boletins, anuários, programas radiofônicos e de televisão e até mesmo estações de rádio.”
Como o meio básico de transmissão cultural se efetiva através da educação, inevitável se torna o fortalecimento da Educação Espírita no Brasil, apesar de toda a resistência oferecida pelos segmentos considerados verdadeiramente reacionários. Em 1970, acontecia o primeiro curso de Introdução a uma Pedagogia Espírita, cabendo a EDICEL – Editora Cultural Espírita Ltda – lançar a primeira revista de educação espírita do Brasil.
Por outro lado, o nunca esquecido economista Celso Furtado costumava lembrar em seus pronunciamentos: “Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de autodestruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas”.
Relendo outro dia, o pensador Allan Bloom, um dos mais controvertidos ensaístas norte-americanos, autor do muito polêmico O DECLÍNIO DA CULTURA OCIDENTAL, um best-seller que vendeu, até hoje, mais de três milhões de exemplares, verifiquei a atualização dos seus ensaios sobre professores, livros e educação, escritos entre 1960 e 1990, concentrados por ele num instigante volume intitulado GIGANTES E ANÕES. Segundo Bloom, “a essência da educação é a experiência da grandeza”. Ele ressalta a perfeição da fórmula de Pascal – sabemos muito pouco para sermos dogmático e muito para sermos cético – defendendo a vida teórica dos assaltos próprios de um tempo que despreza a filosofia, que asfixia a estratégia em detrimento de táticas imediatistas, eleitoreiras até, nunca políticas, todas oportunistas, algumas até desabridamente nazistas.
Em determinados momentos, o Bloom parece “estar enxergando” o atual quadro universitário brasileiro: “A filosofia, a inimiga das ilusões e das falsas esperanças, nunca é realmente popular, sendo sempre suspeita aos olhos dos que apoiam qualquer dos extremos que estejam no poder”. E a saída por ele apontada deveria ser merecedora de respeitosa atenção: a descoberta das nossas próprias ideias.
Do livro se depreende lúcidas lições sobre a atual ambiência nacional, às vésperas de acontecimentos eleitorais, onde uma República, jamais Nova República, parece emergir de um raivoso e impaciente clamor comunitário. Algumas das lições de Bloom merecem aqui registro neste Jornal da Besta Fubana sempre lúcido, que não se avacalha diante dos marasmos culturais e políticos de um Nordeste ainda acabrestado por muitos currais eleitorais. Tais lições bem que poderiam transformar-se nos DEZ MANDAMENTOS da construção de um desenvolvimento econômico irmão siamês de um igualmente dinâmico desenvolvimento social. Saibamos bem assimilá-las:
1. Participamos de um único cosmo, cada alma sendo reflexo desse mesmo cosmo, nele também refletindo esperanças, conquistas e humilhações;
2. Os acidentes da vida obrigam os homens a adotar costumes que os levam a esquecer a parte total e imortal deles próprios;
3. Quem diz “eu prometo”, sem ter base para cumprir a promessa, é um mentiroso;
4. Se aprendemos o que significa viver com livros, somos forçados a torná-los parte de nossa experiência e de nossa vida;
5. Política significa o governo do homem e isso só pode ser feito em posições de poder legítimo;
6. Se a democracia não pode tolerar a presença dos mais altos padrões de aprendizagem, então a própria democracia se torna questionável;
7. Cultura não deve ser usada para superar as preocupações instintivas com o país, colocando em seu lugar uma lealdade falsa e alimentando uma perigosa ausência de sensibilidade para com a política real;
8. Quem só possuir visão “econômica” não poderá, de forma consistente, acreditar na dignidade do homem ou no status especial da arte e da ciência;
9. Quando a suave luz dos grandes livros estiver para sempre obscurecida pelas chamas ardentes da interpretação fantasiosa, nossa janela para o mundo estará irremediavelmente fechada;
10. Todos os talentos não passam de recursos para a felicidade maior de todos.
Embasados nos textos acima, como seria oportuno, nos Centros Espíritas do Brasil, a implantação de Núcleos de Pedagogia Espírita, voltados para um aprimoramento da enxergância de jovens e adultos, onde o texto básico inicial seria o de J. Herculano Pires, acima mencionado, onde seriam postas em discussão não as experiências passadas, mas as reelaborações que se fizessem necessárias num plano superior, o da consciência iluminada pela visão espiritual, jamais distanciando crianças e adolescentes dos direitos a uma educação essencialmente crítico-libertadora.
PS. Oportuna por derradeira a leitura e debate do Manifesto da Pedagogia Espírita, IN: Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes, Dora Incontri, Bragança Paulista SP, Editora Comenius, 2012, 280 p. Para se ter “a feminilidade da lua e bravura libertária dos que descobrem novos mundos.